segunda-feira, 2 de julho de 2007

Semipresidencialismos

Na cimeira de Bruxelas da UE, o Presidente da República francesa teve a companhia de outro presidente da República a representar o seu país: o presidente da Polónia. Nada de admirar. A Constituição polaca diz expressamente que o poder executivo é partilhado pelo Presidente da República e pelo conselho de ministros, conferindo àquele importantes poderes próprios na área executiva, incluindo nas relações externas.
Por cá continua a haver quem insista em incluir Portugal na família dos "semipresidencialismos", como se não fossem evidentes as substanciais diferenças constitucionais entre o nosso sistema de governo e o papel constitucional do PR entre nós e naqueles dois países.

domingo, 1 de julho de 2007

Timor Leste - o povo vota...

e a miúdagem mergulha...
Mergulhos no futuro.

Timor Leste - o povo vota ...e a RTP desvaloriza...

O povo votou, pela terceira vez este ano. Admiravelmente. Civicamente. Sabendo muito bem o que quer.
Mas a RTP, que até tem esforçados profissionais em Timor Leste, não liga nada.
Um escândalo a decisão editorial de passar reportagens mínimas, com três frases de texto, superficiais, anedóticas, nos Telejornais de ontem, sobre as eleições em Timor Leste. Ainda por cima os que são transmitidos para os timorenses e portugueses em Timor e pelo mundo fora via RTPi.
A reportagem de ontem não podia ser mais redutora, praticamente sem imagens - um terço do que passou a BBC-World Service e do que a Al Jazeera dedicou a Timor Leste....
Um terço do «importantissimo» tema da reportagem seguinte passada pelos Telejornais da RTP : a extensa fila em Nova Iorque de gente sem mais nada para fazer do que comprar o novo i-phone....

Timor Leste - o povo vota


No Hospital Guido Valadares - profissionalismo e dedicação comoventes dos funcionários eleitorais

Timor Leste - o povo vota

até no Hospital...

Timor Leste - o povo vota

e enquanto uns votavam, outros presos melancólicamente cantavam...

Timor Leste - o povo vota


Até na cadeia de Becora. Com grande dignidade

sábado, 30 de junho de 2007

O referendo (4)

Fiel, fiel nesta matéria é o PCP, sempre contra a UE, sempre pelo referendo para efeitos de agitação do seu antieuropeísmo (e, quem sabe, a sorte grande de uma eventual vitória do não).
De resto, nisto de referendos o PCP não tem grandes pruridos de coerência. No caso da despenalização do aborto, por exemplo, foi militantemente contra o referendo. Porquê? Porque aí o PCP era pela despenalização e, como havia maioria parlamentar no mesmo sentido, já o povo podia ser bem dispensado. Portanto, há uma doutrina PCP sobre o referendo: quando o PCP é contra certa solução, mas há uma maioria parlamentar a favor, o PCP é pelo referendo; nas matérias em que o PCP é a favor e existe uma maioria parlamentar no mesmo sentido, o PCP é contra o referendo. Elementar, não é?

sexta-feira, 29 de junho de 2007

A descoberta chinesa da África

«Não imagina quantos chineses querem viajar para a África» - diz ao Le Monde o director da companhia aérea chinesa que acaba de estabelecer ums ligação aérea regular Lagos-Pequim. A próxima ligação será Luanda-Pequim.
Essas ligações aéreas reflectem o crescente interesse económico e político chinês no continente africano, que teve a sua maior expressão na cimeira China-África realizada no ano passado em Pequim, com a presença da muitos chefes de Estado e de governo africanos.
Oxalá a próxima cimeira UE-África, a realizar em Lisboa durante a presidência portuguesa da União, possa rivalizar com o êxito da conferência sino-africana, sem esquecer porém as preocupações europeias com os direitos humanos e com o Estado de direito, que não contam nada na perspectiva chinesa. Seja como for, a Europa não pode "perder" a África...

Referendo (3)

Até à última revisão constitucional não eram permitidos referendos sobre um tratado em geral, sendo necessário seleccionar certas questões em concreto. Agora já é permitido o referendo directo sobre tratados (somente em relação a tratados relativos à UE), não sendo preciso formular questões concretas. Mas politicamente não é concebível uma consulta e uma deliberação popular sobre um tratado em geral, se não for possível identificar uma ou mais questões fulcrais no dito tratado, sob pena de confusão ou desorientação dos cidadãos.

