segunda-feira, 31 de janeiro de 2005

A estabilidade governativa segundo o BE

A afirmação de Louçã, na entrevista de hoje na RTP, de que o PS "já governou com maioria absoluta", quando no seu último governo "comprou" o deputado Campelo (CDS) para aprovar o orçamento, é uma observação pouco séria, para não dizer pouco honesta. Justamente porque não tinha maioria absoluta é que o Governo precisava de um voto adicional para fazer passar o orçamento. Se o BE ou o PCP tivessem proporcionado esse voto, em vez de votar contra ele, não será que o que se seguiu (queda do Governo PS, vitória da direita em 2002) poderia ter tido outro caminho?
E o que é que garante que, se das próximas eleições resultasse uma situação política semelhante, o BE não adoptaria a mesma atitude? Se o BE se recusa liminarmente a participar no Governo (para não "sujar" as mãos?) e só promete apoiá-lo se ele realizar as políticas que o BE defende, como é que Louçã pode asseverar, como fez na entrevista, que a estabilidade governativa está garantida no caso de um governo do PS sem maioria absoluta, quando um outro dirigente do BE já declarou mesmo que não teriam pruridos em apresentar uma moção de censura contra ele?
É evidente que não está, pelo contrário!

A TRÊS SEMANAS DAS ELEIÇÕES (1)

A pré-campanha está a acabar. Para além das inacreditáveis insinuações postas a circular por líderes partidários que, à falta de argumentos políticos, pretendem excluir do debate público todos os que não sejam pais de família, ou verdadeiros machos latinos, duas notas:
1. não me lembro de outra em que tanta gente e tantas organizações tenham vindo a público (e ocupando tanto espaço nos media) defender o que querem para o país, ou para áreas sectoriais. E já ouvi (li) análises, opiniões e perspectivas interessantes e consistentes. Será que o nosso espaço público está, afinal, menos degrado do que eu suponha e em vias de recuperação? Ou será apenas uma consequência efémera do "sobressalto democrático" provocado pelos últimos meses de desgovernação e pela convicção generalizada de que estamos à beira do abismo?
2. muitas pertenças e não menos alinhamentos tradicionais parecem ter perdido validade, como que a sugerir serem as próximas eleições algo de mais sério do que uma rotina democrática. Claro que este aspecto é mais verificável para os lados do centro-direita, (efeito ainda do "Susto Santana"), mas, com menos evidência, atinge também os tradicionais alinhamentos com o BE.
Veremos o que nos reserva a campanha propriamente dita?

A TRÊS SEMANAS DAS ELEIÇÕES (2)

Portanto, a questão é mesmo o défice das contas públicas: o Estado em Portugal anda a gastar demais para os recursos que os contribuintes lhe entregam. E já quase ninguém defende que o combate à fraude e evasão fiscais seja remédio miraculoso para ir buscar os recursos financeiros que faltam. Resumindo: a atenção deve concentrar-se no lado da despesa pública.
Vamos lá a retirar conclusões deste consenso mais ou menos generalizado. Os dados parecem ser estes:
a) A despesa pública tem de crescer, nos próximos anos, abaixo do crescimento do PIB;
b) As alterações estruturais - sejam elas quais forem - só produzirão efeitos palpáveis daqui a 5/10 anos.
Então como encarar esse irritante problema que é o hoje? Os partidos que se arriscam a recolher a confiança dos portugueses para governarem deviam, portanto, explicar como pretendem poupar cinco mil milhões de euros/ano na despesa pública. E já estamos a pedir pouco... face à desorçamentação e outras técnicas de criatividade contabilística que por aí grassam, é discutível que o verdadeiro défice das contas públicas não ande acima dos 7% do PIB.
O desperdício e as adiposidades públicas - as mordomias da alta administração e o fausto republicano (sinal do nosso subdesenvolvimento cívico) em que temos o hábito de envolver qualquer acto da República, por mais insignificante que seja o fontanário a inaugurar - custam-nos todos os anos cinco mil milhões de euros, ou será preciso ir buscar alguma poupança ao osso?

A TRÊS SEMANAS DAS ELEIÇÕES (3)

Bem sei que no dia 20 de Fevereiro vamos eleger deputados e não governos. Mas não será exigível que os partidos se expliquem como entendem governar?
Claro que esse como terá de estar em consonância com os grandes objectivos que afirmam para a governação, mas não é líquido que decorra, assim sem mais, daqueles. E, se em democracia o como faz toda a diferença, nas actuais circunstâncias do país ainda mais.
Vamos por partes:
A reconhecida má prestação da administração pública e a baixa qualidade dos serviços públicos (assegurados directamente pelo Estado, ou por ele contratualizados com privados) não é um problema central da nossa democracia e do estado da nossa economia? SIM!
Tal problema poderá ser ultrapassado pela injecção massiva de recursos financeiros? NÃO!
Haverá 100 empresas em Portugal que reúnam maior número de licenciados do que uma escola, uma universidade, um hospital, um tribunal de médias dimensões, ou qualquer direcção-geral? NÃO!
Então, com uma mão-de-obra tão qualificada, aos senhores ministros do próximo Governo não cabe papel mais importante do que mobilizarem os recursos humanos sob a sua dependência. Estes são a única alavanca de que se podem socorrer para melhorar a qualidade dos serviços públicos.Definir objectivos concretos, responsabilizar, avaliar, mobilizar os funcionários e apoiar a organização, a eficiência e a gestão das diferentes organizações sob a sua tutela é matéria muito mais decisiva para a acção dos futuros ministros do que as leis, as iniciativas e os programas que já se estão a preparar para anunciar com estrondo. Como é que vão governar?

Reles

Reles, muito reles, é só o que me ocorre escrever para classificar as declarações de Santana Lopes num comício do PSD especial para mulheres!

Que fazer das eleições?

Com uma participação a rondar provavelmente os 60%, e tendo em conta o clima de violência prevalecente, as eleições iraquianas constituíram um relativo êxito, ainda que diminuído pelo quase boicote da minoria sunita. Embora dificilmente pudessem ser consideradas "livres e justas" de acordo com os padrões internacionais, é evidente que elas poderão proporcionar uma base de legitimidade para a construção de instituições políticas minimamente representativas. Mas, para além da provável continuação da violência -- pelo menos enquanto a ocupação persistir --, resta saber se elas não abrirão também o caminho para a marginalização dos sunitas e para o secessionismo curdo. Para que as eleições sejam o início de algo parecido com uma democracia no Iraque o mais difícil ainda pode estar para fazer.

