quinta-feira, 30 de junho de 2005

"Religion and International Law"

Tal é o tema deste ano do habitual curso de verão do Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), que vai decorrer entre 13 e 22 de Julho próximo. O curso, ministrado em Inglês, reúne grandes especialistas sobre o assunto, nacionais e estrangeiros; o programa e as condições de inscrição podem consultar-se no website do Centro (link).
Declaração de interesse: Sou director do referido Centro e co-responsável pela iniciativa.

quarta-feira, 29 de junho de 2005

Fundamentalismo

Classificar de «violenta e antidemocrática» a solução de subcontratar a unidades de saúde privadas a realização de abortos nos casos em que eles são lícitos e em que não é possível a sua execução nos estabelecimentos públicos revela a rotunda insensibilidade e o fundamentalismo dos próceres dos chamados movimentos "pró-vida". "Violento e antidemocrático" é negar às mulheres que se encontram nas graves circunstâncias previstas na lei o direito de realizarem a interrupção da gravidez que a lei lhes reconhece.

"Direitos adquiridos"

Se há sectores da função pública em que a convergência da idade de reforma para os 65 anos se justifica por razões reforçadas é naqueles onde, como sucede na saúde (médicos, enfermeiros, técnicos de saúde), a carência de pessoal é maior e onde o regime da função pública coabita com trabalhadores em regime de contrato de trabalho, que só se reformam naquela idade. Às razões financeiras juntam-se razões de serviço público e razões de equidade.
De resto, nesses sectores a carência de pessoal de saúde combinada com a reforma aos 60 anos (quando não era antecipada...) tem como consequência que muitos reformados continuem no exercício da actividade, incluindo no SNS, acumulando a pensão com a remuneração. O aumento da idade da reforma adia essa rendosa situação. Compreende-se por isso a revolta dos interessados (ver a greve dos enfermeiros de hoje). Mas nem sempre os interesses privados dos funcionários públicos são compatíveis com o interesse público.

Referendo (3)

Terá alguma lógica o argumento -- levantado hoje por alguns observadores -- de que a realização do referendo sobre a despenalização do aborto em Novembro iria inquinar o debate das eleições presidenciais, que terão lugar em Janeiro de 2006, cerca de dois meses depois da previsível realização daquele?
Quer-me parecer que é justamente o contrário. Se o referendo ocorrer antes, torna-se "caso julgado", passando o tema a ser irrelevante nas eleições presidenciais; se o referendo for adiado para depois das presidenciais, então sim, será um tema central destas, obrigando os candidatos a tomar posição sobre o referendo, com a inevitável repercussão sobre o alinhamento das forças políticas apoiantes e sobre o voto dos eleitores.

Referendo (2)

Não faz sentido a posição da direita contra a possibilidade da convocação do referendo da despenalização do aborto em Novembro, com o argumento de que não há tempo nem condições para um debate profundo e sério. Primeiro, se existe tema debatido entre nós profunda e seriamente é seguramente esse; prouvera que todos os referendos fossem sobre questões tão "clear-cut" como essa. Segundo, tanto o PSD como o CDS aprovaram a ideia de realização do referendo sobre a Constituição europeia mais cedo e em simultâneo com as eleições locais; ora a complexidade dessa matéria era seguramente muito maior e a simultaneidade com as eleições não tornava o debate mais clarificador.
É evidente que o que a direita quer é ir adiando o mais que puder o referendo da despenalização do aborto, porventura na esperança de que um novo Presidente da República o não convocaria...

Referendo

Não tem a mínima justificação a surpresa, muito menos a censura, da oposição de direita e de alguns comentadores com ela alinhados em relação à anunciada intenção do PS de propor a realização do referendo da despenalização do aborto (que, recorde-se, é um compromisso eleitoral socialista) entre as eleições locais e a convocação das eleições presidenciais, ou seja, em Novembro. Era de há muito manifesto o próposito do PS de levar a cabo esse projecto antes cedo do que tarde. Houve, primeiro, a proposta formal de o realizar antes do Verão, inviabilizada pela recusa do Presidente em convocá-lo. Houve, depois, uma óbvia tentativa de permitir a sua realização conjuntamente com as eleições locais, impedida pela recusa do PSD em alterar a Constituição de modo a viabilizar essa possibilidade. E já tinha sido várias vezes aventada na comunicação social a possibilidade de o realizar antes das presidenciais, bastando para isso encurtar os prazos de convocação de referendos e das eleições, o que aliás é um bem em si mesmo.
Se todas as "surpresas" fossem tão obviamente esperadas como esta...

Constrições religiosas

O parecer da Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida sobre as transfusões de sangue e as Testemunhas de Jeová parece convincente. As pessoas adultas, depois de devidamente informadas sobre as consequências da sua decisão, podem recusar o tratamento, de acordo com o que entendem serem os mandamentos da sua religão. Mas isso não se aplica aos menores, inconscientes e incapazes, que não gozam de autodeterminação e cuja saúde e vida não podem ser decididas por terceiros, com base na sua própria (deles, terceiros) religião.

terça-feira, 28 de junho de 2005

"Direitos adquiridos"

«(...) Não existe nenhum beneficiário de privilégios que não os ache justíssimos, ou mesmo insuficientes». No meu artigo de hoje no Público (texto integral indisponível on-line, salvo por assinatura) abordo a teoria dos "direitos adquiridos" no caso das regalias da função pública, em geral, e dos regimes especiais, em particular. Não conto receber obviamente o aplauso dos beneficiários...

Que País, este!

O Conselho directivo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa votou a propina mínima para o próximo ano, mercê dos votos dos estudantes, directos interessados, e de um funcionário, contra os professores e o próprio presidente do Conselho directivo, o qual pediu a demissão na sequência da decisão, por entender que deixa de haver meios para o funcionamento da Faculdade.
Que País, este, onde os estabelecimentos públicos universitários são financeiramente governados pelos utentes e pelo pessoal administrativo! Por que espera o Ministro do Ensino Superior para fazer aprovar a revisão do sistema de governo das universidades, de modo a pôr fim a este desarrazoado?
[corrigido]

O fim de uma era

Fraga Iribarne e o PP perderam o poder na Galiza, que governaram quase sempre desde a transição democrática espanhola. A contagem dos votos dos emigrantes não alterou os dados da votação doméstica. A Galiza vai ser governada, pela primeira vez, por uma coligação entre os socialistas (PSG) e os nacionalistas (BNG), uma solução semelhante à da Catalunha. Um triunfo também para o PSOE nacional e para o próprio Rodríguez Zapatero, que se empenhou pessoalmente na campanha galega.
[corrigido]

Citação

«Mais de metade da floresta portuguesa é de pinheiros e eucaliptos, quando devia ser 90% de carvalhos e castanheiros.»
(António Campos, especialista agrário, antigo governante e eurodeputado, entrevista ao Jornal de Notícias)

Adenda
Sobre a política florestal ver o meu artigo no Público de 5 de Agosto de 2003, intitulado «As chamas do Inferno» que recuperei para a Aba da Causa.

Branco é...

Numa entrevista sobre o sector energético nacional, hoje no Público, Eduardo Oliveira Fernandes, a quem o Governo encomendou um relatório sobre o sector, declarou o seguinte:
«Não é legítimo, num quadro de mercado, admitir-se a protecção do Estado nomeadamente, para quem, no exercício nobre de uma concessão pública, "subverte" os fins, agrava os custos; faz um "marketing" estimulando o consumo e não é diligente na busca da eficiência e no cumprimento das directivas ambientais.»
A que grande operador e concessionário energético se referia ele? Não vale adivinhar à primeira!

segunda-feira, 27 de junho de 2005

O meu liceu

Eis o meu liceu, onde cumpri os 7 anos que então durava o ensino secundário (após os 4 anos da escola primária), aqui numa foto antiga em dia de neve na Guarda, minha cidade adoptiva. Comemora agora os 150 anos da sua instalação (1855), em cumprimento atrasado da reforma de Passos Manuel de 1836, que criou os liceus em Portugal. Não foi sem emoção que participei na sessão comemorativa, realizada há poucos dias, e que reencontrei muitos condiscípulos que desde então perdera de vista.
Entretanto, o velho liceu mudou de instalações, porque as antigas se tornaram exíguas, e mudou de nome, não se sabe bem porquê. Em França celebraram-se em 2002 os 200 anos da criação dos liceus, que conservam o mesmo nome; em Portugal temos horror à conservação do nome das instituições...

Tropeção

Não vale a pena tentar dourar a pílula. É grave, em si mesmo, o erro de contas na proposta de Orçamento rectificativo. O Ministro das Finanças não podia ter tido um descuido desta natureza. Esta rectificação orçamental era para ser um exercício de verdade, transparência e rigor, para pôr fim à ficção orçamental trapalhona de Bagão Félix & Santana Lopes. Afinal...
Enquanto o Ministro das Finanças entra em dificuldades, continuam "desaparecidos" os ministros da Economia e das Obras Públicas, que deveriam trazer a parte positiva da mensagem governativa e cujos planos e projectos deveriam contrabalançar a austeridade financeira. Onde estão eles?

Os mal amados

Apesar de algumas ligeiras melhorias, a imagem dos Estados Unidos no mundo, arruinada com a invasão do Iraque, continua muito negativa, em especial na Europa Ocidental (para não falar dos países árabes), segundo os dados do habitual inquérito de opinião da organização PEW. Especialmente condenado é o unilateralismo da política externa norte-americana. O mais preocupante é que em vários países europeus os Estados Unidos são agora menos apreciados do que a China...

Equívocos da reforma política

Dois temas avultam desde há vários anos nos projectos de reforma política entre nós: a criação de círculos eleitorais de um só deputado (círculos uninominais) nas eleições parlamentares e a revisão do sistema de governo das autarquias locais, criando executivos homogéneos ou de maioria assegurada. Esses dois temas são revisitados no meu artigo do Público na semana passada, só agora coligido na Aba da Causa.

Democracias maduras

Na Alemanha, na perspectiva das próximas eleições parlamentares, os dois principais partidos já anunciaram que vão aumentar os impostos, para resolver o défice das contas públicas. A CDU propõe-se aumentar o IVA em 2 ou 3%, enquanto o PSD prefere criar uma sobretxa de 3% no IRS dos rendimentos mais elevados.
Democracias maduras! Nas outras anunciar subidas de impostos, mesmo quando inevitáveis, antes de eleições significa perdê-las...

Grandes ambições!

Ora aqui está o verdadeiro partido revolucionário. Enquanto os outros se limitam a instrumentalizar os sindicatos em lutas sectoriais de defesa de prerrogativas económico-profissionais, o MRPP quer uma greve geral para isolar o governo do "grande capital". Tal foi a proclamação saída do seu recente congresso, onde 80 bravos delegados (que devem ser todos os efectivos da organização maoista) também definiram como objectivo das próximas eleições autárquicas a eleição de 5-membros-5 de assembleias municipais em todo o País.
Grandes ambições!

"Irreverência"...

Soube-se que a juventude do Bloco de Esquerda aprende «técnicas de desobediência civil», entre as quais «boicotes, ocupação de espaços públicos», etc., o que constitui seguramente um facto inédito entre nós, onde essas "técnicas" não constam entre os meios legais de acção politica dos partidos, para mais representados na AR. É pena que da notícia não constem os "espaços públicos" elegíveis para ocupação.
A notícia atribui isso à «irreverência, típica do Bloco de Esquerda». Duvido que haja consenso quanto a esta qualificação...

