Como amanhã é domingo, dia de sorteio, tinha pensado deambular sobre os nossos possíveis adversários na primeira fase do Euro 2004, as nossas chances, o sentimento geral dos adeptos, o espanto dos estrangeiros perante a proeza dos dez estádios e outras coisas mais. Depois de uma semana frustrante para o ego político-desportivo lusitano, vergado pelo Rei de Espanha, parecia-me o tema ideal para descontrair os espíritos neste início de época natalícia. Mas o texto do meu colega Luís Osório (LO) reabriu um dos meus temas dilectos - teoria e praxis do serviço público de televisão. Não posso resistir-lhe.
É bom saber que ainda há quem se preocupe com a sorte da televisão e encontre tempo para reflectir sobre o modo como esse conceito nebuloso de "serviço público televisivo" se deve e pode exprimir. Louvo o empenhamento, a seriedade e a bondade de todos os que participaram no grupo de trabalho convidado pelo Governo a pronunciar-se sobre a matéria. Revejo-me intelectualmente nas suas matrizes de pressupostos e de propósitos, do mesmo modo que comungo a maioria das suas preocupações de ordem ética e civilizacional, mas há muito tempo que deixei de ter ilusões quanto às fórmulas concretas. Partilho da enorme desilusão de LO quanto à actual programação da RTP 1. Que pobreza, que semelhanças com a mediocridade dos canais generalistas privados! E o que dizer da RTP 2, em fase meramente vegetativa, à espera de um modelo quimérico de exploração pela "sociedade civil"? Aposto o meu mealheiro em como redundará num flop estrondoso.
Já devíamos ter percebido que não há outra solução realista a não ser a concentração da presença pública num só canal de referência - sem preocupações rascas, sem futebol de clubes, sem sitcoms miseráveis, sem publicidade doentia, sem populismo informativo, ainda que sem audiências de dois dígitos. O conceito de RTP 1 como referência de serviço público está completamente falido e a insistência na "bi-polaridade" só fará perder mais tempo e dinheiro aos contribuintes. Privatize-se o bicho.
PS - A propósito de estádios, para quem gostar de emoções verdadeiramente fortes aconselho uma visita ao site http://www.bjghw.gov.cn/forNationalStadium/indexeng.asp e percorra os fantásticos recintos que os chineses vão construir para os Jogos Olímpicos de 2008. Já fez o exercício? O que pensa agora dos estádios do Euro 2004?
Luís Nazaré
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
sexta-feira, 28 de novembro de 2003
Carta aberta a uma amiga ausente
Frequentámo-nos durante muito pouco tempo, talvez não mais do que seis meses. Nesses dias partilhei com ela coisas que me ficarão para a vida. A doçura, o sentido de dever, uma noção de serviço público em relação a tudo o que verdadeiramente importa e uma espécie de utopia reformista. A última vez em que estivemos juntos despediu-se de uma forma diferente, de uma forma quase maternal disse-me que talvez fosse a última vez que nos víamos, mas que isso não era o mais importante naquela altura. De mão na mão, a Helena Vaz da Silva despediu-se de mim e desejou-me boa sorte para a vida.
Conheci-a no seu Centro Nacional de Cultura. Tinha lido em qualquer sítio a minha opinião sobre a RTP e quis-me ouvir sobre o assunto. Percebemos logo que apesar das nossas evidentes diferenças, partilhávamos inquietações e sonhos. Nos primeiros encontros, sucessivos e muito entusiasmantes, foi crescendo a ideia que esta poderia ser uma boa oportunidade de revolucionar o conceito de serviço público e os seus inevitáveis conteúdos. O governo de Durão Barroso acabara de chegar a São Bento e, aparentemente, colocara a RTP na primeira linha das suas prioridades. Com evidente pessimismo, que aliás tenho em doses consideráveis quando o jogo é político/partidário, ajudei a Helena a pensar sobre a forma de tornar os canais, ou o canal de serviço público, um objecto que pudesse garantir a diversidade estrutural dos bens culturais e informativos, a salvaguarda de uma identidade cultural própria e uma informação independente de qualquer poder económico e político. A Helena tinha ideias concretas que passavam por transferir a gestão do segundo canal para um grupo de pessoas independentes e ligadas à chamada sociedade civil, pessoas que partilhassem da óbvia necessidade de um canal de televisão poder ser decisivo para a construção de um país mais evoluído e mais virado para os cidadãos do que para os consumidores. Um projecto que privilegiasse a produção nacional e formatos pensados de raiz; que pudesse garantir a informação como um serviço e não como um entretenimento; que pudesse garantir a escolha livre e consciente; que reforçasse a identidade nacional e a educação dos jovens e das crianças; que no limite do que começa e acaba pudesse ser um instrumento decisivo na defesa dos valores democráticos e uma forma privilegiada de mediação entre os poderes públicos e os cidadãos. No primeiro encontro com o ministro Morais Sarmento, a Helena levava um extenso documento que, em traços muito gerais, tinham sido o resultado das nossas conversas, conversas em que participaram muitos amigos de muitas proveniências ideológicas e profissionais.
A Helena veio contente do encontro. O ministro resolvera formar uma comissão que o ajudasse a definir, entre outras coisas, um conceito de serviço público e a manutenção ou não de dois canais generalistas na esfera do Estado. Aceitei fazer parte do grupo, coisa que aliás me trouxe alguns amargos de boca evitáveis e ridículos. A oposição atacava todos os dias a comissão, acusava-nos de sermos meros instrumentos de alguma coisa que já tinha sido previamente decidida pelo governo. Coisa que aliás se resumia à inevitabilidade da privatização de uma das licenças que levaria ao fim do segundo canal, e a prazo à morte do serviço público de televisão. Todos os dias analistas e notícias várias falavam dos nossos interesses e do dinheiro que aceitámos ganhar em troca de um favor político. Algumas pessoas deixaram de me falar, coisa que os meus amigos mais próximos sabem o quanto me foi indiferente.
Pensava quatro coisas essenciais. Primeiro, que a RTP nunca tinha cumprido qualquer conceito de serviço público – ora tinha sido dominada pelos sucessivos governos ou, com o aparecimento dos privados, dominada pela febre das audiências e pela pressão do mercado publicitário. Segundo, que não era fundamental ter dois canais generalistas para se cumprir um verdadeiro conceito de serviço público. Terceiro, que seria muito mau para o mercado português se um dos dois canais na esfera do Estado fosse privatizado. Desregulava-se o mercado e a concorrência privada não traria uma maior qualidade. Achava assim que o segundo canal não deveria ser extinto ou privatizado. Quarto, que a RTP deveria ser saneada financeiramente. Com urgência.
