segunda-feira, 31 de outubro de 2005

Citações: Greves judiciais

«As greves dos juízes e magistrados deram que falar, mas não tiveram grande importância. Primeiro porque, como notou há tempos Miguel Sousa Tavares, são irrelevantes alguns dias perdidos numa justiça que demora eternidades a dar qualquer passo. Depois, porque as greves não abalaram o prestígio da justiça portuguesa, pelo simples facto de que esse prestígio já não existe.»
(Francisco Sarsfield Cabral,"Independência", Diário de Notícias de hoje)

IVG - cumpra-se a lei!

Não haverá referendo sobre despenalização do aborto antes de finais de 2006. E o Primeiro-Ministro faz ponto de honra em cumprir esta promessa eleitoral. Mas pode e deve provar prematura a ironia de Ana de Sá Lopes, hoje, no «PÚBLICO», de que tão avulso rigor resulta de «não haver desígnio nacional» em causa. Eu, que acho que é sobretudo por falta de mundo que Sócrates ainda não percebeu o valor político de apostar em mulheres (daí o reduzido número no governo), faço-lhe a justiça de lhe creditar o entendimento de que a despenalização do aborto também involve direitos humanos: os das mulheres, à privacidade e a disporem do seu corpo.
Como pode então Sócrates, sem quebra de promessa, promover mais do que um «desígnio», o «imperativo» de assegurar às portuguesas a protecção de elementares direitos, consagrados na Constituição e nos principais instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados por Portugal?
Antes de mais, impedindo que uns senhores polícias e magistrados do Ministério Público, aparentemente sem mais nada de importante para fazer, continuem a entreter-se a consumir tempo de serviço e dinheiro dos contribuintes, perseguindo, investigando e acusando mulheres suspeitas de prática de aborto. Basta sugerir aos Ministros da Justiça, da Administração Interna e ao Procurador Geral da República que ponham os escassos recursos humanos e financeiros das polícias e do M.P. atrás da mais perigosa criminalidade, designadamente da criminalidade organizada. Todos recordamos Durão Barroso a fazer aquele número de chamar o Director da PJ e ordenar-lhe, diante das câmaras da TV, «mão pesada para os incendiários»; ninguém criticou. Cabe agora ver Sócrates a pedir «desvio da mão das suspeitas de aborto», fundamentalismo antes sobre os suspeitos de corrupção, fraude e evasão fiscal, por exemplo (vantagem tripla para o erário público).
Cabe também ao PM mostrar que respalda o seu Ministro da Saúde no esforço de fazer os hospitais públicos cumprirem a actual lei reguladora da IVG, facultando-a a quem preencha os critérios da lei. Basta fazer-se uma interpretação inteligente, semelhante à que se faz em Espanha, onde a lei não é realmente muito diferente da nossa. Identificar os profissionais médicos e de enfermagem que invocam objecção de consciência será útil para avaliar se ela também os tolhe nas horas de serviço em clínicas privadas (onde os abortos costumam ter outras recatadas designações...)
Mas sobretudo o PM tem de ser visto a respaldar o Ministro da Saúde no rápido licenciamento de clínicas privadas especializadas na IVG. Nos termos da lei actual, pois claro. Onde se facultem IVGs nas mesmas condições em que tantas portuguesas as vão fazer a Espanha. Que venha a «Los Arcos» e que se legalizem, exigindo os mesmo padrões, as congéneres que existem clandestinamente por esse país fora. Trata-se de vencer a resistência ao cumprimento da lei actual pela lógica do mercado. Veremos até onde objectarão então certas consciências...
Se o governo socialista agir já para fazer cumprir a actual lei, tudo pode mudar decisivamente. Nos mais elementares direitos das portuguesas. Sem depender do prometido referendo e sem que o PM desrespeite a promessa eleitoral.

domingo, 30 de outubro de 2005

Referendo

Há um argumento que eu não acompanho na justificação do Governo para a recusa de despenalizar o aborto sem referendo: a ideia de que «por princípio» uma questão decidida por referendo só deve ser alterada por essa mesma via.
Para começar, no primeiro referendo não houve decisão nenhuma, visto que o referendo não foi vinculativo, por falta de quórum. Independentemente disso, não se pode sustentar que, uma vez feito um referendo sobre certa matéria, a Assembleia da República fica privada de voltar a legislar sobre ela. Isso não é assim, nem sob o ponto de vista constitucional, nem sob o ponto de vista dos princípios da democracia representativa. Recorrer ao referendo não implica expropriar a AR, daí em diante, da sua competência legislativa nessa matéria.
As razões para sustentar a decisão que foi adoptada pelo PS (e que acho correcta) são ambas políticas: primeiro, o compromisso eleitoral assumido pelo PS no sentido do referendo, que só deve ser abandonado se o referndo não puder realizar-se em tempo útil; segundo, a ideia de que numa matéria destas, o referendo poder conferir à despenalização (suposto que desta vez esta solução sai vencedora...) não só uma maior legitimidade política, mas também uma maior estabilidade normativa.

Serviços sociais

Não faz nenhum sentido a abstrusa tentativa de comparação, feita pelo presidente do sindicato dos juízes, entre o subsistema de saúde de que gozam os juízes e os serviços sociais da Presidência do Conselho de Ministros -- que aliás existem em muitos outros departamentos da Administração Pública --, pela simples razão de que os segundos se destinam a proporcionar prestações sociais complementares, onde a componente de saúde é puramente marginal.
Mas a questão dos serviços sociais na Administração Pública levanta um problema relevante, para além do seu custo financeiro, que é o da desigualdade entre serviços e funcionários. Penso que, na medida em que sejam defensáveis, tais serviços sociais deveriam assentar em dois princípios básicos: (i) universalidade e igualdade das prestações sociais suportadas pelo Orçamento de Estado; (ii) prestações complementares suportadas por contribuições dos beneficiários.

sexta-feira, 28 de outubro de 2005

Para além do gozo...

Se Karl Rove é o cérebro de Bush, o que é Libby em relação a Cheney? O fígado? Agora que foi indiciado por perjúrio e obstrução à Justiça, será que vamos finalmente ver Cheney amargar?
E se Rove for pelo mesmo caminho? Se já é penoso aguentar Bush assim, o que acontecerá se a criatura ficar entregue à nesciedade inata?
Por onde irá a América? E o mundo? Pior é difícil, mas não impossível.

Irão: fantasias de destruição

O Presidente do Irão declarou que Israel devia ser "eliminado do mapa" durante uma conferência intitulada «Um mundo sem Sionismo». Hoje, numa marcha em Teerão, reiterou esta afirmação. Por muito chocante e odiosa que seja, ela só surpreende quem não acompanha a evolução do regime iraniano. Ou quem sobrepõe o petróleo e contratos a direitos humanos. Senão, vejamos:
O regime iraniano viola massivamente os direitos humanos dos seus próprios cidadãos e cidadãs. No exterior mantem ligações estreitas com o movimento xiita Hizb'allah, que, além de continuar a desestabilizar o Líbano com milícias à revelia da Resolução 1559 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, insiste em não reconhecer a retirada de Israel do Sul do Líbano (que foi considerada total pelas Nações Unidas) e jura continuar a luta. Num ataque terrorista levado a cabo pelo Hizb'allah em Buenos Aires em Julho de 1994, um edifício da comunidade judaica argentina foi literalmente demolido, causando 85 mortos e 240 feridos: o relatório judicial de Março de 2003 acusou vários diplomatas iranianos, incluindo o próprio embaixador na Argentina na altura, Hadi Soleimanpour.
Há fortíssimas suspeitas de que, além de apoiar o regime sírio (e o pai Assad era muito mais opressivo que o filho, que sobretudo não manda nada), o Irão também apoie o Hamas e a Jihad Islâmica (constam da lista de organizações terroristas da UE). A Jihad Islâmica reivindicou um ataque suicida a um mercado em Israel onde morreram 5 civis e foram feridas dezenas de pessoas, poucas horas antes do discurso de Ahmadinejad. As paradas militares iranianas são regularmente acompanhadas por slogans belicistas anti-americanos e anti-israelitas. A 22 de Setembro deste ano, os adidos militares europeus abandonaram ostensivamente uma dessas paradas, quando se deram conta que os mísseis balísticos de médio alcance eram acompanhados por cartazes apregoando «Morte à América, Morte a Israel, Israel tem que ser eliminado da face da terra».
As declarações de Mahmoud Ahmadinejad confirmam que, depois da saída do seu predecessor Khatami (que melhorou relações com a Europa e assumiu a importância de se encontrar uma fórmula de coexistência entre palestinianos e israelitas), o Irão voltou atrás no tempo.
Saeb Erekat, chefe da equipa que negoceia com Israel em nome da Autoridade Palestina, salientou a natureza contraproducente e fantasista das declarações de Ahmadinejad: "Os palestinianos reconhecem o direito de Israel existir. Rejeito estes comentários. Precisamos de discutir como introduzir um Estado palestiniano no mapa, e não como eliminar o Estado de Israel."
A perigosa retórica dos radicais do regime iraniano, a recusa em se integrarem na comunidade que compõe as Nações Unidas e de se pautarem pelo direito internacional, são precisamente a razão pela qual o mundo tem calafrios perante a hipótese de um Irão nuclear. E enquanto os ayatollahs não aceitarem - como fizeram o Egipto e a Jordânia, por exemplo - que Israel está para ficar, a comunidade internacional vai continuar a considerar o programa nuclear iraniano muito mais ameaçador do que o real arsenal nuclear israelita. Como podemos convencer Israel a abrir mão da Bomba, enquanto alguns no Irão continuam a alimentar semelhantes fantasias de destruição?
Em finais de Junho, em Londres, num encontro com uma delegação da Comissão de Assuntos Externos do PE sobre o programa da presidência britânica da UE, o MNE Jack Straw respondeu a uma pergunta minha sobre como via o evoluir do regime iraniano face à eleição do «durão» Ahmadinejad (dias antes) e repercussões nas negociações da UE com Teerão sobre o programa nuclear iraniano. O Ministro mostrou-se optimista, embora cauteloso: «Temos de dar o benefício da dúvida ao homem...".
Subscrevo parcialmente o que Kofi Annan e Tony Blair disseram em relação a esta diatribe de Ahmadinejad: estou «enojada»; «estupefacta» é que não.

quinta-feira, 27 de outubro de 2005

Insistir no disparate

Mesmo depois do que aqui escrevi há dias sobre a data da entrada em vigor da lei que põe termo aos privilégios dos titulares de cargos políticos, há quem insista no erro, cheio de descabida ira. E se da primeira vez podia ser somente desmazelo, da segunda vez já só pode ser negligência grosseira, ou pior.

Sahara Occidental: aux portes du terrorisme

Já está na ABA DA CAUSA o meu artigo sob o título acima que foi publicado anteontem pelo jornal francês "DNA- Dernières Nouvelles de Alsace" e pelo jornal belga "LE SOIR" ontem.
Curioso que imprensa francesa e belga se tenham interessado e espanhola não... "Et pour cause!"
E a causa é a insustentável situação de opressão que se vive no Sahara Ocidental, e pela qual a nossa vizinha Espanha (mas não só) tem grandes responsabilidades (como Portugal tinha em Timor-Leste). E o interesse que o assunto começa a suscitar no Parlamento Europeu, apesar das pressões e chantagens que o regime marroquino desencadeou para evitar uma resolução sobre a situação dos direitos humanos no Sahara Ocidental. Que eu iniciei no grupo socialista do PE.
Pressões e chantagens que falharam redondamente - a resolução foi aprovada sem votos contra e uma abstenção. E antes, com o plenário do PE a abarrotar, fora derrotada esmagadoramente uma proposta presidencial para adiar a votação...
A resolução apoia o envio de uma missão do PE ao Sahara Ocidental para investigar a situação dos prisioneiros políticos e dos direitos humanos em geral. Seria bom que Marrocos não lhe impedisse o acesso, como impediu missões que o Parlamento espanhol tentou enviar recentemente. Senão, isto no PE ainda é só o princípio...