Partidos europeus

Uma das condições para a democracia representativa a nível da UE -- e para a própria concepção de um "espaço político europeu" -- é a existência de partidos políticos europeus, com visibilidade política e institucional e com agenda própria em relação aos partidos nacionais. O Tratado de Nice reconheceu-os formalmente. As grandes famílias políticas congregaram-se em organizações mais ou menos institucionalizadas a nível europeu, incluindo os grupos parlamentares no Parlamento Europeu.
Uma das mais estruturadas é o Partido Socialista Europeu (nome oficial: Partido dos Socialistas Europeus), que deliberou agora aprofundar a sua organização e tornar mais visível a sua actividade. Uma das mais simbólicas inovações é a criação da figura dos "activistas do PSE", institucionalizando a participação individual de militantes socialistas nacionais nas actividades do PSE. Tal como sucedeu com a UE depois de Maastricht, que passou a ser uma união de Estados e de cidadãos, também os partidos europeus poderão passar a ser não somente "partidos de partidos", como até agora, mas também partidos de militantes.

domingo, 26 de junho de 2005

Contradição

Como é que se pode, como faz o PSD, criticar simultaneamente tanto a suposta falta de medidas de diminuição da despesa pública como os cortes nas regalias sócio-profissionais de certas categorias de funcionários, cujo peso orçamental é tudo menos despiciendo? Estas contradições têm um nome feio...

Partidos de classe ou partidos das corporações?

Os partidos da oposição de esquerda não de dão conta que, ao apoiarem acriticamente as lutas sindicais pela preservação de estatutos económico-sociais privilegiados de certas profissões do sector público, não podem colher o apoio da generalidade dos funcionários públicos, muito menos dos trabalhores em geral, que não vêem razão para tais regalias, antes pelo contrário (para uns terem mais os outros têm menos).

Embuste orçamental

Há vários anos que todos os orçamentos têm sido uma ficção no que respeita ao montante das despesas previstas, visto que existe uma sistemática suborçamentação de certas despesas, designadamente as da saúde, as quais depois são pagas mediante a emissão de dívida pública, sem passarem pelo orçamento. É por isso que a dívida pública tem crescido muito mais do aquilo que decorreria da soma dos défices orçamentados em cada ano.
Acontece que essa ficção passou das marcas no orçamento do corrente ano, atingindo um volume sem precedentes, como decorre da avaliação do défice orçamental em 6,8% por parte da Comissão Constâncio (em vez de 2,9% ficcionado no orçamento). Por isso Sócrates tem razão quando diz que o orçamento rectificativo visa corrigir o "embuste" orçamental, aumentando as dotações necessárias para cobrir os compromissos orçamentais em matéria de despesa pública.

Cada um no seu lugar

Ao receber o novo Papa -- que é também, por inerência, bispo de Roma --, o Presidente da República italiana, Carlo Azeglio Ciampi, ele mesmo um católico praticante, fez questão de lembrar o «laicismo da República italiana». A declaração tem especial importância em face do ostensivo envolvimento directo da Igreja Católica, e do próprio Papa, no recente referendo sobre a procriação assistida, que contribuiu decisivamente para o seu insucesso. O primeiro dever de um presidente da República é defender os fundamentos constitucionais da mesma.

Em triplo

O que é justifica que as Forças Armadas tenham três subsistemas de saúde (um para cada um dos três ramos) independentes entre si e independentes do SNS, bem como três institutos de ensino superior? A fusão anunciada pelo Ministro da Defesa releva da mais elementar racionalidade financeira.

sábado, 25 de junho de 2005

Diálogo Europa-EUA - o incontornável Iraque

Estou em Washington, integrando a delegação do Parlamento Europeu para as relações com os EUA, para mais uma sessão (a 59ª, mas a primeira desde as últimas eleições para o PE e desde que George W. Bush foi reeleito) do chamado «Diálogo de Legisladores Transatlântico».
Ontem tivemos reuniões no Departamento de Estado, incluindo com o Secretário de Estado Adjunto Robert Zoellick (onde falei da Etiópia e da perigosa inacção de UE e EUA relativamente ao Sahara Ocidental), no Departamento de Comércio e no National Security Council.
E hoje foi o primeiro dia de discussões no Congresso. Na agenda de política internacional, o Iraque, evidentemente. Mas também Médio Oriente, Não-Proliferação (Irão e Coreia do Norte), China e a reforma da ONU. Nos temas económicos figuram questões de âmbito bilateral e multilateral (Doha round). E teremos no dia 27 um seminário sobre «Privacidade e Protecção de Dados», abordando a cooperação transatlântica relativa à partilha de informações na luta contra o terrorismo.
Coube-me a mim, sem que me tivesse voluntariado, por decisão da presidência da delegação europeia (um conservador britânico, secundado por um socialista francês), descrever a actuação e leitura do PE relativamente ao Iraque. Claro que notei como Guantanamo, Abu Grahib e a prática da «rendition» faziam os EUA perder o «moral high ground» na luta contra o terrorismo e pelos direitos humanos, muito para além do Iraque, sublinhando a importância de ser apurada a responsabilização política, não apenas levar a julgamento militares. E também perguntei como evoluiria o debate - em curso no Congresso (como ficou claro na dura interpelação de Donald Rumsfeld e seus generais no Senado ante-ontem)- relativamente à possibilidade dos EUA indicarem um prazo para retirarem as tropas do Iraque e, ainda, o que estava a demorar o julgamento de Saddam Hussein e outros responsáveis do antigo regime iraquiano.
Não escondo o gozo que me deu ter sido incumbida pelos meus pares de lançar o debate. E, significativamente, o que eu disse não chocou os anfitriões: a discussão que se seguiu foi franca e construtiva, tal como franca e construtiva foi entendida a minha introdução.
Que diferença! das reacções primárias, extremistas e tolas de alguns dos nossos analistas, comentaristas e políticos, auto-armados em defensores dos EUA - que só indecoroso servilismo, porventura por estarem num qualquer «pay-roll», explica o anátema de «anti-americanismo» com que tentaram, a propósito do Iraque, atingir-me a mim e à direcção do PS a que me orgulho de ter pertencido.
Curiosamente - mas não por acaso - o que mais controvérsia e tensão suscitou nas discussões entre deputados europeus e americanos foi o questionamento da posição dos EUA relativamente ao Tribunal Penal Internacional, introduzido por uma deputada liberal holandesa.

Capital Mundial do Livro

Depois do "estardalhaço" que o executivo municipal de Coimbra fez com a candidatura da cidade a Capital Mundial do Livro 2007 (evento promovido pela UNESCO), com lugar a grande destaque na comunicação social, seria bom que agora essa mesma comunicação social divulgasse que Coimbra perdeu para... Bogotá!!!
É que essa candidatura foi feita em tempo record (2 semanas) perfeitamente em cima do joelho, tentando mostrar à cidade e ao país que aqui se promove o livro. Como!? se nem sequer conseguiram construir um edifício para uso exclusivo da Biblioteca Municipal, não se vislumbra a construção do Arquivo Municipal, não construíram a Biblioteca de Santa Clara (com projecto aprovado e contrato-programa assinado com o IPLB desde 2000), não sinalizam nas entradas da cidade a localização da Biblioteca Municipal, não conseguiram desenvolver o projecto da Casa da Escrita (antiga casa de Cochofel), etc., etc. E isto apenas no que refere à intervenção municipal. Quando não há dinheiro não há vícios e se nestes 4 anos não foi possível concluir nenhuma das obras enumeradas, então não "montem" candidaturas em ano de eleições autárquicas para fingir uma política do livro e da leitura que nunca existiu. Creio que virão dizer que Bogotá fez um excelente "lobbying" e mediatizou a candidatura com a oferta de livros do Dom Quixote. O costume. Verdade, verdade, é o que não tem sido feito pela Autarquia nesta e em outras áreas que importa desmontar!
Veja-se a notícia hoje divulgada da vencedora
Bogotá


(bloguista devidamente identificada)

"Social-liberalismo"

Na linguagem comum à esquerda radical e à "direita social" do continente (especialmente em França), o primeiro-ministro britânico, Blair, é correntemente invectivado como prócere do "neoliberalismo" e do modelo económico-social norte-americano. Sendo evidente a caricatura e a não correspondência dessa qualificação com os factos, nomeadamente considerando o reforço do genuíno modelo social britânico promovido pelo líder trabalhista, eis que ele surge agora acoimado de "social-liberalismo", ou seja (supõe-se), adepto de um liberalismo económico com políticas sociais.
Mas não se sabe se isto é um progresso, visto que quem utiliza essa fórmula a considera tão execrável como o neoliberalismo (se não mais). Faz recordar os tristes tempos da República de Weimar, em que os comunistas, na vertigem radical da sua luta contra os socialistas, os denunciavam como "social-fascistas".

Ruidosa conspiração de silêncio

Impressionante foi o silêncio geral sobre a declaração do Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, de que os titulares de "cargos de responsabilidade" deveriam revelar a sua vinculação a associações como a maçonaria. Como explicar esta estranha "conspiração de silêncio", a começar pelas próprias organizações maçónicas?

A propriedade privada já não é o que era nos EUA

Numa decisão recente (Kelo v. City of New London), o Supremo Tribunal dos Estados Unidos considerou não ser inconstitucional a expropriação pública de bens particulares sem ser para fins de imediata utilidade pública, nomeadamente a expropriação de terrenos e edifícios para implementação de projectos de desenvolvimento económico, mesmo que os beneficiários dos bens expropriados venham a ser entidades ou empresas privadas, desde que estes projectos envolvem benefícios públicos (emprego, receitas fiscais, etc.).
Tirada contra a facção mais conservadora dos juízes do Supreme Court, esta decisão funda-se na prevalência do desenvolvimento económico sobre a propriedade privada, que não anda longe da lógica que predomina desde há muito na Europa.

Há apoios que comprometem

«Berlusconi de acordo com Blair quanto à UE». Era bem dispensável.

sexta-feira, 24 de junho de 2005

Erro no alvo

Se as soluções da proposta governamental de legislação do arrendamento que José Manuel Fernandes critica duramente no seu editorial de hoje no Público (indisponível on-line, salvo por assinatura), dissessem respeito ao regime geral do arrendamento urbano, ele teria toda a razão. Só que tal não é o caso. Essas medidas pertencem ao regime transitório e temporário respeitante aos arrendamentos anteriores a 1990, visando acabar com o congelamento das rendas e pôr fim a essa anomalia que vem desde há décadas. Nessa perspectiva o regime proposto, salvo algumas soluções pouco verosímeis (como a previsão de os municípios tomarem a seu cargo as obras de recuperação de prédios, caso os senhorios ou os inquilinos o não façam) afigura-se ser, em geral, um compromisso equilibrado entre os interesses dos senhorios e os dos arrendatários e um mecanismo susceptível de, num prazo relativamente curto (10 anos), levar à actualização das rendas e à reabilitação dos prédios arrendados.

Uma questão de seriedade

Demarcando-se das medidas de austeridade tomadas pelo Governo para sanear as finanças públicas, o PSD vem agora dizer que o défice deve ser resolvido com receitas extraordinárias (vendas de património, "securitização" de receitas futuras, etc.).
Isto não é sério. Primeiro, o orçamento que o Governo Santana Lopes deixou já prevê receitas extraordinárias de montante considerável, pois sem elas o défice real seria superior a 7%! Segundo, além dessas receitas extraordinárias, como seria possível forjar outras equivalentes a 4% do PIB, sabendo-se as dificuldades que Bagão Félix teve no ano passado, e as habilidades a que teve de recorrer (como a "expropriação" do fundo de pensões da CGD), para realizar muito menos dinheiro do que isso? Terceiro, essa "receita" artificial já foi utilizada pelos governos PSD/CDS, com os resultados que se viu, ou seja, o substancial aumentou do défice orçamental real. Quarto, a Comissão Europeia não aceitaria essa ficção por tempo indefinido, sem medidas de contenção real do défice orçamental.
Enquanto isso, os economistas do PSD pedem... mais cortes na despesa pública. Pelo menos são mais sérios.