A Helena assistiu a três ou quatro reuniões e despediu-se de nós. Mas o trabalho acabou por ser tornado público uns meses depois. Aquilo que era impensável acontecera. Afinal, a comissão fora contrária a decisões que o ministro Morais Sarmento dava como garantidas. Durante alguns dias o relatório final da comissão foi lido à lupa. Depois foi criticado pelos que estavam interessados na privatização e que nos tinham defendido antes e, claro, começavam a detectar-se algumas fragilidades no documento que provavam que havia água no bico
Quase dois anos depois de se ter ido querida Helena, quero dizer-lhe que a nossa luta não valeu a pena. A RTP continua a não existir. É certo que foi feito um saneamento obrigatório, questionável em alguns sectores, mas obrigatório. Mas, Helena, um projecto de televisão tem como principal objectivo ter programas de televisão, não é? As lições do Tonecas estão em prime time, a única produção nacional na área da ficção é uma miserável sitcom a imitar o brasileiro Sai Debaixo e deixou de haver formatos pensados por portugueses. E sabe uma coisa, essa ainda mais desarmante? A questão da RTP deixou de ser falada pela oposição, pelos opinion makers e por todos os que nos acusavam de ser corruptos morais e aparatchiks políticos de ocasião. Talvez possamos todos reflectir na mediocridade com que somos manipulados pelas agendas mediáticas e na forma primitiva como nos deixamos todos embalar por esse jogo perverso de tentar estar sempre a surfar por cima dos acontecimentos.
Talvez fosse tempo de lhe dizer que tenho saudades da sua utopia reformista, da forma como equilibrava isso com a exacta noção do que os Homens são nas sua essência. Talvez me apontasse caminhos que, sinceramente, não consigo perceber neste momento. Nesta altura da nossa conversa, dir-lhe-ia que o melhor seria privatizar tudo e assegurar que a televisão por cabo e os futuros canais digitais contemplassem em alguns canais um efectivo serviço público de televisão financiado pelo Estado. Ou então, esperar um milagre. Em tempo de Natal talvez seja mesmo o mais prudente. Luís Osório
Conheci-a no seu Centro Nacional de Cultura. Tinha lido em qualquer sítio a minha opinião sobre a RTP e quis-me ouvir sobre o assunto. Percebemos logo que apesar das nossas evidentes diferenças, partilhávamos inquietações e sonhos. Nos primeiros encontros, sucessivos e muito entusiasmantes, foi crescendo a ideia que esta poderia ser uma boa oportunidade de revolucionar o conceito de serviço público e os seus inevitáveis conteúdos. O governo de Durão Barroso acabara de chegar a São Bento e, aparentemente, colocara a RTP na primeira linha das suas prioridades. Com evidente pessimismo, que aliás tenho em doses consideráveis quando o jogo é político/partidário, ajudei a Helena a pensar sobre a forma de tornar os canais, ou o canal de serviço público, um objecto que pudesse garantir a diversidade estrutural dos bens culturais e informativos, a salvaguarda de uma identidade cultural própria e uma informação independente de qualquer poder económico e político. A Helena tinha ideias concretas que passavam por transferir a gestão do segundo canal para um grupo de pessoas independentes e ligadas à chamada sociedade civil, pessoas que partilhassem da óbvia necessidade de um canal de televisão poder ser decisivo para a construção de um país mais evoluído e mais virado para os cidadãos do que para os consumidores. Um projecto que privilegiasse a produção nacional e formatos pensados de raiz; que pudesse garantir a informação como um serviço e não como um entretenimento; que pudesse garantir a escolha livre e consciente; que reforçasse a identidade nacional e a educação dos jovens e das crianças; que no limite do que começa e acaba pudesse ser um instrumento decisivo na defesa dos valores democráticos e uma forma privilegiada de mediação entre os poderes públicos e os cidadãos. No primeiro encontro com o ministro Morais Sarmento, a Helena levava um extenso documento que, em traços muito gerais, tinham sido o resultado das nossas conversas, conversas em que participaram muitos amigos de muitas proveniências ideológicas e profissionais.
A Helena veio contente do encontro. O ministro resolvera formar uma comissão que o ajudasse a definir, entre outras coisas, um conceito de serviço público e a manutenção ou não de dois canais generalistas na esfera do Estado. Aceitei fazer parte do grupo, coisa que aliás me trouxe alguns amargos de boca evitáveis e ridículos. A oposição atacava todos os dias a comissão, acusava-nos de sermos meros instrumentos de alguma coisa que já tinha sido previamente decidida pelo governo. Coisa que aliás se resumia à inevitabilidade da privatização de uma das licenças que levaria ao fim do segundo canal, e a prazo à morte do serviço público de televisão. Todos os dias analistas e notícias várias falavam dos nossos interesses e do dinheiro que aceitámos ganhar em troca de um favor político. Algumas pessoas deixaram de me falar, coisa que os meus amigos mais próximos sabem o quanto me foi indiferente.
Pensava quatro coisas essenciais. Primeiro, que a RTP nunca tinha cumprido qualquer conceito de serviço público – ora tinha sido dominada pelos sucessivos governos ou, com o aparecimento dos privados, dominada pela febre das audiências e pela pressão do mercado publicitário. Segundo, que não era fundamental ter dois canais generalistas para se cumprir um verdadeiro conceito de serviço público. Terceiro, que seria muito mau para o mercado português se um dos dois canais na esfera do Estado fosse privatizado. Desregulava-se o mercado e a concorrência privada não traria uma maior qualidade. Achava assim que o segundo canal não deveria ser extinto ou privatizado. Quarto, que a RTP deveria ser saneada financeiramente. Com urgência.
A Helena assistiu a três ou quatro reuniões e despediu-se de nós. Mas o trabalho acabou por ser tornado público uns meses depois. Aquilo que era impensável acontecera. Afinal, a comissão fora contrária a decisões que o ministro Morais Sarmento dava como garantidas. Durante alguns dias o relatório final da comissão foi lido à lupa. Depois foi criticado pelos que estavam interessados na privatização e que nos tinham defendido antes e, claro, começavam a detectar-se algumas fragilidades no documento que provavam que havia água no bico
Quase dois anos depois de se ter ido querida Helena, quero dizer-lhe que a nossa luta não valeu a pena. A RTP continua a não existir. É certo que foi feito um saneamento obrigatório, questionável em alguns sectores, mas obrigatório. Mas, Helena, um projecto de televisão tem como principal objectivo ter programas de televisão, não é? As lições do Tonecas estão em prime time, a única produção nacional na área da ficção é uma miserável sitcom a imitar o brasileiro Sai Debaixo e deixou de haver formatos pensados por portugueses. E sabe uma coisa, essa ainda mais desarmante? A questão da RTP deixou de ser falada pela oposição, pelos opinion makers e por todos os que nos acusavam de ser corruptos morais e aparatchiks políticos de ocasião. Talvez possamos todos reflectir na mediocridade com que somos manipulados pelas agendas mediáticas e na forma primitiva como nos deixamos todos embalar por esse jogo perverso de tentar estar sempre a surfar por cima dos acontecimentos.