Referendo (2)

O referendo a um tratado globalmente considerado (e o mesmo valeria para uma lei, se a Constituição o permitisse) só faz sentido se houver uma questão-chave de alcance perceptível pelo cidadão médio, ao menos nos seus contornos fundamentais. De facto, ninguém imagina pedir às pessoas que se pronunciem e votem sobre dezenas ou centenas de preceitos de um tratado, sobre as mais variadas questões, de valor muito desigual.
Ora, se em 1985 podia ser referendável a questão da adesão à CEE, em 1992 a criação da União Europeia e a cidadania europeia, em 2005 a Constituição europeia, desta vez que grande tema é que está em causa? É mais como em 1997 (Tratado de Amesterdão) e 2001 (Tratado de Nice), também eles tratados de revisão, longos, complexos e prolixos como o actual, onde nenhuma grande questão digna de referendo sobressai. E sem uma questão identificável como politicamente muito relevante, um referendo pode ser uma cacofonia e um "nonsense" político.

Referendo

Poderá haver razões a favor da realização de um referendo para a ratificação do tratado de revisão. Mas entre eles não se pode contar o de que havia um "compromisso político" a cumprir, visto que o tal compromisso dizia respeito à defunta "constituição europeia" e este tratado não tem seguramente a mesma natureza nem o mesmo alcance.

Susceptibilidade

O poder não se torna mais respeitado quando confunde autoridade com susceptibilidade.

Um triunfo de Bush

O que se temia sucedeu. Tendo alterado a relação de forças no Supremo Tribunal com as suas nomeações de juízes ultradireitistas, Bush conseguiu um dos seus principais objectivos, a saber, a declaração de inconstitucionalidade dos programas de "acção afirmativa" que favoreciam expressamente a integração e o equilíbrio racial das escolas públicas e que nas últimas décadas tanto contribuíram para combater a existência de escolas de facto segregadas segundo linhas raciais e para fomentar a integração racial da própria sociedade norte-americana.
Resta saber se Bush conseguirá também realizar outro objectivo ainda mais desejado: a reversão da jurisprudência do Supremo Tribunal na questão do aborto, que constitui o principal alvo da direita religiosa.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

"Claustrofobia democrática"

Na Madeira, a maioria do PSD aprovou a diminuição dos direitos parlamentares da oposição e dos deveres parlamentares do Governo regional. Se o PS tentasse fazer algo de semelhante na Assembleia da República (está a fazer justamente o contrário), seria justamente acusado (a começar pelo PSD) de atitude autoritária e antidemocrática.
Os que no PSD inventaram a expressão "claustrofobia democrática" para caracterizar uma imaginária limitação governamental das liberdades públicas enganaram-se claramente no alvo. Deveriam ter em mente a actuação do seu próprio partido na região autónoma da Madeira. Mas sobre isso guardam um ruidoso silêncio....

Um pouco mais de seriedade política, sff.

Segundo o Público, relatando a sessão parlamentar de ontem, «para o BE, se o anterior tratado "era mau", o novo "é pior", nomeadamente porque "a Carta dos Direitos Fundamentais foi para a gaveta".
O BE não pode deixar de saber que isto é falso. A Carta de Direitos Fundamentais da UE recebe força vinculativa através de um específico protocolo anexo ao tratado de revisão. Esse é mesmo um dos aspectos mais positivos da cimeira de Bruxelas.

Há quem esqueça...

...que a blogoesfera não está fora do alcance do Código Penal. Os crimes de injúria, difamação, calúnia, devassa da vida privada, etc., não são menos puníveis quando praticados em blogues do que praticados por qualquer outro meio.
A liberdade de expressão e de opinião não cobre a ofensa do direito à honra e à integridade moral das pessoas.

Blair (2)

No seu novo encargo no conflito israelo-palestiniano, Blair tem uma oportunidade para atenuar a sua responsabilidade na guerra do Iraque, contribuindo para a única solução que pode fazer a paz: um Estado palestiniano nos territórios ocupados e a garantia de segurança de Israel nas suas fronteiras.