As duas Europas

Sem ultrapassar a falsa dicotomia entre "Europa do mercado" e "Europa social" a crise por que passa a UE não encontrará saída. Os melhores exemplos nacionais da Europa social estão também entre os melhores exemplos de economia do mercado eficiente, geradora de crescimento e de emprego (como a Grã-Bretanha). O primeiro dos direitos sociais é o emprego; e sem crescimento económico não há meios financeiros para nenhum "modelo social". Agora, na presidência da UE, Blair pode "liderar pelo exemplo". O seu discurso perante o Parlamento Europeu é um bom começo.

Simpatia da capital

«Carrilho perde capital de simpatia», titula o Diário de Notícias, comentando os resultados de uma sondagem de opinião, que dá o candidato socialista à Câmara Municipal de Lisboa em perda de popularidade. Pudera!

E agora, Luís?

«Luís Osório deixa a direcção de "A Capital"» -- informa o DN de hoje.
Suponho que todos os da Causa Nossa lamentam que a sua missão tenha chegado ao fim, felicitam-no pelo seu desempenho à frente do diário lisboeta e... desejam o seu regresso às páginas deste blogue, de que ele foi cofundador. Sê bem-regressado, Luís.

Que País este!

Na manifestação de polícias de ontem frente ao seu ministério, em defesa dos seus "direitos adquiridos", um dos protagonistas, perguntado sobre se iriam tentar contornar a proibição legal de recurso à greve por parte das forças de segurança, respondeu, sem hesitação, que um dos meios seria o recurso maciço a baixas por doença.
O falso atestado médico (quem é que ainda acredita num?) como sucedâneo da greve! Que País!

Transparência e moralização

As medidas anunciadas acerca das remunerações e regalias dos gestores das empresas públicas e entidades equiparadas são bem-vindas, não só no que respeita à suspensão de regalias decretada e aos limites estabelecidos mas também quanto à promessa de um diploma geral sobre o assunto, que ponha fim à opacidade e desregramento vigentes nesse sector (sendo de esperar que entre os assuntos a contemplar não falte a questão das turbo-maxi-pensões concedidas por algumas dessas entidades aos seus gestores...). E o momento não pode ser mais oportuno, tendo em conta os sacrifícios que estão a ser impostos à generalidade dos portugueses. A universalização das medidas de austeridade ("todos pagam"...) é essencial na estratégia de legitimação política do árduo "pacote" de saneamento das finanças públicas do País.

quinta-feira, 23 de junho de 2005

Ilegalidade & imoralidade

Para mim, a insensata decisão dos professores de incluir na greve o boicote aos exames nacionais não era somente uma questão de ilegalidade, mas também, e antes de tudo, uma questão de imoralidade.

À portuguesa

O prof. Manuel Porto volta hoje no Público a defender o desenho do "T deitado" para o traçado das linhas do TGV no triângulo Lisbo-Porto-Madrid, articulando a linha norte-sul com a ligação a Madrid no nó do Entroncamento, facilitanto desse modo o acesso do Centro e do Norte do País à capital espanhola, sem prejudicar Lisboa. Um dos argumentos principais é a poupança financeira dessa solução.
Entretanto, o que surpreende na questão do TGV é continuar-se oficialmente a tomar como válida a ficção megalómana da rede desenhada na cimeira luso-espanhola da Figueira da Foz, incluindo linhas cuja viabilidade financeira está posta de parte, como Porto-Vigo, Aveiro-Salamanca e Lisboa-Faro-Huelva. Entretanto, as duas únicas ligações (talvez) viáveis (Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid) continuam ainda à espera de definição de traçado.
À portuguesa: grandes projectos, nula realização...

Corrida de obstáculos

Depois de ter superado com sucesso a tentativa de boicote aos exames nacionais por parte dos professores, o Governo tem de enfrentar com a mesma determinação e inflexibilidade o protesto dos demais grupos profissionais cujo estatuto económico-profissional está a ser afectado, entre os quais os corpos de segurança.
Nos próximos meses o Governo tem de vencer uma longa corrida de obstáculos desta natureza. Cedência ou recuo são ideias proibidas. Basta uma queda ou hesitação para deitar tudo a perder. Primeiro, a face; depois, a guerra das finanças públicas; por fim, o Governo. Quando não existe nenhuma alternativa, só há que seguir em frente.

Citação

«O Governo tem de vencer estas primeiras batalhas [contra os grupos profissionais do sector público], sob pena de perder a guerra. Mas a tarefa é-lhe facilitada pela óbvia falta da ética de serviço público dos contestatários.»
(F. Sarsfield Cabral, Diário de Notícias de hoje]

Excessos verbais

Sempre defendi o direito do Presidente da República a "externalizar" as suas opiniões sobre assuntos de interesse nacional, como componente essencial da sua missão constitucional. Mas tal direito não pode ser banalizado em improvisos mais ou menos espontâneos sobre tudo o que vier a talhe de foice. Contenção, equilíbrio e "gravidade" qb devem pautar essa vertente da função presidencial. A menos de um ano do fim da sua presença de 10 anos em Belém, Sampaio deveria cuidar de conservar o excelente perfil de Presidente da República com que merece ficar lembrado para o futuro.

Europa em crise - e Tony Blair dá-lhe a volta?

A Europa está em crise. Já esteve noutras e saiu por cima. E também poderá sair, por cima, desta. Embora ela seja mais grave do que anteriores crises. Porque é indisfarçável a desconfiança dos cidadãos em relação a uma Europa que não está a responder às suas preocupações. Como se viu pela vitória do NÃO nos referendos ao Tratado Constitucional em dois países fundadores.
E a crise é mais grave, também, porque depois dessas duas bofetadas na liderança europeia, ela não soube dar sinal de ter compreendido e de querer emendar a mão, afundando um acordo sobre as perspectivas financeiras 2007-2013 em mesquinhas rivalidades sobre um projecto orçamental sem rasgo estratégico.
As preocupações expressas pelos cidadãos deviam determinar as prioridades orçamentais e políticas da Europa:
1. Antes de mais, a necessidade de crescimento económico e de criação de emprego. Disso depende a defesa, a sustentabilidade, do modelo social europeu. Disso depende também combater os demónios da xenofobia e promover/regular a i/emigração para contrariar o envelhecimento demográfico da Europa.
2. Depois, a capacidade da Europa para intervir na governação mundial, para controlar a globalização, sem alinhar em proteccionismos, mas também sem se furtar a regular as deslocalizações e a combater a concorrência distorcida de quem ignora os padrões laborais da OIT e viola os direitos humanos.
3. E por fim, a capacidade da Europa em investir na qualificação, na educação e criatividade dos seus cidadãos, aplicando verdadeiramente a Estratégia de Lisboa.
Estas prioridades deveriam estar reflectidas nas perspectivas financeiras 2007-2013. Se o tecto orçamental fosse adequado e não limitado ao mínimo próximo do 1% miserabilista proposto pelos 6 mais ricos. Se a estrutura orçamental fosse reformada para dar concretização ao princípio da solidariedade e pôr dinheiro nas políticas que se identificam como estratégicas: como a coesão, que é essencial para tirar partido do alargamento, e como a Estratégia de Lisboa que é essencial para a Europa dar o salto de competitividade que pretende.
Em vez disso, o projecto de orçamento na mesa do último Conselho Europeu e mesmo a proposta de orçamento aprovada pelo PE eram conservadores - reaccionários até. Cortes na investigação cientifica e inovação tecnológica, cortes nas redes transeuropeias, cortes na educação - traduziam a derrota da Estratégia de Lisboa, a derrota do alargamento, a derrota da Europa dos cidadãos. (Isto implica, evidentemente, ver para além do que Portugal ganhava ou perdia na proposta final da presidência luxemburguesa que esteve a ponto de ser aprovada - pela qual, perdíamos o mínimo, o que numa perspectiva nacional estrita/estreita, teria sido um excelente resultado, sobretudo a agradecer a Jean-Claude Juncker).
Mas nem esse projecto de orçamento conservador e minimalista, os actuais líderes europeus conseguiram acordar. Por culpa mais de uns do que outros, é certo, fazendo jus à perfídia e oportunismo que a tradição diz marcar-lhes os códigos genéticos. E por isso a Europa apareceu aos olhos dos seus cidadãos e do resto do mundo como ainda mais atascada na crise.
Todos vêm, mais uma vez, que a crise é de facto de liderança. De liderança colectiva e de liderança dos governantes socialistas, em particular - a excepção foi Juncker, que não sendo "socialista", se mostrou o mais europeu e socialista de todos.
Porque é patético ver um líder como Schroeder continuar a sustentar Chirac, respaldando-o no inaceitável acordo franco-alemão de 2002 sobre a Política Agrícola Comum, feito nas costas do Parlamento Europeu (mas ratificado pelos governantes europeus da época), destinado a sacralizar cerca de 45% do orçamento global até 2013 para uma PAC desajustada, serôdia e iníqua. Se Schroeder deixasse cair Chirac na defesa do financiamento leonino desta PAC, advogando uma sua redução e substancial e transformação, seria não apenas um grande serviço que prestaria à Europa, mas também aos seus camaradas do PSF - para se libertarem de vez, e à França, do estatuto de reféns da PAC.
Eu não perdoo a Tony Blair ter-nos falhado - aos socialistas e defensores da paz e do direito internacional - no Iraque. Mas não é por isso que perco o discernimento e deixo de lhe reconhecer razão quando a tem. Ainda que parcial, ainda que oportunista, ainda que suspeita de perfídia. Por isso não entro no jogo de lhe deitar as culpas por tudo o que corre e correu mal na Europa nos últimos tempos. E prefiro exigir-lhe responsabilidades e resultados coerentes na presidência europeia que vai iniciar:
- Prove que tem estofo europeu para negociar uma reforma estrutural do orçamento, atacando as "anomalias" do "cheque britânico" e da PAC, simultaneamente, e pondo mais dinheiro antes coesão e na Estratégia de Lisboa, na ajuda ao desenvolvimento, na PESC e na PESD.
- Prove que tem estofo europeu para re-abrir caminho para a ratificação de um texto de reforma funcional da UE, chame-se "constituição" ou "tratado de Londres".
- Prove que é coerente quando advogou o último e advoga mais alargamentos: que está pronto a pagar por eles e a viabilizar as mudanças políticas sem as quais não pode haver mais e melhor Europa.
- Prove que, sob a sua liderança, a União Europeia - a União política e não a mera zona de comércio livre - pode sair da crise. Por cima, evidentemente.

(linhas de intervenção que fiz ontem de manhã no Grupo Socialista Europeu)

Gira o disco e toca o mesmo?

Numa das suas decisões mais perniciosas para as finanças públicas e para o funcionamento do mercado o Governo de Guterres decidiu a certa altura, quando os preços do petróleo subiam acentuadamente, congelar os preços domésticos dos combustíveis, à custa do imposto sobre os produtos petrolíferos, para assim tentar conter os custos de produção das empresas nacionais. Numa primeira impressão, parecia obedecer ao mesmo paradigma a anunciada decisão do Governo de subsidiar o preço da electricidade às empresas, para atenuar a sua subida na actual conjuntura de seca e de subida dos preços dos combustíveis. Mas como se mostra aqui, trata-se de um mecanismo previsto no sistema regulatório dos preços do sistema eléctrico, sendo custeado por um fundo existente para o efeito, que não sai do orçamento do Estado.
[corrigido depois desta crítica]

quarta-feira, 22 de junho de 2005

Privilégios

Quem não gostava de ter um regime de saúde especial assim, como o das forças de segurança? Infelizmente, não haveria orçamento que aguentasse!