Talvez fosse tempo de lhe dizer que tenho saudades da sua utopia reformista, da forma como equilibrava isso com a exacta noção do que os Homens são nas sua essência. Talvez me apontasse caminhos que, sinceramente, não consigo perceber neste momento. Nesta altura da nossa conversa, dir-lhe-ia que o melhor seria privatizar tudo e assegurar que a televisão por cabo e os futuros canais digitais contemplassem em alguns canais um efectivo serviço público de televisão financiado pelo Estado. Ou então, esperar um milagre. Em tempo de Natal talvez seja mesmo o mais prudente. Luís Osório
quinta-feira, 27 de novembro de 2003
Terroristas são os outros?
Comentando um texto meu no 'Público' escreve PM num dos 'Kalkitos' adjuntos a uma recente coluna de João Miguel Tavares no 'Diário de Notícias':
'Vital Moreira protestou, no Público, contra o epíteto de 'terroristas' que a imprensa dispensa aos iraquianos que têm perpetrado ataques homicidas ou suicidas. Diz Vital que o Iraque é uma nação ocupada e que por isso os ataques aos ocupantes são apenas actos de resistência. Muito bem. Mas e quando esses mesmos iraquianos assassinam pessoal da Cruz Vermelha e das Nações Unidas? Estarão também a praticar actos de resistência, ou são apenas fanáticos e criminosos? P. M.'
Trata-se de uma pergunta puramente retórica, que somente uma leitura apressada do meu texto poderia justificar. De facto, no referido texto eu distinguia explicitamente entre os ataques a objectivos militares e a objectivos civis, para considerar abusiva a designação de 'terrorista' em relação somente aos primeiros. Antes de condenar supostas opiniões alheias – que no caso concreto, a terem sido emitidas, seriam de facto contestáveis –, o meu crítico bem faria em ler com mais atenção os textos visados.
O que me parece evidente no abuso generalizado da noção de terrorista pela imprensa norte-americana de obediência 'bushista' e conexa em relação ao Iraque e à Palestina é a sua flagrante parcialidade e falta de propriedade, abrangendo por um lado nessa condenação indiscriminadamente todos os ataques de um dos lados (o lado islâmico, naturalmente), mesmo quando visando objectivos militares dos ocupantes respectivos, e considerando por outro lado como legítimas todas as acções dos ocupantes, mesmo quando assumem uma dimensão caracterizadamente terrorista, como sucede com as acções israelitas indiscriminadas contra civis, incluindo a destruição de casas e de colheitas dos familiares de alegados terroristas ou arrasando povoações inteiras.
A condenação do terrorismo não pode ter dois pesos e duas medidas. E se fosse lícito estabelecer graus de condenabilidade em relação a ele, é evidente que o dos ocupantes não é seguramente menos condenável do que o das vítimas da ocupação (sobretudo tendo em conta a desigualdade de armas).
Vital M
'Vital Moreira protestou, no Público, contra o epíteto de 'terroristas' que a imprensa dispensa aos iraquianos que têm perpetrado ataques homicidas ou suicidas. Diz Vital que o Iraque é uma nação ocupada e que por isso os ataques aos ocupantes são apenas actos de resistência. Muito bem. Mas e quando esses mesmos iraquianos assassinam pessoal da Cruz Vermelha e das Nações Unidas? Estarão também a praticar actos de resistência, ou são apenas fanáticos e criminosos? P. M.'
Trata-se de uma pergunta puramente retórica, que somente uma leitura apressada do meu texto poderia justificar. De facto, no referido texto eu distinguia explicitamente entre os ataques a objectivos militares e a objectivos civis, para considerar abusiva a designação de 'terrorista' em relação somente aos primeiros. Antes de condenar supostas opiniões alheias – que no caso concreto, a terem sido emitidas, seriam de facto contestáveis –, o meu crítico bem faria em ler com mais atenção os textos visados.
O que me parece evidente no abuso generalizado da noção de terrorista pela imprensa norte-americana de obediência 'bushista' e conexa em relação ao Iraque e à Palestina é a sua flagrante parcialidade e falta de propriedade, abrangendo por um lado nessa condenação indiscriminadamente todos os ataques de um dos lados (o lado islâmico, naturalmente), mesmo quando visando objectivos militares dos ocupantes respectivos, e considerando por outro lado como legítimas todas as acções dos ocupantes, mesmo quando assumem uma dimensão caracterizadamente terrorista, como sucede com as acções israelitas indiscriminadas contra civis, incluindo a destruição de casas e de colheitas dos familiares de alegados terroristas ou arrasando povoações inteiras.
A condenação do terrorismo não pode ter dois pesos e duas medidas. E se fosse lícito estabelecer graus de condenabilidade em relação a ele, é evidente que o dos ocupantes não é seguramente menos condenável do que o das vítimas da ocupação (sobretudo tendo em conta a desigualdade de armas).
Vital M
domingo, 23 de novembro de 2003
As minhas recordações dos Kennedy
Esta semana, jornais e televisões passaram diferentes versões sobre os Kennedy, mais cor-de-rosa no horário nobre e menos pela noite dentro. Escrevia-se no Expresso que todos nós ainda hoje nos lembramos como soubemos da morte do Presidente. Eu frequentava então o colégio do Sagrado Coração de Maria, uma ordem religiosa de origem irlandesa. Com uma enorme e inesperada solenidade, alguém entrou na sala para nos dizer que tinham assassinado o presidente católico e irlandês ... dos EUA. As aulas foram interrompidas e o resto do dia foi passado na capela. Depois, percebi a razão de tanto luto.
Quando assassinaram Bob Kennedy, já estudava em Coimbra. Tinha assistido na véspera ao ballet moderno de Maurice Béjart. Nesse dia, o espectáculo era em Lisboa, creio que no Coliseu. A meio, o coreógrafo entrou no palco e pediu silêncio para Bob em nome da democracia, contra os fascismos ou qualquer coisa parecida (versões diferentes circularam nos dias seguintes em como era próprio da altura). Nessa mesma noite, a PIDE levou-o ao aeroporto. Muito mais tarde, em 1989, nas comemorações da Revolução Francesa, assisti no Grand Palais, em Paris, a um magnífico bailado concebido pelo mesmo coreógrafo especialmente para essa ocasião. No final, as minhas palmas juntaram-se às de tantos outros. Mas eram mais fortes. Na verdade, com atraso, aproveitei para lhe agradecer aquele gesto de coragem com que em nome de um dos Kennedy uma noite se tinha juntado a nós, inventando a sua Liberdade.