4 contra 1

Há uma coisa essencial em que o CDS, o PSD, o PCP e o BE têm objectivamente um interesse comum: tentar impedir a vitória do PS por maioria absoluta. Aliás, nenhum deles disfarça. O resto são escaramuças secundárias pela preservação ou ampliação do espaço político de cada um.

Anedotário (2)

Portas apela ao voto no CDS para, diz ele, travar a subida do PCP e do BE. É evidente que isso não faz nenhum sentido. Não existe nenhuma relação entre uma coisa e outra. Quem pode travar o voto na extrema-esquerda é... o PS. E o aumento do CDS só pode ocorrer à custa... do PSD (o que, aliás, o PS agradece). Quem julga Portas que pode enganar com tão grosseira mistificação?

domingo, 30 de janeiro de 2005

Nojeira

Com o seu inqualificável ataque pessoal a José Sócrates, visando a sua vida privada, Santana Lopes transpôs um limite normalmente inviolável no combate político de uma democracia civilizada, dando mostras da sua falta de escrúpulos, de pudor e de carácter. Um nojo! Onde Lopes toca as coisas fedem.
Quem pode calar a indignação?

Adenda
A ler sobre isto: Ana Sá Lopes, J. Pacheco Pereira e Luís Osório.

Anedotário (1)

Nada de mais cómico nesta campanha eleitoral do que o "motto" que Santana Lopes adoptou nas suas apresentações eleitorais. Nada menos do que -- guess what? -- "competência"!! Haverá algum seguidor seu, por mais acrítico que seja, que não se ria intimamente com a anedota?
Ainda haveremos de vê-lo invocar também estes: "constância", "previsibilidade", "ponderação", "responsabilidade", "sentido de Estado", "lealdade pessoal", "carácter", etc. Todos vão muito bem com ele, não é!? Mas essa da "competência" é mesmo o máximo. Nada que surpreenda, aliás, no seu tipo. Pois não é verdade que na America Latina, por exemplo, a bandeira preferida dos políticos mais corruptos costuma ser a da "honestidade" política?

Eleições e terror no Iraque

Os iraquianos votam hoje.
Ou melhor, alguns iraquianos vão hoje às urnas.
Os comentadores dizem que são as primeiras eleições livres em 50 anos.
Mas os aeroportos e as fronteiras terrestres estão fechados, as estradas interiores bloqueadas e a população em pelo menos quatro províncias tem medo de sair à rua.
Ontem, foram mortas 19 pessoas.
Hoje, as urnas estão abertas no Iraque.
Amanhã, George W. Bush dirá que as eleições representaram uma enorme vitória sobre o terrorismo.
Amanhã também, haverá novas vítimas, mais mortes, mais feridos, mais razões para ter medo.
Depois de amanhã, a violência e o terror continuarão a marcar o dia-a-dia dos iraquianos.
O balanço da intervenção armada, que afinal resultou de um engano, é um desastre!...

sábado, 29 de janeiro de 2005

Malraux-Portas

Em entrevista ao Diário de Notícias, Luís Nobre Guedes afirma que Paulo Portas é o Malraux português. Falta apenas a PP ter combatido pelos republicanos na guerra de Espanha, ter escrito a «Condição Humana», ter realizado «L?Espoir» e ter sido ministro da Cultura do general De Gaulle. Como contrapartida biográfica no mesmo terreno, uma originalidade: as manchetes politicamente assassinas do «Independente». Descubra as diferenças...

O dilema

Esta meditação de J. Pacheco Pereira acaba por não enfrentar directamente o problema crucial, que é o seguinte: para um filiado ou apoiante do PSD que esteja fundamentalmente contra a deriva santanista e queira restaurar quanto antes a credibilidade do Partido como alternativa de poder responsável, qual é o melhor caminho nestas eleições:
(i) votar apesar de tudo no Partido, mesmo correndo o risco de ajudar a manter Santana à frente dele, se a derrota, embora certa, não for porém suficientemente severa para o forçar a sair (ou seja, abaixo dos 32% que Durão obteve em 1999)?
ou (ii) não votar, deixando que a punição eleitoral tenha a expressão que deve ter, para proporcionar condições para correr com o actual primeiro-ministro a seguir às eleições e criar uma opção credível que permita a recuperação do partido logo para as próximas eleições locais e presidenciais?
Visto de fora, este dilema parece de fácil solução: o que tem de ser feito deve ser feito. Mas, francamente, eu não queria estar no lugar deles!

Constituição europeia

Um estudo de opinião dado a conhecer pela Comissão Europeia revela os seguintes dados fundamentais:
a) grande desconhecimento da Constituição europeia (1/3 nunca ouviu falar, e mais de metade conhecem muito pouco sobre ela);
b) os graus de conhecimento variam muito de país para país, sendo o desconhecimento maior no Reino Unido;
c) existe uma clara maioria favorável à Constituição, com excepção do Reino Unido; todavia, a proporção dos que não têm opinião é muito elevado (mais de um terço a nível europeu, mais de metade em Portugal);
d) regista-se uma correlação entre nível de conhecimento e nível de apoio à Constituição: quanto mais conhecida, maior é o apoio (75% dos que declaram conhecer a Constituição apoiam-na).
O próximo País a aprovar a Constituição Europeia será a Itália, dentro de dias.