Blair

Blair há-de ficar na história não somente como o primeiro-ministro trabalhista que mais eleições venceu e que mais tempo governou, mas também como aquele que modernizou e dinamizou o trabalhismo britânico e com ele a social-democracia europeia, reformou e salvaguardou a welfare state e os serviços públicos, descentralizou o Estado (autonomia da Escócia e de Gales), negociou a paz na Irlanda do Norte, reformou a Câmara dos Lordes, etc.
Infelizmente, também vai ser recordado pelo enorme erro da guerra do Iraque...

terça-feira, 26 de junho de 2007

Um pouco mais de contenção, sff

Como particular, Joe Berardo tem direito a toda a incontinência verbal e soberba que o seu temperamento e a sua fortuna justificarem. Mas nas suas relações com instituições públicas não tem o direito de comportar-se como se fosse o "dono do rancho".
Que se saiba, ele ainda não é dono do CCB. E Portugal não está a caminho de ser uma plutocracia...

Adenda
Depois das intoleráveis considerações de Berardo sobre Mega Ferreira, penso que o Governo deveria pôr o senhor na ordem. Sob pena de deixar humilhar impunemente um seu delegado.

Um pouco mais de rigor, sff.

Sobre a proposta de lei das instituições de ensino superior, cujo texto consta do site da AR e do ministério respectivo, continuam a acumular-se as mais estrambóticas confusões e incorrecções.
Há dias foi uma dirigente partidária que acusou o diploma de prever a nomeação do reitor pelo Governo, hoje é um jornalista/comentarista que diz que «o reitor pass[a] a ser eleito por um conselho de gestão que emana do próprio Governo» (Fernando Sobral, no Jornal de Negócios).
Nada disso, porém. O "conselho geral", que designará os reitores, emana inteiramente das instituições, não tendo um único membro designado, nem sequer proposto pelo Governo.
Assim se faz comentário político em Portugal...

Governo & oposição

«CML: António Costa promete dar pelouros à oposição».
Discordo. Um dos elementos incontornáveis da democracia representativa é a separação de poderes de poderes e responsabilidades entre governo e oposição. A lei autárquica dá representação no executivo municipal a todos os partidos que obtenham a percentagem de votos suficiente, mas não obriga a fazer compartilhar o poder executivo entre a maioria e a oposição. Uma coisa é fazer coligações assumidas com um ou mais partidos, outra coisa é distribuir pelouros pela oposição.
Pelo contrário: a repartição de pelouros constitui um dos mais nocivos elementos do "loteamento" do poder autárquico, de diluição de responsabilidades políticas e de "compra" e comprometimento da oposição, que tem caracterizado o governo municipal de Lisboa (e de outros municípios).

Incompetência básica

«Fernando Negrão mete os pés pelas mãos em entrevista e confunde EPUL com Ippar e com EPAL».
Além de pára-quedista, o candidato do PSD a presidente (!?) da CM de Lisboa nem sequer fez o mais elementar trabalho de casa...

O estranho sistema eleitoral do PSD

Segundo o projecto de lei de novo sistema eleitoral para a AR apresentado pelo PSD passaria a haver círculos locais/regionais e um círculo nacional sobreposto, tendo os eleitores dois votos, um para eleger os deputados no seu círculo local ou regional e outro para escolher a lista partidária nacional.
Até aqui, nada digno de nota. A surpresa vem quando se conclui que os 181 deputados da AR (número agora proposto pelo PSD) seriam repartidos proporcionalmente à votação de cada partido a nível nacional, ou seja, de acordo com o 2º voto (entrando na quota nacional de cada partido os deputados eleitos nos círculos locais/regionais com base no 1º voto).
As consequências mais prováveis desse sistema de apuramento a nível nacional, e não em círculos distritais/regionais como hoje sucede, seriam as seguintes: (i) aumento dos partidos representados na AR, dado que bastaria menos de 1% a nível nacional para obter a eleição de um deputado; (ii) muito maior dificuldade de conseguir maiorias de governo monopartidárias, que necessitariam de cerca de 50% de votos a nível nacional.
Esta proposta é tanto mais inesperada e inexplicável, quanto é certo que historicamente o PSD sempre pugnou por um sistema eleitoral que facilitasse as maiorias de governo à custa da proporcionalidade.
O que é que deu no partido de Marques Mendes?