Citação

«Como cada vez mais professores têm consciência, o descalabro da educação em Portugal está ligado ao desaparecimento progressivo dos exames. Os exames são reguladores de todo o sistema educativo, instrumento estruturante de responsabilização e organização do trabalho escolar. Os exames não avaliam apenas os estudantes, avaliam também os professores, a escola, a qualidade de todo o sistema, o grau de responsabilidade e interesse dos próprios pais. Na cadeia das várias causas que conduziram e alimentam a tragédia do sistema, os exames são um elo fundamental. Na cadeia das condições que são imperativas para regenerar o sistema, os exames são um elo fundamental. Não haverá mudança na educação em Portugal sem a instituição, durante um largo período, de um regime intensivo de exames. Em Portugal, em matéria de educação, a posição relativamente aos exames separa as águas».
(Guilherme Valente, Público de hoje)

"Revelação de vinculações"

Por indiscrição (obviamente deliberada) do presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, durante a cerimónia de inauguração do museu da maçonaria, ficámos a saber publicamente que todos os anteriores presidentes socialistas da AR até agora eram da maçonaria. Sabe-se, aliás, que o mesmo sucedia com alguns dos presidentes oriundos do PSD.
O mais importante, porém, foi a declaração (obviamente tão intencional como a anterior) de que deveria haver «revelação de vinculações» (incluindo, subentende-se, a pertença à maçonaria) por parte dos titulares de «cargos de responsabilidade». Eis uma questão digna de toda a atenção. Parece evidente que, tão importantes como as "declarações de interesses" a que os titulares de cargos públicos estão sujeitos, são as vinculações associativas que implicam um alto grau de compromisso pessoal e de solidariedade "fraternitária", como é o caso da maçonaria (mas não só, como bem se sabe).
Há países onde é obrigatória a revelação dessas vinculações no exerício de certos cargos públicos, como dever jurídico, ou pelo menos como dever deontológico. Não será isso preferível à suspeição que por vezes se cria sobre certas cumplicidades insinuadas, quer no campo da política quer na área da justiça, por exemplo? Quem ousará colocar esta questão na agenda da discussão política? Ou permanecerá ela um tabu, mesmo depois da inédita declaração do presidente da Assembleia da República?

«A UE não está de joelhos» ...

... disse o presidente da UE, o primeiro-ministro luxemburguês Juncker, na Casa Branca. Bush deve ter pensando para si mesmo, rejubilando: «Pois não, está de rastos!»

terça-feira, 21 de junho de 2005

Razão

O Ministro da Saúde tem toda a razão: mais importante do que a dimensão das listas de espera de intervenções cirúrgicas é saber se existe maior acesso às cirurgias e se a demora está ou não a diminuir. Mas há quem só queira ver a rama dos números...

Derrota

Os sindicatos de professores marcaram greve propositadamente para dias de exames. Repudiaram a definição dos exames como "serviços mínimos obrigatórios". Envolveram-se numa guerra com o Ministério por causa disso. Temerariamente, transformaram a não realização de exames na questão principal da greve.
Se tivessem deixado os exames de fora, estariam a celebrar uma greve vitoriosa. Assim, perderam. Não conseguiram impedir os exames. Ainda por cima, ganharam a hostilidade da opinião pública. Podem vangloriar-se dos números de professores em greve. Isso de pouco vale, depois de terem falhado o "prémio grande". A derrota é indesmentível. O radicalismo e a irresponsabilidade aventureira pagam-se caro.

Citações

«O grande problema da Europa é que hesita, o que também não é novo, entre uma evolução confederal e uma federal. De momento, dirige-se para uma espécie de terra de ninguém, nem confederal, nem federal. É uma situação insustentável.
A Europa tem de tornar-se uma federação, deve evoluir nesse sentido. Ela já o fez em matéria de moeda, mas com um problema de legitimidade democrática. Deve fazê-lo de forma mais decidida em matéria de governo, para adquirir essa legitimidade democrática que lhe falta e para ser governada.
De momento, a Europa - se se considerar como um país - é o único país do mundo sem governação.»

(Jean-Paul Fitoussi, entrevista ao Público, 2ª feira, 20 de Junho de 2005)

Constitucionalismo europeu

Embora com atraso, já está disponível na Aba da Causa o meu artigo da semana passada no Público, sobre o constitucionalismo europeu.

Mudança na Galiza?

Tudo vai continuar em suspenso por mais uma semana na Galiza quanto ao governo regional saído das eleições regionais. Os votos dos emigrantes da província de Pontevedra, decidirão se o PP, apesar da forte descida eleitoral, poderá ainda eleger mais um deputado -- que lhe permitirá renovar a maioria absoluta, embora à tangente --, ou se esse deputado cabe ao Partido Socialista, o que permitirá a este partido, que subiu muito em relação às eleições precedentes, formar uma governo de coligação com os nacionalistas galegos, como está previsto, caso tenham em conjunto a maioria dos deputados no parlamento da Comunidade autónoma.
Disso depende o fim ou a continuação do longo reinado de Fraga Iribarne, o homem do franquismo que conseguiu governar a Galiza ininterruptamente depois da transição democrática em Espanha. Em democracia, não há hegemonia "mexicana" que sempre dure...

segunda-feira, 20 de junho de 2005

Contra a corrente

Apesar da decisão do último Conselho Europeu, apontando para a suspensão dos processos nacionais de ratificação da constituição europeia, o Luxemburgo resolveu manter o seu referendo para o próximo dia 10 de Julho. Há quem resista à onda.

Correio dos leitores: Professores

«O causa-nossa não é a minha causa, mas é um blog de amigos, aliás um dos primeiros amigos a divulgar a minha causa.
A minha causa -- eu não dou aulas, eu sou professora de português de meninos e meninas do 2.º ciclo do ensino básico -- é a causa da leitura e da escrita e, a propósito do que Vital Moreira aqui disse (não está em causa a minha concordância ou não), gostava apenas de colocar uma pergunta:
Por que é que, a um professor do ensino básico e secundário, aquilo que a escola lhe pede ao fim de 20, 30 ou mesmo 40 anos de carreira é exactamente o mesmo que lhe exigia no início?
Eu gostava que não fosse!»

Emília Miranda (blogue Netescrita)

Concordo...

... com esta judiciosa reflexão de Paulo Gorjão.

Professores

As medidas que atingem os professores (suspensão da subida automática das remunerações, aumento da idade de reforma, etc.) são iguais às que atingem os demais funcionários públicos, pelo que não existe nenhuma "perseguição" especial em relação a eles, nem se vê razão bastante para tratamento diferenciado. Foi um erro grave que os sindicatos tenham decidido deliberadamente fazer de centenas de milhares de alunos "carne para canhão" da sua luta contra o Governo, o que virou a opinião pública contra si e tornou o êxito da sua greve dependente do boicote dos exames. Os "serviços mínimos" não põem em causa o direito à greve; pelo contrário, pressupõe a existência da greve.

Crise da UE

Os adversários da UE, nomeadamente os nacionalistas e soberanistas de todos os matizes, devem rejubilar. Depois do chumbo da constituição europeia, e do impasse institucional que isso criou, somou-se agora o rotundo fracasso do Conselho Europeu no que respeita às perspectivas financeiras futuras.
A crise da UE é indesmentível e sem saída à vista. Os riscos de recuo na integração europeia são reais (já há quem peça em França um referendo sobre o euro...). Resta saber o que pensam disto os que se opuseram ao tratado constitucional em nome de outra constituição, "mais europeia e mais social", para a UE. Por este caminho, está-se mesmo a ver...

Privilégios

Esta notícia sobre os novos automóveis dos juízes do Tribunal Constitucional, a ser verdadeira, é lamentável. Sê-lo-ia em quaisquer circunstâncias (por que é que hão-de ter automóveis oficiais, para começar?); é-o sobretudo em tempo de aperto das finanças públicas, quando quase toda a gente vê os seus rendimentos ou regalias diminuídos.

Manifestações racistas

A manifestação nazi-racista de Lisboa no sábado passado, que a polícia controlou devidamente, para além da repulsa política que provoca, tem porém alguns efeitos colaterais positivos: revela a escassez dos seguidores do movimento (algumas centenas), alerta a opinião pública para a sua existência e para o perigo que a sua ideologia e a sua actividade representam para a coesão social e política do País e proporciona aos serviços de segurança e de informações do Estado preciosos elementos sobre o dito movimento e a sua composição, revelando as organizações racistas e fascistas que estão por detrás.

Correio dos leitores: Medicamentos

(...) A obrigação de prescrição por DCI já existe, só que a grande maioria dos médicos não a cumpre, e como não há ninguém para fiscalizar quem cumpre ou não, continua tudo na mesma (...); mais ainda, para que não se possa proceder à substituição basta pôr uma cruz como quem joga no totobola, sem qualquer tipo de justificação. Acontece que há alguns clínicos que optam por trancar as receitas assim que as recebem, ainda antes de prescreverem o que quer que seja, não deixando alternativa a quem dispensa nem a quem compra.
Actualmente, a substituição é uma opção do utente. Se não quiser levar o genérico, está no seu direito. É uma obrigação do farmacêutico mostrar ao utente todos os genéricos que existem no mercado para que ele possa optar. Isto sim é estúpido, dado que para alguns medicamentos chegam a existir 15, 20 possibilidades de substituição, e o que é mais espantoso, quase todas com o mesmo preço...
A meu ver, a actual lei necessita de uns ajustes. A começar pela aberração das cruzinhas! Simplesmente têm que desaparecer para que se possa aumentar significativamente a substiuição. Só que aqui vamos ter outro problema, que já começa a surgir, e que teria tendência a agravar-se, que é a prescrição dos chamados "medicamentos inovadores", muito mais caros que os já existentes no mercado, e muitas vezes sem nenhuma mais valia (muitos são apenas ligeiras alterações das moléculas, sem qualquer efeito a nivel farmacologico). Como é que se iria impedir este fenómeno? Bem complicado, não é?;
Outro ajuste necessário seria obrigar o farmacêutico a dispensar o genérico mais barato. Aqui, antes disso, é necessário rever a forma como se atribuem os preços aos genéricos, dado que dentro do mesmo grupo homogéneo, tem praticamente todos o mesmo preço. (...)
Fora desta lei, outra solução para o problema dos elevados gastos e desperdícios com medicamentos, é avançar para o dispensa em dose unitária, como se faz a nivel hospitalar com alguns medicamentos para doentes crónicos, como os doentes Insuficientes Renais. Mas no estado em que isto está, e com o actual Bastonário da Ordem dos Médicos, certamente que também aqui iriam encontrar forma de bloquear o sistema...

Joao Gregorio

Correio dos leitores: Privilégios

«(...) Victor Constâncio tem um salário que, segundo 'O Independente', rondará os 20.000 euros mensais, logo cerca de 280.000 euros anuais (20.000 x 14), sem contar provavelmente com todos os outros privilégios: automóvel topo de gama, ajudas de custo, telefones, etc., etc.,etc,.
Alan Greenspan, governador do Federal Reserve System Americano, o equivalente nos EUA ao nosso Banco de Portugal, ganha por ano 180.000 dólares (cerca de 145.000 euros), metade do que ganha o nosso (...) Victor Constâncio.
Posto isto nem sei o que dizer mais. Não é o Greenspan que ganha mal. É Constâncio e toda a sua equipa que ganha bem de mais. Multiplique-se isto tudo por dezenas de empresas públicas cujos administradores têm remunerações semelhantes.
E ainda vem o Presidente Jorge Sampaio pedir sacrifícios aos trabalhadores Portugueses por conta de outrem, cujo salário médio anual rondará os 11.500 Euros (segundo dados do ministério das Finanças), e sobretudo aos funcionários públicos, essa raça de incompetentes que ganham fortunas e nada fazem, que vêm as suas progressões congeladas. (...)»
J. J. Alfaiate

sexta-feira, 17 de junho de 2005

Eurofobia francesa

Grande maioria dos franceses tem saudades do Franco francês (mais de 70% entre os que rejeitaram a constituição europeia). Nada que um referendo não resolva. Já agora...