Maria Manuel Leitão Marques
Quando assassinaram Bob Kennedy, já estudava em Coimbra. Tinha assistido na véspera ao ballet moderno de Maurice Béjart. Nesse dia, o espectáculo era em Lisboa, creio que no Coliseu. A meio, o coreógrafo entrou no palco e pediu silêncio para Bob em nome da democracia, contra os fascismos ou qualquer coisa parecida (versões diferentes circularam nos dias seguintes em como era próprio da altura). Nessa mesma noite, a PIDE levou-o ao aeroporto. Muito mais tarde, em 1989, nas comemorações da Revolução Francesa, assisti no Grand Palais, em Paris, a um magnífico bailado concebido pelo mesmo coreógrafo especialmente para essa ocasião. No final, as minhas palmas juntaram-se às de tantos outros. Mas eram mais fortes. Na verdade, com atraso, aproveitei para lhe agradecer aquele gesto de coragem com que em nome de um dos Kennedy uma noite se tinha juntado a nós, inventando a sua Liberdade.
Maria Manuel Leitão Marques
sábado, 22 de novembro de 2003
O farol e o paraíso
Ao fim de vários anos de visitas frequentes - por motivos académicos e afins - não cessa de aumentar a atracção que sobre mim exerce Veneza. Quanto me sobra o tempo (o que é raro, porém), pego no encantador roteiro veneziano de Corto Maltese, o meu herói de banda desenhada predilecto, que dois amigos de Hugo Pratt coligiram depois da sua morte, e lanço-me à descoberta dos seus percursos secretos, que escapam aos viajantes apressados ou turistas mundanos. Por vezes acabo no "La Corte Sconta", o restaurante que leva o nome de uma das últimas aventuras do mítico marinheiro maltês.
Sem receio de heterodoxia, não me cativa menos o Lido, quanto mais não seja porque é de lá que melhor se pode admirar Veneza, naqueles inefáveis fins de tarde de Outono, em que a luz é quente, diáfano o ar e a cidade do outro lado brilha em todo o seu esplendor. Mas não só. O característico hotel "arte nova" em que normalmente fico alojado, a dois passos da praia e do Grand Hotel des Bains faz-me evocar amiúde a "Morte em Veneza" de Visconti, bem como Thomas Mann e Gustav Mahler, o grande escritor e o grande compositor a quem o realizador recorreu para construir o seu pungente filme veneziano.
Foi lá, na ponta do comprido molhe da barra principal da laguna, numa das extensas corridas que adoro fazer ao longo do mar, que deparei, num bloco de betão no sopé do farol, com a caligrafia elegante de um dos mais eloquentes "graffiti" que me foi dado alguma vez registar: "O farol é a vida, o paraíso pode esperar" [Il faro è la vita, il paradiso può attendere].
A expressiva frase logo me fascinou, pelo que não tardei a escolhê-la como mote pessoal da minha correspondência electrónica. Intrigados, alguns dos meus amigos e correspondentes perguntam-me por vezes pelo sentido da inscrição. Costumo dar uma explicação cândida, por exemplo: "o que importa é não navegar às escuras; o porto de destino, esse pode aguardar". Ou: "mais do que buscar cegamente o incerto paraíso importa iluminar e explorar bem as rotas que lá podem eventualmente conduzir". Ou ainda: "o que importa na vida é o espírito esclarecido e a liberdade de orientação; a felicidade, se houver, vem por acréscimo, quando vier".
Cada vez me identifico mais com essa metáfora veneziana, no que penso, escrevo e faço!
(Dentro de dias revisitarei o "meu" farol na ponta do Lido...).
Vital Moreira
Sem receio de heterodoxia, não me cativa menos o Lido, quanto mais não seja porque é de lá que melhor se pode admirar Veneza, naqueles inefáveis fins de tarde de Outono, em que a luz é quente, diáfano o ar e a cidade do outro lado brilha em todo o seu esplendor. Mas não só. O característico hotel "arte nova" em que normalmente fico alojado, a dois passos da praia e do Grand Hotel des Bains faz-me evocar amiúde a "Morte em Veneza" de Visconti, bem como Thomas Mann e Gustav Mahler, o grande escritor e o grande compositor a quem o realizador recorreu para construir o seu pungente filme veneziano.
Foi lá, na ponta do comprido molhe da barra principal da laguna, numa das extensas corridas que adoro fazer ao longo do mar, que deparei, num bloco de betão no sopé do farol, com a caligrafia elegante de um dos mais eloquentes "graffiti" que me foi dado alguma vez registar: "O farol é a vida, o paraíso pode esperar" [Il faro è la vita, il paradiso può attendere].
A expressiva frase logo me fascinou, pelo que não tardei a escolhê-la como mote pessoal da minha correspondência electrónica. Intrigados, alguns dos meus amigos e correspondentes perguntam-me por vezes pelo sentido da inscrição. Costumo dar uma explicação cândida, por exemplo: "o que importa é não navegar às escuras; o porto de destino, esse pode aguardar". Ou: "mais do que buscar cegamente o incerto paraíso importa iluminar e explorar bem as rotas que lá podem eventualmente conduzir". Ou ainda: "o que importa na vida é o espírito esclarecido e a liberdade de orientação; a felicidade, se houver, vem por acréscimo, quando vier".
Cada vez me identifico mais com essa metáfora veneziana, no que penso, escrevo e faço!
(Dentro de dias revisitarei o "meu" farol na ponta do Lido...).
Vital Moreira
Confissão de um bloguista contrariado
Começo por confessar aos meus eventuais leitores (será assim que deverei chamá-los?) que a minha relação com a chamada blogosfera (será assim que se escreve?) é praticamente nula. Faço parte de uma geração que se viciou nos media tradicionais quando o teclado da máquina de escrever e o chumbo das tipografias eram as ferramentas básicas da comunicação... legível.
Sou um dinossauro do mundo jornalístico, continuo fiel às minhas rotinas arcaicas de consumir papel impresso, converti-me tarde ao computador (embora já não possa viver sem ele e não me passe minimamente pela cabeça regressar à Olivetti portátil com quem desenvolvi uma duradoura cumplicidade amorosa) e sou apenas um navegador muito esporádico na Internet.
Esta tentativa de “conversão bloguística” constitui, por tudo isso, uma tremenda violência para mim. Mas assumo que é uma violência necessária para aprender a comunicar num comprimento de onda que pode ser também uma nova forma de ensaiar a liberdade.
A quem porventura me ler só peço um mínimo de compaixão pelo esforço sincero de tentar vencer os meus bloqueios bloguísticos, nomeadamente o de criar uma indispensável familiaridade com um espaço onde dou os primeiros passos. Ignoro ainda quanto tempo levarei a criar hábitos regulares de convivência com o admirável mundo dos blogues. Mas, apesar das minhas resistências e do meu cepticismo, sei que este é hoje um território potencialmente mais livre, mais aberto, menos sujeito aos constrangimentos mercantis do que aquele em que fui criado. E sinto-me verdadeiramente feliz por partilhar esta experiência de liberdade com um grupo de amigos e cúmplices de causas generosas e controvérsias fecundas.