Quem governa?

O meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe, encontra-se também na Aba da Causa. Para ajudar a situar o lugar do Presidente da República no nosso sistema constitucional.

Proliferações....

No sábado passado, o Dr. Miguel Monjardino explicou na revista SÁBADO que discordava de um meu artigo publicado no EXPRESSO dia 15.10, intitulado 'Irão e nuclear'. (ver ABA DA CAUSA).
Li com atenção o Dr. Monjardino. E o que mais me surpreendeu foi a total ausência de reflexão - ou mesmo opinião - sobre o futuro do Tratado de Não proliferação Nuclear (NPT).
E é isso que explica o nosso desacordo: enquanto eu vejo a crise nuclear iraniana no contexto global da erosão do regime de não proliferação nuclear, o Dr. Monjardino ignora este aspecto e argumenta como se de uma questão bilateral - entre Washington e Teerão - se tratasse. Só espero que o Dr. Monjardino não se esqueça também de mencionar o NPT (e os direitos e deveres que daí decorrem para os seus signatários) aos alunos na sua Universidade....
Segundo o Dr. Monjardino, o meu erro principal é o de defender que "abolir o actual arsenal nuclear americano...iria tornar mais difícil a países como a Rússia, China, Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Irão manter os seus programas ou ambições nucleares." Defenderei isto tudo "implicitamente"...
Costumo ser bastante explícita nas minhas ideias e julgo tê-lo sido também desta vez. O que eu escrevi foi: "o NPT estabelece um equilíbrio entre as obrigações das potências nucleares legais em desarmar gradualmente e o direito dos restantes estados em adquirirem, de forma transparente e legal, tecnologia nuclear para fins civis. Cada sinal por parte da França, Reino Unido, Estados Unidos, China e Rússia de que não querem desarmar nos termos do art. 6 do NPT, representa mais uma machadada neste equilíbrio crucial."
Ao ignorar as minhas referências ao equilíbrio entre desarmamento e não-proliferação na base do NPT, e ao dever de todas as potências nucleares o respeitarem, o Dr. Monjardino reproduziu o meu argumento incorrectamente. Nunca defendi que o programa nuclear iraniano per se dependesse da abolição do arsenal nuclear americano, mas sim que o futuro do NPT a longo prazo também passa por gestos na direcção do desarmamento nuclear pelos EUA e pelas outras 4 potências nucleares autorizadas.
Mas é verdade que saliento particularmente as contribuições dos EUA para a erosão do NPT. E não estou só. A revista The Economist, a 20 de Outubro, num artigo sobre a estratégia diplomática da administração Bush em relação à não proliferação, significativamente intitulado "Nuclear confusion", salienta vários exemplos da forma errática e selectiva como os EUA exigem a aplicação do NPT. Referindo-se ao exemplo mais recente e talvez mais gritante - o recente acordo nuclear com a Índia - o The Economist lembra (e muito bem) que "bending the rules for India makes it harder to uphold them elsewhere...". Numa altura em que se procura desarmar a Coreia do Norte e evitar que o Irão adquira armas nucleares (e a Venezuela e outros...), os EUA decidem coroar como legítima uma potência nuclear (a Índia) à margem da lei. E continuam a fingir não reparar nos seus aliados Israel e Paquistão, também fora da lei neste domínio, com arsenais que só dão "argumentos" para a proliferação a vizinhos (incluindo, precisamnete, o Irão). Nuclear confusion, indeed!
Também não defendi que as potências nucleares concentrassem esforços na demanda do Graal (a abolição total de arsenais nucleares), mas sim que contribuíssem de forma responsável e gradual - nomeadamente através de medidas de desarmamento no contexto do NPT, mas também através de uma diplomacia nuclear coerente e realista em relação ao Irão, por exemplo - para o fortalecimento dos consensos à volta do regime de não-proliferação a longo prazo. Porque, apesar de serem complexas e muitas vezes difícil de aplicar, as regras do NPT são as únicas que temos. E como diz o The Economist, referindo-se ao hábito desagradável desta Casa Branca de aplicar dois pesos e duas medidas no cumprimento do NPT, «breaking those rules can lead to anarchy".
E assim proliferam os "anti-americanos primários", para desapontamento do Dr. Monjardino! Até o "The Economist"....

(PS - Este texto foi escrito e enviado através da Sábado ao Dr. Monjardino antes do ataque odioso do Presidente iraniano contra Israel e os EUA. Que não me leva a mudar uma palavra. Mas em breve o comentarei).

quarta-feira, 26 de outubro de 2005

Patético

A anunciada queixa apresentada na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas pelos dirigentes sindicais dos juízes e magistrados do Ministério Público relativa a uma alegada violação da independência dos tribunais em Portugal, por causa das medidas do Governo quanto às suas regalias económico-profissionais, seria ridícula se não fosse patética. Haja pudor!

terça-feira, 25 de outubro de 2005

O controlo do poder judicial

Tentando virar o bico ao prego no que se refere à greve judicial, que a opinião pública condena por ter por motivo a defesa de privilégios de grupo, o presidente do sindicato dos juízes veio dizer que «há uma tentação de controlar o poder judicial». De facto, essa tentação existe e toda a gente já viu de onde ela vem: justamente dos sindicatos dos magistrados!

Impressões


Sempre me fascinou a escultura dos relógios em frente à gare Saint-Lazare, em Paris, cuja autoria desconhecia. O seu autor morreu agora em Nova York. Chamava-se Arman, e Le Monde considera-o «sans doute le représentant le plus novateur du Nouveau Réalisme, qui a révolutionné l'art en 1960».

Ignorância e preconceito

O artigo de João Marques de Almeida no Diário Económico de ontem é um excelente exemplo da prevalência da ignorância histórica e do preconceito ideológico no discurso neoliberal. Segundo o autor, o modelo social europeu teria tido a sua origem nos regimes autoritários de tipo fascista e nazi entre as duas grandes guerras do séc. passado, continuados pelos regimes democráticos do após-guerra, apostados em retirar massa de apoio ao comunismo soviético.
Ora, a verdade histórica é que o modelo social europeu tem pelo menos três origens muito anteriores aos anos 30 do século passado, a saber, a segurança social bismarckiana dos anos 80 do séc. XIX na Alemanha, a "socialismo municipal" francês do final do sec. XIX, que criou a ideia dos serviços públicos essenciais, e a ideia dos direitos económicos e sociais, pela 1ª vez afirmados na Constituição da República de Weimar (1919).
Identificar as origens do modelo social europeu com o fascismo ou o nazismo (que procuraram encontrar nas políticas sociais a legitimidade política que a ditadura lhes negava) revela um inaceitável enviesamento histórico. E a afirmação final de que «a reforma do "modelo social europeu" é o passo que falta para concluir a Guerra Fria» só pode soar àquilo que é, ou seja, uma tirada propositadamente provocatória.

segunda-feira, 24 de outubro de 2005

Alarme falso

Com chamada de 1ª página, o Diário de Notícias de hoje proclama que os «partidos permitem que autarcas mantenham privilégios até 2009» (notícia que ecoou noutros media). Argumenta o jornalista que a Lei n.º 52-A/2005, de 10 de Outubro, que revogou as pensões e subsídios de reintegração dos políticos, remete para 1 de Novembro a sua entrada em vigor, altura em que já terão tomado posse os autarcas recentemente eleitos, os quais ficarão no regime antigo até ao fim do mandato agora iniciado, por efeito de uma norma transitória da própria lei.
Mas não é assim. A lei não tem nenhuma disposição de entrada em vigor, pelo que se aplica a regra geral da "vacatio legis" (Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro), que é de 5 dias, no Continente, e de 15 dias nas ilhas, pelo que a entrada em vigor é 15 e 25 de Outubro, respectivamente. A norma que referia a entrada em vigor no 1º dia do mês seguinte à publicação pertence à versão originária da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho (Estatuto dos Autarcas), republicada em anexo à lei de alteração, mas que não tem agora nenhum relevo.
Um pouco mais de cuidado jornalístico teria poupado um alarme falso.

Tentações

Se vier a confirmar-se o anunciado veto do Tribunal Constitucional à realização do referendo sobre a despenalização do aborto na presente sessão legislativa, entendo que há duas tentações em que o PS não deve cair, por mais inconvincente que seja aquela decisão e por mais inesperada que seja a contrariedade.
A primeira tentação é a de resolver a questão por via legislativa, prescindindo do referendo. Para além de faltar a um compromisso eleitoral, que a indesejada demora não preclude, o PS daria o flanco a fáceis acusações da oposição de direita, que não deixaria, inclusivamente, de pressionar o Presidente da República a exercer o poder de veto. Em matérias destas são de estilo a paciência e a prudência. O referendo só deve ser dispensado se, na próxima oportunidade, quem o pode convocar o não fizer.
A segunda tentação seria aprovar medidas legislativas transitórias, tendentes, por exemplo, a suspender os processos pendentes, até à esperada despenalização, ou outras medidas paliativas -- que a direita até está ansiosa por aprovar, hipocritamente, só para tentar dispensar a descriminalização --, que só podem perturbar a clareza da alternativa em causa. Já que quem podia decidir decidiu que seja o povo a decidir, então que tudo seja por ele dicidido.

Do mal, o mais

No duelo entre as duas direitas na segunda volta das eleições presidenciais na Polónia ganhou o candidato conservador (incluindo o apoio dos círculos mais reacionários), em confronto com o candidato liberal. Curiosamente, ambos os partidos, depois de terem os mais votados nas recentes eleições legislativas, preparam-se para governar em coligação. Tudo em família, afinal...

domingo, 23 de outubro de 2005

sábado, 22 de outubro de 2005

Rejuvenescimento

Os funcionários públicos que recorreram à greve para protestar contra a elevação da idade de reforma argumentam que isso vai impedir o "rejuvenescimento" da função pública. A preocupação dos zelosos funcionários com a coisa pública mereceria todo o aplauso, se não fosse para desconfiar que a única ciosa que os preocupa é rejuvenescer as fileiras... dos reformados.

sexta-feira, 21 de outubro de 2005

"Democracia e socialismo"

Parece que a partido comunista chinês aprovou um documento sobre os progressos da "democracia socialista" naquele País!
Na terra do mais selvagem capitalismo, onde mais de 150 milhões de pessoas vivem na pobreza, falar em socialismo só pode ser uma provocação à história; e num país onde vigora um regime autoritário de partido único e onde faltam as mais elementares liberdades políticas, falar em democracia só pode ser uma anedota de mau gosto.