Coesão territorial (2)

O meu post anterior com este título suscitou vários protestos de alguns leitores, fundamentalmente com dois argumentos: (i) os transportes urbanos são utilizados sobretudo pelos mais pobres; (ii) Lisboa paga muito mais impostos do que as demais regiões do País. Lamentavelmente, sendo incontestáveis estes dois factos, ambos são totalmente irrelevantes para o argumento em causa.
Primeiro, o problema não é o de saber se os transportes públicos urbanos devem ser subsidiados. Devem, tanto em Lisboa como no resto do País onde eles existem.
Segundo, o argumento dos impostos só teria alguma relevância se em Lisboa as pessoas e empresas pagassem proporcionalmente mais do que as demais regiões em relação ao rendimento nela gerado. Ora é o contrário que sucede. Todas as empresas de âmbito nacional (EDP, Galp, bancos, etc.) pagam os seus impostos em Lisboa, embora a maior parte da sua actividade esteja espalhada pelo resto do território. E a coesão territorial quer dizer que os impostos nacionais devem ajudar especialmente as regiões mais pobres, e não as mais ricas.
Terceiro, o único problema que estava em causa é o de saber se os transportes urbanos são um serviço nacional, que deva ser responsabilidade do Estado, ou um serviço local, de responsabilidade municipal ou intermunicipal, cabendo o respectivo subsídio respectivamente ao orçamento do Estado ou ao orçamento dos municípios interessados.
Os transportes urbanos são em geral da competência e da responsabilidade municipal, sendo sustentados pelos respectivos municípios (Coimbra, Aveiro, Braga, etc.). Não se vê razão para Lisboa (e o Porto...) ser diferente, pelo menos quanto aos transportes de superfície (como os das outras cidades). Pelo contrário, se Lisboa é muito mais rica, não se compreende que seja o orçamento do Estado a sustentar os seus transportes públicos locais. No caso de Paris, Londres, Madrid, etc. a contribuição do Estado é reduzida, cabendo a maior parte da cobertura dos transportes urbanos às entidades locais ou regionais, incluindo taxas ou impostos especiais sobre transportes (por exemplo, a taxa de entrada na cidade em Londres) ou sobre a indústria local (taxa de transportes na França).

sexta-feira, 28 de janeiro de 2005

Distracção fatal

Andámos distraídos e agora é que vão ser elas para recuperarmos o tempo perdido. Mais um duche escocês aqui mesmo ao lado, na Aba da Causa.

O troca-tintas (3)

Comentando a ameaça de Santana Lopes de processar as empresas de sondagens, se os resultados eleitorais não confirmarem as previsões da sua pesada derrota, observa certeiramente um leitor da Causa Nossa: «e se os resultados confirmarem as sondagens, ele processará... os eleitores»!
Capaz disso é ele!

As razões de Freitas

Os críticos de Freitas do Amaral, em vez de condenarem a sua suposta "traição" à direita (em que se situa) e a sua alegada incoerência (por em 2002 ter pedido maioria absoluta para o PSD), por que razão abdicam de controverter a força dos seus argumentos? É mais difícil, não é?

Adenda - Já não terá tanta razão na questão da compatibilidade entre ser presidente da mesa da AG da Caixa e dar um parecer sobre matéria que afecta a empresa. Não havia necessidade.

Notícias da blogosfera

1. A notícia boa: Um ano a Tugir... em voz bem alta! Parabéns ao LNT e ao CMC.

2. A notícia má: O fim do Bloguítica. O Paulo Gorjão não tem o direito de nos deixar. Ele que arranje equipa e que volte. O seu link vai continuar no nosso blogroll (coluna aqui ao lado) à espera do regresso.

3. A análise: Via Portugal dos Pequenitos encontrei este estudo de João Canavilhas sobre os blogues e a política. A merecer uma leitura.

"Os problemas da justiça não se resolvem com mais do mesmo"

«Plenamente de acordo. Mas o que importa não é apenas quebrar a resistência das corporações. Importa também quebrar muitas proteções legais que, na prática, impedem a punição célere e desburocratizada dos prevaricadores. Por exemplo:
- a norma de que só os polícias podem cobrar multas de trânsito impedia a punição célere e desburocratizada do estacionamento irregular;
- a norma de proteção dos dados bancários impede que as instituições possam saber que um consumidor já tem ou teve créditos mal-parados e, consequentemente, se recusem a aceitar-lhe um cheque ou a fazer-lhe um empréstimo;
- a norma de que há o "direito à habitação" impede que um senhorio possa despejar rapidamente e sem burocracia um inquilino que não paga a renda, obrigando-o em vez disso a recorrer a um processo judicial custoso e moroso;
(...)
- não-sei-que-norma pretende impedir que os polícias cobrem as multas no momento em que detetam uma infração;
- não-sei-que-norma impede que, em vez de se apreender a carta de condução, se apreenda o veículo; e assim por diante. Toda uma série de normas que, a pretexto de impedir um Estado policial, e a pretexto de dar todas as garantias de defesa ao cidadão, na prática contribuem para entupir os tribunais com toda a variedade de assuntos de "lana caprina" que deveriam ser resolvidos, de forma célere, pela sociedade civil, ou, em todo o caso, por instâncias não necessariamente judiciais.»


Luís Lavoura

PS - De acordo com algumas, mas não com todas as medidas propostas. O despejo , por exemplo, tem de ser célere, mas não pode deixar de assegurar o direito de defesa do inquilino. Os ficheiros de crédito existem, mesmo que nem sempre estejam a funcionar muito bem, e são compatíveis com a protecção dos dados pessoais. Por último, e falo com experiência, acredite que as corporações resistem muitas vezes às medidas de simplificação, especialmente quando elas diminuem a procura dos seus serviços ou o que podem cobrar por eles! E não é só em Portugal que isso acontece.

O troca-tintas (2)

Há uns dias, quando as sondagens de opinião "davam" uma ligeira diminuição do fosso entre o PS e o PSD, Santana Lopes não hesitou em invocá-las em seu favor, anunciando a "recuperação". Agora que as mesmas voltam a mostrar o afundamento do PSD -- para baixo dos 30%, o que seria o pior resultado desde há 20 anos --, o mesmo Santana Lopes lança uma "fatwa" contra elas, ameaçando mesmo exigir "responsabilidades" futuras.
Quem pode fiar-se nesta personagem?

O troca-tintas

O PSD já anunciou uma terceira versão do seu programa eleitoral, depois de publicado. Após ter corrigido a lunática previsão do crescimento das exportações, a próxima versão contemplará a questão da idade da reforma, misteriosamente "esquecida". Não estão excluídas "novas versões", se calhar até ao dia das eleições...
São assim as coisas à moda de Santana Lopes: ligeiras, precipitadas, feitas em cima do joelho, coladas com cuspo, indignas de qualquer confiança. Quem pode querer continuar a ter um primeiro-ministro assim?

