sábado, 21 de outubro de 2017

Corporativismo (7): Nem mais uma Ordem, sff!

1. Quando o Governo é flagelado pelo comportamento sectariamente corporativista de várias ordens profissionais no setor da saúde - tendo o ministro da pasta vindo mesmo questionar publicamente o sentido das ordens profissionais (com razão, aliás) -, não entendo o apoio do grupo parlamentar do Partido Socialista à criação de mais uma ordem profissional nessa área, a dos fisioterapeutas, tendo aliás proposto mais uma, a dos técnicos de saúde, que não obteve apoio parlamentar.
A criação de novas ordens profissionais tem usualmente a sua origem num eficaz lobbying da associação profissional do setor, que consegue o patrocínio, muitas vezes interessado, de alguns deputados, acabando a ideia por obter o apoio acrítico de uma maioria de deputados, eles mesmos já pertencentes a ordens profissionais (advogados, médicos, engenheiros, arquitectos, enfermeiros, etc.).
Assim se faz a captura do Estado pelos interesses profissionais organizados!

2. A proliferação neocorporativista de ordens e câmaras profissionais, por via de regra protecionistas e "malthusianas", numa época dominada pela liberalização e concorrência na prestação de serviços profissionais, constitui um dos fenómenos mais estranhos da nossa vida institucional.
Nunca escondi as minhas fortes reservas em relação às ordens profissionais - aliás herdadas do corporativismo do "Estado Novo" e depois recicladas no regime democrático -, por entender que elas conferem um estatuto oficial à representação e defesa de certos grupos profisionais, já de si os mais poderosos, e proporcionando-lhes, através da inscrição e da quotização obrigatória, um enorme poder de ação e de influência contra o próprio Estado.
Não surpreende que quase todas as ordens profissionais tendam a esquecer ou a desvalorizar as suas funções oficiais (regulação, supervisão e disciplina da atividade profissional e defesa dos direitos dos utentes) e dediquem os seus meios, mais poderosos do que os dos sindicatos, à defesa dos interesses económicos e laborais da corporação, incluindo pelo patrocínio ou apoio a greves!.
Não admira, por isso, que, prevendo a lei que as ordens profissionais possam nomear um provedor dos clientes/utentes, NENHUMA o tenha feito!

3. Não são precisas as ordens profissinais para haver autorregualção e autodisciplina profissional, que sempre defendi. Esta pode ser efetuada, com vantagem, por conselhos reguladores, compostos por representantes eleitos pela profissão e presididos por uma personalidade independente, nomeada nos mesmos termos que os presidentes das autoridades reguladoras da área económica.
A diferença essencial é que tais conselhos não teriam  as funções de representação e defesa oficial de interesses profissionais, designadamente económicos ou laborais, os quais se manteriam remetidos para a esfera das associações profissionais ou sindicais privadas, ao abrigo da liberdade de associação, como sucede com as demais profissões.
É tempo de acabar com o privilégio corporativo das "profissões ordenadas", que viola o princípio da igualdade e o princípio da separação entre o Estado e os interesses privados.