Vicente Jorge Silva
Sou um dinossauro do mundo jornalístico, continuo fiel às minhas rotinas arcaicas de consumir papel impresso, converti-me tarde ao computador (embora já não possa viver sem ele e não me passe minimamente pela cabeça regressar à Olivetti portátil com quem desenvolvi uma duradoura cumplicidade amorosa) e sou apenas um navegador muito esporádico na Internet.
Esta tentativa de “conversão bloguística” constitui, por tudo isso, uma tremenda violência para mim. Mas assumo que é uma violência necessária para aprender a comunicar num comprimento de onda que pode ser também uma nova forma de ensaiar a liberdade.
A quem porventura me ler só peço um mínimo de compaixão pelo esforço sincero de tentar vencer os meus bloqueios bloguísticos, nomeadamente o de criar uma indispensável familiaridade com um espaço onde dou os primeiros passos. Ignoro ainda quanto tempo levarei a criar hábitos regulares de convivência com o admirável mundo dos blogues. Mas, apesar das minhas resistências e do meu cepticismo, sei que este é hoje um território potencialmente mais livre, mais aberto, menos sujeito aos constrangimentos mercantis do que aquele em que fui criado. E sinto-me verdadeiramente feliz por partilhar esta experiência de liberdade com um grupo de amigos e cúmplices de causas generosas e controvérsias fecundas.
Vicente Jorge Silva
Rui Veloso no meu rádio
Rui Veloso canta agora no meu rádio, com a voz serena que lhe é própria: "muito mais é o que nos une que aquilo que nos separa". Prefiro esta forma de apreciar a rede fina que nos liga, a que se refere o LN. Entre os seus fios está provavelmente a vontade de não nos deixarmos invadir pelo pessimismo e atacar pelo desalento. E o desejo de reflectir sobre as mudanças, sobretudo aquelas que entram tão subrepticiamente nos nossos hábitos quotidianos que quase não nos damos conta delas.
A influência crescente dos media, o maior peso dos valores femininos (sentido prático, intuição) nas opções sociais, a integração crescente na sociedade do consumo, na sociedade da mobilidade e da velocidade (mais computadores, mais telemóveis, mais viagens, correio e informação instantânea agora extensível à publicação através dos blogs), etc. etc. Nada disto é mau, se a influência dos media não obnubilar o espírito crítico e o rigor; se soubermos que algumas das novas vantagens têm como contrapartida novos riscos e inseguranças que é preciso aprender a gerir, individual e colectivamente, antes que elas nos tornem excessivamente inquietos e temerosos; se mais informação nos tornar menos permeáveis à polémica gratuita, à manipulação por quaisquer spin-doctors, às promessas falsas, às frequentes profecias da desgraça; enfim, se tudo isto não nos fragmentar em demasia, fazendo esquecer aquilo que nos une para acentuar apenas o que nos separa.
Maria Manuel Leitão Marques
A influência crescente dos media, o maior peso dos valores femininos (sentido prático, intuição) nas opções sociais, a integração crescente na sociedade do consumo, na sociedade da mobilidade e da velocidade (mais computadores, mais telemóveis, mais viagens, correio e informação instantânea agora extensível à publicação através dos blogs), etc. etc. Nada disto é mau, se a influência dos media não obnubilar o espírito crítico e o rigor; se soubermos que algumas das novas vantagens têm como contrapartida novos riscos e inseguranças que é preciso aprender a gerir, individual e colectivamente, antes que elas nos tornem excessivamente inquietos e temerosos; se mais informação nos tornar menos permeáveis à polémica gratuita, à manipulação por quaisquer spin-doctors, às promessas falsas, às frequentes profecias da desgraça; enfim, se tudo isto não nos fragmentar em demasia, fazendo esquecer aquilo que nos une para acentuar apenas o que nos separa.
Maria Manuel Leitão Marques
Futuro
Especular sobre o futuro é especular sobre nós próprios, especular sobre os anos que nos restam, sobre os anos que restam aos que mais amamos, sobre os objectos que nos fazem sentido ou, sendo mais exacto, sobre tudo o que nos ajuda ou ajudou à construção do nosso sentido. Especular sobre o futuro do país em muitas das suas variantes é, também, especular sobre as portas que se abrem e fecham dentro de cada um de nós.
É nessa perspectiva que gostaria de desafiar os companheiros de Causa Nossa. Desafiá-los no sentido de procurar dentro das nossas contradições e ambiguidades, mas também dentro das nossas grandezas e ideais, razões para continuar a acreditar no nosso destino enquanto indivíduos e, obviamente, no nosso destino enquanto portugueses. Parece-me que uma coisa não invalida a outra. Portugal deve realizar-se na soma de cada um dos nossos sonhos ou na soma dos nossos fracassos arruinar-se enquanto país.
Assim, gostaria que este novo Blog pudesse ser um espaço onde tudo isto fosse passível de discussão sem qualquer constrangimento. Tudo isto e talvez mais alguma coisa. Que este blog anunciasse objectivos a forma de os concretizar, que falasse sobre a natureza dos sonhos possíveis e impossíveis, sobre os pesadelos futuros e, também, sobre a identificação de cada um com o país que todos somos. Esta é uma discussão que tem de passar por uma certa ideia de Esquerda. Recolocar o debate político na questão do indivíduo e não do consumidor é algo de muito importante; recolocá-lo no domínio das ideias, da cultura e da filosofia penso ser decisivo.
Num tempo em que o discurso político e os políticos estão desacreditados é mais do que altura de chegar às pessoas, de as reconquistar. Certamente que sem esse objectivo conseguido, dentro de alguns anos a Democracia terá contornos inimagináveis.
Somos um país com gente excessiva. Depressivos num dia, exaltantes e optimistas no outro. Esse tem sido o nosso devir psicanalítico, o nosso pequeno e limitativo detalhe "genético". Assim, qualquer discussão sobre o nosso futuro passará, inevitavelmente, por dar conta dos nossos detalhes, porque esses pormenores estruturantes têm, para o bem e para o mal, determinado o nosso destino. Temos razão para estar deprimidos? Temos razão para temer o futuro? Que detalhes teremos de esconder para nos adaptarmos a um Novo Mundo que, todos os dias, se revela mais ameaçador? Ainda faz sentido pensar à Direita ou à Esquerda? E que sentido oferece a cada um de nós um ponto de vista de Direita ou de Esquerda? Que conquistas podemos ter? Quais as derrotas que se anunciam? E será que as derrotas podem transformar-se em vitórias? E como é que isso se consegue?