Um problema auditivo

A maior parte dos europeus acha que Bush é surdo - esta, a conclusão do jornalista americano Tom Friedman em artigo no NEW YORK TIMES, ontem, sob o título "READ MY EARS", sugerindo que Bush deveria apurar o ouvido e escutar o que os europeus têm a dizer-lhe. Friedman, recém regressado de uma viagem de 10 dias pela Europa, aconselha mesmo Bush a não falar, quando se deslocar a este lado do Atlântico em Fevereiro. Devia escutar primeiro e só falar depois de regressado aos EUA e de ter ouvido tudo o que os europeus têm para lhe dizer: "All it would take for him (Bush) would be just a few words: "read my ears". I have come to Europe to listen, not to speak. I will give my Europe speech when I come back home - after I've heard what you have to say".
Talvez por isso Tony Blair tenha agora querido falar mais alto. Por receio de mais uma vez Bush não o ouvir. Blair, com a voz amplificada do palco de Davos, disse claro, bem e em bom som: "Se a América quer que o Mundo participe nos objectivos que ela fixou, então ela deve, pelo seu lado, participar nos objectivos do Mundo". E disse ainda "é absurdo ter de escolher entre a luta contra o terrorismo e contra a pobreza. A luta anti-terrorista, a propagação da democracia e a paz no Médio Oriente são objectivos interligados que não podem ser dissociados da ajuda à Africa no combate à miséria e pandemias como a SIDA ou o paludismo, nem da luta contra o sobreaquecimento do planeta, gerador de catástrofes". Poderia muito bem ter sido um discurso francês da velha Europa da direita oportunista de Chirac ou da Europa progressista e socialista "principled" (logo, não "blairista") em que me integro. Mas não, foi do aliado mais fiel de Bush, Tony Blair.
Ainda há pouco mais de uma semana Robin Cook tinha aludido às dificuldades de audição de Bush. O ex-MNE de Blair, que se demitiu do Governo para se demarcar do enfeudamento de Blair a Bush na invasão do Iraque, comentava do seguinte modo o recente anúncio unilateral de Washington de dar por finda a procura de armas de destruição maciça naquele país: "Não obstante o Reino Unido ter empenhado um terço das suas tropas na invasão do Iraque, ninguém na Casa Branca se deu ao trabalho de pegar no telefone e avisar o Governo britânico dessa decisão unilateral". E concluía: "Talvez esta última facada cure finalmente Tony Blair da sua ilusão de que a Administração Bush algum dia o ouvirá em compensação pela sua lealdade." (GUARDIAN, 14.1.05).
Terá Blair ficado curado? Ou afinal Bush, como sugerem Tom Friedman e Cook, além de todas as outras diminuições, tem mesmo um problema auditivo?

"Um rasgo de imaginação"


No ano passado contraí uma responsabilidade com a Pampilhosa da Serra, com o meu artigo no Público intitulado "A carreira da Pampilhosa" (que pode ser visto aqui na Aba da Causa). Desde então tenho-me interessado por esse município perdido por entre serras e pinhais no centro interior do País. Por isso apraz-me dar aqui registo deste post do João Tunes sobre a realização de um Congresso sobre a Pampilhosa. Que seja um êxito.

SNS (7)

«O comentário de Luís Lavoura é a mais pura realidade, pelo menos nos hospitais que eu conheço. Posso dar o exemplo do Hospital de S. João, no Porto, onde há muitos anos estive internado durante 1 mês e ½ . Já mais recentemente, a minha avó materna esteve internada no mesmo hospital durante um mês, e a situação foi a mesma. Não se conseguia falar com os médicos; apenas estavam disponíveis os enfermeiros e os auxiliares da acção médica. (...) Os próprios enfermeiros, não raras vezes, alegavam falta de tempo para atender os pedidos dos doentes. (...) Em alguns casos, os enfermeiros e os auxiliares da acção médica não tinham a mínima sensibilidade perante o sofrimento de alguns doentes, sendo mesmo rudes e mal-educados. Parece-me que (...) devia haver uma maior preocupação em sensibilizar quem trabalha num hospital de forma a ser prestado um atendimento que respeite a dignidade de quem lá se encontra.»
(Carlos Azevedo)

quinta-feira, 27 de janeiro de 2005

Mais do mesmo?

Não é o consenso que tem faltado nas reformas do sistema judicial. É a vontade de romper com o status quo; de refazer o mapa judicial; de gerir os tribunais como organizações que o são efectivamente; de adequar os instrumentos processuais ao grau de da complexidade dos conflitos, não utilizando sofisticadas espingardas para caçar uma formiga; de oferecer soluções alternativas, mesmo concorrentes, mais ou menos formalizadas, para a resolução de certos litígios. Enfim os problemas da justiça não se resolvem com mais do mesmo, como já foi demonstrado. Resolvem-se com mais imaginação, com outros meios e com coragem para enfrentar as resistências das diferentes corporações.

As privatizações na justiça

O problema não é, sobretudo, a privatização do notariado. É o modelo que foi escolhido para a fazer em Portugal, privatizando as vantagens do exercício da actividade, mas preservando-a do risco que lhe deveria estar inerente, ao ser privada, ou seja, limitando à partida a concorrência entre notários.
Um estudo comparado sobre esta actividade, dirigido por Anthony Ogus para a Comissão Europeia, comprovou precisamente que onde há mais concorrência na prestação deste serviço é precisamente onde ele é mais barato e funciona melhor, com as vantagens decorrentes para cidadãos e empresas. A Holanda é referida como exemplo. Apesar de ter custos unitários mais baratos, os resultados globais da actividade são mais elevados do que em outros países. O estudo já estava on line, quando a reforma foi discutida na Assembleia da República. Adivinhem lá por que razão terá sido ignorado?

Avaliar as reformas

Avaliar as reformas (as da justiça e as outras), os seus resultados, a sua eficácia e os seus custos torna-se indispensável. Eis um consenso adquirido, mesmo que entre nós há muito pouco tempo. Mas nem oito, nem oitenta. Acompanhar e avaliar serve para corrigir, se for possível, e não para deitar a reforma para o lixo à primeira dificuldade e depois fazer outra, e outra, e outra ...

