quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Correio da Causa: Regime da função pública

1. «Sou funcionário público e li, como habitualmente, este seu artigo no Público. Não tenho discordâncias de princípio em relação ao que defende e às considerações que faz às divergências entre pessoal com nomeação e ao que se encontra abrangido pelo CIT [contrato individual de trabalho]. Apesar de ser parte interessada na questão -- e já todos entendemos que os privilégios são as condições dos outros e os direitos as nossas --, reconheço a validade de repensar algumas das "diferenciações" da F.P. (normalmente só se fala nas positivas), ainda que isso não me favoreça pessoalmente.
Até admito como legítimo que se queira estender os CIT à generalidade dos Serviços, ainda que a questão não seja absolutamente pacífica. Mas o que eu queria chamar a sua atenção é para se tem acompanhado o processo de recrutamento dos trabalhadores contratados sob a forma de contrato individual de trabalho; tem conhecimento da total discricionariedade, quer no que respeita às garantias de igualdade dos cidadãos quer na observância dos preceitos de natureza financeira. Concursos, igualdade dos candidatos, possibilidade de os mesmos escrutinarem o resultado da sua candidatura? Tudo isso está a ser, pura e simplesmente, ignorado.
Sabemos que a isenção não estava absolutamente garantida nos concursos públicos, mas a situação era incomparável com o desmando que se tem vindo a instalar e isto é que eu acho que a comunidade não pode aceitar. Podem mudar-se as regras mas parece-me que deverá garantir-se aos cidadãos (trabalhadores, fornecedores, etc.) que serão tratados pelo Estado de acordo com critérios objectivos e escrutináveis. Já sabe onde o desmando a que aludo vai dar: ao compadrio, ao clientelismo partidário, ao amiguismo, ao tráfico de influências, etc. etc. Poderá dizer-se que sempre assim foi, mas de forma mais comedida e, normalmente, para lugares dos chamados dirigentes
(...)»

N.Gomes.

2. «(...) Em relação ao contrato individual de trabalho na Administração Pública admito perfeitamente que possa ser reforçado, sobretudo nas situações em que existe uma provisão de bens e serviços que o sector privado também poderá fornecer. Não me parece, contudo, que tal se aplique à provisão de determinados serviços públicos, nem no domínio das funções de soberania (como tem sido identificado), nem, por exemplo, nas funções associadas ao Estado Estratega (o que tem sido completamente negligenciado neste tipo de situações). Ou seja, independentemente de neste tipo de situações poder existir recurso a alguma consultoria especializada, parece-me fundamental que os organismos do Estado possam continuar a deter recursos que, de forma tecnicamente fundamentada, independente e não associada a nenhum lobby político ou empresarial, permitam que o Estado possa assumir essa capacidade estratégica para antecipar, para efectuar uma análise técnica independente, para ser capaz de formular, de negociar, de reestruturar e de avaliar determinadas políticas públicas, etc.
Confesso, pois que tenho as maiores reservas à utilização do contrato individual de trabalho neste tipo de funções associadas ao papel de Estado Estratega, atendendo inclusivamente à necessidade de se "respeitar os princípios constitucionais da igualdade de acesso, da imparcialidade e da prossecução do interesse público" (...).
Parece-me, aliás, neste tipo de situações, que a combinação da generalização do contrato individual de trabalho com a nomeação política dos altos dirigentes da função pública poderá gerar uma combinação catastrófica para a tal aplicação dos princípios constitucionais da igualdade de acesso, da imparcialidade e da prossecução do interesse público.
O PRACE poderia ter sido uma boa oportunidade para ajudar a identificar este tipo de funções. Porém, à medida que o tempo passa, o seu espírito inicial está a ser cada vez mais subvertido (quase sempre pelos próprios membros do Governo), transformando-se progressivamente
- como já vi escrito algures - no Programa de Recentralização e de Acolhimento de Camaradas no Estado (o recente caso do Parque Escolar, EP exemplificam de forma evidente esta dupla vertente deste PRACE oculto). (...).»

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Faz algum sentido que...

...os municípios adquiram participações em empresas privadas gestoras de unidades do SNS sediadas na sua área territorial? Os municípios têm, ao menos, alguma competência em matéria de cuidados de saúde diferenciados? Esta iniciativa não tem todo o ar de um "frete" financeiro à referida empresa privada? O Tribunal de Contas não deveria ter uma palavra a dizer sobre estes "investimentos" municipais?

Rede de urgências hospitalares

No Prós e Contras desta noite Correia de Campos beneficiou da melhor sessão de esclarecimento que poderia ter a favor da sua reforma das urgências. A presença dos dois representantes da comissão técnica foi essencial para mostrar os enormes benefícios da reforma e a falta de fundamento da sua contestação.
A estratégia ministerial de oferecer compensações a quem perde os SAP sem ser contemplado com uma urgência básica é francamente bem sucedida, como ficou patente pelos testemunhos de alguns presidentes de câmara municipal. Para os recalcitrantes ficou a alternativa: ou entram em negociações e obtêm alguma contrapartida, ou prosseguem a contestação e ficam sem nada...

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Revolução na função pública

Como habitualmente, foi arquivado na Aba da Causa o meu artigo da semana passada no Público, com o título em epígrafe, sobre a reforma do regime de emprego na Administração Pública.
Amanhã, o meu artigo semanal versa sobre o loteamento partidário na administração autárquica, tomando Lisboa como exemplo.

Diz que é uma espécie de Universidade...

«Vice-reitor da Universidade Independente foi exonerado.
(...) Além de Rui Verde, todos os presidentes dos conselhos pedagógicos e científicos dos departamentos da universidade foram também suspensos e instados a abandonar as instalações.
Até que o corpo docente seja reposto, as aulas na Universidade Independente ficam suspensas (...).»
(Público online, citando a RTP).

Com a nova direcção, o Diário de Notícias será assim?

Frentismo oposicionista

Com efeito, a ideia de uma lista única de toda a oposição contra o PSD numas hipotéticas eleições intercalares no município de Lisboa não faz nenhum sentido. Seria o mesmo que propor uma lista única de toda as oposições ao PS nas próximas eleições parlamentares, desde o CDS ao BE...

domingo, 25 de fevereiro de 2007

sábado, 24 de fevereiro de 2007

Correio da Causa: Ainda o aluguer de contadores

1. «Independentemente da designação, cada consumidor deverá pagar um custo fixo, pela disponibilidade do serviço.
Quando uma infraestrutura é instalada, ela tem de ter capacidade para responder ao pico de consumo solicitado, num momento de um dia, numa semana, de um mês. Significa que, e o assunto é particularmente importante nos locais de segunda habitação, a infraestrutura tem de ter capacidade para responder ao consumo por curtos períodos de utilização em cada ano.
A infraestrutura instalada tem um custo. A produção, transporte e fornecimento do bem tem outro. Deve por isso haver um custo fixo e um variável. (...) Ao não existir este custo fixo, é a população residente que vai ter de pagar a infraestrutura para os não residentes disporem dela, nos períodos em que a utilizam. (...)
A alternativa de tarifários diferentes não me parece ser a solução, dada a dificuldade em identificar/classificar as segundas habitações(...).
(...). Quanto ao resultado prático da eliminação do pagamento do aluguer dos medidores de caudal no sector da água, quer-me parecer que irá ser nulo. Acabará o "aluguer" mas aparecerá e/ou aumentar-se-á a "tarifa de disponibilidade" e/ou "tarifa de serviço".»
F. Oliveira

2. «Ainda referindo o aluguer de contadores, vale a pena notar que, se Você quiser ter um telemóvel, pode fazer um contrato em que paga uma assinatura mensal e tem chamadas relativamente baratas, mas também pode fazer um contrato em que não paga assinatura e as chamadas são relativamente mais caras. Potencialmente, também lhe poderão oferecer um contrato em que as chamadas que Você efectue serão cobradas a diferente preço consoante o dia e a hora em que sejam efectuadas.
Todas estas opções são hoje tecnicamente possíveis também em matéria de fornecimento de electricidade. Há já no mercado contadores de electricidade "inteligentes" que interactuam em permanência, via rádio, com uma central da companhia fornecedora de electricidade, e que lhe facturam a electricidade mais cara ou mais barata consoante o dia e a hora em que ela for consumida. Em Portugal a EDP não os usa - por alguma razão será... - mas em Itália, por exemplo, já são completamente corriqueiros.
O caso para o fornecimento de água e de gás é certamente mais restritivo, actualmente, em termos técnicos.
De qualquer forma, nada obsta a que as companhias fornecedoras desses bens façam como as companhias de telemóveis - cobrem ou não custos fixos e facturem ou não a preços diferenciados consoante o consumidor paga ou não paga um aluguer fixo.»