Correio dos leitores: Carcavelos

«Os meus parabéns pelo seu texto sobre os acontecimentos de Carcavelos. É exactamente aí que bate o ponto! Enquanto os gravíssimos problemas sociais que estão na origem de tais acontecimentos, e que se agravaram nos últimos anos, não forem atacados com firmeza e determinação, a repressão, que não contesto ser necessária, só por si não irá resolver nada! É dar uma aspirina para aliviar as dores de um canceroso, sem atacar a doença em si! Mas parece que há pouca gente que queira encarar o problema de frente... É mais fácil prender, e convencer a opinião pública de que se está, dessa maneira, a pugnar pela segurança dos cidadãos. E, não atacar de frente este flagelo social, é dar argumentos à direita para propagandear o seu populismo.»
(Carlos B.)

Greves

Para além das vantagens que têm sobre os trabalhadores do sector privado (segurança no emprego, remunerações, idade de reforma, cálculo da reforma, férias, baixas por doença, tempo de trabalho, etc.), os funcionários públicos têm ainda um outro "privilégio": as suas greves não prejudicam somente (nem principalmente) a entidade patronal (ou seja, o Estado), mas sim e sobretudo os utentes dos serviços públicos, isto é, a população em geral.
O que me parece, porém, da greve dos professores é que o seu evidente "oportunismo" temporal (coincidência com os exames) só pode virar contra eles a população. Com toda a justeza, aliás! Sendo este o primeiro teste à sua firmeza no que respeita às providências de disciplina das finanças públicas, o Governo, esse, não pode ceder. Em nome dos contribuintes e em nome dos utentes do sistema de ensino.

É o interesse próprio, estúpido

O relatório do INFARMED sobre a prescrição e venda de medicamentos genéricos não pode ser mais esclarecedor. É muita baixa a proporção de receitas médicas que prescrevem genéricos ou que autorizam a substituição dos medicamentos de marca por genéricos; mesmo quando isso sucede, na maior parte dos casos as farmácias não procedem à substituição, preferindo aviar os medicamentos de marca prescritos.
Mas a conduta de uns e outros é perfeitamente racional sob o mponto de vista do seu interesse pessoal. Com a sua dependência em relação aos laboratórios farmacêuticos (a começar pelos célebres congressos...), a maior parte dos médicos tende para receitar medicamentos de marca (até porque nisso são incentivados pela própria Ordem!...); por sua vez, os farmacêuticos têm todo o interesse em vender medicamentos de marca, muito mais caros, porque lucram mais, já que a taxa de comercialização não varia em função do preço.
Quem paga a factura são obviamente os utentes, visto que a comparticipação do Estado está calculada pelo preço dos genéricos, quando existem, pelo que, ao comprarem medicamentos mais caros, são eles que suportam integralmente a diferença.
O remédio só pode ser normativo: (i) obrigar à prescrição por DCI, pelo menos no SNS; (ii) obrigar as farmácias a aviar genéricos sempre que o médico não tenha imposto medicamentos de marca; (iii) diminuir a margem de comercialização das farmácias em relação aos medicamentos de preço mais elevado.

quinta-feira, 16 de junho de 2005

Referendo europeu conjunto. Ah, sim?

Diz a TV que o PM defende agora um referendo a realizar conjuntamente, no mesmo dia, nos Estados que se dispuserem ainda a ratificar o Tratado «Uma Constituição para a Europa». Ora bem.
Isso defendi também eu, na direcção do PS, mal o texto final do Tratado foi aprovado. E a ideia não era minha: circulava no Partido Socialista Europeu.
Talvez se tivesse evitado muita chatice. Talvez os cidadãos franceses, holandeses e outros vissem melhor a floresta - a Europa - e menos enfiassem à àrvore - os governantes que mal governam a Europa e os seus países.
Governantes de quem, apesar de tudo, se espera agora, neste Conselho Europeu, que mostrem uma réstea de visão, responsabilidade, liderança.
Não é que eu esteja muito esperançada. Olhem para a foto de família: é cada canastrão! Valha-nos o Juncker , que é o melhor e o mais realmente "socialista" deles todos.

Álvaro Cunhal

À distância de Bruxelas, segui algumas das imagens que a televisão proporcionou do funeral de Álvaro Cunhal. Impossível não ficar tocada pela discreção com que envolveu os sofridos últimos anos de vida. E pela manifestação de vontade política com que quis estar «presente» no seu próprio funeral.
Sim. Porque o acompanhamento popular solidário, comovido e massivo ao seu derradeiro destino constituiu a última figuração simbólica da inquebrantável unidade do seu Partido e do povo, por que toda a vida trabalhou. Bandeiras vermelhas ao alto, «Internacional» entoada a plenos pulmões, Lisboa e o país curvados à passagem do féretro, adversários e protagonistas políticos de todos os matizes evocando respeitosamente as suas qualidades: tudo constitui o legado triunfal e final que Álvaro Cunhal quis deixar ao país, ao Partido, aos camaradas e aos amigos.
Logrou-o, reconheçamo-lo, tão só porque foi um bravo, um homem forte e determinado. Um Príncipe do seu tempo. Tão impiedoso e frio na vertigem das suas ideias e princípios, quanto correcto, cortês e até afável nas relações pessoais.
Nos meus vinte anos, do alto da minha «verdade maoísta», vezes sem conta o tomei verbal e muralmente como alvo privilegiado a abater. Três decadas passadas, sem apagar divergências, declaro o meu respeito pela sua memória e admiração pela sua vida de combate. E por isso expresso solidariedade a todos, familiares e camaradas, que choram a sua perda.
A Ministra da Cultura sintetizou o que Álvaro Cunhal inspira hoje a quem, como eu, a certa altura combateu o seu projecto político: «Foi um herói contra o fascismo. E por isso também um construtor da nossa democracia».

quarta-feira, 15 de junho de 2005

Para a história

Desde os funerais de Maurice Thorez e de Palmiro Togliatti, há quatro décadas, que nenhum dirigente comunista europeu mereceu uma homenagem póstuma tão imponente como a que hoje foi tributada a Álvaro Cunhal. A história do movimento comunista ganhou uma nova iconografia.
(Imagem: "Funeral de Togliatti", por Renato Guttuso)

A África que Funciona

A África que Funciona é o título feliz do último número do Courrier Internacional. Raramente se fala deste lado de África. O que funciona em África não costuma ser notícia. Como não é notícia a vida que se sente nos mercados africanos, a energia e o esforço que se adivinha nos que por lá passam, compram e vendem. Essa África tão cheia de vida e resistente, fica lá, esquecida e localizada. Mas mesmo não sendo notícia, ela também existe. Felizmente!

Pôr tempo em meio

O presidente da Comissão europeia fala agora em suspender os processos de ratificação da constituição europeia. Tudo indica que o Conselho Europeu deste fim de semana -- que parece caminhar para um fracasso na questão financeira -- não tomará nenhuma orientação sobre o assunto, deixando a cada Estado a decisão sobre o que fazer, o que é um sinal de recuo evidente. Entre nós Mário Soares já fala numa renegociação do tratado. Neste contexto de depressão e dúvida, ainda faz sentido avançar com o referendo entre nós na data marcada?

terça-feira, 14 de junho de 2005

Comparar o que não é comparável

Como "moral" de uma meritória investigação às nomeações de pessoal pelo Governo Sócrates, o Jornal de Negócios conclui que o total de nomeações é superior ao do Governo Santana Lopes no mesmo período de tempo.
Trata-se porém de uma comparação de todo descabida. O governo de Santana Lopes era dos mesmos partidos do governo precedente (Durão Barroso), sendo vários membros do Governo os mesmos. Por isso nem estes precisaram de nomear novos gabinetes, nem o Governo teve de substituir a maior parte dos cargos de confiança política, como governadores civis, directores-gerais, dirigentes de institutos públicos, directores de serviços regionais do Estado, etc. As duas situações não são portanto comparáveis. Comparação relevante seria com o Governo de Durão Barroso.
Além disso, verifica-se que: (i) a grande maioria das nomeações dizem respeito aos gabinetes ministeriais, e mesmo aí a comparação com o Governo anterior é favorável ao actual; (ii) a maior parte das substituições nas administrações de empresas públicas ocorreram por termo do mandato, e não por substituição antecipada; (iii) não houve mudanças nos cargos dirigentes intermédios da Administração, salvo por termo do mandato, o que cumpre a promessa de retirar essas situações da categoria de cargos de livre nomeação política.
Também é pena que, na sua tarefa comparatística, o jornal não tenha notado que, ao contrário do que normalmente sucede com as mudanças de Governo, desta vez não houve mudança nem nas administrações nem nas direcções de órgãos de comunicação social públicos, o que é um progresso de valor inestimável...

"Clube anti-referendário"

Não, meu caro Luís Nazaré (post abaixo), eu não pertenço ao clube dos adoradores do referendo. Pelo contrário, sou assaz céptico, em geral. Mas não o excluo em certos casos. Defendo o referendo em relação à Constituição europeia porque entendo que as mudanças em causa justificam uma legitimação e uma responsabilização nacional acrescida.
Contudo, nunca defendi este referendo latitudinário sobre o tratado constitucional em globo, mas sim um referendo sobre questões concretas, tal como aliás dispõe a Constituição (por isso é que se tornou necessário rever a Cosntituição para permitir o referendo que se vai fazer). Penso que o referendo não é instrumento adequado para votar um texto complexo e multifacetado como a constituição europeia (ou qualquer outra). Como se viu na França e na Holanda, as pessoas votaram "não" pelos mais variados motivos, mesmo se contraditórios: uns por a constituição significar um excesso de integração, outros por não ser suficientemente federalista; uns por ela ser neoliberal, outros por não ser suficentemente liberal. Isto sem falar nos muitos que votaram contra por razões que nada têm a ver com a constituição, fazendo dela o bode expiatório de todas as queixas políticas da hora (contra Chirac, contra o desemprego, contra a entrada da Turquia, contra a globalização, etc. etc.).
Há ainda a enorme susceptibilidade dos referendos às conjunturas negativas (sem falar na sua vulnerabilidade ao populismo e à demagogia). Em tempos de crise económica e social, os referendos tendem inexoravelmente para o não. Fosse há meia dúzia de anos, numa fase de crescimento económico, de menos desemprego e boas perspectivas europeias, e o referendo da constituição europeia teria passado sem dificuldades. Por isso, o resultados dos referendos não depende somente do mérito das propostas em causa mas sim do contexto em que são votadas. E só isso bastaria para aconselhar as maiores reservas sobre as virtudes do referendo...

"Derrota laica"

É assim que o El País qualifica o resultado do referendo italiano que pretendia eliminar as restrições da lei sobre a procriação medicamente assistida, uma das mais limitativas da Europa. O referendo foi desqualificado por falta de quorum, tendo a participação ficado pelos 26%, muito longe da maioria exigida na Itália para ter efeito. A vitória foi reivindicada pela Igreja Católica, que se mobilizou militantemente pela abstenção, para anular o referendo.
Perante esta demonstração de força do Vaticano, que não hesitou em entrar directamente na campannha do referendo, as forças laicas italianas temem agora uma ofensiva católica contra a lei da despenalização do aborto.