quinta-feira, 20 de outubro de 2005

A «cabala» sobre o Iraque

O Financial Times ilustra mais uma vez o "anti-americanismo primário" que grassa na imprensa europeia nos tempos que correm. O diário britânico atreve-se a escrever que, no seguimento de uma intervenção no Senado americano de Condoleezza Rice (http://news.ft.com/cms/s/bbc31062-40d8-11da-b3f9-00000e2511c8.html), "senators appeared disappointed with her reluctance to lay out a clear path for the future."
Mais: naquilo que os apoiantes da invasão do Iraque em Portugal (onde estão eles, tão caladinhos, ultimamente?) certamente considerarão um delírio radical sem precedentes da parte do FT, o mesmo artigo sublinha o caos que caracteriza a política da Casa Branca em relação ao Iraque, dizendo que "the stated goals of the Bush administration appear to shift from week to week". Enfim, convenhamos que 2.000 mortos e 15.000 feridos americanos e incontáveis vítimas iraquianas chegarão para dar a volta à cabeça mesmo de um reputado jornal de centro-direita....
Preocupante ainda para os nossos (agora discretos) incondicionais de Bush, será o "anti-americanismo" que tolda o juízo de um dos principais colaboradores de Colin Powell, o homem que acompanhou o ex-MNE americano durante 16 anos no Pentágono e no Departamento de Estado: o Coronel Lawrence Wilkerson (certamente um perigoso esquerdista para espadachins "neo-cons" da nossa praça declarou: //news.ft.com/cms/s/afdb7b0c-40f3-11da-b3f9-00000e2511c8.html):
"What I saw was a cabal between the vice-president of the US, Richard Cheney, and the secretary of defense, Donald Rumsfeld, on critical issues that made decisions that the bureaucracy did not know were being made. ... Now it is paying the consequences of making those decisions in secret, but far more telling to me is America is paying the consequences.... I would say we are courting disaster." O Coronel apresenta a "cabala" daqueles falcões como explicação para a demora dos EUA em dar atenção às negociações com a Coreia do Norte e o Irão (apoiando a Europa). Quanto aos horrores de Abu Ghraib, o "esquerdalho" Coronel Wilkerson chama a atenção para o óbvio: "You don't have this kind of pervasive attitude out there unless you've condoned it."
O debate nos EUA, e acima de tudo no Congresso americano, está cada vez mais a expôr e confirmar os piores temores de alguns de nós sobre as causas e consequências desastrosas da política de Bush. Mas também incentiva esperança na sanidade racional de importantes sectores da sociedade americana.

Falar no ar

A mais original contribuição para a moda presidencialista agora em voga é seguramente a daqueles que acham que a mudança da forma de governo nem sequer precisa de alteração constitucional. Hoje, por exemplo, no Público, o sociólogo M. Vilaverde Cabral defende que o Presidente da República passe a presidir ao conselho de ministros (por sua decisão, subentende-se, à margem da vontade do primeiro-ministro) e assevera que nada na Constituição proíbe isso. Se coisas destas podem ser ditas por pessoas que, mesmo sem serem juristas, têm a obrigação de não falar no ar, o que mais poderemos esperar dos outros?

A quem possa interessar

O meu artigo desta semana no Público, intitulado "Deriva presidencialista", encontra-se dispoível, como habitualmene na Aba da Causa.

quarta-feira, 19 de outubro de 2005

Assim vão decaindo as instituições

Face à decisão estudantil de fechar a Porta Férrea a cadeado (aprovada numa "assembleia magna" de 300 pessoas...), o Reitor da Universidade de Coimbra resolveu cancelar a tradicional cerimónia solene de inauguração do ano académico.
Não se perde grande coisa, é verdade. Tudo bem, por isso? Tudo mal, evidentemente! Quando uma minúscula minoria consegue paralisar a vida de uma Universidade e torná-la refém dos seus caprichos, é conveniente lembrar que as instituições, por mais radicadas na história, também morrem. Por complacência e cobardia.

Super Mário

Nasceu o "Super Mário", o "blogue não oficial" de apoio à candidatura de Mário Soares à presidência da República, de cuja equipa redactorial faço parte, juntamente com outros conhecidos apoiantes deste novo desafio cívico e político do antigo Presidente.

Inovação democrática à esquerda

Ao escrever na sua crónica jornalística no Público que «Primárias plebiscitam Romano Prodi como líder da oposição em Itália» (versão electrónica disponível somente para assinantes), Jorge Almeida Fernandes não faz jus à inédita iniciativa das forças de esquerda italianas, que decidiram submeter à votação do conjunto dos seus simpatizantes a escolha do seu candidato à chefia do Governo, em vista das eleições parlamentares do próximo ano. Por um lado, a noção de "plebisito" não tem propriamente conotações democráticas, visto que designa as formas populistas ou autoritárias de legimitação do poder político pessoal; por outro lado, as "primárias" italianas foram tudo menos um plebiscito, seja pelo número e notoriedade dos concorrentes, seja pela seriedade do debate e pela serena mobilização dos cidadãos que participaram no exercício. A elevada taxa de apoio a Prodi apenas reflecte a evidência de que o antigo primeiro-ministro e abtigo presidente da Comissão Europeia é quem está em melhores condições para colher o consenso da esquerda e dos seus eleitores.
Com o sucesso desta inovação, a esquerda italiana começa bem o seu assalto eleitoral ao poder de Berlusconi.

terça-feira, 18 de outubro de 2005

O mais poderoso grupo de interesses?

O lado bom da notícia é que o Governo decidiu, finalmente, pôr fim às restrições à liberdade de estabelecimento de farmácias (fim da distância mínima entre elas e da capitação populacional mínima). O lado mau é que se mantém o monopólio profissional dos farmacêuticos, a quem continua reservado o direito exclusivo de estabelecimento.
Depois de ter levado de vencida, com coragem e determinação, todos os grupos profissionais que lhe apareceram pela frente (professores, militares, polícias, juízes e demais profissões judiciárias), Sócrates resolve claudicar perante os farmacêuticos.
O que é que têm essa corporação, que é diferente das outras?

Os bairros que nos envergonham

Ali está a fotografia, uma imagem de miséria e ruína, uma mulher negra com o filho ao colo numa rua entre ruínas, na primeira página do International Herald Tribune. A legenda: «Um 'bairro de lata' na Amadora, Portugal, habitado por imigrantes recentes, no maior parte oriundos das antigas colónias portuguesas em África». O imagem ilustra um artigo sobre as bolsas de pobreza na Europa, e o título não podia ser mais comprometedor: «Na igualitária Europa, um mal escondido mundo de miséria»...

segunda-feira, 17 de outubro de 2005

Cartas dos leitores: Sessão legislativa

«Toda esta trapalhada sem sentido sobre estar-se ou não ainda na mesma sessão legislativa teria sido evitada se tivesse ficado estipulado que uma proposta de referendo recusada só poderia ser renovada 365 dias mais tarde. Em vez de se falar de "sessões legislativas" falar-se-ia de dias comuns, um conceito muito mais simples.
Ou não?»

Luís Lavoura

Comentário
Não se trata de garantir um intervalo mínimo de um ano para repetir uma iniciativa referendária que tenha sido rejeitada. O que a Constituiçãon veda é a multiplicação da mesma iniciativa, proibindo que a mesma iniciativa seja retomada no mesmo ano parlamentar. Porém, se tiver sido rejeitada no final de um ano parlamentar, ela pode ser repetida logo no início do ano parlamentar seguinte, ou seja, com um intervalo de dias ou semanas.

Impressões

Haverá porventura ambiente mais lúgubre do que um grande aeroporto deserto, numa noite de domingo? Bruxelas, por exemplo.

domingo, 16 de outubro de 2005

Irão e proliferação nuclear

Já está na ABA da CAUSA um texto meu sobre o tema acima, que o EXPRESSO publicou ontem, 15.10.05.

Ceuta, Melilla e Fortaleza Europa

Já está na ABA DA CAUSA o texto «FORTALEZA EUROPA" em que abordo mais em detalhe o problema com que a Europa está confrontada em Ceuta, Melilla e Lampedusa. O referido texto foi publicado pelo "COURRIER INTERNACIONAL" a 14.10.05.

Uma nova estratégia da UE para África

Nos dois minutos que me couberam, comentei da seguinte forma o anúncio pelo Comissário Louis Michel de «Uma nova estratégia para África», no Plenário do Parlamento Europeu no passado dia 12:

"Ceuta e Melilla demonstram que a prática europeia para África, apesar da retórica, está a fracassar. Este não é um problema só espanhol-marroquino, nem pode ser tratado só sob o ângulo do controlo da migração ilegal. É um problema de toda a União e questiona a nossa credibilidade em matéria de direitos humanos.
Precisamos efectivamente de uma estratégia nova e coerente para África.
Uma estratégia que redobre a eficácia da política de desenvolvimento, fazendo-nos cumprir os Objectivos da Declaração do Milénio, o que implica dar-lhe expressão adequada no orçamento da União e uma melhor articulação da Comissão com os Estados-Membros. Implica também promover o comércio justo e para isso rever a Política Agrícola Comum, de impacto tão desastroso para os países em desenvolvimento.Implica combater a corrupção - e isto é uma via com dois sentidos.
Precisamos de uma estratégia que ponha a União Europeia na linha da frente da concretização do novo conceito da responsabilidade de proteger, incrementando as capacidades europeias na manutenção e construção da paz, em apoio conjugado da acção da União Africana. E combatendo a impunidade dos responsáveis por crimes contra a humanidade, através Tribunal Penal Internacional e outros Tribunais. Casos-teste são, desde já, Hissène Habré, Charles Taylor, e os responsáveis por Darfur.
Precisamos de uma Europa mais eficaz no apoio aos processos eleitorais, à sociedade civil, às ONG, às instituições democráticas, ao "empowerment" das mulheres e pela boa governação em África.
Precisamos, por fim, duma União Europeia que promova a paz e a segurança global, travando o passo ao terrorismo também em África. Atacando as causas profundas do terrorismo, mas atacando também, de uma vez por todas, a proliferação de armas no continente africano. Armas exportadas, entre outros, por europeus, que assim alimentam os conflitos que destroem África.
Ceuta, Melilla e Lampedusa questionam a segurança em África e a nossa segurança também. Os migrantes e os refugiados que fogem, fogem porque desesperam! Desesperam, também, pelo silêncio e inacção da Europa. Como no conflito do Sahara Ocidental. É desse desespero e raiva que se alimentam as hostes do terrorismo internacional, cujos recrutas conseguem penetrar, por mais que a Europa aumente os muros nas suas fronteiras."

sábado, 15 de outubro de 2005

Histórias que ficaram por contar

Memórias de mulheres cujos maridos um dia abalaram para Peniche ou Caxias. Memórias esquecidas ou nunca totalmente reveladas. Como aquela de que a Cruz Vermelha nunca apoiou as famílias dos presos políticos antes do 25 de Abril. Porém foi rápida no apoio às famílias dos agentes da PIDE no período que se lhe seguiu. Memórias de quem está sereno mas não esquece, hoje à noite recuperadas numa excelente reportagem coordenada por Daniel Cruzeiro para SIC.
(Imagem do Forte de Peniche publicada in EscritaCom Luz)

"Direito ao subsistema"

Os funcionários dos grupos parlamentares, que até agora beneficiavam do subsistema de saúde dos serviços sociais do Ministério da Justiça (!?), privilégio que vão perder, não querem ficar sem alternativa, porque acham que «não podem ficar sem subsistema».
Têm toda a razão, evidentemente! Sem subsistema como é que se distinguiriam dos demais trabalhadores?

Razões

Segundo a imprensa, o Tribunal Constitucional vai chumbar a convocação do referendo sobre a despenalização do aborto, aderindo assim à bizarra teoria de que a Assembleia da República ainda se encontra na mesma sessão legislativa que antes das férias parlamentares, pelo que a iniciativa do referendo não pode ser renovada antes de 15 de Setembro do próximo ano.
Quer dizer: segundo as regras constitucionais gerais, uma iniciativa referendária reprovada por exemplo em 15 de Julho (ou mesmo em 14 de Setembro...) pode ser renovada logo a 15 de Setembro seguinte; mas no caso de uma AR resultante de eleições antecipadas a iniciativa já não pode ser renovada, mesmo que, como na situação concreta, a iniciativa tenha sido rejeitada meio ano antes, ou mais. Vá-se lá saber qual é a lógica substantiva disso...
No TC há por vezes razões que a razão constitucional desconhece.