O dia da justiça

Hoje não foi apenas o dia da abertura do sistema judicial. Foi também o dia em que o Presidente da República defendeu que a accountability dos magistrados é importante e não colide com a independência do poder judicial, que o Presidente do STJ lamentou o excesso de uso de mecanismos dilatórios por parte dos advogados, mas também o excesso de formalismo e a forma antiquada de fazer sentenças pelos magistrados. E, para terminar, agora à noite, decorre o debate sobre a Justiça na RTP.

Antes de acenar com paus ou cenouras, conhece o teu burro


No "post" anterior escrevi que não discordo do objectivo de espalhar liberdade e democracia por esse mundo fora que messiânicamente Bush apregoou no discurso de re-investidura. Rejeito, porém, o auto-proclamado "messias", sem ponta de credibilidade, e os métodos ineficazes e contraproducentes que ele e "sus muchachos neo-cons" têm aplicado.
Sobre o tema escreve no GUARDIAN de hoje Timothy Garton Ash, com pertinência: "A Ucrânia é o bom caminho para espalhar a liberdade, Iraque é o errado. Será que a lição vem demasiado tarde para o Irão?".
Vale a pena transcrever extractos:
"A Ucrânia é o bom caminho(...).os ucranianos fizeram-no por si próprios. Com um bocadinho de ajuda dos amigos, claro(...).A revoluçao laranja foi inteiramente pacífica(...).o que se segue pode ser bagunçado, mas é provável que seja melhor para quem lá vive do que antes."
"O Iraque é o caminho errado. Começou com uma guerra (...)na base da falsa suspeita sobre ADM. A justificação da construção democrática só veio depois, quando as provas de ADM e de ligações terroristas se evaporaram.(...) A maior parte dos iraquianos ficou contente por se ver livre de Saddam, mas isto não aconteceu por sua iniciativa.(...) Mas muitos que eram contra Saddam acabaram por ser ainda mais contra a ocupação estrangeira".
"A ocupação americana foi levada a cabo com grosseira incompetência e falta de sensibilidade. Já para não falar nos abusos de direitos humanos de Abu Ghraib. O custo financeiro é aterrador. Face ao último pedido de financiamento de Bush, estimo o custo total da guerra e ocupação em mais de 250 milhares de milhões de dólares. Quantas vidas por esse mundo fora poderiam ter sido salvas por esses 250 MM?"
"E qual foi o resultado? Provavelmente a maior parte dos iraquianos sente-se mais livre do que sob o jugo de Saddam. Mas também mais inseguros. (...) este é um país num estado sem lei e à beira de uma guerra civil. Tornou-se num terreno tanto de treino como de criação de terroristas - exactamente o oposto do que pretendia a Administração Bush. A seguir à Palestina, é hoje o principal factor de congregação das forças anti-ocidentais e anti-liberais no mundo islâmico.
"Entretanto, o debate em Washington é sobre como sair desta trapalhada. (...) Henry Kissinger e Gorge Shultz já delineiam o que chamam de "estratégia de saída realista".
"Mas (na Ucrânia) a Europa não ganhou o direito à auto-congratular-se. O magnetismo da UE foi um factor. (...) Mas os americanos há anos que estavam mais activos do que os europeus no apoio aos democratas lá. A Ucrânia (...) foi uma vitória conjunta dos europeus e dos americanos.
"A comparação entre a Ucrânia e o Iraque não é apenas sobre o passado. É sobre o que é que a Europa e a América podem conseguir juntas nos próximos 4 anos e sobre o que não devem disputar-se. O maior, talvez o mais óbvio, teste seja o Irão. Se tivessemos feito pelo Irão nos últimos 5 anos o que fizemos pela Ucrânia, e não tivessemos invadido o Iraque, talvez o Irão fosse a Ucrânia do Médio Oriente. (...) Agora o regime islâmico iraniano está mais entrincheirado do que antes da guerra no Iraque, com os seus agentes democráticos mais enfraquecidos.(...)"Se se quer evitar uma nova crise do Ocidente, a Europa e a América têm de acordar numa abordagem conjunta, com mais "paus" europeus e mais "cenouras" americanas. As opções iraquianas e ucranianas já não estão disponíveis. Mas podemos tirar uma lição quer da Ucrânia, quer do Iraque: tudo depende de uma análise correcta das consequências domésticas prováveis no país em causa das nossas acções no exterior. Resumindo: antes de acenar com "paus" ou "cenouras", conhece o teu burro".

Com Rice, Bush dá-nos...o arroz

O Senado dos EUA confirmou ontem a nomeação da Sra. Condoleezza Rice para nova Secretária de Estado da Administração. Em relação ao seu antecessor, que "almofadava" o Presidente Bush, ela deverá cortar mais a direito (e à direita). O que, clarificando, inadvertidamente pode incentivar a união dos europeus.
Com Condi Rice deixará de haver dissonância na Administração. A ela é atribuída a frase que resume o sentimento em Washington após a invasão do Iraque: "punish France, ignore Germany, forgive Russia". No essencial alinhada com os "falcões", Rice vai estimular, sem querer, posições mais claras e convergentes por parte da Europa. Como previa Timothy Garten Ash num artigo publicado no Washinton Post, dias antes das eleições americanas, comentando a possibilidade de vitória de Bush vir a fortalecer o papel do eixo franco-alemão no concerto europeu e internacional.
No recente discurso de re-investidura, o Presidente Bush deu vazas ao messiânico propósito de espalhar liberdade e democracia por esse mundo fora (não é que eu discorde dos objectivos, o "messias" e os métodos que usa é que não têm credibilidade, nem eficácia), olimpicamente ignorando os vespeiros que não controlou no Afeganistão, que atiçou no Iraque, etc... Nada neste discurso encoraja a recuperação de alguma confiança por parte dos europeus nas relações com esta Administração americana. Mas, em Fevereiro, Bush vem à Europa, porque de facto precisa da Europa - para o Iraque, para o Afeganistão, para o Irão, e não só...
A Condi Rice vai caber papel decisivo na tarefa de reavivar o relacionamento transatlântico. Nos "hearings" por que passou no Senado, ela sustentou que "time for diplomacy is now" a propósito do Iraque. O colunista Tom Friedman (que apoiou a intervenção no Iraque) respondeu-lhe, exasperado pela resistência dela em reconhecer os erros e as consequências negativas deles que persistem: "Give me a break. The time for diplomacy was two years ago. We should be so much better off now if the entire European Union was actively urging Iraqis to vote, and using its own moral legitimacy in the Arab world to delegitimize the insurgents. The divided West is a real libalility."(NYT, 23.1.05).
Por todos os antecedentes, o mais provável é que com Rice, Bush nos venha a dar ... o arroz. E não será doce, pois Condoleezza tem mostrado pouca "dolcezza" (apesar de a mãezinha dela se ter inspirado no musical "con dolcezza" para a baptizar).