Contas sem sentido

Os opositores do tratado constitucional da UE podem ser muito imaginosos e pouco rigorosos. Um dos argumentos mais recorrentes é o de que o tratado favorece os grandes Estados-membros e prejudica os pequenos, em particular Portugal. Isso sucederia desde logo no que respeita ao peso de cada país para efeitos da maioria qualificada no Conselho de ministros. Por exemplo, num artigo ontem publicado no Diário de Notícias, Paulo Pita e Cunha argumenta que o poder de voto de Portugal, «presentemente duas vezes e meia inferior ao da Alemanha e da França, passará a ser oito vezes inferior ao primeiro e seis vezes ao segundo».
Mas estas contas não fazem sentido. Actualmente, de acordo com o art. 205º do Tratado de Nice, vigora um sistema de voto plúrimo ponderado, em que cada Estado-membro tem um determinado número de votos, de acordo com a sua dimensão (por exemplo, Portugal - 12 e Alemanha - 29). A maioria qualificada é calculada com base no número total desses votos (232 de 321, o que dá cerca de 72%), desde que se trate da maioria dos países e que reúnam 62% da população. Destes três requisitos, dpois deles, o primeiro e o terceiro, favorecem os grandes países. Esse sistema de voto plúrimo foi abandonado no novo tratado constitucional, passando cada país a ter um único voto. No novo sistema simplificado de "dupla maioria" (art. I-25º), a maioria qualificada obtém-se com 55% dos países desde que representem 65% da população total da UE. Ou seja, à partida cada país representa um voto, em termos de perfeita igualdade, sendo a população (que favorece os grandes países) um segundo critério cumulativo. Se uma proposta não obtiver o voto de 55% dos Estados, não será aprovada, por maior que seja a percentagem da população dos países que a apoiem (actualmente basta uma maioria de países, desde que somem os votos "ponderados" e a população necessários).
Por conseguinte, o peso do voto de cada país no sistema do tratado constitcional não pode ser comparado tendo em conta somente o respectivo peso demográfico comparado. A população é somente um dos dois critérios conjugados no sistema da dupla maioria. É de exigir um pouco mais de rigor e de escrúpulo.

segunda-feira, 13 de junho de 2005

Bem-vindo ao clube anti-referendário

O excelente texto (infelizmente indisponível on line) do editor de economia do Expresso, Jorge Fiel, na passada sexta-feira, dispensou-o dos habituais ritos iniciáticos. O clube anti-referendário a que pertenço decidiu acolhê-lo com a categoria de mestre.

PS - Ainda não perdi a esperança de ver alguns dos mais fervorosos defensores da fé referendária aproximarem-se, por curiosidade ou ecumenismo intelectual, das ideias do nosso clube. Fiquei especialmente animado ao ouvir o meu colega Vital Moreira afirmar recentemente (no decurso de uma notável intervenção televisiva sobre o tema da constituição europeia) que "as medidas de austeridade anunciadas pelo governo nunca seriam aprovadas em referendo".

Até sempre, poeta!

Tu já tinhas um nome, e eu não sei
se eras fonte ou brisa ou mar ou flor.

Nos meus versos chamar-te-ei amor.

(Eugénio de Andrade, Madrigal)

Eugénio de Andrade


«Porque também para Mozart houve morte caríssimo! E se Mozart morreu, como poderão os meus amigos ser imortais? O Aires, a Nelmi, o Armando, a Matilde, o Célio, todos morrerão e eu com eles a cada instante. Mesmo tu David, acabarás também por morrer; as cordas deixarão de soar; uma poeira muito fina poisará docemente na tua harpa, para sempre

Eugénio de Andrade, Excessivo é ser Jovem, Em Memórias da Alegria

Álvaro Cunhal (1913-2005)

Mesmo quando esperada, a morte das grandes personagens que forjaram História nunca é uma ocorrência vulgar. Mesmo quando um mar ideológico nos separava deles, nunca o seu desaparecimento nos deixa indiferentes.
Contrariando a visão do "materialismo histórico" acerca do pequeno papel dos indivíduos na história, poucos influenciaram tanto os anais do século passado em Portugal, tanto pela acção como pelo pensamento, não somente no campo político (a luta contra a ditadura, a revolução portuguesa) mas também no campo literário, artístico e cultural, através da influência que durante décadas o PCP teve nesses domínios, sob sua directa orientação.
Mesmo sem nunca ter exercido o poder, Álvaro Cunhal tem um lugar cativo entre os protagonistas políticos do Portugal que hoje somos. E a sua gesta pessoal de revolucionário (clandestinidade, prisões, exílio) perdurará seguramente como imagem de uma das grandes figuras que o movimento comunista deixa para a história.

domingo, 12 de junho de 2005

Uma Europa sedutora

«A Europa tem de recuperar o seu encanto. Precisa de mais sex-appeal e de menos cheque-appeal! Precisa de uma nova ética.»
(Palavras de Filipe Gonzalez, hoje nas comemorações da adesão à Comunidade Económica Europeia).

Pela Europa



12 de Julho de 1985. 20 anos depois só posso agradecer a quem nos fez partir nesta viagem a devido tempo. Se alguma vez tivesse tido dúvidas sobre a opção e a oportunidade, elas ter-se-iam desvanecido numa visita à Bulgária no início do seu processo de democratização, em 1993. Ao sentir a sua ânsia de entrar na União, percebi melhor a dimensão do privilégio de quem já lá estava dentro. Tendemos hoje a trivializá-lo, mas seria bom que não esquecêssemos que do peso da União Europeia passa não só a qualidade de vida de cada um de nós, mas também a possibilidade de um mundo mais equilibrado, de um ponto de vista político, económico, social ou ambiental. Pela Europa, há 20 anos. Pela Europa, hoje muito mais ainda do que então!

Insegurança

O inédito "arrastão" da praia de Carcavelos só pode ter uma resposta forte em termos de segurança. Depois da demonstração de rigor e disciplina financeira, o Governo do PS tem de revelar a mesma determinação na questão da segurança, em que os governos de esquerda revelam habitualmente algumas dificuldades. Nada há de mais erosivo da confiança dos cidadãos nos governantes do que o aumento da insegurança. A garantia da segurança conta-se entre os mais fundamentais direitos dos cidadãos e entre as mais elementares tarefas do Estado.
No entanto, só um governo de esquerda pode também combater os factores da violência juvenil nos bairros suburbanos das áreas metropolitanas, povoados sobretudo por comunidades de origem africana, verdadeiros guetos onde mora a pobreza, o desemprego, o abandono escolar, o desamparo familiar, o desenraizamento e a exclusão social. Sem atacar a sério as raízes sociais dos "gangs" juvenis e por mais que se invista nas necessárias medidas de prevenção e de repressão da violência, a insegurança pode tornar-se um problema cada vez mais inquietante, com as suas sequelas em termos de fomento do racismo e da xenofobia.
Por isso, a questão da violência suburbana não é um assunto somente das forças de segurança e dos tribunais, longe disso.

Dez anos depois

Há 10 anos que a liberalização do sistema financeiro, a descida das taxas de juro e o aumento dos salários reais permitiam perceber que o fenómeno do endividamento iria ampliar-se a um ritmo muito acelerado. Era bom que então se tivesse iniciado um programa de prevenção do sobreendividamento. Mas, infelizmente, a democratização do acesso ao crédito não foi acompanhada de regulação que permitisse monitorizar, prevenir e remediar os seus efeitos menos desejados. Apesar disso, nunca é tarde para começar. Dez anos depois, retomamos algumas das nossas sugestões que se encontram na Aba da Causa.

Às avessas

Na sua crónica política semanal no Público, intitulada «Os chicos-espertos» -- onde critica certeiramente as limitações da revisão constitucional sobre o referendo do tratado constitucional europeu --, São José Almeida refere de passagem que o tratado confere «mais direitos aos poderes executivo e judicial, em detrimento do poder legislativo».
Ora esta ideia não tem fundamento, pelo contrário. Se há um poder que sai enaltecido na constituição europeia é indubitavelmente o Parlamento Europeu, que vê reforçadas as suas competências legislativas, orçamentais e de controlo político. Nesta fase da polémica sobre o tratado constitucional são incompreensíveis erros desta natureza.

sábado, 11 de junho de 2005

Vasco Gonçalves

Mal o conheci pessoalmente. Mas as duas ou três vezes que nos encontrámos em 1974 e 1975 revelaram-me um homem sério, empenhado, honesto, culto e idealista. Para ele a revolução ficou amarguradamente inacabada, muito aquém do "verdadeiro socialismo" por que lutava. Mas o principal que o 25 de Abril nos trouxe e nos legou -- a liberdade, a democracia, a modernização, o progresso social -- devêmo-lo também a ele, por menos que ele estimasse alguns traços dessa herança.
Sucede muitas vezes aos revolucionários não se reconhecerem nos resultados da revolução. Faz parte da natureza das coisas a realidade ficar aquém da utopia revolucionária. Revoluções bem sucedidas são as que ficam a meio caminho dos seus propósitos transformadores...

Uma votação viciada

Por muito racional que seja a ideia de que não podemos ficar reféns da França ou da Holanda na votação sobre o Tratado da Constituição Europeia, que há outros 10 países que já o aprovaram, o que é facto é que a partir de agora a votação está viciada. Já não votamos para saber se haverá novo Tratado ou não. Votamos com outro objectivo. Votamos, quando muito, para orientar uma discussão futura que não se sabe quando e como terá lugar. Votamos, enfim, depois de estar decidido o que estamos aparentemente a decidir. Por isso, não posso estar mais de acordo com a opinião de VJS publicada no DN e aqui transcrita. Uma votação desta natureza só podia ser simultânea.

Consumos supérfluos



Em várias discussões em que tenho participado sobre a questão do endividamento das famílias, levanta-se com frequência e questão de saber o que é ou não é consumo supérfluo. Costumo responder que, em teoria, só não é supérfluo aquilo que comemos e bebemos para sobreviver e já agora um tecto para não morrermos de frio ou de calor! Tudo o resto é cultural. Com o tempo, foram-se tornando não "supérfluos" e até de primeira necessidade o fogão, o frigorífico, os livros, a televisão, o carro, o telefone, etc., etc. Serve esta resposta para desarmar os que passam a vida a acusar o vizinho de consumista militante só porque "ousa" ir de férias para o estrangeiro. Cá por mim, na medida em que o seu rendimento lhes permita essa opção (e aqui entramos num outro plano de discussão), tomara que os portugueses viagem muito e assim conheçam outras culturas e estilos de vida, que se divirtam e sejam mais felizes.

O fim do euro?

Tal é a tese da última edição do The Spectator, como tema de capa e de artigo de fundo. A mensagem é clara:
«(...) in the end, without political union, history tells us that the euro experiment is doomed».
Mesmo que a ideia do fim do euro seja essencialmente uma expressão de "wishfull thinking" da referida revista da direita de inspiração anglo-americana, é indesmentível que a crise aberta pela rejeição do tratado constitucional pode criar sérias dificuldades à moeda única europeia. Será que o euro vai ser a principal "vítima colateral" do não à constituição europeia?

Tribunais "às moscas"

Enquanto existem muitos tribunais inundados com milhares de processos sem vazão, muitos outros há sem o número suficiente de processos. A sua concentração ou agregação com outros libertaria instalações, equipamentos, magistrados e demais pessoal. Haverá a necessária coragem política para redesenhar o mapa judicial e vencer as inevitáveis resistências locais?

Adenda
A propósito da excessiva dispersão territorial de certos serviços públicos, entre eles os tribunais, ver o meu artigo desta semana no Público, agora recolhido na Aba da Causa.

