sábado, 31 de agosto de 2013

Cortar o imposto errado

Não obstante os seus custos orçamentais, o Governo vai avançar com a baixa do IRC, com o argumento da melhoria da competitividade externa da economia e da atracção do investimento estrangeiro, apesar de os principais beneficiários imediatos serem as grandes empresas nacionais que não produzem bens nem serviços exportáveis (como os bancos, ou a EDP ou a PT) ou que até são grandes importadores (como as cadeias de distribuição).
Se, afinal, há folga orçamental para aliviar a carga tributária das empresas, a baixa deveria incidir, não sobre os lucros das empresas, mas sim sobre os custos tributários do trabalho, ou seja, a TSU das empresas (que há um ano o Governo pretendeu reduzir substancialmente, nessa altura à custa do aumento da TSU dos trabalhadores). A perda de receita da segurança social seria compensada justamente pela afetação da receita do IRC.
Além de reduzir os custos das empresas -- assim contribuindo para a sua competitividade, o aumento das exportações e a atracção de investimento directo externo --, a redução da TSU baixaria os custos do trabalho, promovendo assim o emprego, sem necessidade de reduzir os salários.

Um novo ciclo do poder local

Na Universidade de Verão do PS, que esta semana decorreu em Évora, defendi um novo ciclo de desenvolvimento do poder local em Portugal, assente em dois pilares: (i) um novo impulso descentralizador, transferindo para os municípios, ou para as comunidades intermunicipais, atribuições na área do ensino (ensino básico), da saúde (cuidados primários), da proteção social e do emprego e formação profissional, assim dando realização ao princípio constitucional da subsidiariedade do Estado central; (ii) mudança de paradigma da administração local para uma tripla aposta na qualidade, a saber, qualidade do meio urbano, qualidade de vida das pessoas e qualidade da democracia local.

Excessos constitucionais

O Tribunal Constitucional decidiu bem quando considerou que o regime de despedimento da função pública ia contra a garantia constitucional da proibição de despedimento sem justa causa, ponto essencial da "constituição laboral" da CRP. Mas já não assim quando acrescenta que também foi violado o "princípio da protecção da confiança" quanto à possibilidade de despedimento de funcionários recrutados quando a lei não admitia o seu despedimento.
Tradicionalmente, a relação de emprego na função pública era uma relação de direito administrativo, sem base contratual, moldada directamente pela lei, não havendo possibilidade legal de despedimentos (salvo como sanção diciplinar). Todavia, não sendo essa proibição de despedimento constitucionalmente imposta, não se vê por que é que a lei não pode ser alterada, de forma a permitir o despedimento (justificado) de quem antes não podia ser despedido. Não pode haver "direitos adquiridos" nesta matéria que prevaleçam contra interesse público imperioso, como tal definido pelo legítimo poder político,como o de reduzir o peso orçamental do pessoal no setor público. Invocar o "princípio da tutela da confiança" -- que nem sequer está explicitamente enunciado na Constituição, sendo uma dedução doutrinal e jurisprudencial do princípio do Estado de direito -- para proibir em aboluto o despedimento dos funcionários recrutados sob aquele regime afigura-se assaz excessivo. Uma decisão desta natureza precisa de uma base constitucional mais sólida do que o evasivo "princípio da tutela da confiança". E cria uma discriminação entre os funcionários antigos, que continuam a não poder ser despedidos (mesmo havendo motivo justificado), e os mais recentes, que já podem sê-lo.

Adenda
Na generosa concepção do TC, a "tutela da confiança" também protege as demais regalias legais de que tradicionalmente gozavam os funcionários públicos, como a menor duração da jornada de trabalho, a maior duração das férias, o regime de baixas por doença muito mais favorável, etc., sem esquecer algumas que já foram alteradas, como a idade da reforma e o cálculo das pensões de reforma? Será que o Estado só pode alinhar essas condições com o sector privado em relação aos novos trabalhadores da função pública, não em relação aos antigos que supostamente têm o "staus quo" protegido pela "tutela da confiança"? E será que o mesmo raciocínio se aplica a outras regalias legais semelhantes, como por exemplo o regime especial de "jubilação" dos juízes (ou das pensões dos juízes do Tribunal Constitucional), que por isso só poderia ser revisto em relação aos futuros juízes, não aos actuais?

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Desmantelar

Não suscitou excessivo ruído público a intenção governamntal de conceder a empresas privadas a exploração das partes rentáveis da rede ferroviária nacional, a começar pela linha de Cascais, deixando a CP com as partes cronicamnte deficitárias.
Não se pode excluir obviamente a concessão privada dos caminhos de ferro, tal como dos demais serviços públicos de transportes (que eu próprio já defendi). Mas a "salamização" da exploração da rede leva à fragmentação do serviço público ferroviário e à perda de coerência nacional do sistema. Salvo erro, não existe nenhum país da Europa ocidental sem uma empresa pública ferroviária de âmbito nacional, ainda que com a concorrência de empresas privadas nos países onde avançou a liberalização da ferrovia.
Ora, é possível compatibilizar a concessão privada de partes da rede com a manutenção da unidade da CP, através da técnica das subconcessões, como se fez no caso da rede de autoestradas.
Concentrada no combate à austeridade e aos cortes orçamentais, a oposição parece não se dar conta dos malefícios do fundamentalismo neoliberal do Governo noutras áreas. Ontem foi a anúncio do "cheque ensino", para desmantelar o sistema público de ensino, hoje é a fragmentação do serviço público ferroviário, sem esquecer a continuada perda de posições do SNS para os serviços de saúde privados. Restará pedra sobre pedra no edifício dos tradicionais serviços públicos?

