terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

À conquista do Estado

(Assalto ao Palácio de Inverno, 1917, numa representação soviética posterior)

1. Mesmo se surpreendente, a nomeação de Francisco Louçã para o conselho consultivo do Banco de Portugal mostra que a aliança governativa do BE (e do PCP) com o PS não lhes proporcionou somente as medidas de "reversão da austeridade" acolhidas nos acordos entre as partes, e outras ganhas posteriormente (como a subida extra das pensões), bem como o abandono forçado de uma parte do programa eleitoral do PS.
Há a assinalar mais duas vantagens associadas à entrada na esfera do poder:
  - primeiro, uma maior presença nos média (aliás, bem superior à sua representação política) e uma maior capacidade de agitar no debate público a sua agenda política própria, incluindo os temas em que mais divergem do Governo, como a reestruturação da dívida, a saída do euro, a rejeição da política comercial externa da UE, etc.;
  - segundo, a tomada de posições nas instituições do Estado, como o Conselho de Estado, o Tribunal Constitucional, o órgão de gestão do Ministério Público, etc., o que lhes permite potenciar a sua influência política e premiar a sua elite política com cargos oficiais.
Um bom negócio, portanto!

2. Embora proporcionando o necessário apoio parlamentar ao Governo, os dois partidos da extrema-esquerda parlamentar preferiram, porém, ficar fora dele e mantê-lo na situação de virtualmente minoritário, seguramente para não se comprometerem globalmente com a sua ação e para manterem as mão livres para o combater nas áreas contenciosas (e não são poucas). Mas não desdenham entrar dentro do Estado pela mão do Governo.
Transformados de partidos de protesto em partidos de poder (pelo menos a título experimental...), o BE e o PCP trocam também a ideia revolucionária da tomada do Estado do exterior pela ideia de ocupação do Estado pelo interior.
Resta saber se esta entrada dentro do Estado não passa de uma manifestação de "entrismo" oportunista ou se constitui uma genuína conversão da esquerda radical às instituições da "democracia burguesa". Cem anos depois da revolução russa, era conveniente saber se os seus herdeiros ideológicos ainda alimentam o sonho de a replicar à beira Tejo.