Luís L.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Mulheres na tropa

Eu vi-as no Verão passado, na linha da frente, de armas nas mãos, nas ruas perigosas de Kinshasa, a contribuir para o sucesso da missão EUFOR RD Congo. Espanholas rijas! Como a que morreu anteontem no Afeganistão, ao serviço da missão NATO ISAF, a ambulância que conduzia esfrangalhada por uma mina.
É conhecido o caso israelita, onde também as mulheres fazem serviço militar e agora cada vez mais assumem responsabilidades em unidades de combate.
Mas em Portugal, como denunciou o EXPRESSO, a Aspirante Cláudia Almeida Brito, a primeira (!) mulher oficial de Infantaria, foi impedida de completar a sua formação na Escola Prática de Infantaria, por ter sido sujeita a praxes refinadamente sexistas e misóginas. Como dizia um colega de Cláudia "era um mito na Academia que essa fosse a única arma sem mulheres. Foi um choque a entrada dela. Não creio que tão cedo venha para aqui outra." A própria Cláudia resumiu a sua experiência assim: "Cada vez há mais aquele espírito: mulheres em Infantaria, não!"
As Forças Armadas Portuguesas não podem ser imunes às dinâmicas de modernidade que têm marcado a sociedade civil portuguesa desde 1974. Por isso, quando o Chefe de Estado-Maior do Exército diz que "o Exército não violenta pessoas, não confunde praxes com exercícios, não discrimina, nem abusa" e que tem "uma prática indistinta em relação ao género", isso deve ter consequências práticas, nomeadamente na repressão de rituais de iniciação (supostamente 'integradores' dos aspirantes) que refletem uma visão anacrónica, chauvinista e bárbara daquilo que faz um bom oficial, um bom soldado. Não basta declarar que há igualdade de tratamento da (s) mulher (es) aspirante (s). É preciso tomar a iniciativa e combater activamente a imagem catastrófica da Infantaria como "coutada do macho latino" (para utilizar a linguagem colorida de um juiz português).
Um exército que perde a capacidade de atrair - de acordo com critérios puramente meritocráticos - aqueles e aquelas que têm vocação militar e que, ao mesmo tempo, não combate enérgicamente a percepção de bastião masculino, passa a ser uma instituição ineficaz e atrasada, numa altura em que se procura precisamente uma Infantaria diversificada, ágil, expedicionária e especializada em missões em que o contacto com civis é permanente. E para as quais muitas mulheres estão particularmente fadadas.
Porque é a eficácia das próprias missões que determina a necessidade de nelas envolver mais mulheres. Como o Conselho de Segurança da ONU reconheceu, já há sete anos, ao adoptar a resolução 1325, que recomenda a participação de mais mulheres, a todos os níveis e em todo o tipo de funções, incluindo as policiais e militares, em missões de prevenção de conflitos e manutenção da paz.
É vital que as chefias das Forças Armadas Portuguesas actuem rapidamente e encorajem a Aspirante Cláudia Almeida Brito a não desistir. É preciso que as chefias das Forças Armadas Portuguesas identifiquem e assegurem a punição exemplar dos responsáveis pelas provações que a Aspirante Brito sofreu na Escola Prática de Infantaria.
Caso contrário, ficaremos a saber que as nossas Forças Armadas, trinta e três anos depois de Abril, prevalecem prisioneiras de teses obsoletas e reaccionárias: de que se se submeterem futuros oficiais de Infantaria a rituais que impliquem comer comida estragada, flexões em barda e resistência psicológica a outras tantas humilhações, eles ficarão preparados para os desafios das operações militares do século XXI...
E ficaremos então a perceber, também neste domínio, porque é que a Espanha avança e Portugal fica para trás...

Protestos

Lembram-se dos protestos contra o encerramento de maternidades com poucos partos? Passado um ano, alguma das terríveis previsões se confirma?
Lembram-se dos protestos contra o encerramento de escolas com poucos alunos? Passado um ano, alguma das queixas se viu justificada?
E agora no caso do reordenamento da rede de urgências hospitalares, existe alguma razão para dar crédito aos mesmíssimos protestos?

Correio da Causa: Aluguer de contadores

1. «Discordo absolutamente do seu post "contraproducente".
É injusto que os proprietários de segundas casas devam, de alguma forma, subsidiar os consumos das restantes pessoas. Cada pessoa tem o seu consumo e deixa a sua pegada ecológica. Cada pessoa deve pagar por aquilo que consome. Só assim cada um terá um estímulo para consumir menos, para racionalizar o seu consumo.
Quando observo a minha factura da água, verifico que, se eu reduzir a metade o meu consumo de água, o valor que pago praticamente não desce - porque praticamente tudo aquilo que pago são taxas fixas. Nestas condições, não tenho qualquer estímulo para racionalizar o meu consumo de água. Será isto correto?
Os "alugueres de contadores", e a "potência instalada" da EDP, constituem efectivamente meios de o Estado favorecer e proteger as empresas fornecedoras, que assim dispõem de um rendimento fixo e seguro, em detrimento dos cidadãos, os quais ficam desprovidos de qualquer forma de beneficiarem de um esforço de redução do seu consumo.»

Luís L.

2. «A eliminação do "aluguer de contador" é, concordo, uma má medida. Aquilo a que se chama incorrectamente "aluguer de contador" deve ser, de facto, o custo fixo do fornecimento de energia e, em teoria, deveria pagar pelo menos os custos de capital associados às infra-estruturas de fornecimento de energia. Por outras palavras: mesmo que o consumidor não consuma uma única unidade de energia, pelo facto de estar ligado à rede ele impõe custos fixos ao sistema, que deve pagar. Como não há milagres e os custos de capital não desaparecem por decreto, ao verem eliminada a componente fixa da tarifa, as companhias vão repercutir os custos fixos na componente variável que, como parece óbvio, aumentará concomitantemente. Trata-se portanto de uma forma de distorção da formação de preços que, a prazo, se revela sempre inimiga da eficiência e da racionalidade económica.»
Feliz S.

3. «Apesar de entender o seu argumento relativamente ao aumento global dos preços do serviço eléctrico, é para mim incompreensível ver um estado a impor regras sobre a facturação das taxas mensais dos contadores.
Parece-me ser mais relevante discutir se o estado cria as condições para uma real concorrência no sector eléctrico o que, na minha opinião, será reflectido num verdadeiro benefício para os consumidores. Dou-lhe o exemplo de Inglaterra, país onde vivo actualmente, onde as inúmeras empresas fornecedoras de electricidade oferecem planos com e sem aluguer diário de contador e com diferentes custos unitários por kWh em função do respectivo plano.
Devido à enorme concorrência entre as empresas, posso-lhe dizer que mudei várias vezes de fornecedor, bastando para isso efectuar uma simples chamada telefónica e tendo como resultado reduções significativas dos encargos mensais com energia.»

Miguel C.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

"A foto dos Açores"

«Antes de la foto de las Azores, en la que se declaró una guerra preventiva, sin autorización de organización internacional alguna, George Bush recabó y obtuvo un amplio consenso en su guerra global contra el terror declarada tras el 11-S, en la que tampoco iban a respetarse las reglas de la guerra utilizadas hasta entonces. Los servicios secretos de los países aliados fueron presumiblemente invitados a participar activamente en ella, cubiertos por el velo de silencio que los caracteriza. Y muchos países, incluso algunos de los que luego no participaron en la guerra, estuvieron ya en esa foto invisible de unas Azores sumergidas en las cloacas del Estado de derecho. Ahora no hay más remedio que arrojar toda la luz sobre tanta infamia.»
(El País de hoje)

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Afinal, não era para ficar até "concluir a missão"?

«Tony Blair informou Bush do início da retirada das tropas britânicas do Iraque».

Contraproducente

O PS vai avançar com a aprovação do projecto de lei destinado a eliminar a taxa de aluguer de contadores no fornecimento de electricidade, gás e água. Parecendo uma medida justa, não o é efectivamente. Quem vai beneficiar dela são sobretudo os proprietários de segundas casas, que até agora tinham o encargo de pagar o aluguer dos contadores mesmo durante os meses em que a casa não se encontrava ocupada. Porém, como as empresas fornecedores não vão demorar a repercutir sobre o preço dos consumos a receita perdida com os alugueres, quem vai suportar os custos da medida são, afinal, os consumidores em geral, incluindo os menos abastados.
Como sempre, quando os ricos são aliviados de algum encargo, são os demais que pagam a factura...

Aditamento - Seria interessante saber qual a percentagem dos deputados que possuem casas de férias...

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Explicação coxa

«Indulto: Elementos ignorados "por não serem de leitura fácil"». Não há ninguém responsável pelo erro em que foram induzidos o Ministro da Justiça e o Presidente da República?

Desapontamentos femininos

Enquanto Ségolène Royal acumula deslizes e perde terreno nas presidenciais francesas, Hilary Clinton recusa-se a reconhecer que errou ao ter votado a favor da intervenção no Iraque.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Salazaristas

À medida que a memória da ditadura do Estado Novo se perde no tempo, os salazaristas, velhos e novos, perdem vergonha e ganham em desfaçatez.

O PSD à deriva

«PSD apoia demissão de Alberto João Jardim».

