sábado, 25 de abril de 2015

Responsabilidades europeias na Líbia

Incomodando-me a responder, como pede o meu amigo Francisco Seixas da Costa, no seu blog "Duas ou três coisas", aqui  http://duas-ou-tres.blogspot.com/2015/04/questoes-incomodas.html:

Os europeus têm, de facto, responsabilidade pelo caos/santuário terrorista em que se tornou a Líbia. Não por terem ajudado a derrubar Kadafi - exercitado em usar desgraçados de refugiados e pressões migratórias como extorsão  sobre a UE, além de manter sob terror o seu próprio povo. Os europeus têm de se culpar não pelo que fizeram na Líbia post-Kadafi, mas pelo que NÃO fizeram: antes de mais, por negligenciarem as necessidades de reforma do sector de segurança, incluindo desarmamento e reinserção social das milícias - o básico SSR/DDR. 
Desmembrar as milícias e ajudar a criar forças de segurança sob comando central do governo líbio devia ter estado no topo da agenda da ONU e da UE na Líbia post-Kadafi. Como escrevi e recomendei repetidamente nos relatórios que fiz das minhas visitas regulares à Líbia desde o início da revolução, enquanto relatora do PE para a Líbia (em Maio de 2011 fui a Benghazi e à linha da frente onde os líbios lutavam contra as forças de Kadafi, então em Ajdabia - a Libia não foi "regime change" imposto de fora para dentro, como no Iraque em 2003.., o povo líbio estava na rua a lutar contra o opressor). 
Era óbvio que as milícias seriam infiltradas por organizações criminosas e terroristas. Era óbvio que os arsenais deixados por Kadafi estavam ao Deus dará, à mercê de ser encaminhados para as mãos de terroristas na Síria, Mali, etc se ninguém cuidasse de os guardar (ninguém na UE cuidou!...). Era óbvio que não havia forças armadas, polícia ou sistema judicial na Líbia: não havia Estado com Kadafi, ele arrasava quaisquer instituições ou indivíduos que desafiassem o seu poder autocrático.
A UE nunca sequer tentou organizar uma missão CSDP/Libia (como o PE recomendou) para controlar arsenais e cooperar  com outros países (designadamente vizinhos) num programa de SSR/DDR, que UN também nunca lançou...Apesar do último governo líbio de transição (Ali Zeidan) o ter repetidamente pedido, à UE e depois, já em desespero, à NATO: em vão... 
A HR/VP da UE Ashton foi uma calamidade para a Líbia ( e não só...) - estava às ordens de Cameron.... UK, França e Itália (a Alemanha também, embora menos - mais por omissão, do que por acção...) têm principais responsabilidades por impedirem de ser lançada uma missão CSDP abrangente, não apenas focada na segurança das fronteiras - a EUBAM finalmente enviada não podia funcionar, como não funcionou, sem haver comando nacional das forças armadas ou policiais libias - elas pura e simplesmente não existiam senão em nome: o que havia no terreno eram milícias...
UK, Itália e França preferiram apostar em colocar  "advisers" nos ministérios líbios para assegurar o seu "business as usual" - contratos de equipamentos, petróleo, consultadoria, etc, como faziam com Kadafi.  Competiram entre si, em vez de cooperarem estrategicamente para ajudar a capacitar os líbios para a governação, a segurança líbia, regional e a ....segurança europeia. 
Faltou-nos e falta-nos Europa, como o agravamento da tragédia no Mediterrâneo demonstra. E o pior é que o impacto do santuário terrorista em que deixaram transformar a Líbia ainda está apenas a fazer-se sentir...