Reinventar a palavra Utopia no discurso de cada um de nós é uma ideia romântica, mas o romantismo está mais ao nosso alcance do que a prosperidade económica ou militar. Ousar tentar o impossível e ter desígnios que nos motivem enquanto soma de individualidades, que nos motivem enquanto país é uma possibilidade viável. Só nos reinventando, só redescobrindo a nossa identidade podemos passar a ponte sem risco de perder a noção do caminho de volta. Portugal soube dar-se aos outros, soube despojar-se para os outros, agora talvez seja tempo de nos darmos aos outros de uma outra forma... Tempo de passarmos a ponte para o exterior com a certeza de que as coordenadas são fortes e inquebrantáveis.
No futuro precisamos de um desígnio. Mas que desígnio? Cultural? Científico? Desportivo? Que rumo estratégico deve ser seguido? Mais ou menos Estado? Será inevitável o desenvolvimento sustentado na mão de obra barata? Tantas e tantas perguntas que podem ser feitas.
Dentro de vinte anos teremos de saber o caminho de regresso de olhos fechados, porque se abrirmos os olhos poderemos não conseguir encontrar nada do que fomos. A globalização pode trazer o esquecimento, mas só o trará se não soubermos sobreviver por nós próprios. Enquanto colectivo, mas sobretudo enquanto indivíduos e portugueses.
Luís Osório
É nessa perspectiva que gostaria de desafiar os companheiros de Causa Nossa. Desafiá-los no sentido de procurar dentro das nossas contradições e ambiguidades, mas também dentro das nossas grandezas e ideais, razões para continuar a acreditar no nosso destino enquanto indivíduos e, obviamente, no nosso destino enquanto portugueses. Parece-me que uma coisa não invalida a outra. Portugal deve realizar-se na soma de cada um dos nossos sonhos ou na soma dos nossos fracassos arruinar-se enquanto país.
Assim, gostaria que este novo Blog pudesse ser um espaço onde tudo isto fosse passível de discussão sem qualquer constrangimento. Tudo isto e talvez mais alguma coisa. Que este blog anunciasse objectivos a forma de os concretizar, que falasse sobre a natureza dos sonhos possíveis e impossíveis, sobre os pesadelos futuros e, também, sobre a identificação de cada um com o país que todos somos. Esta é uma discussão que tem de passar por uma certa ideia de Esquerda. Recolocar o debate político na questão do indivíduo e não do consumidor é algo de muito importante; recolocá-lo no domínio das ideias, da cultura e da filosofia penso ser decisivo.
Num tempo em que o discurso político e os políticos estão desacreditados é mais do que altura de chegar às pessoas, de as reconquistar. Certamente que sem esse objectivo conseguido, dentro de alguns anos a Democracia terá contornos inimagináveis.
Somos um país com gente excessiva. Depressivos num dia, exaltantes e optimistas no outro. Esse tem sido o nosso devir psicanalítico, o nosso pequeno e limitativo detalhe "genético". Assim, qualquer discussão sobre o nosso futuro passará, inevitavelmente, por dar conta dos nossos detalhes, porque esses pormenores estruturantes têm, para o bem e para o mal, determinado o nosso destino. Temos razão para estar deprimidos? Temos razão para temer o futuro? Que detalhes teremos de esconder para nos adaptarmos a um Novo Mundo que, todos os dias, se revela mais ameaçador? Ainda faz sentido pensar à Direita ou à Esquerda? E que sentido oferece a cada um de nós um ponto de vista de Direita ou de Esquerda? Que conquistas podemos ter? Quais as derrotas que se anunciam? E será que as derrotas podem transformar-se em vitórias? E como é que isso se consegue?
Reinventar a palavra Utopia no discurso de cada um de nós é uma ideia romântica, mas o romantismo está mais ao nosso alcance do que a prosperidade económica ou militar. Ousar tentar o impossível e ter desígnios que nos motivem enquanto soma de individualidades, que nos motivem enquanto país é uma possibilidade viável. Só nos reinventando, só redescobrindo a nossa identidade podemos passar a ponte sem risco de perder a noção do caminho de volta. Portugal soube dar-se aos outros, soube despojar-se para os outros, agora talvez seja tempo de nos darmos aos outros de uma outra forma... Tempo de passarmos a ponte para o exterior com a certeza de que as coordenadas são fortes e inquebrantáveis.
No futuro precisamos de um desígnio. Mas que desígnio? Cultural? Científico? Desportivo? Que rumo estratégico deve ser seguido? Mais ou menos Estado? Será inevitável o desenvolvimento sustentado na mão de obra barata? Tantas e tantas perguntas que podem ser feitas.
Dentro de vinte anos teremos de saber o caminho de regresso de olhos fechados, porque se abrirmos os olhos poderemos não conseguir encontrar nada do que fomos. A globalização pode trazer o esquecimento, mas só o trará se não soubermos sobreviver por nós próprios. Enquanto colectivo, mas sobretudo enquanto indivíduos e portugueses.
Luís Osório
Poker
Sou pecador. Não aspiro à santidade nem cultivo valores de pureza. Tenho alguns dos piores defeitos do mundo – socialista, ateu, benfiquista, liberal e libertário. Partilho com os meus colegas de blog a causa da liberdade, o impulso da contradição e um pujante desejo de progresso. É fina a rede que nos une, tão fina que nos interrogámos amiúde sobre o mérito e a coerência desta aventura digital. Venceu o espírito participativo e a vontade irreprimível de lançar desafios, confrontar ideias e ultrapassar retóricas de faz-de-conta. A bisca lambida já não nos seduz. Preferimos o poker ideológico puro e duro.
Doravante teremos responsabilidades acrescidas perante a comunidade cibernáutica. Seremos continuamente perscrutados e desafiados quanto à consistência e à exequibilidade das nossas ideias. Por mim, recuso-me a obedecer ao crivo da opinião instantânea e da sua nata tablóide de pendor popular, erudito ou transformista. Que se lixem os consensos, as conveniências e o conservadorismo lusitano. Farei disso a minha causa.
Luís Nazaré
Doravante teremos responsabilidades acrescidas perante a comunidade cibernáutica. Seremos continuamente perscrutados e desafiados quanto à consistência e à exequibilidade das nossas ideias. Por mim, recuso-me a obedecer ao crivo da opinião instantânea e da sua nata tablóide de pendor popular, erudito ou transformista. Que se lixem os consensos, as conveniências e o conservadorismo lusitano. Farei disso a minha causa.
Luís Nazaré
Conversa sem custos
Tenho, destas coisas da WEB, uma prática meramente instrumental. Sirvo-me do mail para enviar e receber informações. Não navego ao acaso, vou sempre na direcção do que procuro. Nem sempre encontro. Naufrago com frequência. Não menos vezes, recolho as velas e desisto antes de alcançar o destino. Também não sou sensível à estética da WEB. Tenho “sites” preferidos e que consulto regularmente. Não por serem belos e fascinantes, mas por serem bem organizados e fáceis de perscrutar. Sou, portanto, um “internauta” de terceira categoria.