Golpe de Estado (3)

Mais um pensamento de Morais Sarmento:
Pergunta: «O que sugere é quase um golpe de Estado ao actual sistema...»
Resposta de MS: «A encruzilhada em que o país se encontra exige mais. Há um programa presidencial que se deve sobrepor à acção dos governos, balizando-o. E é pelo respeito por essas balizas que o Presidente da República passa a avaliar o desempenho de qualquer governo. E daqui decorre um ponto essencial: o mandato presidencial tem de ser para dez anos e não para cinco. E a única maneira deste processo ser possível é legitimá-lo na eleição presidencial. Os portugueses têm de legitimar este projecto e este modelo de funções presidenciais

Golpe de Estado (2)

Eis uma das pérolas da entrevista de Morais Sarmento:
Pergunta: «Mas o Presidente entraria na esfera do Governo..»
Resposta: «Apresentando-se desta forma ao país [ou, seja com um programa de reformas], o Presidente deixa de estar às quintas-feiras a receber o primeiro-ministro para comentar a situação do país e passa a estar às quintas-feiras a receber o PM para julgar em que medida o Governo está ou não a cumprir as directrizes. Enquanto estes pontos forem respeitados na livre decisão do Governo [sic], tudo bem. Quando qualquer destes pontos for tocado, o Governo terminou nesse dia. Com ou sem maioria

Golpe de Estado

Os sinais já eram muitos, quanto à propensão presidencialista da direita, na perspectiva da vitória de Cavaco Silva.
Mesmo o circunspecto e prudente Rui Machete tinha vindo advogar o reforço dos poderes presidenciais, incluindo a presidência das reuniões do conselho de ministros, em substituição do primeiro-ministro, sempre que estivessem em causa matérias mais importantes. Mas perante esta espantosa entrevista de Morais Sarmento, é agora imposssível ignorar o que vai na alma da direita. Com a brutalidade a que nos habituou como ministro, MS diz as coisas preto-no-branco: o Presidente da República (quer ele dizer Cavaco Silva, que ele já dá como eleito) deve sobrepor-se ao Governo, definir-lhe balizas e dissolver a maioria, se não for obedecido!
De duas, uma: ou Cavaco Silva desautoriza convincentemente esta proposta de golpe-de-Estado, ou temos de começar a temer que a eleição de CS pode constituir uma efectiva mudança de regime...

Correio dos leitores: Assembleias municipais

«[Não tem sentido] falar de "lógica democrática" referindo-se às Assembleias Municipais. Essas Assembleias são largamente constituídas pelos presidentes das juntas de freguesia. Ora, não só isto não tem proporcionalidade (por exemplo: pode acontecer que todas as juntas de freguesia tenham uma maioria PS, mas que em todas elas o PSD tenha uma votação quase igual à do PS), como, ainda por cima, há freguesias de tamanho muito diferente. Em Lisboa há a freguesia do Castelo, que tem 300 eleitores ou coisa parecida, e a de Benfica, que tem 50.000 eleitores ou perto disso. Ambas são representadas na Assembleia de Freguesia por uma pessoa - a qual, no caso da freguesia do Castelo, tipicamente nem lá mora!
Sejamos honestos. Controle pela Assembleia Municipal, está muito bem. Mas não falemos de "lógica democrática" neste contexto!»

Luís Lavoura

Correio dos leitores: Crise de valores

«Todos os dias pessoas com quem falo comentam, preocupadas, o tempo e a vida que hoje vivemos, explicando a conversa à luz da crise de valores que gera a visão materialista da vida de hoje, em particular da protagonizada pelos jovens normalmante associados a um certo idealismo.
(...) Vem isto a propósito do triste espectáculo a que tenho vindo a assistir com o recrutamento de gente para as mesas de voto. A troco de dinheiro os jovens acotovelam-se e "metem cunhas" para estar nas mesas e não descansando enquanto não recebem o preço. Por isso, quando fui votar não me foi possível deixar de ver, não um conjunto de jovens interessados na prevalência de valores democráticos, mas antes mercenários (que me desculpem aqueles que o fazem por convicção) apostados em "ganhar algum". Não faço a mínima ideia de quanto custa isto ao erário público mas será certamente muito dinheiro.
Longe vão os tempos em que via nas mesas de voto de Coimbra, cidade onde então vivia, gente conhecida pela sua intervenção democrática e generosidade. Gente que ainda por cima corre agora o risco de se ver confundida....se quiser continuar a participar.
Estar nas mesas deveria ser um serviço à Comunidade prestado ao menos uma vez na vida. A batalha pela Educação não se ganha apenas na escola.»

Amadeu C. Monteiro (Castelo Branco)

Correio dos leitores: "Incongruências democráticas"

«(...) No concelho do Porto, nas eleições para a Assembleia Municipal, a coligação PPD/PSD-CDS/PP obteve 43.71% dos votos enquanto que a soma conjunta dos votos de PS, PCP-PEV e BE foi de 52.06%. Como seria de esperar num regime democrático, daqui resultou que a coligação PPD/PSD-CDS/PP ficou com 18 deputados municipais, e nos seu conjunto os partidos de Esquerda ficaram com 21 deputados municipais. Note que nas eleicões para a Câmara Munipal do Porto a coligação PPD/PSD-CDS/PP obteve 46.17% dos votos, conseguindo uma maioria absoluta de vereadores (7 em 13).
Parece-me claro que uma maioria clara de eleitores do Porto pretenderam com o seu voto que a Assembleia Municipal tivesse um papel fiscalizador da acção do Executivo Municipal. Mas tal não se vai verificar devido ao absurdo sistema autárquico que determina que: (1) os presidentes de freguesia tenham assento na Assembleia Municipal, que como a coligação PPD/PSD-CDS/PP conseguiu 9 presidências contra 6 do PS, resultará num empate no número de deputados municipais (27 de cada lado) entre a coligação PPD/PSD-CDS/PP e o conjunto da oposição PS, PCP-PEV e BE; (2) caso não seja possível reunir uma maioria absoluta de deputados municipais em apoio a qualquer candidatura à Presidência da Assembleia Municipal, esta é por Lei atribuída ao partido ou coligação com mais votos para a Assembleia Municipal. Ora, em caso de empate no número de votos em Assembleia Municipal, cabe ao Presidente da Assembleia Municipal desempatar utilizando o seu voto de qualidade.
Temos assim o caso completamente absurdo do ponto de vista democrático de um orgão essencialmente fiscalizador (e não tem tantas competências como as que devia ter) do Poder Executivo, ser dominado por uma coligação de partidos que também controla o Poder Executivo (a Câmara Municipal) e que teve menos quase 10% (!) de votos que o conjunto da oposição nas eleições para esse orgão fiscalizador. Em que é que estavam a pensar os nossos legisladores quando fizeram as Leis Eleitoral e Autárquica de modo a permitir isto?!...»

sexta-feira, 14 de outubro de 2005

Correio dos leitores: Democracia estudantil

«Acho que o senhor tem todo o direito de "ridicularizar" e apontar a dedo aquilo a que chama "democracia estudantil".
Mas cuidado com as leituras e interpretações das representatividades que se obtém por via do número de votantes. É que o presidente do município em que vivo e trabalho foi eleito por 20% dos eleitores inscritos. E no entanto detém maioria absoluta na vereação. (...)»


Comentário
Não pretendi ridicularizar nada, mas somente pôr em causa a legitimidade material de certas votações aprovadas com a participação de escassíssima percentagem dos possíveis interessados. De resto, mesmo que no município em causa a taxa de abstenção tivesse superado os 50% (bem acima da média nacional), mesmo assim vai uma enorme distância entre uma participação de 48% dos eleitores e a participação de 1,5% (como no caso que eu referi)...

Democracia estudantil

Numa "assembleia magna" (nunca a palavra "magna" foi usada para coisa tão pequena) 300 estudantes da Universidade de Coimbra resolveram encerrar mais uma vez a Porta Férrea, impedindo o acesso aos "Gerais". São cerca de 1,5% da academia de Coimbra a impor a sua vontade ao resto da Universidade...

Os isentos

Parece que o Governo vai utilizar uma cláusula de lei da estabilidade orçamental para não cumprir integralmente a lei das finanças locais no que respeita ao montante das transferências do orçamento do Estado para as autarquias. Nada mais razoável que as autarquias também participem do esforço de disciplina das finanças públicas. Só há uma questão: e as regiões autónomas, em especial a Madeira, que já é a segunda região mais rica do País, vai ficar de fora, continuando a beneficiar das generosas contribuições do OE?

quinta-feira, 13 de outubro de 2005

O melhor de dois mundos

O sindicato dos juízes acha que os juízes podem fazer greve, apesar de eles serem titulares de órgãos de soberania, mas já entende que não pode haver requisição civil para cumprimento de serviços mínimos, porque «não pode haver requisição de um órgão de soberania»!
Lógica de juiz, ou lógica da batata?

o melhor post de arrependimento sobre o onanismo

Desculpem tanta publicidade descarada a título pessoal ou para grandes amigos. Agora já 'tá.

o melhor elogio a Vital Moreira

O CN passou, há poucos dias, a barreira do milhão de visitantes. O graaaaaaande responsável pelo feito é o Professor Vital Moreira que, desde o início, tem sido a alma e o coração (e desconfio que também o pâncreas, a vesícula, e mais uns quantos órgãos) deste blogue. Bem-haja.

o melhor plágio do estilo único de Nuno Costa Santos

Cúmulo do azar: apanhar uma multa de estacionamento pela Polícia Marítima.

o melhor blogue sobre o programa que dá em directo às 23h30, sextas-feiras na :2

Amigos da Revolta dos Pastéis de Nata:

ide ao blog do programa! Além das novidades da 2ª série, que irão sendo anunciadas e apresentadas no directo (com repetição na :2 às 19h dos domingos), está a decorrer uma votação interactiva: algures nesta segunda fornada de pastéis, o público escolherá um tema para ser tratado pelos convidados, vídeos e rubricas do programa.