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

VOOS DA CIA

Intervenção sobre o Relatório Fava, Plenário do PE, Estrasburgo, 14.2.2007

"Cumprimento o Deputado Cláudio Fava por este Relatório que honra o Parlamento Europeu e salva a credibilidade da Europa, quando tantos governantes e políticos acabam por a enterrar, a pretexto de que nada viram, nada sabem e nada mais fizeram senão «ajudar aliados» na luta contra o terrorismo.
Este Relatório expõe em detalhe a falta de controle nos aeroportos europeus que permitiu a operação da rede de aviões privados utilizada pela CIA nas chamadas "entregas extraordinárias". Mas demonstra também que para o transporte ilegal de prisioneiros, pelo menos para Guantánamo, foram igualmente usados aviões militares americanos, escalando aeroportos e bases militares em território europeu e utilizando aí instalações como centros de detenção temporária, sob cobertura de operações como a "Enduring Freedom". Não bastava que os governos europeus - como no meu país, Portugal - que autorizaram tais passagens, com ou sem conhecimento conivente, tivessem comprometido a segurança dos seus países e da Europa e a competência dos serviços supostos zelar por essa segurança: macularam também a idoneidade de instituições militares europeias, tornando-as objectivamente cúmplices, por acção ou omissão.
O Relatório prova ainda que governos europeus continuaram a autorizar e a não controlar voos para Guantánamo - uma prisão ilegal nada secreta - mesmo depois de já estar criada a Comissão Temporária do PE. E que procuraram continuar a manter parlamentares nacionais e europeus no desconhecimento de que tais operações prosseguiam.
Ao actuar assim, nenhum governo europeu ajudou realmente os aliados americanos, porque deste modo não é possível combater eficazmente o terrorismo: antes se lhe faz o jogo, colaborando no uso de métodos violadores da lei e dos mais elementares direito humanos contra inocentes. Métodos que também jamais permitirão condenar em justiça os verdadeiros terroristas.
É trágico que, enquanto a América começa a desenterrar o lixo como meio de se auto-regenerar, governantes europeus continuem a enterrar a cabeça na areia, resistindo a assumir erros e responsabilidades na colaboração com o programa de deslocalização da tortura posto em prática pela Administração Bush. Mas no PE, em parlamentos nacionais e instâncias judiciais por essa Europa fora não se vão baixar os braços a partir da aprovação deste relatório. Esses responsáveis políticos devem compreender que, quanto mais negam, mas se estão a colocar à mercê de uma bomba-relógio".

O centrão arrulha...

Leio e medito nas declarações à imprensa ontem feitas pelos deputados Edite Estrela e Carlos Coelho sobre a aprovação do relatório final do Parlamento Europeu sobre os chamados voos da CIA.
As palavras 'equilíbrio', 'equilibrado', 'justiça' e 'justo' aparecem tantas vezes nos comentários de um e de outro, que fico sem saber a qual deles pertence a autoria. Enternecedora esta convergência centrista....
Registo que há quem considere que o mandato de representação no PE foi dado "para valorizar e promover a imagem de Portugal a nível internacional", tipo secção comercial de um consulado ou artista da bola.
A mim parece-me que não há nada que valorize mais a imagem de um país como a defesa de valores fundamentais e do funcionamento do Estado de Direito. No apuramento da verdade, doa a quem doer, dentro ou fora. Dentro e fora. E a Europa é dentro para nós, claramente.
É que não teríamos hoje democracia no nosso país se todos tivéssemos passado os 48 anos entre 1926 e 1974 a "valorizar e promover a imagem de Portugal a nível internacional" acriticamente, varrendo para debaixo do tapete os crimes do regime salazarista...cometidos em nome do bem-estar, da segurança e do bom nome de Portugal, convém lembrar.

O 'eixo do mal' já não é o que era... IV

O 'eixo do mal' já não é o que era... III




Quais são as vantagens deste acordo em relação àquele que o Presidente Clinton assinou em 1994? Desta vez, a China, a Rússia, o Japão e a Coreia do Sul juntaram as suas assinaturas às da Coreia do Norte e de Washington, dando uma dimensão regional (e talvez mais solidez) ao acordo; a Coreia do Norte desta vez só recebe o grosso da ajuda depois de ter congelado o seu programa nuclear e revelado a verdadeira dimensão do seu arsenal.
O que é triste é que em 2003, quando estalou a última crise, a Coreia do Norte expulsou os inspectores internacionais e o acordo de Clinton foi por águra abaixo, a Administração Bush, em vez de levar a cabo uma ofensiva diplomática para salvar o acordo, decidiu levar a cabo uma ofensiva militar contra o Iraque.
É verdade que o papel da China foi decisivo nisto tudo, e que nem tudo dependia dos EUA. Mas, como Bolton diz, e bem, este acordo resultou de uma mudança radical na estratégia americana. Era tão bom que o mundo tivesse ficado parado entre 2002 e 2007, enquanto os EUA recuperavam a razão.
Mas não ficou.
E entretanto a Coreia do Norte adquiriu meia-dúzia de armas nucleares.

O 'eixo do mal' já não é o que era... II




John Bolton, que se tem mantido silencioso depois da forma humilhante como saiu do seu posto de Embaixador dos EUA nas Nações Unidas, vem agora dizer que este acordo "é muito mau", porque "contradiz premissas fundamentais da política do presidente".
As premissas fundamentais do presidente em relação à Coreia do Norte eram:
1. "Não recompensar mau comportamento" e
2. "Não entrar em processos de desarmamento gradual, já que não se pode confiar naquele regime."
Ora mais mau comportamento do que levar a cabo um teste nuclear (como foi o caso em Outubro do ano passado) é difícil. E no entanto cá estamos a 'recompensar' a Coreia do Norte. Se tudo isto tivesse acontecido mais cedo, talvez nem tivesse havido teste nuclear.
Quanto ao facto de não se poder "confiar naquele regime": o acordo depende completamente do cumprimento, por parte da Coreia do Norte, de tarefas específicas em várias fases (ligadas a recompensas em ajuda energética e humanitária), nomeadamente o desactivamento da central nuclear de Yongbyon, a abertura do país a inspectores internacionais, e a apresentação de uma lista exaustiva dos programas tecnológicos que compõem o programa nuclear.
...

O 'eixo do mal' já não é o que era... I





Parabéns à Administração Bush!
O acordo entre os EUA, a Coreia do Norte, a Coreia do Sul, a China e a Rússia e o Japão para o desarmamento nuclear da Coreia do Norte e a eventual normalização das relações entre os vizinhos coreanos por um lado e entre a Coreia do Norte e os EUA por outro (terminando, se tudo correr bem, mais de 50 anos de estado de guerra na península coreana), representa uma coisa rara: um sucesso diplomático da Administração Bush, conquistado à custa de muita paciência, pragmatismo e cedências de parte a parte.
Pudera. Se eu fosse Presidente dos EUA e estivesse no fim do meu segundo mandato e olhasse à volta e visse que estava prestes a deixar o Irão, o Iraque, o Afeganistão e a Coreia do Norte numa situação bem pior do que quando cheguei, eu cá também dava uma volta de 180 graus. Bem-vindo à sanidade, presidente. Já viu que até se pode assinar acordos com membros do eixo do mal?
Como dizia Gary Samore, um dos principais responsáveis pelas questões de não-proliferação na Administração Clinton, "infelizmente [o acordo] vem três anos, oito bombas nucleares e um teste nuclear atrasado. Mas mais vale tarde do que nunca."
Até agora, esta Administração defendia com unhas e dentes a tese descabelada de que só o desarmamento e a desnuclearização completa da Coreia do Norte podiam levar a um acordo. Esta posição mascarava o apetite por regime change que cegava Washington e que era a verdadeira razão por detrás da falta de apetite para negociações.
...

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

A República moderna

O lançamento do novo cartão de cidadão na cidade da Horta (Ilha do Faial, Açores) representa simbolicamente três sucessos: um êxito tecnológico, uma prova de modernização administrativa e um testemunho do desenvolvimento das regiões mais periféricas do País.
A primeira cidadã portuguesa a ter o novo cartão é aluna da Escola Manuel de Arriaga, no Faial. Curiosamente, dizem-me dos Açores, o primeiro cartão oficial de identidade nacional também foi atribuído, há quase um século (1914), a outro faialense, o primeiro presidente constitucional da então jovem República, justamente Manuel de Arriaga.
Não pude confirmar esta informação. Mas se não é verdade, bem poderia ser. A História tem destas coincidências felizes...

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Clandestino é que era bom...

O Correio da Manhã noticiava hoje uma "corrida ao negócio do aborto" e não faltará entre os opositores da despenalização quem grite "vêem como tínhamos razão!".
Não têm nenhuma razão, como é bom de ver. O tal "negócio do aborto" já existia, só que ilegal, entre nós, ou legal, em Espanha. Com a legalização da IVG até às 10 semanas, essa actividade médica deixa de ser clandestina entre nós, as portuguesas deixam de ter de ir a Espanha (as que podiam) e poderão escolher realizar a IVG nas clínicas privadas autorizadas ou no SNS, de acordo com as suas preferências (e posses), toda a actividade ficará sujeita à regulação e supervisão das autoridades sanitárias nacionais e a "economia paralela" perderá um dos seus santuários. E, sobretudo, milhares de mulheres portuguesas deixarão de sofrer os riscos e as sequelas dos abortos clandestinos.
Foi justamente para isso que os portugueses quiseram a despenalização e legalização da IVG, nos limites e condições do referendo.