Nisto de escrever, opinar, polemizar e argumentar faz-me falta ver o interlocutor. Ou, no mínimo, fazer-me uma ideia de quem possa ser. Nos jornais fazemo-nos uma ideia (errada? falsa? ilusória? – pouco importa!) de quem nos lê. Para ajudar a essa ilusão, há aquelas histórias das empresas de marketing que despejam relatórios imensos sobre o “perfil do leitor”. Há também as pessoas concretas que reagem ao que se escreve, que gostam ou desgostam do que leram. Na Web, zero! Qualquer navegante – por acaso, por efeito de filtros, ou motores de busca – cruza-se com um escrito e… zás! Responde, intervém, entra-nos no mail, em casa, no nosso tempo. Não diz quem é, e, quando adianta dados biográficos parece que por hábito se apresenta como sendo mais novo, mais culto e mais rico do que realmente é. Enfim, uma cena de ocultação!
Por todas estas razões e por muitas outras mais, nunca me passaria pela cabeça criar um “blog”. Só o gosto da conversa – entre a cavaqueira, a crítica e o excesso próprio da polémica e do humor – que se foi tornando no condimento essencial dos nossos jantares na “Casa Nostra” me fez superar a distância que me separava de qualquer hipotética participação num “blog”.
Só isso e a certeza de que não vai ser preciso contabilizar, nem saber quem paga, os custos desta outra forma de continuar a conversar, me decidiram a entrar no espaço “bloguista”. É que já estamos todos fartos do discurso dos “donos da situação”. Não! As pessoas, as iniciativas, os direitos, os projectos, os serviços, as ideias e o futuro não podem ser vistos apenas como um custo supérfluo, desnecessário, ou sem cabimento orçamental! Aqui, cada um entra sem ter de pagar nada, não compromete o nível de vida das gerações futuras e por mais que visite este “blog”, que entre e saia, não tem de se preocupar com as contas do PEC.
Jorge Wemans
Nisto de escrever, opinar, polemizar e argumentar faz-me falta ver o interlocutor. Ou, no mínimo, fazer-me uma ideia de quem possa ser. Nos jornais fazemo-nos uma ideia (errada? falsa? ilusória? – pouco importa!) de quem nos lê. Para ajudar a essa ilusão, há aquelas histórias das empresas de marketing que despejam relatórios imensos sobre o “perfil do leitor”. Há também as pessoas concretas que reagem ao que se escreve, que gostam ou desgostam do que leram. Na Web, zero! Qualquer navegante – por acaso, por efeito de filtros, ou motores de busca – cruza-se com um escrito e… zás! Responde, intervém, entra-nos no mail, em casa, no nosso tempo. Não diz quem é, e, quando adianta dados biográficos parece que por hábito se apresenta como sendo mais novo, mais culto e mais rico do que realmente é. Enfim, uma cena de ocultação!
Por todas estas razões e por muitas outras mais, nunca me passaria pela cabeça criar um “blog”. Só o gosto da conversa – entre a cavaqueira, a crítica e o excesso próprio da polémica e do humor – que se foi tornando no condimento essencial dos nossos jantares na “Casa Nostra” me fez superar a distância que me separava de qualquer hipotética participação num “blog”.
Só isso e a certeza de que não vai ser preciso contabilizar, nem saber quem paga, os custos desta outra forma de continuar a conversar, me decidiram a entrar no espaço “bloguista”. É que já estamos todos fartos do discurso dos “donos da situação”. Não! As pessoas, as iniciativas, os direitos, os projectos, os serviços, as ideias e o futuro não podem ser vistos apenas como um custo supérfluo, desnecessário, ou sem cabimento orçamental! Aqui, cada um entra sem ter de pagar nada, não compromete o nível de vida das gerações futuras e por mais que visite este “blog”, que entre e saia, não tem de se preocupar com as contas do PEC.
Jorge Wemans
Sérgio
Esta é a minha primeira contribuição para um blog. Um blog onde me vou aventurar com um grupo de pessoas diferentes, interessantes e desalinhadas, por muito que se/as procurem alinhar.
Um blog onde devia estar, talhado para o animar, um amigo que perdi e cuja perda cada dia mais dói - Sérgio Manuel Pinto Moutinho.
Ele não saberia o que é um blog. Eu até há muito pouco tempo também não sabia, mas logo que me explicaram percebi que o conceito era o mesmo que ele, há vinte anos, tinha inventado, embora nessa altura a gente nunca tivesse tocado num computador, nem sonhasse que passaria a depender deles.
Mandava-me cartas e postais de Bagdad (ai de visse hoje Bagdad!...), Ancara, Damasco, Alepo, Saana, Riade ou onde quer que calhasse passar na prodigiosa região onde haveria de deixar a vida. Fotocopiava-as para cinco amigos espalhados por esse mundo fora e voltava a fotocopiar e difundir os comentários e reacções que recebia de cada um para todos os outros. Numa escrita fácil, mas intensa, partilhava connosco reflexões despertadas por paisagens, pessoas, povos, costumes, tradições, conflitos, opressões, religiões, histórias e, sobretudo, a História das civilizações imbricadas onde penetrava. Tudo o trazia sempre de volta a Portugal, ao Portugal que o fazia vibrar, o Portugal liberto da guerra (era um africanista entusiasta, fora professor cooperante na Guiné e em Cabo Verde) e a construir a democracia (hoje talvez usasse o verbo atamancar). Voltava sempre às suas orgulhosas raízes vila-realenses e coimbrãs que o liceu americano, feito em Providence, só fizera aprofundar...E à sua «velhota», de que falava a destilar ternura...E aos marujos e furriéis que em qualquer lado sempre lhe saíam a encandear o caminho. E, inevitavelmente, à restolhada dos movimentos no MNE que, à distância, todo o jovem diplomata se entretém a monitorizar.
Um blog é para ser lido e se possível espicaçar gente que se conhece, muita gente que não se conhece e ainda mais que nem se quer conhecer. Um blog tem o interesse de permitir extravasar o que precisa de ser extravasado ou difundido – é um espaço de comunicação livre e aberto, que controlamos. O que, se o Sérgio ainda cá estivesse, veria não ser despiciendo, nos dias que correm, neste Portugal onde os media estão cada vez mais acorrentados a cartéis, de extracção colombiana e tudo.
Para mim o Sérgio inventou os blogs. Por isso a minha contribuição aqui vai ser também uma forma de matar as terríveis saudades que tenho do Sérgio. Vai ser o meio de finalmente berrar que estou convencida que ele foi miseravelmente assassinado, naquele desvio da auto-estrada a caminho de Bodrum, por esbirros de uma ditadura e por razões políticas. Não pelo acaso passional que a todos conveio encenar – em especial à direcção política do MNE. Que me inspirem o seu espírito livre, a sua irreverência, insaciável curiosidade e insuperável decência. Para reflectir sobre o que somos, nós, os portugueses que lhe sobrevivemos e o que é Portugal hoje.