Adenda e recomendação natalícia: o blogue do programa homónimo é gerido pela actriz e guionista Rita Matos, que acaba de lançar-se no mundo editorial com o livro de estreia da Editora Verso da Kapa, "Amar Demais", em grande destaque numa livraria perto de si.

a melhor festa da blogosfera nacional

"Hoje, Quinta-feira, 13 de Outubro, a partir das 23h30 (Frágil), festarola Quase Famosos
À terceira, cumpre-se o ditado. Desta é de vez. À terceira festa, os DJs do Quase Famosos sobem a colina até ao centro noctívago de Lisboa, acompanhados do seu fiel séquito de imitadores de Elvis Presley, sósias da Britney Spears, taxistas de Alfama, candidatos autárquicos, malabaristas de rua, magistrados em greve, domésticas entediadas, intelectuais de café, actores de revista e demais gente gira e diferente.
Mais uma festa para toda a família, a pedido de muitas famílias, onde todo o amante da pop deste e de outros tempos se sentirá, como sempre, em casa".

quarta-feira, 12 de outubro de 2005

Correio dos leitores: Maioria na A. M. de Lisboa

«Chamo a atenção para aquilo que me parece ser um equívoco induzido por erro de outrem no seu post "Incongruências democráticas". Parece-me, mas isto carece de confirmação, que a notícia do Público não é correcta. É certo que fazendo as contas apenas aos deputados eleitos para a Assembleia Municipal se pode concluir que "... a esquerda mantém maioria na Assembleia Municipal de Lisboa", mas esta análise parece-me incompleta. Na Assembleia Municipal têm assento os presidentes das Juntas de Freguesia.
Ora, a situação em Lisboa é a seguinte:
PSD - 23 deputados municipais + 33 Presidentes de Junta = 56 membros da AM
PS - 16 deputados municipais + 12 Presidentes de Junta = 28 membros da AM
PCP-PEV - 7 deputados municipais + 8 Presidentes de Junta = 15 membros da AM
BE - 5 deputados municipais + 0 Presidentes de Junta = 5 membros da AM
CDS-PP - 3 deputados municipais + 0 Presidentes de Junta = 3 membros da AM
Assim, teríamos uma maioria de direita na Assembleia Municipal de 59 membros contra 48 de esquerda.
(...) De qq forma, esta questão não invalida em nada a substância da sua opinião (uma
denúncia do presidencialismo municipalista), que abre a porta a uma discussão interessante. Como sabe, há quem defenda que em nome da governabilidade municipal tal presidencialismo devia ser ainda mais acentuado com um executivo municipal todo da mesma cor política da do Presidente. Tenho sobre essa matéria a mesma desconfiança que tenho sobre alterações de regras eleitorais: não me parece que a experiência de 30 anos nos permita tirar conclusões absolutas sobre as vantagens ou desvantagens de alterar um sistema que tem funcionado razoavelmente bem.
Entendo até que o actual sistema permite coligações aparentemente "contra-natura" que têm apenas como motivação as situações políticas locais e que contribuem para uma gestão mais democrática e transparente (vidé as alianças de facto em Coimbra ou no Porto entre o PSD e o PCP). Nessa medida, a actual situação talvez até permita uma gestão mais abrangente e flexível do que a solução de atomização e partidarização que um parlamentarismo muncipal certamente implicaria ou de poder absoluto que o presidencialismo municipal significaria. (...)»

Nuno P.

Discordo

«PS e PSD querem mudar regras de candidaturas independentes».
As reacções a quente raramente são sensatas.

Se até os moribundos dão sinais de vida...

«Autárquicas: CDS vê sinais positivos nos resultados eleitorais.»

Há boas ideias que são tão simples!

«CPLP: Corredor para cidadãos de países lusófonos nos aeroportos portugueses».

Correio dos leitores: Caciques

«Se Você pesquisar os resultados eleitorais concelho a concelho descobrirá o seguinte facto curioso: boa parte, se não a maioria, das vitórias eleitorais concelhias foram-no por maioria absoluta (isto é, com mais de 45% dos votos)!
Isto diz bem sobre a "fulanização" dos resultados eleitorais, sobre a não-possibilidade da sua interpretação em termos nacionais, e sobre o caciquismo reinante.»
Luís Lavoura

terça-feira, 11 de outubro de 2005

Correio dos leitores: Mário Soares não cometeu nenhuma infracção

«(...) Ora, por mais que leia o artº 177º no seu artigo nº 2 da Lei Orgânica 1/2001 [Lei Eleitoral para as Autarquias Locais], que é o que o porta-voz da CNE se apressou a invocar para aplicar à resposta que Soares deu aos jornalistas, não consigo ver o ilícito, a não ser que ele tenha apelado ao voto, ou feito propaganda a favor do João Soares, o que pelos vistos não fez, e que essas declarações, a serem consideradas propaganda, tenham sido efectuadas a menos de 50 metros da assembleia de voto, o que também ninguém afirmou.
Parece-me que estamos apenas a falar sobre mais um folclórico caso mediático, que só por envolver Soares é que é notícia e causa indignação a tanta gente. Muito embora comungue da sua opinião de que seria mais avisado não o ter feito, isso não me dá o direito de o condenar, nomeadamente por entender que um 'espero que' se possa transfigurar em propaganda eleitoral...»

Teofilo M.

Correio dos leitores: "Alma"

«O resultado eleitoral de 9.10.2005, pontuado com uma surpresa ou outra, com escolhas mais ou menos felizes de candidatos em algumas autarquias, foi aquele que seria expectável. O PSD e a CDU capitalizaram o descontentamento com as muitas medidas duras do Governo, o PS, a outra face da moeda, foi castigado.
Agora esperemos que o bom senso não leve o PSD (principalmente este) a querer cavalgar a onda e trazer, através de algum discurso a cair para o demagógico, condições de ingovernabilidade. Marques Mendes, quando contesta as medidas do Governo deveria dizer claramente, em relação a cada uma delas, se voltava atrás nas mesmas, caso assumisse o Governo, isto até tendo em conta que do lado do fumegante candidato Cavaco Silva (ainda não se vê o fogo) parece que já se fazem contas à actuação de José Socrates...
Para o PS ficará ainda uma penalização para a forma escandalosa como tem feito algumas nomeações. O PS terá ainda de explicar melhor aos portugueses as medidas que toma e traçar objectivos e metas claros para a sua actuação. Ao discurso de Sócrates falta "alma", algo que conforte e motive os portugueses para os desafios que lhes são colocados.»

David Caldeira

Incongruências democráticas

«Esquerda mantém maioria na Assembleia Municipal de Lisboa», diz o Público de hoje. Se o nosso sistema de governo municipal tivesse lógica democrática, então seria evidente que o executivo municipal não poderia funcionar estavelmente contra um oposição maioritária na assembleia municipal, a não ser na base de um acordo de coligação que lhe proporcionasse uma maioria. Tal como funciona, todo o poder está no presidente da câmara, mesmo se eleito sem maioria basoluta e mesmo sem contar com apoio maioritário na assembleia...

segunda-feira, 10 de outubro de 2005

Merkel

Afinal, decaindo do que anunciara no próprio dia das eleições, o SPD abdicou do seu veto a Merkel como chefe do próximo governo de "grande coligação" na Alemanha. Resta saber se foi por condescendência negocial -- para facilitar a saída do impasse político decorrente do quase empate eleitoral --, ou se essa cedência foi feita, antes, com a convicção de que, se a líder da CDU for tão má chefe do governo como foi candidata ao cargo, o governo não terá grande sucesso. Não por acaso seguramente, Schroeder, que poderia ser vice-chanceler e ministro dos Negócios Estrangeiros, preferiu ficar fora do Governo...

Cosmopolitismo europeu

Esta manhã, ao desembarcar do avião da TAP (cujo nome não fixei, mas bem poderia ser "Vasco da Gama", por exemplo) no aeroporto de Veneza, mal imaginava que pouco à frente ia encontrar o nome do grande navegador português num avião... da KLM, a companhia de bandeira dos Países Baixos, acabado de chegar de Amesterdão. Ocorreu-me uma dúvida malévola: será que a TAP alguma vez daria a um avião seu o nome de uma grande figura histórica holandesa?
(O meu obrigado ao leitor Amadeu Ferreira, pelo link para a imagem do "Vasco da Gama" holandês; clicar sobre ela para ampliar e tornar legível o nome do avião).

Paternos afectos

É evidente que Mário Soares fez mal em ter manifestado a sua "esperança" na vitória de João Soares em Sintra, tanto mais quanto se tratava de uma declaração redundante. Mas daí a dizer-se que com esse "desejo" ele cometeu uma «violação da lei eleitoral» (que proíbe a propaganda ou o apelo ao voto numa determinada candidatura na véspera e no dia das eleições, o que supõe um propósito de influenciar os eleitores) vai uma certa distância. Todavia, bastava o previsível risco de poder ser acusado disso para ter aconselhado a prescindir dessa declaração de afecto político paterno.

"Caciques" e "populistas"

Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro e Isaltino Morais só passaram a ser "caciques" e "populistas" depois de se candidatarem e ganharem as eleições locais contra os seus antigos partidos? E se tivessem ganho como candidatos partidários, já não eram "caciques" nem "populistas"?
A verdade é que, mercê da presidencialização e da hiperpersonalização das eleições locais, alimentadas pelos partidos e pelos media, a vitória nas eleições locais depende, em grande medida, das qualidades e da capacidade de "apelo" pessoal dos candidatos a presidente da câmara municipal. Provavelmente, boa parte dos que renovaram o seu mandato de presidentes conseguiriam fazê-lo como candidatos independentes (como sucedeu com aqueles e mais alguns) ou mesmo como candidatos de outros partidos (como sucedeu, por exemplo, em Soure).

Correio dos leitores: Juízes em cargos não judiciais

«Finalmente, alguém faz a pergunta incómoda: juízes que são nomeados para cargos governamentais não comprometem a sua independência? Na minha leitura, claro que sim! Digo mais: até podiam aceitar ser nomeados. Mas deixavam era de ser juízes!
Esta promiscuidade entre o poder executivo e o poder judicial não favorece a confiança das pessoas no poder judicial e, já agora, no poder executivo.
E, claro está, que habilitações especiais têm os juízes para exercerem as funções em causa? Não parece ser o bom senso: é que, se assim fosse, até podiam aceitar. Mas renunciavam à carreira de magistrados.»

J. Canto e Castro

Vitória da direita, vitória da esquerda

Sendo uma expressiva vitória do PSD quanto ao número de câmaras municipais conquistadas (uma parte delas em coligação com o CDS/PP), e uma concomitante derrota do PS, as eleições locais estiveram longe de ser um triunfo da direita em toda a linha. Pelo contrário: por um lado, é provável que o PS tenha sido o partido mais votado (mesmo depois de desagregados os resultados das coligações PSD-CDS/PP); por outro lado, a direita continua a ser minoritária, pois a soma dos votos do conjunto da esquerda supera por boa margem o conjunto da direita.
Por isso, também não procedem as ilações apressadas que alguns tentaram tirar quanto às próximas eleições presidenciais, embora a vitória do PSD constitua um inegável tónico para a candidatura de Cavaco Silva.

Efeitos colaterais

Não a vale a pena a tentativa do PS de negar que uma parte da desfeita eleitoral tem a ver com efeitos colaterais da acção do Governo. É patente que assim é; e nem sequer é surpreendente. Surpreendente seria que não tivessem efeitos nem a grave situação económica e financeira do País nem as medidas de austeridade que atingiram a generalidade das pessoas (como a subida do IVA), ou largos sectores sociais, como são os funcionários públicos, em geral (como o aumento da idade de reforma), ou certos segmentos deles, em particular (como os beneficiários dos regimes especiais), isto sem falar de outros aspectos menos positivos da acção governamental, como algumas nomeações mal-avisadas e decisões controversas insuficientemtente fundamentadas (como os grandes investimentos públicos).
Não faz nenhum sentido negar essa natural repercussão, nem é por acaso que o principal beneficiário dela é o PCP, como sucede sempre em períodos de contestação social. O que faz sentido, pelo contrário, é assumir esse efeito como fenómeno natural e reafirmar que só a continuação das reformas poderá trazer, a prazo, uma inversão do sentimento negativo da opinião pública. O pior que poderia suceder era, para além de negar o inegável, interiorizar a ideia de que é preciso suspender ou interromper o caminho das reformas, só para recuperar a curto prazo o favor dos descontentes. Para além de um mais eficaz esclarecimento público das políticas adoptadas, o voto de protesto que explica uma parte dos resultados eleitorais só deve suscitar um reforço do ânimo para levar a cabo a obra de disciplina das finanças públicas, de reforma administrativa, de recuperação económica do Pais e de salvamento do Estado social.

domingo, 9 de outubro de 2005

As vitórias e a luta por valores

A confirmarem-se as sondagens já anunciadas, há canditados que ganharam e outros que perderam. Podemos gostar ou não dos resultados. Mais se venceram os das nossas preferências, menos se vitória foi dos seus opositores. São as regras da democracia a funcionar.
Só algures ela saiu abalada: quando os eleitores premiaram candidatos arguidos em processos crime e não os partidos que tiveram a coragem de não os candidatar. Mesmo que esse resultado valha hoje tanto como qualquer outro, em nome da credibilidade da política é mau que assim tenha acontecido, tal como foi bom observar a distância partidária desses candidatos em todo o processo eleitoral.
Depois de conhecidos os resultados, resta-me esperar que nenhum partido se sinta arrependido de ter tomado essa decisão. Há vitórias que de todo não compensam. É preferível uma luta por valores.

sábado, 8 de outubro de 2005

Juiz sai - juiz entra

Haverá alguma especificidade que qualifique especialmente os juízes para a chefia dos serviços de informações? Ao aceitarem ser designados pelo Governo para cargos (político-)administrativos de livre nomeação, os juízes não comprometem a sua independência? Havendo frequentes queixas de falta de juízes (haverá mesmo?), quantos é que não estão na actividade judicial, mas antes em cargos para os quais não têm nenhuma qualificação especial?