IVG e Código deontológico dos médicos

Como defendo hoje no meu artigo do Público, e já tinha explicado num artigo anterior, é insustentável a manutenção da actual redacção do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, que considera "infracção deontológica grave" todos os casos de aborto. Essa norma já era indefensável desde 1984, quando algumas situações de interrupção da gravidez deixaram de ser ilícitas; tornou-se ainda mais indefensável com a iminente descriminalização da interrupção da gravidez por vontade da mulher até às 10 semanas, no seguimento do referendo do passado domingo.
Por isso é de saudar a iniciativa do Prof. Rui Nunes, do Serviços de Ética Médica da Faculdade de Medicina do Porto, o qual, ainda antes do referendo, propôs a modificação do referido Código Deontológico, excluindo as situações legalmente lícitas de interrupção da gravidez.
De facto, sendo a referida norma ilegal, só há três soluções: ou é revogada pela própria Ordem, ou é declarada nula pelos tribunais, ou é revogada pela própria AR, ao votar a nova lei de despenalização do aborto. Era bem preferível a primeira solução...

Nem tudo me agrada no novo Público

Sem dúvida, o "visual" do novo Público torna o jornal mais atraente e "chamativo". Mas, mesmo reportando-me somente ao novo grafismo, sem entrar nas mudanças respeitantes ao conteúdo, há vários aspectos de que não gosto, nomeadamente: a substituição do título do jornal por uma isolada e rutilante letra P, o excesso do "full colour", o desterro das páginas de opinião para o final do jornal, as "chamadas" no cabeçalho das páginas para temas de secção diferente, o sacrifício da densidade de conteúdos em favor das imagens e dos espaços em branco.

Aditamento:
Entre as mudanças de conteúdos, há uma que muito lamento: a ausência de Mário Mesquita, um dos meus colunistas preferidos, cuja saída me parece mal justificada.

O Código de Direito Canónico deixou de ser lei constitucional entre nós.

«Desde a implantação da República que a Igreja Católica não sofria uma derrota política tão profunda, e desta vez directamente às mãos do voto popular. Decididamente, ela deixou de comandar a consciência moral dos portugueses e as opções políticas do Estado. A separação entre o Estado e a religião deu um decisivo passo em frente. O Código de Direito Canónico deixou de ser lei constitucional entre nós.»
[Do meu artigo de hoje no Público; link só para assinantes.]

"Uma nova era em Portugal"

A opinião do El País sobre o referendo em Portugal.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

O "pacto presidencial" de Ségoléne Royal

O programa de candidatura presidencial de Ségolène Royal inclui nada menos de 100 medidas, em todos as áreas políticas, não se distinguindo em nada de um programa de governo. Decididamente a França assume-se como uma república presidencialista, em que as eleições presidenciais decidem as políticas governativas.
Como era de esperar, o programa da candidata socialista contém uma forte carga social, que muitas vezes inclui objectivos quantificados. Para além do intervencionismo governamental que pressupõe, a questão do financiamento daquelas medidas deve constituir um dos testes políticos principais do programa.

Almanaque Republicano

A três anos do centenário da instauração da República, vale a pena acompanhar o Almanaque Republicano.

Antologia do dislate

O indescritível Luís Delgado no seu melhor nonsense.
Aditamento: Afinal sempre há pior!

Imaginação fértil

As coisas que a gente pode descobrir a nosso respeito ao abrir um jornal: pág. 23 do Público de hoje.

O "novo" Público...

...aqui.

Geografia do referendo

Foi no Sul que a vitória do "sim" teve mais expressão, como era esperado. Mas foi no Centro e no Norte e nas ilhas que o "sim" subiu mais em relação a 1998, em alguns casos com diferenças superiores a 15 pontos percentuais. O triunfo nacional da despenalização também passou por aí, incluindo nos terrenos onde o "não" ganhou. (Quanto ao distrito de Coimbra, apesar da sua geografia mista -- litoral e interior --, não deixou os seus créditos políticos por mãos alheias, tendo o sim ficado bem acima da média nacional, com 63%.)

"Aborto livre"

Os derrotados do "não" estão agora muito preocupados com a regulamentação da interrupção da gravidez, insistindo na necessidade de um mecanismo obrigatório de reflexão das mulheres decididas a abortar (medida que, aliás, os defensores da despenalização anunciaram há muito...).
Mas não eram eles que asseveravam que a pergunta do referendo garantia o "aborto livre" e o "aborto a pedido"?! Afinal, agora que o "sim" venceu, já não era isso que estava no referendo?

E a grande derrotada é ...

... a Igreja Católica. Não somente pelo protagonismo de bispos e sacerdotes, mas também do domínio de personalidades alinhadas com ela nos partidos e movimentos do "não" e, sobretudo, pela omnipresença das suas numerosas organizações subsidiárias na campanha (associação dos médicos católicos, opus dei, etc.).
Nisso também o resultado do referendo constitui um feito histórico: desde a implantação da República que a Igreja Católica não sofria uma derrota política tão profunda. E desta vez directamente às mãos do voto popular.
Decididamente, a Igreja deixou de comandar a consciência moral dos portugueses e as opções políticas do Estado. A separação do Estado e das igrejas deu um decisivo passo em frente.

E o grande vencedor é...

...José Sócrates. Não apenas pelo seu empenhamento na vitória do sim e na mobilização do PS para a campanha (que diferença em relação a 1998!). Mas também pelo triunfo da sua estratégia de apostar no referendo e de comprometer-se em respeitar o seu resultado, rejeitando sempre a ideia de votar a lei sem consulta popular (como insistia o PCP), e correndo o respectivo risco.
A despenalização por via parlamentar era obviamente inatacável em termos de legitimidade constitucional. Mas a aprovação referendária confere-lhe uma legitimidade política super-reforçada.
[revisto]

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Laicidade...

...é quando o Código Penal deixa de imitar o Código de Direito Canónico.

Comparações

É certo que ficámos bem atrás da Suíça, onde a despenalização ganhou com 72% num referendo idêntico, há alguns anos trás.
Mas ninguém poderá negar que é uma vitória impressionante.

Para a história da liberdade em Portugal

A expressão do triunfo da despenalização do aborto (quase 60% contra pouco mais de 40%) ultrapassou as expectativas mais optimistas.
Uma vitória histórica!

SIM! Finalmente!

Quem ganhou? As portuguesas. Os portugueses. O Portugal europeu, moderno, consciente, com futuro. O PS. Os movimentos cívicos e partidos que se bateram inteligentemente pelo SIM.
Quem foi decisivo na campanha? O Gato Fedorento (obrigada, meus! incluindo o Prof. Marcelo) e José Sócrates.
O que importa a AR fazer rapidamente? Regulamentar a lei, designadamente quanto a período de reflexão e a objectores de consciência.
Onde importa que o Governo invista seriamente? Na educação sexual nas escolas e no planeamento familiar.

Quem ganha, se o sim vencer?

Ganha a despenalização limitada e moderada da interrupção voluntária da gravidez; o direito das mulheres a uma maternidade consciente e responsável; o PS (com José Sócrates em destaque) e demais forças políticas de esquerda, bem como a ala liberal do PSD; os médicos e os católicos "pela escolha"; o Portugal laico, moderno e liberal.
Também serão eles os principais derrotados, se o não vencer...

Quem ganha, se o não vencer?

Ganha o "status quo" penal do aborto e o aborto clandestino; o "direito à vida do feto"; a Igreja Católica, a Associação dos Médicos Católicos; o CDS-PP e a demais direita política; o PSD conservador (com Marques Mendes e Marcelo Rebelo de Sousa em destaque); o Portugal católico, tradicional e iliberal.
Também serão eles os principais derrotados, se o sim vencer...

Um teste civilizacional

Como expus num artigo publicado ontem no El País, o referendo à despenalização do aborto também era um "teste civilizacional" (versão original portuguesa na Aba da Causa).

Um pouco mais de rigor, pf.

Ao contrário do que já ouvi hoje algumas vezes, o facto de a votação no referendo ficar abaixo dos 50% -- o que neste momento parece seguro -- não afecta a "validade" do referendo, mas sim somente a sua eficácia vinculativa.
Qualquer que seja o seu resultado, o Primeiro-Ministro já anunciou que respeitará a vontade dos cidadãos: o aborto voluntário até às 10 semanas deixará de ser crime, se o "sim" vencer; e continuará como crime, como hoje, se o "não" vencer. Não de pode ser mais claro, nem mais transparente.

Não há maneira de aprenderem

Esta manhã, em muitas ruas de Coimbra apareceram colados nos postes e paredes pequenos cartazes a apelar ao não (com a inevitável imagem de uma criança). Decididamente, há gente que não consegue conformar-se com as regras democráticas...

Sondagens

Para analisar as previsões.

sábado, 10 de fevereiro de 2007

O Diplomata

Ou me engano muito, ou esta escrita de O Diplomata não é desconhecida na blogosfera...

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Desvergonha

A ideia de que votando contra a despenalização se pode contribuir para a despenalização é seguramente uma das mais pedestres mistificações políticas de que há memória no Portugal democrático.