Boa pergunta

«Se há a preocupação de fazer coincidir a divulgação dos resultados das eleições para o Parlamento Europeu em todos os Estados da União, por que é que não se adoptou uma regra idêntica para a ratificação do tratado, com a realização simultânea de referendos ou votações parlamentares?»
(Vicente Jorge Silva, Diário de Notícias)

sexta-feira, 10 de junho de 2005

Canhoto

Um novo blogue à esquerda, da responsabilidade de António Dornelas, Paulo Pedroso e Rui Pena Pires. Canhoto se chama ele (como se fosse necessário dizer de onde vem...). Bem-vindo à blogosfera!

Privilégios

Depois de anunciar o fim de tantos privilégios injustificados da função pública (ou de certos sectores dela) e dos titulares de cargos políticos, urge atacar igualmente os inadmissíveis regimes especiais de pensões existentes em vários pontos do sector público, desde o Tribunal Constitucional até várias empresas públicas, a começar pelo Banco de Portugal, quase sempre em acumulação com o regime de pensões normal.

Abyssus abyssum

Os deputados do PSD na assembleia regional da Madeira não se recusaram somente a criticar a linguagem "carroceiral" e injuriosa do presidente do Governo regional contra os jornalistas e colunistas da imprensa. Solidarizaram-se com ele, elogiaram a bravura da atitude e aplaudiram entusiasticamente a sua valentia.
Na Madeira a aleivosia tem nomes nobres...

quinta-feira, 9 de junho de 2005

A sensibilidade do general

Exposição sobre a guerra colonial num aquartelamento militar. A sequência dos materiais e a retórica dos textos revelam uma deliberada nostalgia colonialista (um busto de Salazar abre a exposição...). Num dos painéis mostram-se figuras do «inimigo» (sem aspas, porém). Sem hesitar, um general que acompanha a visita pede uma esferográfica e acrescenta ostensivas aspas à incómoda palavra.
No final da exposição surge uma lista dos nomes dos quase 10 000 militares portugueses mortos nas guerras da Guiné, de Angola e de Moçambique. Um tributo pesado à insânia da Ditadura. Ao menos sabemos os seus nomes. Nunca saberemos o número e os nomes dos "inimigos" caídos no outro lado da guerra...

Sociologia elementar

Assisto, a convite, a uma parada militar. É fácil detectar a origem popular dos soldados em desfile disciplinado: são quase todos de baixa estatura.
E ainda dizem que as classes sociais desapareceram!

Ainda bem

Falharam as negociações para fusão da TAP e da Portugália. Ainda bem! O resultado seria a diminuição da concorrência no transporte aéreo e o prejuízo dos consumidores (supondo que a concentração seria autorizada pela Autoridade da Concorrência), além de uma privatização furtiva e selectiva da TAP em favor do accionista da Portugália (quando aquela for privatizada, que seja de forma transparente).

Novamente a co-incineração

Segundo o Jornal de Notícias, o Governo vai ouvir os membros da Comissão Científica Independente que, alegadamente, «determinou a co-incineração de resíduos industriais perigosos (RIP) na cimenteira de Souselas, no concelho de Coimbra».
Trata-se, porém, de uma encenação pouco séria. Na verdade, quem seleccionou Souselas foi o Governo, e não a CCI. Quando esta foi constituída já o Governo tinha escolhido as cimenteiras de Souselas e de Maceira (Leiria), ambas, por sinal, bem longe de Lisboa e da origem dos tais resíduos perigosos. A missão da CCI era avaliar a bondade, ou não, do processo de co-incineração de RIP em cimenteiras. Depois de validar e recomendar a co-incineração -- embora sem convencer muita gente --, a CCI escreveu o seguinte quanto às cimenteiras elegíveis:
«As melhores das unidades cimenteiras portuguesas são unidades que foram recentemente certificadas de acordo com as normas ISO (Outão ISO 9002 e ISO 14001 e Souselas e Alhandra ISO 9002), possuem um controlo automático dos fornos com registo permanente de parâmetros de operação, têm um bom desempenho energético a nível europeu, e participaram nas novas definições BAT a nível europeu. Encontram-se, pois, em condições tecnológicas de rapidamente incorporar os melhores procedimentos em curso a nível de cimenteiras europeias no processo de co-incineração no nosso país.»
Quanto à Maceira, que tinha sido escolhida pelo Governo, a CCI concluiu que ela não reunia condições para esse efeito. Por isso, entendeu que deveria ser afastada; e, depois de comparar as cimenteiras de Outão e de Alhandra, concluiu que aquela tinha uma ligeira vantagem, pelo que a recomendou em substituição da Maceira. Mas a CCI não analisou se Alhandra era ou não melhor do que Souselas. Ou seja, a CCI não procedeu à escolha das duas melhores cimenteiras entre as três elegíveis (incluindo na análise o impacto ambiental negativo do transporte de RIP para Souselas), tendo partido da escolha do Governo e limitando-se a excluir a Maceira, por falta de condições.
O que continua por esclarecer é a razão pela qual o Governo excluiu Alhandra e Outão à partida, embora a razão esteja à vista (afastar a co-incineração de Lisboa, claro!). E também não se entende por que é que a CCI, tendo resolvido ocupar-se da localização, não procedeu a um análise comparativa das 4 cimenteiras, para escolher as duas melhores para a co-incineração, tendo-se limitado investigar qual das duas que tinham ficado de fora da escolha governamental era a melhor para substituir a Maceira. E enquanto este ponto não estiver clarificado, a questão da co-incineração continuará inquinada pela suspeita de parcialidade política na escolha de Souselas deixando de lado Alhandra .
O novo Ministro insiste na confusão e no erro.

quarta-feira, 8 de junho de 2005

Aliados

É tocante ver o deputado do BE Fernando Rosas aplaudir hoje no "Público" (link indisponível) o anúncio britânico de suspensão do processo de ratificação do tratado constitucional da UE.
Julgávamos nós que a razão para a rejeição do tratado constitucional por parte do BE tinha a ver com a recusa do "modelo anglo-saxónico", "neoliberal" e "anti-social" (supostamente consagrado na constituição europeia), e contra a ideia de "directório" que Blair tão bem representa. Será que é com Blair e a Grã-Bretanha que a extrema-esquerda conta para a sua alternativa ao execrando tratado constitucional? Haja senso!...

Adenda
Embora com atraso, aqui fica o link para a Aba da Causa relativo ao meu artigo da semana passada no Público sobre as consequências da rejeição do tratado constitucional da UE.

Decepção

«Fora da Europa, de visita aos EUA, Blair deu uma entrevista ao Finantial Times expondo o que deve ser mantido no tratado. Nomeadamente uma presidência da UE exercida durante dois anos e meio (actualmente são seis meses) e a nomeação de um ministro dos Negócios Estrangeiros europeu.»
(Diário de Notícias)
Ora sucede que a maior parte dos rejeicionistas repudiam justamente essas duas instituições, que consideram "federalistas" (ver entre nós Jorge Miranda). Mas quando um antifederalista como Blair as considera essenciais, então é fácil ver que o tratado constitucional não tem alternativa na base do não.

Direitos adquiridos e expectativas

É evidente que só os deputados que já perfizeram 12 anos de exercício de funções é que têm um direito adquirido ao subsídio vitalício que a lei lhes confere quando abandonam funções (mas que só gozam a partir dos 55 anos de idade), pelo que não podem ser prejudicados pela lei que vai acabar com tal regalia (o mesmo vale para os membros do Governo e outros titulares de cargos políticos, e equiparados, na mesma situação). Nessa perspectiva, os que tinham expectativas de completar nesta legislatura o tempo necessário (ou seja, os que já tinham 8 ou mais anos, mas menos de 12 anos, de exercício de funções) não podem invocar tal protecção. Mas será que a sua forte expectativa não merece nenhuma salvaguarda?
Segundo parece, a solução proposta pelo Governo é a de manter tal direito aos deputados nessa situação (e provavelmente ao outros titulares de cargos públicos na mesmas circunstâncias), porém com um subsídio calculado com base apenas nos anos de exercício de funções completados até agora (embora deva ser condicionada, como é lógico, ao completamento dos 12 anos). É evidentemente uma solução compromissória, longe de arbitrária, destinada a resolver um problema político delicado. Se é esse o preço a pagar para adoptar pacificamente a lei -- que é uma das mais corajosas medidas do pacote de austeridade e de moralização financeira --, vale seguramente a pena...

terça-feira, 7 de junho de 2005

"Neoliberal", acusam eles...

Os nossos rejeicionistas da constituição europeia acham dignos de invocação alguns dos golpes de baixa argumentação dos partidários do "não" franceses destinados a provar a alegada natureza "neoliberal" do tratado constitucional, como perguntar quantas vezes o tratado constitucional utiliza, ou não, certas palavras, que no seu entender estão a mais ("mercado", "concorrência", etc.) ou a menos ("laicidade", "fraternidade", etc.).
Mas, para ser honesto, o argumento deveria: (i) primeiro, comparar com a utilização das mesmas palavras nos tratados em vigor (que continuarão em vigor se a constituição for chumbada); (ii) segundo, verificar a frequência de outras palavras igualmente relevantes para o seu argumento, como por exemplo, "social", "solidariedade", "igualdade", "justiça", "coesão", "democracia" e "democrático", "direitos humanos", "direitos fundamentais", etc. e comparar com a sua frequência nos tratados vigentes.
Assim, seria curioso apurar que, por exemplo, enquanto a palavra "mercado" aparece 64 vezes no corpo do tratado, o termo "social/sociais" surge 139 vezes, mais do dobro. Para uma constituição "neoliberal" e "anti-social" não está mau, pois não?
Já agora um teste para os rejeicionistas: na expressão "economia social de mercado", uma inovação do tratado (art. I-3º, 3), por que é que "mercado" conta e "social" não?

Peanuts

Ontem no debate Prós e Contras argumentou-se que o projecto de Constituição Europeia era vanguardista. Mas será que anteriores versões do Tratado, em especial o Tratado de Maastricht ou mesmo o de Roma, para ir às origens, não tinham essa vertente vanguardista ou, se quisermos utilizar uma palavra mais bem vista, essa vertente de sonho ambicioso? Ao pé deles, direi mesmo que o Tratado da Constituição Europeia, fora o nome, tem pouco de sonho e menos ainda de ambição! Peanuts, são peanuts as mudanças propostas à beira das que se fizerem em 1992!

E os parlamentos nacionais?

Um dos argumentos mais bizarros dos que rejeitam o tratado constitucional da UE consiste em acusá-la de não ter nascido do contributo dos parlamentos nacionais. Ora, importa sublinhar duas coisas: primeiro, nenhum tratado anterior da UE teve tanta participação dos parlamentos nacionais como este; segundo, nenhum tratado anterior atribui tanta importância como este aos parlamentos nacionais no funcionamento da UE.
Por um lado, uma das grandes inovações no procedimento de elaboração do tratado foi a "Convenção" que elaborou o projecto de constituição europeia, que foi formada por representantes das instituições europeias (16 membros do Parlamento e 2 da Comissão) e por representantes dos Estados-memebros (15 dos governos e 30 dos parlamentos). Portanto, o grupo de representantes dos parlamentos nacionais era, de longe, o maior grupo singular na Convenção. E se juntarmos os representantes dos Estados candidatos à adesão, que também participaram na Convenção, o número de deputados dos parlamentos nacionais sobe para 56 (30 + 26), uma folgada maioria absoluta na Convenção.
Por outro lado, o tratado constitucional dá pela primeira vez aos parlamentos nacionais um papel de participação activa na vida da União Europeia, mantendo-os informados, directa e imediatamente, de todas as iniciativas das instituições da UE, dando-lhes o direito de impugnarem qualquer iniciativa europeia que viole o princípio da subsidiariedade, institucionalizando a cooperação interparlamentar em matéria de assuntos europeus (conferência de comissões parlamentares de assuntos europeus) e permitindo-lhes apresentar às instituições da UE contributos para a vida desta. Os dois primeiros protocolos anexos ao tratado constitucional versam justamente sobre «o papel dos parlamentos nacionais na UE» e sobre a «aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade».
É nestas ocasiões que me interrogo se muitos adeptos do "não" sabem do que estão a falar...