"Direitos adquiridos"

sábado, 24 de agosto de 2013

A correcção

O novo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, vem esclarecer que, afinal, contra a informação que ele próprio tinha fornecido à imprensa, comprou as suas acções da SLN ao mesmo preço das adquiridas pela FLAD e que, portanto, a mais valia obtida na revenda das referidas acções foi muito menor do que o previamente especulado.
Perdem por isso fundamento as supeições a que justificadamente a anterior informação tinha dado aso. Ainda bem!

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Limitação de mandatos

Considero acertadas as decisões dos tribunais que aceitaram os candidatos a presidente de câmara municipal que já tinham completado três mandatos como presidentes de outro outro município.
Com efeito, havendo dúvidas na interpretação da lei, deve seguir-se o entendimento que for menos lesivo do direito político fundamental que é o direito de candidatura a cargos políticos, sob pena de inconstitucionalidade. Além disso, considero essa a solução mais apropriada, pois o princípio republicano da limitação de mandatos visa essencialmente impedir a "captura" dos eleitores pelos titulares do poder. Por último, como a própria noção de "mandato" indica, só há o mesmo mandato quando se trata dos mesmos "mandantes", ou seja, dos mesmos eleitores, e não somente dos mesmos mandatários. A limitação de mandatos só faz sentido em relação à mesma comunidade política, no caso o mesmo município (ou a mesma freguesia). Por conseguinte, é de esperar que o Tribunal Constitucional, como supremo tribunal eleitoral entre nós, confirme as referidas decisões e revogue as decisões em sentido contrário.
Coisa diferente é saber se é curial admitir a candidatura autárquica a candidatos que não fazem parte da comunidade política que se propõem governar, sendo membros de outra. O autogoverno supõe governo pelos próprios (democracia directa), ou por alguns deles eleitos pelos demais (democracia representativa), e não por estranhos. Mas curiosamente este ponto não tem merecido nenhuma discussão, sendo pacificamente aceite o fenómeno dos "paraquedistas".

domingo, 18 de agosto de 2013

Despedimentos

O Presidente da República tem razão nas dúvidas levantadas quanto à constitucionalidade do regime de despedimentos da função pública aprovado pela maioria governamental.
De facto, mesmo que os funcionários públicos não estejam imunes ao despedimento, este só pode ser fundado em justa causa, como estabelece a Constituição, tal como sucede nas relações de trabalho privadas, não podendo depender de uma decisão mais ou menos livre e discricionária do responsável do serviço público em causa.
Não se pode passar do zero para o cem em matéria de liberdade de despedimento de funcionários públicos.

Adenda
Já me não parece ser inconstitucional o aumento do horário semanal de trabalho no sector público para as 40 horas, visto que aí se trata justamente de equiparar a situação com a do sector privado, pondo fim a um privilégio tradicional, mas injustificado, da função pública, tanto mais que as remunerações para funções equiparadas até eram em geral mais elevadas no sector pública, apesar da menor carga horária.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Erro de casting

O caso do recém-demitido secretário de Estado do Tesouro revela como se podem fazer escolhas para o Governo sem o mínimo critério e mesmo sem informação relevante sobre o perfil dos escolhidos.
Tem razão o editorialista do Diário Económico de hoje, quando sugere que a audição prévia dos indigitados para ministro e secretário de Estado perante a comissão parlamemtar competente poderia evitar tais erros de "casting", proporcionando o escrutínio público do currículo político e profissional dos candidatos a governantes.
É certo que num sistema parlamentar, a composição da equipa governamental é da responsabilidade do primeiro-ministro. Mas a audição parlamentar, desde que desprovida do poder de veto parlamentar (típico dos sistemas presidencialistas), poderia traduzir-se num acréscimo da transparência política e da qualidade dos governos. E em casos-limite, como revela a experiência da audição dos indigitados para Comissário Europeu pelo Parlamento Europeu, pode mesmo levar à renúncia ou afastamento dos candidatos manifestamente ineptos.