Powell: a almofada de Bush

Colin Powell, o Secretário de Estado cessante dos EUA, funcionava como a "almofada" de Bush, desarmando opositores com um posicionamento mais flexível, por vezes até dissidente, da Administração em que se integrava. Basta recordar o seu aparente empenho em manter a questão do Iraque na ONU, a sua irritação quando percebeu, tarde demais, que "fora levado" ao dar a cara no Conselho de Segurança pela acusação de que o Iraque possuia material nuclear, as suas declarações, contrárias às de Bush, de que se soubesse que o Iraque não tinha ADM não teria apoiado a intervenção armada, entre outros episódios.
Powell aparecia aos olhos do Mundo como o interlocutor dentro da Administração que mais facilmente poderia compreender quem, de fora, se opunha aos "falcões". Funcionava, assim, nos dois sentidos: atenuava o impacto das posições da Administração, a que procurava limar as arestas vivas dum unilateralismo feroz, e sugeria ser um canal com vontade para, dentro da Administração, fazer inflectir políticas em respeito dos quadros multilaterais. Constituiu peça utilíssima a Bush: o Presidente falava duro; Powell fazia o "controlo dos danos".
Powell não estava lá, de facto, para mudar a política de Bush; estava lá para fazer o Mundo engolir a política de Bush. "O bom soldado", como lhe chamou, logo que foi anunciada a sua saída do Departamento de Estado, o New York Times. Se assim não fosse, teria saído antes das eleições, a tempo de marcar divergências, de marcar a sua diferença. Mas isso teria tido sérias consequências para o candidato Bush, empenhado então em sugerir um possível retorno à via multilateral para captar votos ao centro. Powell preferiu a lealdade à liderança, como bem resumiu a imprensa americana.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2005

Há quem queira, mas não possa!

Há alguns meses atrás exprimia a minha indignação por não poder votar nas eleições europeias. Estudo presentemente nos Estados Unidos e o direito a voto nessas eleições está reservado aos portugueses residentes nos Estados-Membros da União Europeia. Na altura insurgi-me ainda com o facto de o mesmo impedimento não existir em Espanha, o que faz com que os espanhóis residentes em qualquer parte do mundo possam votar em todos os actos eleitorais do seu país. A lei portuguesa apenas permite que os residentes fora da UE votem nas eleições legislativas e nas presidenciais.
Sendo assim, preparei-me para votar a 20 de Fevereiro. Mas não. Mais uma vez estarei condenada à abstenção. A legislação portuguesa exige que tenha residência estabelecida no país onde me encontro. Ora, o meu visto é temporário e não de emigrante (visto de estudante), o que não me permite estabelecer residência nos Estados Unidos. (Consta que o mesmo acontece aos diplomatas). Mais uma vez verifiquei que este tipo de impedimento também não existe em Espanha.
Excluída do exercício do meu direito de cidadania, de novo aqui deixo o meu protesto, em especial para os futuros deputados que eu não poderei escolher.


Joana Branco, Houston.

Isto não foi real, pois não?

O jogão que acabámos de ver entre o Benfica e o Sporting foi produzido por computador, não foi?

Então em que ficamos?

«Temperaturas normais para a época», leio agora pela segunda vez naquela banda que corre no ecrã de uma estação de TV. Exactamente a mesma que há pouco dedicou mais de 10m a tratar do problema, ou seja, da dita vaga de frio! Juro que isto acaba de acontecer, LN!

A geografia da Anacom

No site da Anacom, as Filipinas e as Ilhas Maurícias estão incluídas no grupo de países do continente americano. É certo que último maremoto deslocou algumas ilhas, mas não foram estas. Nem consta que as ilhas atingidas tenham mudado de continente!
Espera-se, assim, que o erro seja rapidamente corrigido, devolvendo-se o seu a seu dono, ou seja, as Filipinas à Ásia e as encantadoras Maurícias ao oriente africano. Além do mais, tamanho engano fica especialmente mal a um regulador das telecomunicações e dos correios. Mas acontece...!

Isto não está a acontecer, pois não?

1 O patrão da CIP (só não lhe podemos chamar o "patrão dos patrões", à francesa, pelas razões portuguesas que se conhecem), Francisco Van Zeller, faz uma declaração surpreendente para os ouvidos ultra-liberais: a taxa do IRC em Portugal não constitui problema de maior para os empresários (é inferior à média europeia) nem constrange o investimento.
2 O presidente da Câmara de Celorico de Basto quer processar o INE pelo facto de o seu concelho aparecer como o mais pobre (em poder de compra) do país.
3 Os principais noticiários do nosso rectângulo abrem sucessivas edições com uma história à Orson Welles: a de que o país está a atravessar um vaga anormal, quiçá mortífera, de frio polar.

Coesão territorial?

O Público de ontem revelava um estudo demonstrativo da enorme fosso entre o poder de compra em Lisboa e no resto do País, sendo o daquela quase três vezes superior à média nacional. Entretanto, como se vê noutro estudo divulgado pelo Jornal de Notícias de hoje, o défice dos transportes públicos de Lisboa não pára de crescer, sendo ele suportado... pelo orçamento do Estado (ou seja, por todo o País).
Os pobres subsidiam os ricos!

"Devia haver algum decoro nestas coisas"

Pois devia. Mas deste primeiro-ministro era de esperar outra coisa que não esta?

Novas Fronteiras

Os que manifestaram (ou possam ter) interesse em conhecer a minha comunicação na "Convenção Novas Fronteiras", sábado passado, podem aceder a ela no respectivo website (resolvi também incluí-la na sempre disponível Aba da Causa).
Aproveito para registar as gratificantes referências do Raimundo Narciso e do João Tunes.