Na dúvida, vote Sim

Se tiver dúvidas sobre como votar no próximo referendo, vote sim, pela despenalização.
Ao votar sim não está a contribuir para ao aumento do número de abortos. Pelo contrário, poderá contribuir para a sua diminuição. Em países onde o aborto foi despenalizado - e isso já aconteceu na maioria dos países da União Europeia - verifica-se que o número de abortos tem vindo progressivamente a decrescer e que uma mulher aconselhada sobre os métodos de planeamento familiar, após ter feito um aborto num estabelecimento de saúde, raramente volta a recorrer a esse processo de interrupção da gravidez. Pelo contrário, há estimativas de que isso acontece no caso dos abortos clandestinos, a que mulheres recorrem uma, duas e mais vezes.
Mesmo para aqueles, médicos ou não, que se julgam capazes de convencer uma mulher que pretende abortar a não o fazer, é mais fácil poderem atingir esse objectivo, no cumprimento das suas convicções, se essa mulher se dirigir a um hospital e não a um qualquer local clandestino, onde à porta não me consta que se encontrem os militantes do não.
Ao votar sim, mesmo com dúvidas, apenas vota pela despenalização de uma prática social que muito pouca gente considera como um crime.
Ao votar sim, mesmo com dúvidas, não fecha os olhos a uma realidade que está aí, goste ou não dela, que é a de milhares de abortos clandestinos por ano, praticados por mulheres de todas as condições sociais e convicções religiosas.
Ao votar sim, mesmo com dúvidas, mostra a sua solidariedade para com muitas famílias de menores recursos, onde as mulheres praticam o aborto em condições de grande risco, pondo em causa a sua saúde ou mesmo a sua vida.
Ao votar sim, apenas afirma sua tolerância para com a diferença. O voto sim pela despenalização não exclui o não ao aborto, enquanto o voto contra mantém o aborto clandestino. Na dúvida, vote sim.

PS - Este texto foi publicado em 1998, no Diário de Coimbra. O que se passou desde então reforçou a minha convicção nos argumentos nele defendidos. Tomara que não tivesse sido assim!

Maria Manuel Leitão Marques

Homenagem aos meus professores de Direito

Àqueles que me ensinaram o que era um crime e o que não era. Que há comportamentos que outrora foram qualificados como crime (o adultério, a prostituição, a homossexualidade) e que saíram do Código Penal quando a sua incriminação deixou de fazer sentido. Que me fizeram acreditar que o Direito Penal é para ser levado a sério e não para ser instrumentalizado ao serviço de dogmas morais ou das conveniências políticas ou sociais!
Maria Manuel Leitão Marques

O que se decide no referendo

Numa impressionante manifestação de falta de rigor, a generalidade dos media insistiu até ao último dia em usar a tendenciosa expressão "referendo ao aborto", favorecendo assim a campanha do Não.
De nada valeu explicar, uma e outra vez, que o referendo não é (nem poderia ser) sobre o aborto, mas sim sobre a despenalização do aborto, o que não é a mesma coisa. Que o voto "sim" não é a favor do aborto, mas sim a favor da revogação da punição penal do aborto. E que o voto contra não é só contra o aborto mas sim contra a descriminalização do aborto.
Quanta confusão e desorientação, sobretudo nos meios sociais menos esclarecidos, não se fica a dever a esta irresponsabilidade dos órgãos de comunicação social, incluindo os do serviço público de rádio e televisão (perante a passividade da Comissão Nacional das Eleições e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social)?

PS - Fiz atempadamente uma reclamação sobre esta falta de rigor ao Provedor dos ouvintes da RDP. Fora o registo da recepção da minha queixa, não cheguei a obter resposta quanto à questão colocada.

Mentira e manipulação

Foram precisos quatro anos depois da invasão do Iraque, que ele apoiou entusiasticamente, para que o antigo primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar viesse finalmente reconhecer que não havia "armas de destruição maciça" no Iraque. Mas desculpou-se: «toda a gente pensava que existiam»...
Toda a gente!? Uma mentira não deixa de o ser por ser muitas vezes repetida. Valerá a pena lembrar mais uma vez: (i) que muitos países questionaram as alegações americanas sobre as ADM; (ii) que não havia uma única prova concludente das tais AMD; (iii) e que a missão de inquérito internacional não encontrara nenhum indício delas, tendo a guerra sido desencadeada antes de aquela dar por terminada a sua missão!?

Despenalização com legalização e regulação não é liberalização

A proposta submetida a aprovação no referendo de despenalização do aborto implica três coisas: (i) a descriminalização do aborto voluntário até às 10 semanas, pois num Estado de direito democrático não pode haver despenalização sem que o acto a despenalizar deixe de ser considerado crime; (ii) a legalização do aborto nesses limites, devendo a interrupção da gravidez ser praticada, para ser lícita, num estabelecimento de saúde legalmente reconhecido; (iii) a regulação dos actos de interrupção da gravidez, tanto a nível da ponderação da decisão da mulher (aconselhamento, etc.) como a nível da organização dos serviços de saúde.
Isto é o contrário de uma alegada "liberalização", no sentido corrente da expressão, a qual só existiria se se ficasse pela descriminalização, como sucedeu, por exemplo, com a prostituição, que foi despenalizada mas não foi legalizada nem regulada.
O que é uma espécie de liberalização é, sim, a "semidespenalização" (sem descriminalização) que alguns adversários da despenalização propriamente dita vieram apresentar precipitadamente à beira do referendo. Na verdade, uma tal proposta não passa de uma liberalização do aborto clandestino, visto que ele continuaria a ser crime, não podendo por isso ser legalizado nem regulado, mas deixaria de ser punível, podendo portanto florescer à vontade (com o inevitável descrédito da lei penal).
Contradições do oportunismo e da falta de seriedade...

A trapaça (2)

Lembram-se da ira dos adversários da despenalização do aborto, quando em 2005 descobriram que o PS tinha apresentado um projecto de lei, onde, além da despenalização até às dez semanas por decisão da mulher -- a submeter a referendo --, também se previa um alargamento dos casos de licitude do aborto estabelecidos na lei de 1984, destinados a ser aprovados sem submissão a referendo? "Alargamento da despenalização só por referendo", clamaram!
Qual não é o nosso espanto quando os mesmos cidadãos, a poucos dias do referendo em que se batem contra a desspenalização, tiram da cartola uma proposta de despenalização "sui generis" (renúncia ao julgamento dos crimes de aborto!), a apresentar em caso de hipotética vitória do não, ou seja, contra o resultado referendário!? Se era isso que queriam, por que é que se não lembraram de propor essa solução no referendo, em alternativa à que foi submetida a consulta popular (pergunta que eles, aliás, não contestaram)?
Será que se pode esperar alguma coerência destes senhores?

A trapaça (1)

A tentativa de última hora de alguns adversários da despenalização do aborto de lançar a confusão no referendo, com base numa sugestão de não julgamento dos crimes de aborto ("despenalização" sem descriminalização), não só não teve o sucesso desejado pelos seus congeminadores (a julgar pelas sondagens de opinião mais recentes) como se traduziu num evidente descrédito das posições e argumentos do não.
Pois se, afinal, os adversários da despenalização abdicam da ameaça de punição das mulheres que abortem, onde fica a intransigente "defesa da vida", na qual basearam todo o seu discurso moral contra a despenalização? E onde fica o argumento anterior de que a despenalização eliminaria qualquer limitação ao aborto?

Sociologia dos média

Compare esta capa da edição de hoje do Correio da Manhã com esta notícia com a sondagem do referendo, na mesma edição, perdida no interior do jornal e com um título que esconde a prevista vitória da despenalização. Se a sondagem desse vitória ao não, qual seria a manchete do jornal? Não vale adivinhar à primeira!
Por aqueles lados, chama-se a isto, porventura, rigor e imparcialidade na informação....

As manipulações do NÃO

"A Campanha do NÃO diz que o aumento do número de IVGs demonstra a: 'relação entre o número de abortos e a alteração do quadro legal' mas não há qualquer relação entre esta evolução e a alteração no quadro legal como o NÃO pretende fazer crer."
...
"A Campanha do NÃO diz que os registos de IVG mostram o: 'aumento generalizado do número de abortos após liberalização' mas os dados demonstram o oposto."


São estas as conclusões principais de um estudo minucioso sobre a Evolução do número de interrupções voluntárias da gravidez (IVGs) na Europa da Eurodeputada socialista Elisa Ferreira.

Não deixam margem para dúvidas - nem para mais manipulações dos números pela campanha do NÃO.

Qual é o efeito jurídico e político do referendo?

1. Ganhando o sim, o legislador parlamentar fica obrigado ou autorizado (conforme o referendo seja vinculativo ou não) a legislar no sentido proposto, ou seja, despenalizando o aborto, mediante a alteração do Código Penal, no prazo de 90 dias.
Caso vença o não, parece evidente que os votantes recusam a despenalização, ou seja, rejeitam pelo menos que o aborto deixe de ser penalmente punido. Pode eventualmente alterar-se a moldura penal, por exemplo reduzindo a pena prevista para o crime, mas mesmo aí pode entender-se que isso defrauda a vontade daqueles que votaram contra a despenalização justamente por apoiarem a punição que está em vigor. Seja como for, não se pode eliminar a punição penal nem adoptar uma medida de efeito equivalente, pois tal seria desrespeitar a vontade expressa no referendo.
Por isso, não faz o mínimo sentido político nem constitucional o apelo ao voto contra a despenalização do aborto para depois fazer o contrário, como sucede com a proposta feita à última da hora por alguns movimentos e personalidades antidespenalização, através de uma solução legislativa destinada a "despenalizar" na prática o aborto, afastando à partida qualquer punição, ainda que mantendo o crime no Código Penal ("despenalização" sem descriminalização)!
O essencial na pergunta do referendo é a despenalização, e não as suas circunstâncias adjectivas. Logo, se o não vencesse, não se poderia depois tentar conseguir um resultado similar, embora de diferente maneira.