Referendos

Há momentos de crise económica, social e psicológica em que os referendos só dão "não". Suponho não ser ousado dizer que neste momento qualquer que fosse o tratado europeu submetido a referendo (desde o tratado de Roma de 1957 ao tratado de Nice de 2001) seria rejeitado em vários países europeus, a começar pela França. O voto francês e holandês não foi contra a constituição europeia em especial, foi contra o estado da UE em geral, ou seja, foi contra os actuais tratados.

Vanguardismo

A acusação de vanguardismo contra os dirigentes políticos costuma ser um alibi do conservadorismo ou do populismo. Assim sucede hoje no debate da constituição europeia. A verdade é que toda a construção europeia foi, desde o início, um exercício de vanguardismo virtuoso por parte de uma elite de grandes dirigentes políticos europeus, desde Schumann até Delors. Sem a sua ousadia e o seu voluntarismo a UE não existiria.
Grandes dirigentes políticos não são os que se conformam com o "status quo" e com a opinião pública dominante em cada momento, mas sim os que conseguem conceber e implementar mudanças que depois se tornam convincentes para o povo.

domingo, 5 de junho de 2005

post tão absurdo que não poderia ser inventado

Uma conhecida minha, grávida de dois meses, acaba de casar com uma mulher numa cerimónia celta realizada em Tomar.

resposta a post lancinante

Queridos todos,
O «post que era para ser um mail mas assim fica mais enfatico» do Luis soou-me lancinante. Partilho-o, mai-las saudades.
Remédio: dia 3 de Julho, Azóia, almoço. Para quem não estiver a banhos, haverá banho...
Apitem!

Racionalização do território

No onda da determinação reformista, o ministro António Costa anunciou o propósito de fusão de freguesias e de municípios que tenham população diminuta, que são muitos, sobretudo no caso das freguesias. É uma boa notícia. Poupa recursos, simplifica a organização territorial e sobretudo reforça as estruturas do poder local.
Igual determinação deveria ser adoptada no caso dos tribunais, dos serviços de saúde, das escolas, etc., ou seja, em todos os casos em que existe excessiva dispersão de serviços e estabelecimentos públicos, que não permite um aproveitamento minimamente racional dos recusos humanos e financeiros existentes.

Turbopensões

Só pode merecer aplauso a notícia dada pelo primeiro-ministro sobre a preparação de uma lei a limitar a acumulação de pensões e de remunerações pelo exercício de cargos públicos. Mas o problema deve ser regulado também a montante, no que respeita aos regimes de generosas pensões "ad hoc" dos administradores de certas instituições públicas, muitas vezes sem base legal e criados por opacas comissões de remunerações (com intervenção dos próprios interessados) ou por esconsos despachos ministeriais.
Não é simplesmente aceitável que meia dúzia de anos de exercício de tais funções, já de si muito bem remuneradas, ainda confiram direito a uma pensão de elevado montante, acumulável tanto com a pensão normal como com a remuneração de eventuais cargos públicos futuros. É demais!
[corrigido]

quinta-feira, 2 de junho de 2005

post que era para ser um mail mas assim fica mais enfático por isso cá vai

Queridos companheiros de Causa, há muito que não jantamos todos. Como é? Quem faz alguma coisa em relação a isso? Já sabem que oferecia a minha casa de bom grado mas só caberiam lá o chapéu do Vicente, os óculos do Vital e a Maria Manuel. E, se a Ana mandasse uma gargalhada, arrebentava-me logo com as janelas. Alguém tome uma iniciativa, por favor. Tenho saudades.

instantâneos lisboetas - 2

No decurso da aflita troca de pneus mencionada no post abaixo, um carro parou perto de nós. O condutor põe a cabeça de fora e diz, "Isso está feio, hã? Precisam de ajuda?". Não, obrigados, respondemos - eu e a mulher do pneu furado, aguentando com dificuldade para não acordar a Avenida inteira às gargalhadas.
O carro afasta-se e ficamos os dois, entre risos, a imaginar como seria se o simpático condutor nos ajudasse: Tina Turner a girar o macaco, Michael Jackson a tirar as porcas, Bruce Springsteen a encaixar o sobresselente. Pois é. O bom samaritano era o Fernando Pereira.

instantâneos lisboetas - 1

Aqui há dias, em plena Avenida José Malhoa, mudei um pneu pela primeira vez. Melhor, eu - que a única coisa que percebo de carros é que têm um sítio onde se coloca uma chave e depois guiam-se - mudei um pneu a uma mui agradecida mulher bonita, só e à beira do desespero, às 5 da manhã. Senti-me eufórico.
Nem lavei as mãos, fui para casa, bebi uma cerveja de golada, arrotei, fui buscar o cachecol do SLB, pus os pernilongos descalços em cima da mesa, sintonizei no Vénus, sorridente, mandei para o ar um impropério de fazer inveja ao mais rigoroso Dicionário de Calão e só lamentei não ser casado. Sim, a única coisa que faltava para me sentir um verdadeiro macho latino era dar uma coça à minha legítima.

Antony & the Johnson's

Terça à noite, numa Aula Magna a rebentar pelas costuras, Antony veio ao mundo. Mais magro do que na sua passagem de há uns meses atrás pelo Lux, mas mais preguiçoso também (nunca se levantou do lugar ao piano). Vestido de preto, farta peruca morena, Antony, essa mistura de drag-queen com Montserrat Caballe, de referências tão díspares que vão de Lou Reed a Boy George (uma influência que nem Marante estaria disposto a assumir), cantou com a certeza absoluta de que a música nunca encontrou uma voz assim. O concerto foi emotivo e excepcional mas, ao contrário do que esperava, não foi um dos espectáculos da minha vida. Gosto de acompanhar os meus músicos preferidos, canção a canção. Mas a voz de Antony é tão inigualável e sublime que um comum mortal cantarola duas sílabas e logo se cala, constrangido e envergonhado, imediatamente remetido para a sua insignificância no universo. Não se faz.

quarta-feira, 1 de junho de 2005

Fundos da UE para Portugal:a lata do Dr. David

Vejo na TV e pasmo. Que lata!
Um artista português, pois claro, e do que o PSD tem de mais cosmopolita: o Dr. Mário David, Secretário de Estado para os Assuntos Europeus do Dr. Lopes, co-artífice do encaixamento do Dr. Barroso na presidência da Comissão.
A dizer, solene, num debate na AR hoje com o Prof. Freitas do Amaral, qualquer coisa do género «será inadmissível que o volume de fundos a vir da UE para Portugal no período das próximas perspectivas financeiras (2007-2013), seja inferior aos montantes do último Quadro Comunitário de Apoio».
Em finais de 2003/inicio 2004 o Dr. David estava em Bruxelas, ao serviço do PPE. Mas não lhe terá escapado a reacção da Dra. Manuela Ferreira Leite, então Ministra das Finanças, e do Dr. Durão Barroso, então Primeiro-Ministro, relativamente à proposta da Comissão Prodi que lançou a discussão das próximas Perspectivas Financeiras. Proposta que, à partida, previa uma redução de 5% dos fundos atribuidos a Portugal globalmente. Ambos, PM e Ministra, então desvalorizaram a redução e sublinharam que a proposta da Comissão era excelente base de negociação para Portugal. Tinham razão quanto ao fundo. Mas, ao dizê-lo, cometeram um erro táctico de palmatória: é que, qualquer aprendiz de assuntos europeus sabe que, a partir da proposta da Comissão, a negociação é sempre a descer. Por isso não convem desvalorizar a perda inicial, muito pelo contrário. O actual governo do PS herdou o quadro negocial já inquinado por este erro.
Depois, o Dr. Mário David também não ignora que a negociação das próximas Perspectivas Financeiras ficou logo, antes da partida, muito afectada por um «fait accompli»: o escandaloso acordo entre o Presidente Chirac e o Chanceler Schroeder, em Outubro de 2002, para sonegar à negociação entre todos os membros mais de 40% dos fundos a distribuir, consagrando-os à famigerada Politica Agrícola Comum, de que Portugal não é beneficiário líquido. E não ignora que o Dr. Durão Barroso, então Primeiro-Ministro de Portugal, deu o seu amen à negociata Chirac/Schroeder. Um acordo aberrante que explica que não haja agora mais fundos a distribuir pelos antigos países da coesão e os novos países membros, qualquer que seja o tecto orçamental a acordar.
Por fim, o Dr. Mário David não ignora que o seu correligionário Dr. Durão Barroso é hoje Presidente da Comissão. E que, para ele o ser, Portugal não tem hoje Comissário. Ou melhor, o membro português da Comissão chama-se Durão Barroso e é do PSD. É ele quem, ali, na negociação interna e na negociação com o Conselho, tem de velar pelos interesses financeiros, e não só, de Portugal.
O Governo PS herdou a negociação das Perspectivas Financeiras já na ponta final, se se encerrar o assunto em Junho, como será altamente desejável. E fará, sem dúvida, o que puder para obter o melhor resultado possível. O qual inevitavelmente, como o Dr. Mário David e o PSD bem sabem, vai implicar uma diminuição de montantes em relação ao último Quadro Comunitário de Apoio. Na qual, inegavelmente, o PSD terá uma substancial quota-parte de responsabilidade.
Por tudo isto, que lata, a do Dr. David e do PSD! Será que julgam os portugueses parvos?

Afirmar a UE: perspectivas financeiras já! «Scrap the CAP!»

Se os actuais líderes europeus ainda liderassem alguma coisa e quisessem tirar partido, em termos positivos, da crise aberta pelos resultados dos referendos francês e holandês, deviam já estar a dar instruções aos seus negociadores das Perspectivas Financeiras 2007/2013, para que as revissem em alta e preparassem tudo para um acordo final no Conselho Europeu de Junho.
Para isso deveriam contar com um substancial desvio dos fundos congelados para a desastrosa Política Agrícola Comum (os mais de 40% postos de parte pela escandalosa combinação, em Outubro de 2002, entre Schroeder e Chirac, com a benção do PM Barroso e dos demais....). Fundos que deveriam antes ser sobretudo afectados a políticas decisivas para capacitar a Europa face aos desafios da globalização: para financiar a Estratégia de Lisboa (qualificação, educação, inovação para mais emprego, crescimento e competitividade); a coesão social, económica e territorial; a política de ajuda ao desenvolvimento; e a política de segurança e defesa europeia (incluindo o combate anti-terrorismo e contra o crime organizado), etc...
Para trazer os franceses de volta à construção europeia é, sem dúvida, preciso combinar sabiamente «cenouras» (resultados numa Europa mais eficaz a promover o crescimento e o emprego, a proteger serviços públicos de qualidade, a assegurar a sustentabilidade dos sistemas de segurança social, a confrontar os desafios da globalização), com «paus» (bater com a porta na cara à Europa, pode dar gozo ou aliviar as frustrações, mas paga-se caro).
Desmantelar a actual PAC será também um serviço inestimável que a UE presta à França, incentivando-lhe uma reforma fundamental. Por muito que estrebuchem os escandalosamente protegidos agricultores franceses, que maioritariamente votaram contra a Constituição. Todos ficarão assim a compreender que «Quem semeia Nãos, recolhe ...os cacos da PAC».