O fundo e a forma

O que é que distingue os partidos? Defendo que a forma da política pode contar tanto como o conteúdo das políticas no meu artigo de ontem no Público, intitulado "O modo da política" (também recolhido na Aba da Causa, como habitualmente).

A grande confusão

Vale a pena ler, no Público de ontem, o artigo de João Vasconcelos Costa acerca das confusões sobre o esquema de graus superiores a adoptar em Portugal na aplicação do Processo de Bolonha, o qual prevê um 1ª grau de pelo menos 3 anos e um 2º grau a obter ao fim de 5 anos, permitindo portanto duas alternativas: 3+2 ou 4+1. Retomando argumentos já esgrimidos no seu blogue, JVC denuncia as tentativas de subverter o processo de Bolonha e as razões (corporativas e outras) que estão por detrás delas. Para além da abstrusa proposta de 3+1+1, defendida para vários cursos na área das ciências e das tecnologias, é de sublinhar ainda o caso de Direito, para o qual a respectiva comissão defende a manutenção do actual esquema de 5+2, ou seja, a pura e simples rejeição do esquema de Bolonha. Merece o prémio do conservadorismo.
Felizmente pertence ao Parlamento e ao Governo, e não às faculdades e corporações profissionais, fazer implementar o processo de Bolonha. Essa tarefa cabe ao próximo parlamento e ao próximo Governo.

Cadê os números?

«Santana Lopes exige debates enquanto esconde os números das contas públicas; se eu fosse líder do PS não aceitaria qualquer debate com um dos líderes dos partidos do governo enquanto não fossem divulgados os dados das receitas e despesas do Estado de Dezembro de 2004, para além dos dados necessários para apurar o défice orçamental. Se o principal problema do país são as contas públicas não faz sentido debater o país com quem anda a esconder os números!»
(O Jumento)

A RTP pode tomar partido? (2)

Contra este meu post há porém quem ache que a estação pública de televisão tem toda a liberdade para contratar os comentários de Marcelo Rebelo de Sousa nos termos que lhe aprouver, como qualquer estação privada. Mas se fosse, por exemplo, Mário Soares, teriam a mesma opinião?
Ora acontece que: (i) a RTP é financiada essencialmente por uma contribuição especial pública; (ii) está constitucionalmente obrigada a assegurar o pluralismo da opinião política que emite e a observar um princípio de imparcialidade política. Por isso ela não goza da mesma liberdade das estações privadas, que não estão sujeitas às mesmas obrigações (pelo menos na mesma medida). O comentário de protagonistas políticos, como é o caso, só deve ter lugar num quadro de equilibrada contraposição com outros. Não pode haver tempos de antena furtivos.
A propósito, o que pensará disto a Alta Autoridade para a Comunicação Social?

Serviços públicos e gestão empresarial

«A propósito da fuga de serviços públicos para o direito privado de que o Prof. Vital Moreira parece ser defensor, há uma questão que me faz confusão:
Andou-se em Portugal a porfiar anos a fio por uma sistematização do processo administrativo para "reforçar a eficiência do agir da administração, e para garantir a participação dos cidadãos nas decisões que lhe dizem respeito" até que, em finais de 1991, com toda a pompa e circunstância e grandes despesas associadas em acções de formação, entrou finalmente em vigor o que os administrativistas clamavam como sendo uma medida com altíssimo significado para todos os administrados deste país. Enfim, dizia-se, uma autêntica revolução nos procedimentos administrativos. (...)
Afinal, tanto trabalho legislativo para quê? O que se está a verificar é justamente que com empresarializações, criação de institutos públicos (com funções públicas) cuja gestão se passa a processar pelo contrato individual de trabalho e outro direito privado, etc., se está a fugir àqueles princípios e a procedimentos a que toda a administração pública deveria obediência num estado de direito democrático. (...) O que é um erro clamoroso, quanto a mim. Quem não soube gerir os serviços públicos com direito público, não vai consegui-lo com o direito privado. (...)»

(Fernando Barros)

Comentário
Vários pontos desta carta requerem correcção.
Primeiro, ao contrário do que diz, eu não defendo a fuga dos serviços públicos para o direito privado, pelo contrário, salvo nos casos de unidades prestadores de bens ou serviços ao público no mercado, mediante remuneração, que podem ser empresarializados, com ganhos de eficiência. Há muito que existe uma separação entre o "sector público administrativo" e o "sector público empresarial". O que importa é que a forma de empresa não seja utilizada abusivamente para serviços que nada têm de empresarial.
Segundo, a nova lei-quadro dos institutos públicos, embora tenha admitido a adopção do contrato individual de trabalho, obriga a um procedimento público e objectivo de recrutamento de pessoal, semelhante ao da função pública.
Terceiro, o próprio Código de Procedimento Administrativo estabelece que os princípios gerais da actividade administrativa nele estabelecidos e as normas que concretizam direitos fundamentais continuam aplicáveis aos organismos administrativos de direito privado, pelo que a "fuga para o direito privado" nunca é integral.

Vital Moreira

alquimia das lágrimas

Durante anos desejei ser actor devido às cenas de choro. Sim, sou tão lamechas quanto isso. Nunca a "suspension of misbelief" funcionou tão bem comigo como nas cenas em que um actor/actriz, em grande plano, deixava rolar uma lágrima por todo o rosto. Emocionava-me a história, a comoção da personagem, o caminho que a lágrima escolhia entre nervos e pele e que nenhum realizador alguma vez poderia encenar.
Só há poucos anos me falaram dos truques dos actores: o colírio, o fumo do cigarro para os olhos se irritarem, não pestanejar durante muito tempo, uma técnica muscular facial qualquer que só uns raros dominam. E estragaram-me a vida. Prejudicaram-me a escuridão sagrada das salas de cinema. Interromperam-me a "suspension" para me pôr a pensar.
Desaparece assim a maior percentagem da convicção que dedicava a interromper a minha vida, com prazer, para me imaginar na pele da personagem comovida.
Como um ilusionista alcoolizado que, por estar fora de si, partilhasse connosco o segredo dos seus truques - destruiu-se a magia.
Resta-me apenas o caminho que as lágrimas inventadas para aquele momento continuam a percorrer de forma aleatória, a esperança de que existam actores ainda tão ingénuos quanto eu em relação aos truques supracitados, e uma cada vez menor percentagem de sonho. Uma bem menor vontade de vir algum dia a ser actor. E tenho pena. Consigo chorar.