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Caminhos-de-ferro (3)

Algumas análises dos últimos dias criticam o facto de o modelo financeiro do TGV apresentado pelo Governo implicar a assunção pelo Estado de uma parte dos encargos com o investimento da rede, como se o trasnporte ferroviário devesse sempre ser autofinanciado.
Mas a crítica é improcedente. Tal como os outros transportes públicos, em geral (metropolitano e demais transportes urbanos), o transporte ferroviário tem uma dimensão de serviço público, que deve ser financiada pela colectividade (ou seja, pelo Estado) quando o pagamento pelos utilizadores não for suficiente. Tudo depende da dimensão e da proporcionalidade do investimento e da sua relevância pública.

Caminhos-de-ferro (2)

Alguns comentadores encaram a rede ferroviária de alta velocidade como uma coisa supérflua e demasiado cara para os ganhos de tempo obtidos.
Mas a questão não é somente a de ter ligações ferroviárias muito mais rápidas do que as actuais, para competir com o automóvel e o avião, mas também e sobretudo de passarmos a ter uma rede ferroviária de bitola europeia, incluindo para tráfego de mercadorias, tanto mais importante quanto a Espanha está a rapidamente a expandir a sua. Abdicar de uma rede básica em bitola europeia -- que além da linha Vigo-Porto-Lisboa-Madrid deveria incluir também a linha Aveiro-Salamanca -- significaria na prática o isolamento ferroviário de Portugal em relação à Espanha e à Europa.

Tratado de Lisboa

Já está disponível online o mandato conferido pelo recente cimeira de Bruxelas à próxima "conferência intergovernamental" para reformular os tratados da UE (Anexo I deste documento).
Dado o nível de pormenorização das conclusões de Bruxelas, a CIG tem o trabalho praticamente todo feito e o Tratado de Lisboa tem a sua aprovação assegurada.


Adenda

Amanhã, no meu artigo do Público analiso a resultado da cimeira e a questão do referendo ao tratado de revisão.

Caminhos-de-ferro

«Linha do Norte trava crescimento da CP».
Tal como em relação ao aeroporto da Portela, também a linha ferroviária do Norte tem a sua capacidade esgotada. Tal como no caso do novo aeroporto, os comentadores de Lisboa acham que o investimento no TGV Porto-Lisboa é um desperdício...
Pobre País, este, que tais comentadores tem...

Novo tratado da UE (3)

A questão mais controversa sobre a ratificação do novo tratado vai ser o recurso, ou não, ao referendo.
Na verdade, a substituição do "tratado constitucional" -- que visava refundir os dois tratados anteriores -- por um "tratado simplificado" -- que não passa de uma conjunto de alterações avulsas, embora importantes, aos dois tratados existentes -- foi pensada explicitamente para dispensar o referendo no dois países onde ele tinha sido perdido (França e Holanda), mas também no País onde ele também seria seguramente perdido (o Reino Unido).
Além disso, parece evidente que, depois de ter sido preciso "tirar o ferros" o novo tratado, "ninguém" quer ouvir falar em referendos (pelo menos por agora), que poderiam correr o risco de fazer tudo naufragar outra vez. Qualquer iniciativa de referendo num País vai dificultar a vida aos países que o querem evitar (os referidos e outros). Resta o problema dos países onde o referendo é constitucionalmente obrigatório e aqueles onde havia um compromisso político de o fazer, como Portugal (compromisso que, porém, não abrange o Presidente da República, a quem compete convocá-lo...). Bastará a diferente natureza e o diferente fôlego do novo tratado para justificar o abandono do referendo?
Uma coisa parece certa: desta vez, quem optar pelo referendo, fá-lo-á por sua conta e risco...

Novo tratado da UE (2)

O que é que ficou para trás neste "tratado simplificado" em relação ao falhado "tratado constitucional" de 2004?
As principais perdas são as seguintes:
-- a qualificação como "tratado constitucional";
-- a substituição integral dos dois anteriores tratados (Roma e Maastricht) e a codificação de todo o direito constitucional primário num único documento;
-- a afirmação da primazia do direito comunitário sobre (todo) o direito nacional, que ficou remetida para uma declaração anexa, invocando a jusrisprudência do Tribunal de Justiça da UE.
Por conseguinte, o novo tratado "limita-se" a alterar, de novo, os dois tratados vigentes, tornando ainda menos clara e perceptível a arquitectura constitucional da UE.