2. É evidente que, se o referendo não for vinculativo, por falta de quórum, o legislador não fica juridicamente limitado nos seus poderes de decisão, podendo alterar, acto contínuo, o regime penal do aborto como desejar (incluindo, mesmo, implementar a despenalização derrotada no referendo...). E a mesma liberdade existe mesmo em caso de referendo vinculativo, quando se esgotar a sua força vinculativa, pois esta só perdura até ao fim da legislatura em que ocorre o referendo. No caso concreto, até às eleições de 2009. Depois disso, o legislador recupera formalmente a sua inteira liberdade decisória, independentemente do resultado do referendo.
Porém, sob o ponto de vista da legitimidade política, mesmo que o referendo não seja vinculativo, parece evidente que, caso triunfasse o não, não haveria autoridade política (muito menos por parte dos que se opuseram à despenalização) para proceder a uma despenalização do aborto, ainda que só de facto, pelo menos durante um período equivalente ao da duração da força vinculativa do referendo, se a tivesse. Não seria ilícito fazê-lo, mas seria bem pouco democrático, além de defraudador das expectativas de muitos votantes.
Como é lógico, quem vota contra a despenalização não pode pretender... a despenalização. Por conseguinte, só uma vitória do sim no referendo pode assegurar a despenalização do aborto.

3. De resto, independentemente do referendo, não se afigura compatível com o Estado de Direito afastar em termos gerais e abstractos a punição de um facto punível como crime, o que seria uma espécie de amnistia antecipada. Na verdade, há aí uma contradição nos termos, um verdadeiro contra-senso. Não se pode renunciar antecipadamente a punir um tipo de crime. O direito penal existe para punir os casos de ilícito criminal. Se há crime, pune-se; se não se quer punir, só resta a despenalização propriamente dita, ou seja, a descriminalização.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Correio da Causa: não "sem qualquer justificação"

«Muito esclarecedora é a forma como os defensores do "não" fazem equivaler a IVG a pedido da mulher à liberalização total e ao aborto sem qualquer justificação. Ou seja, a opinião da futura mãe parece ser irrelevante para o caso. Alguns admitem (por convicção ou por estratégia) que certas circunstâncias concretas, nomeadamente as já previstas na lei (perigo para a vida ou para a integridade física da mãe, malformações graves do feto, violação) podem justificar um aborto. Outros admitem mesmo estudar outras circunstâncias objectivas passíveis de justificar uma interrupção de gravidez. Porque, nesses casos, "existe um motivo". Mas a opinião da pessoa mais afectada, que verá as suas condições e projectos de vida irremediavelmente afectados para sempre por uma gravidez que não planeou nem desejou, é motivo nenhum.
Saúdo a coerência dos que defendem a ilegitimidade da interrupção da gravidez em todas as circunstâncias. Tenho pena que, muitas vezes, não manifestem igual apego à defesa do direito à vida na oposição a todas as formas de privação da vida, como a pena de morte e a guerra. Considero porém que "vida" é muito mais do que existência biológica. É também ter projectos, sonhos, expectativas, um passado, um presente e um futuro. E isso, a mãe tem numa medida incomparável com um feto de dez semanas. Embora pareça "não ser nada" na opinião de alguns pensadores.
Passar por uma gravidez, ter um filho e educá-lo supõe, creio que estaremos todos de acordo, inúmeras cedências e sacrifícios, mesmo quando esse filho é desejado e planeado. Obrigar quem não quer a passar por isso, sob ameaça de prisão ou sequer de processo penal, representa uma crueldade e uma intromissão intolerável na autonomia de cada um. Representa também um desprezo pelo direito de cada criança a nascer e viver no seio de uma família que a deseje e a ame - espontaneamente e não por imposição da lei penal.
E obrigar as mulheres a abortar clandestinamente em condições inseguras e pouco higiénicas, longe da vista e das consciências dos que preferem assobiar para o lado, representa um problema de saúde pública a que o Estado tem a obrigação de dar resposta. Como sempre, as consequências não são exactamente as mesmas para as mulheres com maior autonomia e poder económico e para as "outras": na aldeia globalizada em que hoje vivemos, quem pode tem sempre a opção de abortar. Pode não a exercer, por sucesso dos métodos de planeamento familiar ou por imperativo de consciência - como também não terá de exercer se a IVG for despenalizada. Mas essa opção existe sempre. Basta ir a Badajoz ou, para as mais desafogadas, a Londres ou a Amesterdão.
E não se diga que as propostas de dita "despenalização da mulher sem liberalização do aborto" respondem, sequer minimamente, a este problema. Como todos sabemos, não existem mulheres presas em Portugal pela prática de aborto, apesar de se estimar em 20.000 o número de abortos praticados por ano no nosso país. Isto é revelador do ponto a que a sociedade em geral rejeita a criminalização desta prática - ninguém denuncia, as autoridades policiais não a tratam como prioridade de investigação, os juízes têm pudor em condenar as (poucas) mulheres acusadas. Mas o principal problema está lá: é que o aborto é remetido para a clandestinidade. As mulheres poderiam não ser condenadas a prisão (embora pudessem ser sujeitas a "penas alternativas", quase tão estigmatizantes como a prisão), mas os médicos e técnicos de saúde sê-lo-iam na mesma.
Por outro lado, as mulheres que viessem a ter a pouca sorte de cair nas "malhas da justiça" continuariam a ficar expostas e a ver a sua intimidade devassada por polícias ou magistrados no âmbito de um processo, apesar de tudo, penal. Numa campanha em que um dos argumentos utilizados pelo "não" foi o das consequências psicológicas que o aborto pode ter sobre as mulheres que o praticam, será interessante interrogarmo-nos sobre se a sujeição a um processo judicial, independentemente da pena concreta que venha ou não a ser aplicada, fará algo para minorar essas consequências... Ou seja, o que alguns partidários do "não" propõem para solucionar o problema do aborto em Portugal, é nada: não haveria mulheres na prisão (como já não há) e o aborto continuaria clandestino (como já é) e liberalizado na clandestinidade (como já está). Continuariam a existir processos penais e as mulheres continuariam a ter de expor perante estranhos os aspectos mais íntimos das suas vidas.
Diz-se muitas vezes que a solução para o problema do aborto passa, primeiro, pela prevenção das gravidezes indesejadas e, depois, pelas respostas sociais de apoio à maternidade. Concordo sem reservas que estas têm de ser prioridades do Estado. Não vejo porém em que medida é que conflituam com a despenalização do aborto. Pelo contrário, julgo ser claro que só o acompanhamento médico e psico-social das mulheres que desejam abortar permitirá apurar se a sua vontade é verdadeiramente livre para o fazer e encontrar soluções ao nível do planeamento familiar que evitem gravidezes indesejadas no futuro.
Por último, aplaudo a acção das muitas instituições particulares - algumas inspiradas na sua objecção de princípio ao aborto - que trabalham incansavelmente, por vezes com inúmeras dificuldades, para apoiar as mulheres que desejam ser mães. E espero que as mulheres possam continuar a contar com elas independentemente dos resultados de dia 11. É que a grande virtude do SIM é fazer com que todas as opções fiquem disponíveis, todas decisões possam ser tomadas em consciência. Pelo que o seu trabalho continuará a fazer todo o sentido.
Por tudo isto, voto SIM

Raquel T

Correio da Causa: "Os donos do não"

«Alguns movimentos do "não" surgiram agora com a ideia de que mesmo que o "não" vença no referendo as mulheres que praticam o aborto devem ser "despenalizadas" (apesar de isto não resolver, como é óbvio, o problema dos abortos clandestinos).
Tal ideia, parece-me a mim, só pode surgir de pessoas que se acham donas do voto "não". De facto, como podem elas ter a certeza que a maioria das pessoas que votam "não" não querem efectivamente que as mulheres que praticam o aborto sejam penalizadas com penas de prisão? Serão donas do voto "não"? O que essas pessoas pretendem é interpretar abusivamente o sentido do voto das pessoas que vão votar "não" a uma pergunta deveras clara.
Como podem dizer que há chantagem por parte do governo quando este vem dizer que tudo fica na mesma se o "não" vencer? Se o "não" vencer é porque há uma maioria de pessoas que considera que deve ser mantida a penalização no nosso ordenamento jurídico. Por isso, o "sim" é o único voto que garante a efectiva despenalização das mulheres que recorrem ao aborto, ao mesmo tempo que combate o aborto clandestino.»

Pedro R.