Assim, não

Não deveria haver dúvidas de que, se a Turquia pretende entrar na UE e manter condenações por delito de opinião, engana-se redondamente.
Da parte da UE, expressar "preocupação" não chega.

Europa fortaleza, versão «hard core»

Ceuta e Melilla nos útimos dias são mais trágicas demonstrações da profunda crise que grassa no sistema de protecção de refugiados na Europa. Como se a Europa tivesse perdido a memória de quando esse sistema nasceu, com a Convenção da ONU para os Refugiados em 1951. Porque resultou do sofrimento de outros refugiados e emigrantes pobres. Europeus. Escapados ou escapando-se aos horrores da II Guerra Mundial.
Ceuta e Melilla desafiam todos os países europeus, não apenas a Espanha dos muros de arame farpado ou a Itália do campo de concentração de Lampedusa. Desafiam-nos a decidir se os princípios e valores mais básicos de Direitos Humanos são de facto para aplicar e fazer respeitar. Porque são esses principíos que deviam informar as politicas de asilo e imigração da UE e de todos os seus Estados Membros.
Como pode a UE pedir a outros paises que aceitem e tratem dignamente gente que os seus próprios Membros não estão preparados para aceitar e tratar com dignidade ? Como pode a UE pedir a terceiros países que matraqueiem e rechaçem gente para poupar a autoridades europeias sujar as mãos ?
Onde está a Comissão, guardiã dos Tratados e dos mais básicos valores e princípios europeus ? Para fazer ver aos governos e cidadãos europeus como uma atitude defensiva se pode voltar contra eles próprios, além de enterrar a Europa.
Na próxima semana reune o Conselho de Ministros da Justiça e Assuntos Internos da UE. É essencial não baixar a fasquia em matéria de direitos humanos dos refugiados e candidatos a asilo político. Portugal, com migrantes económicos espalhados pelo mundo inteiro e tantos exilados políticos durante décadas, não pode alinhar no Conselho JAI com políticas defensivas de vistas curtas e desmesurada crueldade. Um ex-Primeiro Ministro português é actualmente Alto-Comissário da ONU para os Refugiados e outro é Presidente da Comissão Europeia.
O Primeiro-Ministro de Portugal ainda há dias prometia a um ditador africano empenhar-se para promover uma Cimeira Europa-África: pois bem pode agora mostrar que se move por mais do que por cifrões e que o preocupam realmente os africanos e as africanas que aspiram a ter uma vida decente.
Não se trata de escancarar as portas da Europa (e mesmo se todas as praias do sul da Europa fossem cercadas de arame farpado, muitas «bateras» continuariam a penetrar). A Europa precisa de ir às causas profundas que impelem tantos desesperados a fugir da doença, da pobreza, da corrupção, da repressão, da guerra, da mutilação, da escravatura que arrasam África. Ceuta e Melilla demonstram fragorosamente o fracasso da Cooperação para o Desenvolvimento, tal como tem sido praticada. É preciso mudar as condições que fazem tanta gente fugir de África. É preciso repensar a política europeia para África. Apoiar marionetas, empresários e governantes corruptos, violadores dos direitos humanos, traficantes de armas, espoliadores de recursos naturais, dá nisto: milhares de africanos tão desesperados que nem temem a crucificação em arame fardado; e a UE a projectar a imagem da «fortaleza Europa», versão «hard core». Porque de cada vez que for baleado ou esfacelado um africano no muro hispano-marroquino, é a Europa inteira que fica ferida de morte.

Correio dos leitores: Ainda a greve dos juízes

«Não compreendo a sua posição contra a legalidade da greve dos juízes. Se a Constituição quisesse vedar ou restringir o direito dos juízes à greve, não deveria ter previsto expressamente tal restrição, como fez em relação aos direitos dos militares e forças de segurança?»
A. M. Pereira Simões

Comentário
Não procede a equiparação entre os militares e os juízes. Aqueles são tecnicamente funcionários públicos, têm uma relação de emprego, pelo que sem a cláusula constitucional de restrição, seria ilícito retirar-lhes por via de lei os direitos constitucionais dos trabalhadores, como os direitos sindicais e o direito de greve. Como os juízes não são funcionários -- mas sim titulares de cargos públicos, o que é bem diferente --, não são por isso titulares dos direitos constitucionais próprios daqueles, a não ser que tais direitos lhe venham a ser reconhecidos por lei.
No primeiro caso, a lei define as restrições a direitos de que os militares gozariam se não fossem elas; no segundo caso, a lei opera uma extensão de direitos aos juízes, que de outro modo eles não teriam. No primeiro caso, a lei é necessária para implementar as restrições autorizadas pela Constituição a direitos que ela, em princípio, confere; no segundo, a lei é necessária para conferir aos juízes direitos que a Constituição não lhes confere directamente.
Ora, como não existe nenhuma lei a estender aos juízes o direito de greve, eles não dispõem dele.

sexta-feira, 7 de outubro de 2005

El Baradei, Nobel da Paz

60 anos depois de Hiroshima e Nagasaki, a ameaça nuclear continua presente. Cada vez mais, assistindo-se à insanidade da proliferação nuclear, na era do terrorismo global.
Neste contexto, é justo que o egípcio Mohammed El Baradei, Director Geral da Agência Internacional de Energia Atómica, tenha sido este ano galardoado Prémio Nobel da Paz, pelo sua incansável dedicação à causa do uso pacífico do átomo.
Um dos seus maiores êxitos foi a descoberta do programa nuclear ilegal no Iraque de Saddam em 1991, ao que se seguiram anos de inspecções da ONU rigorosas, sistemáticas e, como hoje bem o sabemos, 100% bem sucedidas. El Baradei não teve medo de declarar publicamente antes da Segunda Guerra do Golfo que o Iraque não tinha armas de destruição maciça. E tinha razão, tornando-se alvo de ferozes ataques de uma Casa Branca sedenta de acção militar.
Nem tudo foram sucessos, porém: à margem do Tratado de Não Proliferação,Israel continua a cultivar a perigosa «ambiguidade» que acicata vizinhos no Médio Oriente; a India e o Paquistão também desenvolveram armas nucleares à margem do TNP; o programa nuclear líbio - entretanto abandonado - foi desenvolvido nas barbas da AIEA; a Agência foi expulsa da Coreia do Norte; e o Irão está perto (em 10 anos talvez) de ter a capacidade para construir a Bomba.
Na maior parte destes e de outros casos a Agência dirigida por El Baradei fez o que pôde, com persistência, coragem e tacto, perante uma comunidade internacional relutante em cumprir os compromissos de desarmamento nos termos do TNP - em especial os cinco Membros Permanentes do Conselho de Segurança da ONU, dois dos quais membros da UE.
Para todos os efeitos, o Nobel da Paz atribuido a El Baradei premeia merecidamente o trabalho da Agência e sublinha a importância fundamental das suas inspecções para garantir a aplicação do Tratado de Não Proliferação. A maior parte de nós, cidadãos comuns, não o percebe nem sente. Mas a sobrevivência da Humanidade depende crucialmente desse trabalho.

Assim o quiseram

Apesar de maioritária em Lisboa, dizem as sondagens que a esquerda se prepara para perder mais uma vez a presidência do município para a direita.

Os mortos de Melilla

Os imigrantes subsaharianos mortos pela polícia marroquina em mais uma tentativa de entrada maciça em Melilla são uma responsabilidade de toda a Europa. Não somente pela repressão selectiva contra a imigração africana (em comparação com a leniência face à imigração do leste europeu ou asiática), mas sobretudo pelo défice de apoio ao desenvolvimento da África. Um das maiores ameaças à estabilidade social europeia está na miséria africana, aqui tão perto.

Semântica "a la carte"

Os sindicalistas militares acham que a "vigília" que fizeram junto a São Bento não foi uma manifestação. Os sindicalistas policiais que apelaram à recusa colectiva de sancionar as infracções ao Código da Estrada acham que isso não é uma greve.
E, se calhar, também acham que devem ser levados a sério!

Democracia à moda da Madeira

«Alguns dias depois de ameaçar dar um "pontapé no traseiro" de Jorge Coelho, [Alberto João] Jardim, num comício anteontem realizado em São Martinho, admitiu que iria escandalizar os "fariseus da política" ao felicitar o candidato do PSD e presidente da junta daquela freguesia pela agressão a candidatos do PS: "Parabéns, Pimenta, pelo castigo infligido aos que vieram provocar o povo."» (Público de hoje).
Isto passa-se em Portugal. Ao pé disto, Ferreira Torres é um modelo de virtudes cívicas...

Correio dos leitores: Centenário da República

1. «Numa época em que se fala, com alguma pertinência, do excesso de dias feriados em Portugal, é forçoso reconhecer que o 5 de Outubro é um dos melhores candidatos a ser eliminado como dia feriado. A implantação da república é algo que nada diz à imensa maior parte dos portugueses, que não têm qualquer consciência dos eventuais benefícios que dela se tenham extraído. Ao contrário de valores como a independência (1 de Dezembro) ou a liberdade (25 de Abril), a república nenhuma ressonância tem no coração dos portugueses, e o 5 de Outubro é hoje encarado, até pelos historiadores, como uma data muito condicionada pelas condições políticas muito específicas do seu tempo. A primeira república foi um desastre político que só veio piorar o que já vinha da monarquia. (...)»
Luís Lavoura

2. «(...) O centenário da República, daqui a 5 anos, não deve ser uma comemoração histórica, muito menos uma comemoração passadista da 1ª República. Antes deve ser uma reflexão sobre os valores republicanos (liberdade, igualdade e responsabilidade política, ética de serviço público, laicismo, etc.), sobre a contribuição da "cidadania republicana" para a democracia em Portugal e sobre o modo como renovar e aprofundar a cidadania democrática no segundo século da República.
Por isso acho bem que a comissão de ideias para o centenário não seja presidida por um historiador (...).»

A. J. Soares

Património comum

A enciclopédia Wikipedia tornou-se uma verdadeiro fenómeno da Internet. Produzida em "open source" por milhares de pessoas anónimas por todo o mundo, em numerosas línguas (estando a versão portuguesa entre as 10 maiores), ela é testemunho da capacidade individual de realizar projectos de interesse comum sem qualquer retribuição, nem sequer o do reconhecimento pessoal (dado que as entradas não são assinadas). Uma interessante análise do fenómeno Wikipedia pode ver-se aqui.

quinta-feira, 6 de outubro de 2005

(In) Justiça - III - Financiamentos partidários e não só...