Desaforo

A proposta governamental de apoio financeiro do Estado à frequência de escolas privadas -- que pode vir a incluir o famigerado "cheque-ensino" -- é um desaforo politico e constitucional à escola pública e uma despudorada cedência ao lóbi do ensino particular, dominado pela Igreja Católica, que obviamente já veio manifestar o seu júbilo com a proposta.
No nosso sistema constitucional o compromisso político e financeiro do Estado é com a escola pública. Todos têm liberdade de frequentar escolas privadas -- incluindo escolas religiosas --, se assim o preferirem, mas ninguém tem o direito de ser financiado pelo Estado para esse efeito. O dinheiro público não pode ser usado para alimentar projectos de ensino confessional ou elitista.
Trata-se de uma provocação séria à escola pública e ao Estado laico. Como defensor qualificada desses valores constitucionais e republicanos, o PS não pode deixar de conbater decididamente esta medida. Há mais lutas políticas para além da esfera económica...

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Custo excessivo

Para quem, como o autor destas linhas, nunca alinhou com as teorias de uma contínua "espiral recessiva", não causam surpresa os dados divulgados sobre a interrupção da queda do produto, anunciando uma possível, e bem-vinda, retoma económica. Como sói dizer-se, "não há recessão que sempre dure"...
Mas importa notar que, a confirmar-se, a retoma surge com um ano de atraso em relação ao calendário governamental inicial e que entretanto a recessão e o desemprego bateram muio mais fundo do que o previsto, causando um emprobrecimento social muito mais acentuado do que o que se previra.
A obsessão governamental de "ir além da troika" e de fazer "frontload" das medidas de austeridade causou uma retracção excessiva do consumo e do investimento, com consequências dramáticas na economia e no emprego. Sim, é bom saber que, embora tardiamente, a crise pode ter invertido o ciclo descendente, mas é indesmentível hoje que o ajustamento orçamental e económico poderia ter sido bem menos penoso do que o Governo optou por o trasformar. A austeridade e a recessão eram inevitáveis, mas poderiam ter sido menos dolorosas do que têm sido, e vão ainda continuar a ser.

Para o Tribunal Constitucional, já!

A isenção dos juízes e diplomatas do corte de 10% nas pensões do sector público constitui uma grosseira iniquidade.
As duas referidas categorias já gozam tradicionalmente de um privilégio injustificado -- que o regime de austeridade não ousou beliscar --, que consiste em as suas pensões de reforma serem equivalentes à remuneração das respectivas funções e serem sempre actualizáveis juntamente com elas. Por isso, essas pensões contam-se entre as mais altas no nosso País.
Agora o Governo resolve acrescentar um novo privilégio ao privilégio, isentando essas pensões do corte anunciado para as pensões do sector público. O novo privilégio é especialmente escandaloso, quando se trata de uma nova medida de austeridade, em que o sentido de equidade deveria ser especialmente respeitado. Pelos vistos, porém, para este Governo há corporações intocáveis, imunes à contribuição côngrua para a consolidação orçamental do País.
Caso esta grosseira desigualdade legislativa vá para a frente, só resta o escrutínio do Tribunal Constitucional. O princípio da igualdade não é violado somente quando alguém é indevidamente prejudicado, mas também quando alguém é indevidamente beneficiado. É de confiar que, apesar de serem beneficiários da referida discriminação positiva, os juízes do TC não deixarão de a chumbar, tendo em conta o zelo a que nos habituaram no controlo do princípio da igualdade de sacrifícios. "Ou há moralidade, ou pagam todos".

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Separação de poderes

A decisão judicial que deu provimento a uma medida cautelar contra o encerramento da Maternidade Alfredo da Costa em Lisboa veio mostrar mais uma vez a tentação de alguns juízes para irem além dos seus poderes jurisdicionais e pretenderem controlar actos do puro foro político, como é o caso. As considerações do tribunal são um exemplo do que não deve (nem pode) ser uma decisão judicial num Estado de direito constitucional.
A justiça administrativa serve para impedir ou censurar actos ilegais do poder, não para controlar a alegada (in)conveniência ou o pretenso (de)mérito dos actos praticados no exercício da liberdade de escolha politica dos governos. Encerrar uma maternidade (ou qualquer outro serviço público) e integrar os seus serviços noutra não é uma decisão que possa ser substantivamente avaliada por um tribunal.
Uma das bases do Estado constitucional é a separação de poderes. Numa democracia constitucional os juízes não governam nem se podem substituir aos governos. Pelos vistos, Monstesquieu não faz parte do programa da formação dos juízes em Portugal...

Enriquecimento sem justa causa

O problema com os políticos numa República constitucional é que não basta que as suas actividades não sejam ilegais.
Há também a ética republicana, que exige que eles não se aproveitem da sua condição política -- mesmo quando ex-políticos -- para efeitos de enriquecimento pessoal. No caso do BPN, não podem hoje restar dúvidas de que se tratou de uma conspiração organizada por ex-governantes do PSD para proveito pessoal à custa dos clientes do Banco e do interesse público. Não estando as acções do Banco, nem da SLN, no mercado, as luxuriantes mais-valias na transacção das mesmas só podem configurar uma operação deliberada de favorecimento do pequeno grupo pessoas envolvido no negócio.
Um verdadeiro enriquecmento sem justa causa, como se diz no direito civil.