Correio da Causa: Os contra-sensos do não

"(...) Obrigado pela sua exposição clara das contradições do não.
No ponto 5 do seu texto faz notar que: "Ao defender agora a dispensa de punição (...), os partidários do não entram em contradição com a principal razão da sua oposição à despenalização, que é a utilização da ameaça de punição penal como meio de dissuasão da decisão de abortar."
Estes desenvolvimentos recentes da posição do "não" demonstram claramente que o interesse essencial dos proponentes do "não" é a imposição de um princípio doutrinário católico (pessoa humana desde a concepção) através dos aparelhos legal e judicial do estado Português. A insensibilidade com que se pode propor uma pseudo-solução que agrava o problema do aborto clandestino mostra que o que realmente conta é a condenação simbólica de toda a infracção do indissimulável dogma. A ocorrência reiterada das infracções torna-se até uma vantagem.
(...) Presumo que seja mais fácil reagir a este problema de forma projectiva (acusando de intolerância quem faz notar a nudez do rei) do que encarar os próprios demónios.
Pôr o dedo na ferida não será politicamente aceitável em Portugal onde os brandos costumes são soberanos (só) à superfície, mas será legítimo deixar essa brandura insalubre persistir?»

Miguel M.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Gentilezas do «não»

Mandem mais o Prof. Gentil Martins para a frente com a bandeira do "não", por favor!
Acabo de assistir à exibição do respeitável cirurgião na SIC-Notícias (conseguiu mesmo embaraçar o Mário Crespo!...), pejada de argumentos fundamentalistas e estatisticas erróneas (as do «aumento» dos abortos em Espanha, por exemplo).
Mas, sobretudo, importa agradecer as «gentilezas» dedicadas pelo gentil professor às mulheres portuguesas - essas levianas, «que enganam os maridos» e por isso nunca irão aos hospitais, preferindo a clandestinidade do vão-de-escada para abortar; essas que "abortam porque lhes apetece" e até vêm para a televisão apregoá-lo...
Pessoal do "não" - esmerem-se em mais "gentilezas" destas, por favor!
Toda a gente do SIM agradece. Gentilmente.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Gostaria de ter escrito isto

«A primeira confusão [dos adeptos do não] é de fundo, é voluntária e tem sido explorada na propaganda. O "não" apresenta-se como se fosse o "não ao aborto" e como se os outros fossem seus apoiantes. Mas o referendo, como tem sido dito até à exaustão, é apenas sobre a despenalização e apenas em certas circunstâncias. Ninguém pretende uma promoção do aborto. É má-fé sugerir o contrário. Mesmo que o "não" ganhasse por cem por cento no dia 11 não haveria por isso um aborto a menos do que há hoje. O "não" no referendo não é um "não ao aborto".»
[José Vítor Malheiros, Público de hoje; link só para ssinantes]

Correio da Causa: Parcialidade da RDP

«A RDP (rádio) parece-me que também anda a fazer campanha pelo Não. Ontem, no noticiário das 19 horas, e hoje no das 8 horas, falaram exclusivamente e em detalhe de iniciativas de campanha do Não. Então ontem, às 19 horas, parecia um tempo de antena: dois oradores do Não, entrevistados, a explanarem em detalhe os seus pontos de vista.
Depois, no noticiário das 20 horas, em compensação, puseram só a campanha do Sim, mas com muito menos detalhe.
Não sei bem quais são os critérios da RDP mas, claramente, o ouvinte não fica com uma visão balanceada daquilo que ambos os lados andam a fazer na campanha.»

Luís L.

Os poderes ocultos na RTP

«Alegre questiona critérios da RTP na cobertura da campanha [do referendo]».

Correio da Causa: A pergunta do referendo

«Interrogo-me porque é que a pergunta do referendo sobre a despenalização do aborto tem levantado tanta celeuma entre os partidários do não e os abstencionistas. Que pergunta poderia substituir a presente (confesso que ainda não vi nenhuma alternativa)?
Creio que, a partir de outra qualquer questão que nos toque podemos reflectir por analogia. Poderíamos ter sido consultados sobre o envio de soldados portugueses para o Iraque. Nessas circunstâncias, a questão colocada poderia ser: "concorda com o envio de tropas portuguesas para o Iraque integradas numa coligação internacional para ajudar a implantar um regime democrático, derrubando o regime actual, julgando os seus responsáveis e erradicando o terrorismo internacional que ele suporta?" Contudo, a pergunta não especifica quantos soldados se enviam, quanto tempo permanecem, que tipo de missões devem realizar, etc, etc, etc., Nem poderia especificar, porque não faz sentido criar o contingente, as missões, etc, antes de existir uma decisão popular. A pergunta a fazer até poderia ser: "Concorda com o envio de tropas portuguesas para o Iraque?" De facto, tudo o que se lhe sucede será concretizado pelos nossos deputados e governantes que legitimamente foram eleitos para as respectivas funções.
Pelo exposto, não entendo como é que os vários partidos representados na Assembleia e os movimentos de cidadãos que se formaram para reflectir sobre a questão da despenalização do aborto não hão-de manter o seu envolvimento e, por essa via, fazerem ouvir as suas mais válidas dúvidas e prerrogativas contribuindo para ajudar a construir um edifício que seguramente não aparecerá como que por milagre no dia seguinte ao referendo.»

Vasco Luis T.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

IVG: SIM, pela vida

"É o sofrimento atroz, irreparável, de milhares de portuguesas e portugueses o que está em causa. Não podemos permitir que continue. Porque o que vai ser referendado no dia 11 de Fevereiro não é, de facto, o aborto. É o Código Penal. O aborto, esse vai continuar a fazer-se. A questão é como, quando e quanto."

O extracto é de um artigo meu, hoje publicado no PÚBLICO. Pode ler-se também na ABA DA CAUSA .

Correio da Causa: A "despenalização" à moda do "não"

«"d) Como justificar a manutenção do aborto na clandestinidade (pois ele continua a ser crime), se acham agora que ele não deve ser punido?"
A única coisa que se manteria, portanto, era: quem tem dinheiro vai ao estrangeiro, quem não tem vai para o vão de escada, com o "enorme conforto" de saber que não irá para a prisão. Esta "despenalização" fictícia só serve para que continue a não ser possível fazê-lo em estabelecimento de saúde próprio. Ou estou enganado? (...).»

Henrique J.

Comentário
Não, o leitor não está enganado. Mantendo-se o aborto previsto e punido no Código Penal como crime, ele não poderia ser realizado nos estabelecimentos de saúde legalmente reconhecidos, continuando à margem do sistema de saúde. Por outro lado, manter-se-ia para as mulheres o estigma do crime e da condenação penal.

Correio da Causa: O PSD e o referendo

«Temos vindo a assistir, na minha opinião, a uma campanha encapotada do PSD pelo "não" no referendo à despenalização do aborto.
Não falo da posição pessoal do Dr. Marques Mendes, mas dos tempos televisivos de antena oficiais do partido. Sob o pretexto de "informar os portugueses", o PSD tem vindo a lançar ainda mais a confusão.
No primeiro tempo de antena, os portugueses foram esclarecidos que a pergunta que se nos coloca é sobre uma «liberalização total» do aborto.
No segundo tempo de antena, ficou bem claro que os cientistas e médicos estão «unanimemente» na defesa da vida humana desde a sua concepção, pois "não se trata de uma questão ética ou filosófica".
Que mais se seguirá?
É lamentável tamanha incoerência e desonestidade. (...) Porque não terão assumido, como deviam, o lado do "não"? (...)»

João T.

Comentário
De facto, a duplicidade do PSD nesta referendo é flagrante. Por um lado, faz "flirt" com os sectores laicos do partido, declarando que não tem posição oficial sobre o referendo; por outro lado, faz campanha efectiva contra a despenalização, ficando de bem com os sectores mais conservadores e com a Igreja Católica. Ou seja: "a tocar dois carrinhos".
No entanto, penso que a posição oficial sempre permitiu o empenhamento de muitos dirigentes e militantes do PSD do lado do sim, o que não teria ocorrido, pelo menos com a mesma dimensão, caso o partido tivesse optado oficialmente pelo não.

Condecorações II

Ninguém explica aos funcionários da Presidência da República que não se deixa nenhum condecorado civil sair de Belém de faixa traçada? ou seja, que há regras que disciplinam o uso das condecorações...

Correio da Causa: "Fretes da RTP"

«Acho que não tem razão no seu ataque à RTP, pelo menos no que respeita à "segunda volta" do Prós e Contras. O assunto é suficientemente importante para merecer dois programas e só se pode ganhar com mais discussão. E se os do "não" avançarem com as suas novas propostas hoje, cabe aos do "sim" desmascará-las. Não vejo motivo para o receio que parece manifestar. E também me parece despropositada a acusação implícita que faz à responsável pelo programa».
Fernando S.

Comentário
Tem razão o leitor. A minha nota foi precipitada no que respeita ao Prós & Contras e involuntariamente injusta no que respeita a Fátima Campos Ferreira. Aqui fica a correcção.

Condecorações

Sinto-me em desconfortável companhia, com o Dr. Souto Moura condecorado hoje com a Grã-Cruz de Cristo.
Ninguém explica ao Presidente Cavaco Silva que a Ordem Militar de Cristo, a mais prestigiada e a mais preservada condecoração portuguesa, não se entrega a ninguém por exercício de ofício?

Ainda os fretes da RTP

E o tempo desmesurado e desequilibrado que a RTP concedeu à propaganda do «não» no Telejornal das 20.00 horas de ontem?