Da minha intervenção no XIV Congresso do PS, Guimarães, 2.10.2004 (publicado no CAUSA NOSSA a 3.10.04):

"Um governo do PS ao serviço dos cidadãos tem de apostar num Estado respeitável e respeitado, estratega, garante da eficiência das políticas governamentais e dos serviços públicos. E para isso é preciso dar prioridade à justiça fiscal, ao combate à fraude e evasão fiscal, aos branqueadores de dinheiro sujo, à economia paralela. Sem reforma do sistema fiscal nenhuma outra reforma funcionará, nem a da justiça, nem da saúde, nem a da educação, nem na segurança social. Porque sem reforma do sistema fiscal não haverá nem dinheiro, nem Estado, nem - por este andar - classes médias.
Mas o PS não terá credibilidade para fazer reformas neste país se não fizer a sua própria reforma, se não accionar mecanismos de defesa e controle no seu interior contra o tráfico de influências e a dominação por interesses económicos ocultos. Nesta magnífica cidade de Guimarães, que a espada do Fundador nos ajude a todos, no PS, a cortar a direito contra a corrupção e caciquismo. Esse é o grande desafio que tens pela frente, Camarada José Socrates - continuar as reformas iniciadas por Ferro Rodrigues. Eu estou convencida de que foi por isso que ele e Paulo Pedroso foram tão miseravelmente atacados.
Uma grande oportunidade para a reforma, a transparência e prestação de contas no PS virá com a entrada em vigor da nova lei de financiamento dos partidos em 2005. Apelo ao Secretário-Geral para que comece a publicar anualmente todos os dados, reais, sobre o financiamento e despesas do Partido".


PS - Continuo a pensar o mesmo nesta data. Incluindo por que Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso foram tão miseravelmente atacados.

(In)Justiça - II - Financiamentos partidários e não só....

Extracto de entrevista radiofónica com Ferro Rodrigues transcrita no PÚBLIC0 em 28.4.2003:
"Entrevistado no programa Diga Lá Excelência, da Rádio Renascença e do PÚBLICO, Ferro Rodrigues conta a sua versão das negociação com o PSD sobre a reforma do sistema político. Tudo começou nas conversas com Durão Barroso após o apelo de Jorge Sampaio, no 25 de Abril do ano passado, para que as mudanças avançassem, independentemente da crise financeira do Estado. O processo continuou nas negociações entre Santana Lopes e Alberto Martins e falhou a 48 horas da aprovação parlamentar. A pressão dos autarcas por causa da sisa e a situação financeira do Estado foram as razões invocadas pelo primeiro-ministro, num telefonema feito de Paris, para adiar para 2005 a entrada em vigor de uma parte da lei de financiamento dos partidos: os artigos que dizem respeito ao aumento das subvenções públicas (dinheiro do Orçamento do Estado para os partidos)e à previsão de penas de prisão para quem infringir a lei.O fim dos financiamentos anónimos é a principal alteração significativa da lei que entra já em vigor.Assim, o Parlamento aprovou, na passada quinta-feira, uma nova lei, que consagra o que foi acordado entre os dois partido, mas que remete uma parte da sua aplicação para daqui a dois anos, o que levou o PS a votar contra. Uma história que quebrou a relação de confiança entre o líder do PS e Durão Barroso.
P. - Está satisfeito com a primeira fase da reforma do sistema político? R. - O que se passou não foi a concretização de nenhuma primeira fase de qualquer reforma do sistema político. O que aconteceu foi a aprovação de uma lei dos partidos que não era algo de verdadeiramente prioritário. Depois, foi aprovada uma lei sobre o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, mas que no essencial só entra em vigor daqui a quase dois anos. Não é o essencial do que estava previsto que pudesse acontecer e que era, para já, o fim dos financiamentos anónimos.
(...)O Presidente da República, no 25 de Abril de 2002, disse que a questão do financiamento dos partidos e das leis eleitorais, entre outras matérias relacionadas com o sistema político, devia ser alterada. (...) Nesse contexto, eu tive um convite do primeiro-ministro para nos conhecermos melhor, depois da eleição (...)estabelecemos nesse encontro uma posição de princípio de abertura às ideias do Presidente. (...) tomei a iniciativa, antes do final do ano, de me dirigir às lideranças de PSD e PP, para lhes dizer que considerávamos urgente que até ao 25 de Abril...
(...)apontei três pontos, que resultavam da primeira conversa com o dr. Durão Barroso: uma nova lei de partidos, uma nova lei de financiamento dos partidos e das campanhas...
(...)Durão Barroso nomeou Santana Lopes como seu representante para esta negociação - eu indiquei Alberto Martins -, eles falaram várias vezes e chegaram à conclusão de que havia todas as condições para que este compromisso fosse conseguido. Nunca exigimos qualquer verba especial...
P. - Mas falou-se nisso... R. - Houve contactos feitos com as pessoas que dirigiram as campanhas eleitorais anteriores no PS e no PSD e elas concluíram que um determinado tipo de verbas para a actividade corrente dos partidos e outra para as campanhas era absolutamente lógico. Chegou-se, por isso, ao número da duplicação das verbas para o funcionamento corrente e números variados consoante a natureza das eleições. A dada altura, perguntei a Alberto Martins se havia condições financeiras do Estado para fazer isto. Ele respondeu-me que já tinha discutido a questão com Santana Lopes e que este lhe dissera que o problema tinha sido colocado no PSD ao mais alto nível e que a ministra das Finanças não levantaria qualquer obstáculo.
P. - Então porque é tudo correu mal? R. - Eu estava absolutamente convencido que o trabalho final era meramente técnico, porque as soluções políticas estavam encontradas. Acontece que, 48 horas antes, o dr. Durão Barroso telefona-me de Paris a dizer: meu caro, tivemos ontem uma reunião da comissão permanente do PSD e não há condições para que haja qualquer aumento do financiamento da actividade partidária por meios públicos, visto que há muitos problemas com os autarcas, a função pública... Ora, isso não estava em causa porque a questão das dificuldades era conhecida no momento em que este compromisso tinha sido estabelecido. A partir daí, o PSD tentou criar na opinião pública a ideia de que os socialistas são um bando de despesistas que querem que os partidos vivam em grande à custa do erário público e que o dr. Durão Barroso deu um murro na mesa contra um acordo irresponsável. Isto é de um populismo inaceitável. "

(In) Justiça - I - Financiamentos partidários e não só...

O Presidente da República fez no Dia da República mais uma proposta (embrulhada) para combater a corrupção e a fuga ao fisco. O Juíz Conselheiro Alfredo José de Sousa em declarações hoje à SIC-Notícias, ao abandonar as funções de Presidente do Tribunal de Contas, denunciou a inoperância do Ministério Público no prosseguimento das acusações que deveriam resultar das investigações do TC.
A propósito, refresque-se a memória:

I - Ferro Rodrigues, no encerramento do XIII Congresso do PS 17.11.2002 em que foi confirmado como Secretário-Geral do PS:

"É tempo de debatermos, de forma séria, reformas importantes para o futuro de Portugal. Como a reforma do sistema político. A reforma do sistema político deve ser relançada na agenda nacional.Se não o fizermos, cavaremos ainda mais o fosso entre os cidadãos e a política. A AR deve debater as propostas de revisão do sistema eleitoral. Do financiamento partidário. Da lei dos partidos. É fundamental dar passos efectivos neste sentido.
Apelamos, por isso, a todos os partidos e nomeadamente ao PSD. Para que participe construtivamente. Com seriedade. Com sinceridade. Neste debate, que só chegará a bom porto se for possível um acordo tão alargado quanto possível.
A reforma do sistema político começa dentro dos partidos".

Referendo

Por mais de uma vez objectei aqui contra a forma corrente de designar o próximo referendo sobre a despenalização do aborto, como "referendo do [ou: sobre o] aborto" (fórmula preferida, et pour cause, pelos partidários do não). Na verdade, o referendo não é sobre o aborto em si mesmo -- coisa que não é referendável --, mas sim sobre saber se ele deve, ou não, deixar de ser criminalmente punido (quando realizado nas primeiras 10 semanas de gestação). Trata-se, portanto, de uma designação tecnicamente errada e politicamente desaconselhável.
Qual não é o meu espanto quando descubro que a própria resolução aprovada na AR, sobre proposta do PS adopta justamente a mesma designação errada ("referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez")! Esperemos que o PR corrija o lapso, visto que ele não está vinculado a usar a mesma designação, mas somente o teor da pergunta que lhe foi proposta para o referendo (e essa está correctamente formulada).

Feudalismo corporativo

O meu artigo desta semana no Público está agora disponível na Aba da Causa.

A juíza

A nomeação de Harriet Miers para juíza do Supremo Tribunal dos Estados Unidos é uma operação tipicamente à George Bush. Trata-se da uma sua conselheira jurídica na Casa Branca, uma advogada de direito comercial vinda do Texas sem senhum currículo profissional notável, sem nenhuma experiência judicial e sem nenhum conhecimento específico de direito constitucional. Puro amiguismo político. Assim vai sendo "bushificada" a Supreme Court, para um longo período de tempo no futuro...

Correio dos leitores: Serviços sociais da PCM

«(...) Como o fim dos privilégios deve abranger a totalidade da Administração Pública, pois que só assim haverá equidade na mesma, gostaria de o ver defender publicamente (...) a extinção dos Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros, com os quais, aliás se fundiram recentemente os Serviços Sociais do Ministério da Saúde, por força do Dec. Regulamentar n.º 4/2005, de 9 de Junho.
Poderá, aliás, Vª Exa. consultar a página www.sspcm.gov.pt e aí verificar quais as regalias que tais serviços oferecem aos seus beneficiários, desde subsídios para creches e jardins de infância, amas, estudos, até centros de convívio com festas e bailes, uma Estalagem ? Estalagem do Cruzeiro ? que funciona como centro de férias e lazer, até exames médicos efectuados pelo Departamento de Clínica Geral da Faculdade de Medicina do Porto comparticipados em cerca de 75%.»

José Rodrigues

Comentário
Sobre isto entendo três coisas: (i) todos os serviços sociais (SS) dos diferentes ministérios deveriam ser fundidos numa só estrutura, de modo a poupar despesas de gestão e permitir a partilha de recursos, bem como a uniformização de regimes em relação a toda a Administração central do Estado; (ii) os SS não deveriam conceder regimes especiais em matéria de cuidados de saúde, à margem da ADSE, não fazendo sentido manter tais regimes para certos ministérios, quando se está a lutar pela sua eliminação em relação a todos os corpos especiais; (iii) os serviços proporcionados pelos SS (creches, etc.) devem observar a regra do utente-pagador, para não constituírem uma sobrecarga para as finanças públicas e um privilégio para os seus beneficários em relação aos demais funcionários.
Impõe-se portanto uma revisão do regime dos SS na Administração pública.