Ana Gomes
Um blog onde devia estar, talhado para o animar, um amigo que perdi e cuja perda cada dia mais dói - Sérgio Manuel Pinto Moutinho.
Ele não saberia o que é um blog. Eu até há muito pouco tempo também não sabia, mas logo que me explicaram percebi que o conceito era o mesmo que ele, há vinte anos, tinha inventado, embora nessa altura a gente nunca tivesse tocado num computador, nem sonhasse que passaria a depender deles.
Mandava-me cartas e postais de Bagdad (ai de visse hoje Bagdad!...), Ancara, Damasco, Alepo, Saana, Riade ou onde quer que calhasse passar na prodigiosa região onde haveria de deixar a vida. Fotocopiava-as para cinco amigos espalhados por esse mundo fora e voltava a fotocopiar e difundir os comentários e reacções que recebia de cada um para todos os outros. Numa escrita fácil, mas intensa, partilhava connosco reflexões despertadas por paisagens, pessoas, povos, costumes, tradições, conflitos, opressões, religiões, histórias e, sobretudo, a História das civilizações imbricadas onde penetrava. Tudo o trazia sempre de volta a Portugal, ao Portugal que o fazia vibrar, o Portugal liberto da guerra (era um africanista entusiasta, fora professor cooperante na Guiné e em Cabo Verde) e a construir a democracia (hoje talvez usasse o verbo atamancar). Voltava sempre às suas orgulhosas raízes vila-realenses e coimbrãs que o liceu americano, feito em Providence, só fizera aprofundar...E à sua «velhota», de que falava a destilar ternura...E aos marujos e furriéis que em qualquer lado sempre lhe saíam a encandear o caminho. E, inevitavelmente, à restolhada dos movimentos no MNE que, à distância, todo o jovem diplomata se entretém a monitorizar.
Um blog é para ser lido e se possível espicaçar gente que se conhece, muita gente que não se conhece e ainda mais que nem se quer conhecer. Um blog tem o interesse de permitir extravasar o que precisa de ser extravasado ou difundido – é um espaço de comunicação livre e aberto, que controlamos. O que, se o Sérgio ainda cá estivesse, veria não ser despiciendo, nos dias que correm, neste Portugal onde os media estão cada vez mais acorrentados a cartéis, de extracção colombiana e tudo.
Para mim o Sérgio inventou os blogs. Por isso a minha contribuição aqui vai ser também uma forma de matar as terríveis saudades que tenho do Sérgio. Vai ser o meio de finalmente berrar que estou convencida que ele foi miseravelmente assassinado, naquele desvio da auto-estrada a caminho de Bodrum, por esbirros de uma ditadura e por razões políticas. Não pelo acaso passional que a todos conveio encenar – em especial à direcção política do MNE. Que me inspirem o seu espírito livre, a sua irreverência, insaciável curiosidade e insuperável decência. Para reflectir sobre o que somos, nós, os portugueses que lhe sobrevivemos e o que é Portugal hoje.
Ana Gomes
Causa Nossa
Este blogue colectivo não é uma iniciativa de grupo organizado mas sim de um conjunto de pessoas individualmente identificadas, marcado pela independência e diversidade individuais. Seria, aliás, difícil imaginar um grupo mais heterogéneo, quanto ao percurso de vida, formação académica e profissão, itinerário político (ou ausência dele). Reivindicamos por isso uma irredutível liberdade crítica.
Partilhamos algumas ideias e valores fundamentais, identificados com a autonomia pessoal, a liberdade de costumes, o liberalismo político, o pluralismo cultural, a tradição progressista da social-democracia e da esquerda democrática, a construção europeia e a globalização democrática. Alguns de nós têm filiação e militância partidária no PS, outros não têm nem contam vir a ter mas não abdicam de outras formas de intervenção cívica. Queremos contribuir para pensar Portugal e o mundo onde nos inserimos, para além da visão imediata dos calendários políticos e eleitorais.
O nome deste blogue - "Causa Nossa" - resultou do nome de um restaurante de Lisboa, "Casa Nostra", onde, numa tertúlia eventual, surgiu pela primeira vez a ideia de nos lançarmos nesta iniciativa. Mas ele revela também metaforicamente o objectivo que nos move, ao serviço da causa do debate democrático numa perspectiva humanista e progressista. Uma causa nossa que gostaríamos de partilhar com todos os que quiserem juntar-se a nós.
Comprometemo-nos a abrir as nossas portas a todos os contributos que puderem enriquecer essa reflexão. Acolheremos de bom grado novos participantes que compartilhem dos pressupostos e objectivos aqui enunciados.
Respeitaremos os cânones mais exigentes de um espaço público de opinião. Este espaço não pretende ser uma expressão fútil de confessionalismos pessoais nem de proselitismos ideológicos ou políticos. Pretendemos privilegiar a discussão de ideias e a controvérsia dos argumentos. Discutiremos opiniões e atitudes, não atacaremos pessoas. Daremos oportunidade de resposta a quem julgue necessário ou útil usar desse direito.
Queremos ser uma referência na esfera bloguística.
Causa Nossa
Partilhamos algumas ideias e valores fundamentais, identificados com a autonomia pessoal, a liberdade de costumes, o liberalismo político, o pluralismo cultural, a tradição progressista da social-democracia e da esquerda democrática, a construção europeia e a globalização democrática. Alguns de nós têm filiação e militância partidária no PS, outros não têm nem contam vir a ter mas não abdicam de outras formas de intervenção cívica. Queremos contribuir para pensar Portugal e o mundo onde nos inserimos, para além da visão imediata dos calendários políticos e eleitorais.
O nome deste blogue - "Causa Nossa" - resultou do nome de um restaurante de Lisboa, "Casa Nostra", onde, numa tertúlia eventual, surgiu pela primeira vez a ideia de nos lançarmos nesta iniciativa. Mas ele revela também metaforicamente o objectivo que nos move, ao serviço da causa do debate democrático numa perspectiva humanista e progressista. Uma causa nossa que gostaríamos de partilhar com todos os que quiserem juntar-se a nós.
Comprometemo-nos a abrir as nossas portas a todos os contributos que puderem enriquecer essa reflexão. Acolheremos de bom grado novos participantes que compartilhem dos pressupostos e objectivos aqui enunciados.
Respeitaremos os cânones mais exigentes de um espaço público de opinião. Este espaço não pretende ser uma expressão fútil de confessionalismos pessoais nem de proselitismos ideológicos ou políticos. Pretendemos privilegiar a discussão de ideias e a controvérsia dos argumentos. Discutiremos opiniões e atitudes, não atacaremos pessoas. Daremos oportunidade de resposta a quem julgue necessário ou útil usar desse direito.
Queremos ser uma referência na esfera bloguística.
Causa Nossa