Os fretes da RTP

Não pode ser mais escamoteada a parcialidade da RTP neste referendo, em favor do "não".
Como se não bastasse a tribuna privilegiada proporcionada a Marcelo Rebelo de Sousa, nem a sistemática utilização tendenciosa da expressão "referendo do aborto" em vez de "referendo da despenalização do aborto" (onde estão o Provedor do tele-expectador e a ERC na condenação desta manifesta falta de rigor informativo?) vem agora o "frete" da oferta de uma segunda volta do "Prós & Contras", hoje, para permitir aos partidários do não difundirem a grande manobra de mistificação que eles inventaram à última da hora (ver posts precendetes).

O oportunismo paga-se

É evidente que tanto Matilde Sousa Franco como Rosário Carneiro abusam da sua posição de deputadas "independentes" do PS para militarem na oposição à despenalização do aborto, contra a posição oficial do Partido de que são deputadas, com uma visibilidade que nunca teriam se não tivessem essa qualidade.
Mas é evidente que isso nunca poderia suceder, se não fosse o oportunismo político do PS (primeiro em 1995, depois em 2005) em integrar no seu grupo parlamentar personalidades ostensivamente de direita, que nada compartilham com o património político e cultural do PS, como é o caso das duas referidas deputadas. O oportunismo político paga-se, cedo ou tarde. E ainda bem!

domingo, 4 de fevereiro de 2007

A grande manobra (2)

A manobra de mistificação de última hora dos opositores ds despenalização do aborto (ver post precedente) revela duas coisas: (i) que eles já não a acreditam na repressão penal como meio de impedir o aborto; (ii) que eles estão disponíveis para trocar a "defesa da vida", com que até agora tinham enchido o seu discurso, por uma operação do mais cínico oportunismo.
Na iminência de perderem o referendo, estão dispostos a tudo, desde que salvem o seu sectarismo moral. Coerência e escrúpulos, eis o que não abunda na hostes do "não".

A grande manobra

É oficial. Numa operação concertada, a frente comum dos movimentos do "não" e os dirigentes políticos com eles alinhados (incluindo Marques Mendes) vieram lançar uma grande manobra de mistificação do referendo, afirmado-se agora também a favor da "despenalização" do aborto. Ou seja, votar contra a despenalização seria, afinal, votar na despenalização!?
O aborto continuaria a ser crime, previsto e punido no Código Penal, como hoje. Só que, defendem agora, não haveria punição.
O que não dizem é o seguinte:
a) Como compatibilizar essa "despenalização" com o resultado do referendo, se o "não" vencesse (pois o que está em causa é mesmo a despenalização)?
b) Como explicar a ideia de um crime sem punição?
c) Como impedir as mulheres de "abusarem" do aborto (como dizem pretender), se deixar de haver a ameaça de punição?
d) Como justificar a manutenção do aborto na clandestinidade (pois ele continua a ser crime), se acham agora que ele não deve ser punido?

Espaço de manobra... perigosa

No passado dia 11 de Janeiro, a China lançou um míssil de médio alcance contra um seu satélite obsoleto. (...) Pequim agiu por razões estratégicas ligadas à crescente rivalidade com os EUA (...) Mas a verdade é que o teste chinês representa uma escalada perigosa e ameaçadora para todo o mundo(...) Todos os países dependem hoje do uso pacífico do espaço, enquanto só algumas potências têm a capacidade de militarizá-lo. Tal como na proliferação nuclear, será apenas uma questão de tempo até que outras lhes sigam o (mau) exemplo, com riscos catastróficos para todo o mundo.

Estes são extractos de um artigo meu publicado no COURRIER INTERNACIONAL em 2.2.2007. Pode também já ser lido na ABA DA CAUSA.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

Estratégia da confusão

Em desespero de causa, os opositores à despenalização do aborto - que é o que está em causa no referendo -- também se dizem agora pela... "despenalização", à sua maneira, claro, ou seja, mantendo o aborto como crime! É isso que explico no meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe, agora disponível na Aba da Causa.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Negócios da China II

Em 30 de Novembro de 2005 escrevi aqui, a propósito da visita do Primeiro-Ministro chinês a Lisboa e do embargo de armas da União Europeia sobre a China:
"a firme oposição do PE ao levantamento do embargo (e eu não me arrependo de ter trabalhado nesse sentido). Pelo menos enquanto não houver avanços significativos na protecção dos Direitos Humanos naquele país e um esclarecimento sobre a sorte das vítimas que sobreviveram ao massacre de Tien An Men, muitas até hoje desaparecidas, outras presas. (...)Os governantes chineses, com proverbial paciência, aguardam presidências [da União Europeia] mais favoráveis, disponíveis para a vergar numa questão que envolve ... negócios da China. Com os olhos em Portugal, que em 2007 assumirá a presidência da UE."
Depois de o MENE ter considerado os Direitos Humanos uma questão marginal nas relações com a China, o próprio Primeiro Ministro declarou que "há pontos que estão a ser trabalhados há muito tempo (...) esses pontos exigem negociação", como é o caso "do embargo da venda de armas."
Lembro que a presidência luxemburguesa em 2005 teve que pôr travões a fundo à ânsia de convencer os outros parceiros da UE a levantar o embargo de armas à China, por causa da pressão combinada dos EUA, do Parlamento Europeu e de dezenas de ONGs de Direitos Humanos.
Lembro que a situação dos Direitos Humanos na China continua desastrosa, com a Amnistia Internacional a assinalar a execução de quase 1.800 pessoas naquele país só em 2006, revoltas rurais a serem reprimidas de forma sangrenta e a censura do regime a asfixiar a livre troca de ideias até na internet. Mas acima de tudo, Pequim não dá sinais de querer revelar o que verdadeiramente aconteceu a centenas de mortos e desaparecidos na sequência do massacre de Tian An Men, nem de levar a cabo reformas políticas para pôr fim à ditadura que, apesar de alguns progressos no plano económico, continua de ferro no campo das liberdades civis e políticas.
Lembro que, quando o PM e o MENE afirmam que a posição de Portugal a este respeito "é a mesma da União Europeia", estão a omitir o facto de o Conselho Europeu estar profundamente dividido em relação ao levantamento do embargo.
Se estas declarações do PM e MENE indicam, como parecem, que a Presidência portuguesa da UE vai levar a cabo uma ofensiva diplomática a favor do levantamento do embargo de armas sobre a China, devem estar preparados para uma confrontação com o Parlamento Europeu, com ONGs de todo o mundo e... com os Estados Unidos. (E aí, mais com o Congresso, do que com a Administração).
Se, por outro lado, estas declarações não passarem de uma ofensiva de charme para chinês ver, então tudo isto é triste e pouco digno - e diz muito sobre uma visão de curto prazo e sem princípios da política externa.
Mas nada disto surpreende, sabendo-se como estão a ser geridos outros dossiers internacionais. E sabendo-se também que acaba de ser eliminada a Divisão de Direitos Humanos do MNE...
Não é preciso muito mais para demonstrar como o Primeiro Ministro está mal aconselhado em matéria de política externa.

Os Oliveilas das Figueilas

Está tudo incomodado com as "bocas foleiras" do ministro que foi para Pequim como para o pinhal da Azambuja, vender-nos a preço de saldo e dizer mal dos sindicatos (os "comunistas" chineses concorrem....)
E já não bastava a visita do nosso Primeiro Ministro à China se fazer com o Presidente e vários governantes chineses por fora, a viajar por África (e a abraçar sujeitos como o Presidente do Sudão, um dos responsáveis pela tragédia no Darfur ... fica tudo em família!).
Ainda tinham de vir alguns dos nossos pacóvios salivar, delirantes, por uns jeitos e negócios a facilitar a Pequim em terras africanas...
Como se os chineses não estivessem já de banca montada em África... e não se dessem por mais do que esclarecidos sobre os Oliveilas das Figueilas que passaram 500 anos na China a fazer negócios da treta, sem saber lá deixar posições económicas que se vissem, nesta era da globalização.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Correio da Causa: Aborto

«É decisivo insistir na necessidade de uma clarificação da posição do PS relativamente ao problema da previsão, ou não, de uma consulta de aconselhamento prévio e/ou período (curto) de reflexão.
Esse ponto faz toda a diferença: nele se distinguem, por um lado, os "sins" que querem defender a vida, mas consideram a protecção penal ineficaz e inadequada e, por outro lado, os "sins" que não se preocupam com a defesa da vida e, portando, acham indiferente que a mesma fique inteiramente desprotegida durante 10 semanas (para já não falar daqueles "sins" que acham que o que está em causa é só o direito da mulher a dispor do seu próprio corpo).
Disso depende o meu voto - que até agora é "não" - e o de muitas outras pessoas.
Receio bem, no entanto, que esse esclarecimento não venha a acontecer, porque o "sim" maioritário no PS não vai no sentido da adopção desses mecanismos preventivos de protecção da vida e está convencido que pode ganhar o referendo sem fazer essa "concessão" aos adeptos do não.
Em conclusão: se ganhar o não, vamos continuar a ter uma lei que protege mal a vida e que usa a tutela penal sem ser "ultima ratio"; se ganhar o sim, vamos ter uma lei ainda pior, porque não protege de toda a vida durante as primeiras 10 semanas.
É pena ter de optar entre o mau e o ainda pior, quando entre o "sim" e o "não" existe um ponto de equilíbrio bastante aceitável.»

Jorge P. S:

Why on earth!?

«Cavaco condecora Souto Moura» (Público de hoje).