Centenário da República

Diferentemente do que alguns perceberam à pressa, a comissão sobre a celebração do centenário da República (1910-2010), a que vou presidir, só tem por mandato uma reflexão sobre os objectivos e o modo de proceder a tal comemoração, bem como a elaboração de um relatório com propostas correspondentes, incluindo as iniciativas a realizar. Daí a sua composição, bem como a limitação do seu mandato temporal (6 meses). As estruturas operacionais da celebração haverão de surgir mais tarde, depois da definição da filosofia, do modelo e da arquitectura da mesma.

quarta-feira, 5 de outubro de 2005

SOS para o SIS

Até que enfim que a Juíza Margarida Blasco se demitiu da direcção do SIS, para onde fora nomeada por ter a qualidade de velha amiga e colaboradora do Dr. Durão Barroso.
Há uns meses, ainda no governo de Santana Lopes, a Directora do SIS recebeu-me simpaticamente (simpatia é outras das suas qualidades), quando fiz uma ronda pelos serviços e chefias relevantes para me inteirar dos problemas nacionais de segurança (de que trato como Vice-Presidente da Subcomissão de Segurança e Defesa do PE, e que muito me interessam perceber, nesta desgraçada era do terrorismo global, em que o nosso jardim á beira-mar plantado oferece oportunidades ideais para a operação de redes criminais de suporte a terroristas, quanto mais não seja para a logistica).
Fiquei aterrada quando soube pouco depois que a Senhora Juíza pôs na rua o seu número dois, um veterano do SIS que, pelo menos, percebia do que andava a fazer.
É que eu, defensora da nomeação de mulheres a postos de direcção política e técnica e sobretudo nas áreas de onde as mulheres têm andado arredadas, não quero mulheres apenas por serem mulheres. Para isso, quaisquer homenzinhos servem.
Veremos que «inteligência» o Governo de José Sócrates nos reserva para um lugar tão crucial para o combate ao terrorismo. É que a Senhora Juíza, não esqueçamos, foi nomeada com o amén do PS na AR!

Correio dos leitores: Ainda a questão da sessão legislativa

«Diz o art. 167.º/4 CRP que as propostas de referendo recusadas não podem ser renovadas "na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República".
Isto que pus entre aspas, se bem leio, quer dizer que prossegue a mesma sessão legislativa depois das eleições, caso contrário a ressalva não teria sentido.
Logo, se a sessão legislativa depois de Fevereiro é a mesma que decorria aquando da dissolução, então essa sessão só acabou agora no Verão. Logo, estamos noutra sessão e o referendo pode ser renovado.
Isto parece-me um argumento claro. Envio-lhe este email porque penso que não o incluíra na sua explicação anterior.»

AC

A greve dos juízes

Como se mostrou no Prós & Contras, existe controvérsia entre os juristas sobre se os juízes gozam do direito à greve.
Como titulares de cargos públicos, os juízes não são funcionários públicos nem trabalhadores, pelo que não gozam directamente de tal direito por efeito da Constituição, que só garante tal direito aos trabalhadores. Contudo, não havendo também uma proibição constitucional expressa, tal direito poderá ser reconhecido aos juízes pela lei, ao abrigo da cláusula constitucional de que o elenco constitucional de direitos fundamentais não exclui outros direitos reconhecidos pela lei (ou pelo direito internacional). Isso só não seria admissível, se se entendesse, com Jorge Miranda, que a greve é intrinseca e absolutamente inconciliável com a função judicial, tal como configurada na Constituição. Seja como for, a verdade é que não existe nenhuma lei que reconheça aos juízes o direito de fazer greve, pelo que falta o necessário título jurídico.
Evidentemente deixaria de haver lugar a controvérsia, se a lei regulasse expressamente essa matéria, seja reconhecendo tal direito aos juízes, ainda que com limitações, seja proibindo-o de todo em todo.

Correio dos leitores: Farmácias

«(...) Os militares, os magistrados, as polícias, os advogados, os professores, a Associação~Nacional de Farmácias (ANF), os próprios sindicatos, etc., constituem neste país verdadeiras tribos. Os próprios militares falam de "vida militar" por oposição à "vida civil" (ou civilizada?). Muitos magistados apresentam a sua profissão como algo à parte das outas profissões ("sagrada" ?!).
O Governo actual revelou grande coragem ao enfrentar estas "castas" de privilegiados e está a sofrer da parte delas uma reacção brutal. Nalguns pontos já recuou e temo muito que recue mais. Por exº. não vi ainda implementada a possibiliade de abrir mais farmácias, prometida pelo Governo. Em Braga são práticamente as mesmas do "antigamente", enquanto que a população triplicou ou quadruplicou. Temos de andar vários quilómetros para encontrar uma das duas farmácias de serviço e nas horas normais é preciso esperar em "bicha" por vezes 1 hora para ser atendido! (...)»

Barreiros Martins

terça-feira, 4 de outubro de 2005

"Feudalismo"

«Curiosamente, a reivindicação de estatutos privilegiados privativos é acompanhada da mais latitudinária utilização dos instrumentos sindicais dos trabalhadores comuns, incluindo a manifestação e a greve, mesmo quando o seu estatuto público é manifestamente incompatível com eles, como sucede com os militares e os juízes, os primeiros porque a natureza das suas funções o não pode consentir, os segundos porque nem sequer são funcionários ou trabalhadores, mas sim titulares de cargos públicos, a quem não se podem estender de pleno os direitos próprios dos trabalhadores.»
(Excerto do meu artigo de hoje no Público: link exclusivo para assinantes).

Correio dos leitores: Privatização da REN

«Em relação à anunciada privatização da REN, devo referir que, embora seja claramente um caso de monopólio natural, não decorre desse facto, parece-me, que a gestão da rede seja necessariamente pública. O que o Estado deve assegurar é que, quem quer que seja o operador da rede eléctrica nacional, ele não possa auferir rendas monopolísticas, garantindo apenas uma retribuição do capital compaginável com o mercado. Para tal, tem importância fundamental o papel da ERSE. Ao contrário do que diz o Luís Lavoura noutro comentário ao mesmo "post", o caso da Portugal Telecom é distinto, tratando-se de um sistema em que o Estado português enveredou pela situação de acesso negociado em vez de acesso regulado, o que obrigou os operadores privados de telecomunicações a negociarem com o operador da rede, seu concorrente, o acesso à mesma. (...)
No caso da REN, e desde que se garanta o acesso de todos os operadores sem discriminação à rede (incumbência da ERSE), não vejo porque é que isso possa trazer "engulhos" ao mercado. Ou porque é que isso traduz uma perda de soberania económica. (...)Na vizinha Espanha, a REE é detida pelos geradores de electricidade e a CLH (distribuidora de carburantes) é detida pelos vários operadores de gás natural e petróleos em Espanha, Galpenergia incluída.»

Pedro Martins Barata

E a reforma institucional?

A UE ultrapassou com dificuldade o escolho da oposição da Áustria à abertura das negociações para a adesão da Turquia. Mas quem ganhou foi a Croácia, que, "por coincidência", viu antecipada a decisão de abertura do seu próprio processo negocial e que seguramente entrará na UE muito mais cedo do que a Turquia (se é que esta alguma vez entrará...). Portanto, retoma-se o processo de alargamento, quando ainda mal está "digerida" a grande ampliação precedente.
Entretanto, com a suspensão "sine die" do processo de ratificação da Constituição Europeia, no seguimento da rejeição popular na França e na Holanda, continuará indefinidamente congelada a reforma institucional da União. Até onde poderá a UE continuar a expandir-se, sem adaptar as suas instituições?

Como era óbvio...

... a greve dos magistrados e funcionários judiciais só tem a ver com a defesa dos privilégios de que hoje gozam, alguns dos quais o Governo decidiu extinguir, por razões de equidade social e de solidariedade no esforço de equilíbrio das finanças públicas -- nomeadamente o sistema privativo de saúde, que custa aos utentes da justiça 15 milhões de euros por ano --, mas de que os magistrados não querem abdicar. Toda a retórica sobre a independência dos juízes (como se ela estivesse em perigo!...) e sobre os males da justiça não passa de manobra de diversão. Admitisse o ministro voltar atrás, e logo as outras pretensas razões de queixa desapareceriam.

Que país, este!

Ver o presidente do STJ a intervir em directo num debate na televisão - isso já é pouco comum. Vê-lo polemizar com o Governo sobre o estatuto económico-profissional dos juízes - isso é pelo menos descabido. O presidente de um supremo tribunal deveria ser um exeomplo de discrição e distanciamento em relação às coisas mundanas. Pelos vistos, há quem não pense assim...

segunda-feira, 3 de outubro de 2005

Correio dos leitores: Privatização da REN

«A privatização da REN é a repetição do erro que foi feito com a venda da rede fixa de telefones à Portugal Telecom. Desde então esse erro tem tido repetidas e nefastas consequências, pois que o Estado perdeu a capacidade de impor condições de concorrência iguais para todas as empresas, e impõe aos consumidores de telefones fixos a correspondente factura. A ANACOM tem-se mostrado impotente para debelar o trunfo de que a Portugal Telecom dispõe.
Já agora, podiam privatizar também a REFER [rede ferroviária]...»

Luís Lavoura

Correio dos leitores: Derrotas

«(...) Eduardo Prado Coelho, no Público de hoje, consegue escrever um artigo sobre as eleições autárquicas que começa assim: "Não tenhamos ilusões: a imagem do PS que vai resultar das próximas eleições autárquicas é a de uma enorme derrota", sem mencionar, uma única vez, o seu amigo Manuel Maria Carrilho que, no entanto, não parece estar em condições de conquistar a Câmara de Lisboa.
Quer dizer, uma enorme derrota do PS - mas da qual Carrilho não será minimamente responsável! Extraordinário!»

J. P. Pessoa e Costa

Comentário

De facto, no artigo citado EPC menciona expressamente entre as causas de algumas previsíveis derrotas do PS a má escolha dos candidatos, citando os casos do Porto, de Coimbra, de Oeiras, mas omitindo o caso de Lisboa, onde a quase certa derrota se ficará a dever em grande parte à inadequação do candidato (que EPC apoia), visto que o PS parecia ter à partida boas condições para ganhar.

Soberania

O plano apresentado pelo Governo para o sector energético (liberalização, concorrência entre a Galp e a EDP no gás e na electricidade, privatização dos operadores) é claro e tem lógica. Só não vejo o sentido que faz a anunciada privatização da REN, a qual passará a gerir as infra-estruturas de transporte da electricidade e do gás.
Tais infra-estruturas são básicas para preservar um mínimo de soberania económica do País; constituem "monopólios naturais", por definição imunes à concorrência; as suas receitas derivam das tarifas reguladas, pagas pelos operadores. Que sentido faz então privatizar essas infra-estruturas, para além do propósito de realizar encaixe financeiro? E vale isso a perda do controlo público sobre essas redes e o perigo de a REN ir parar a mãos estrangeiras (designadamente espanholas)?

Correio dos leitores: Em defesa dos juízes

«(...) Já que o cita [o artigo do Público de Marinho e Pinto sobre os juízes]-- o que eu, numa lógica cartesiana que me parece aceitável, interpreto como um sinal do seu apoio e concordância --, pergunto-lhe directamente a si, Sr. Professor, o que a Marinho Pinto caberia perguntar: quais são os "supermercados especiais a preços mais baratos" em que me posso abastecer?; quais são os "transportes gratuitos" em que posso viajar, para além dos transportes públicos entre o local de trabalho e a residência (...); quais são as "compensações para despesas específicas" a que tenho direito e que, por certo, no futuro terei de exigir judicialmente ao Estado já que nunca as recebi? quais são os "médicos mais caros" a que posso recorrer - para assim deixar de pagar do meu bolso, como sempre fiz, as consultas da especialidade de que a minha filha menor infelizmente necessita e cujos médicos se recusam a fazer protocolo com os SSMJ?
(...) O que é que eu, que nem sindicalizado sou, os meus antigos estagiários (...), as largas dezenas de colegas que conheço pessoalmente - e que são bons profissionais por mais que Marinho Pinto diga o oposto e o Sr. Professor aplauda -, fizemos para confiscar ao povo português a sua soberania? O que é que nós fizemos para merecer isto? (...)».

A A (Juiz de Direito)