SNS (6)

«Queria desmentir o comentário de Luís Lavoura, publicado no seu blogue, em que refere que os doentes são abandonados aos cuidados da enfermagem com excepção de um curto período entre as 10-11h. Isto é totalmente falso, não é a prática corrente nos hospitais. Existem médicos de permanência, articulação com o SU, visitas ao Sábado de manhã, etc., (a prática é variável). Também não é verdade que os médicos estejam desaparecidos após essa curta hora. Claro que podem existir maus exemplos mas é injusto que se generalize tal ideia.
Este género de comentários faz lembrar a quantidade de mentiras (que depois são repetidas até à exaustão) que se começam a generalizar nos meios de comunicação mais sensacionalistas. Claro que os hospitais não são um paraíso (passe a ironia), há muitas críticas a fazer ao seu funcionamento mas não devem ser alimentadas com falsidades.»

(Horácio L. Azevedo, Médico Interno Complementar, Linhadohorizonte.blogspot.com)

Microsoft não desiste da (grande) batalha

1. Contrariamente ao que o Público noticia hoje, a Microsoft não desistiu do recurso para o Tribunal de Justiça contra a decisão da Comissão Europeia que lhe aplicou a maior multa de sempre por abuso de posição dominante (entre outros aspectos, por ligar o Windows ao Media Player).
2. A Microsoft apenas decidiu não recorrer da decisão do Tribunal de Primeira Instância, de Dezembro de 2004, que não suspendeu a aplicação das sanções até que seja conhecido o resultado do referido recurso, o que demorará bastante tempo a acontecer (2007 ou 2008).
3. Enquanto espera pela decisão sobre o fundo da questão, a Microsoft terá agora que conformar o seu comportamento com algumas medidas que lhe foram impostas pela Comissão, nomeadamente a de disponibilizar informação aos concorrentes para que estes possam compatibilizar o seus programas com o sistema operativo Windows e a de oferecer uma versão do sistema sem o Media Player.

SNS (5)

«(...) Tendo já estado internado, e tendo o meu filho já estado internado, em hospitais estatais, sei do que falo. Há um momento grande do dia (mas só nos dias úteis!), cerca das 10-11 da manhã, quando os médicos visitam os internados, perguntam como se sentem, dão as instruções aos enfermeiros, prometem a alta para (depois de) amanhã, e vão-se. Depois nunca mais são vistos. Os internados ficam abandonados o resto do dia, deixados aos cuidados dos enfermeiros; só em caso de absoluta e dramática urgência é chamado um médico das urgências. Quanquer alteração no estado de saúde dos internados é deixada para o dia seguinte. Essas alterações são, naturalmente, frequentes. E angustiantes.
(...) Aliás, em tempos fazia-se escândalo nas nossas universidades, e com muita razão, sobre os "turbo-professores", aqueles que eram ao mesmo tempo professores numa universidade estatal e numa universidade privada.
É pena que nunca se tenha falado dos turbo-médicos, aqueles que fazem simultaneamente clínica num hospital estatal e na privada, andando sempre a correr de um para o(s) outro(s) lado(s). Talvez porque quase todos os médicos são turbo-médicos, nunca se pensou em arranjar uma designação apropriada para eles.»

(Luís Lavoura)

Antologia do dislate

«Anda aí uma ideia que parece comum ao PS e PSD de introduzir um cartão único que seja BI, Cartão de Contribuinte, Carta de Condução, etc. Tal é nazismo em estado puro e deve ser combatido.»
Rui Verde

SNS (4)

«1. A RTP 1 está de parabéns por este contributo cívico ao longo desta semana. Para que o maior número de cidadãos pudesse assistir a estes debates seria bom se o início dos mesmos pudesse ser antecipado para as 21:30, mantendo-se a duração total.
2. Na minha avaliação global foi Maria José Nogueira Pinto quem esteve melhor ao longo de todo o debate. Intervenções claras, bem estruturadas e fecundas, mostrando um enorme à vontade em todos os temas da saúde. Demonstrou ainda possuir uma visão para a Saúde, independentemente de se poder concordar ou discordar da mesma.
3. Tenho dificuldade em avaliar a bondade do trabalho realizado por Luís Filipe Pereira como Ministro da Saúde e do debate de ontem não consegui retirar nenhuma conclusão, apesar de ser claro que tem o mérito de apresentar obra feita em áreas importantes da Saúde.
4. Quanto a Correia de Campos, devo dizer que esperava mais e melhor. Era do representante do PS que eu esperava ouvir algo mais consistente sobre o modelo dos chamados Hospitais SA do que apenas uma observação não fundamentada sobre a impossibilidade aritmética dos resultados e ainda que teria de mandar fazer um estudo quando chegar ao Governo. No confronto directo com Luís Filipe Pereira não conseguiu convencer e nos restantes pontos de debate pareceu ter ideias relevantes, mas para mim não foi clara a sua visão para a Saúde. Para um Partido de Governo como é o PS eu penso que é de exigir mais, isto é, tem de se perceber bem qual é a alternativa face ao PSD e, no meu entender, isso ontem não ficou claro.»

(Jorge Guerreiro)

SNS (3)

O Ministro da Saúde cessante confirmou que o subfinanciamento da saúde tem continuado nos últimos orçamentos. O resultado tem sido o atraso nos pagamentos de fornecedores do SNS e a acumulação de enormes débitos, regularizados depois mediante operações de imputação directa à dívida pública, sem passar pelo orçamento. A suborçamentação resulta numa conveniente desorçamentação (uma habilidade para manipular o défice orçamental).
O que ninguém encarou de frente foi o modo de financiar o SNS, tendo em conta a inevitável subida dos gastos, por mais eficiente que se torne a gestão e por mais desperdícios que se eliminem. Só existem três alternativas: (i) aumento das transferências orçamentais, ou seja, dos impostos; (ii) co-pagamento dos doentes pelos cuidados recebidos; (iii) generalização de seguros de saúde, tornando-os obrigatórios pelo menos para certas patologias mais onerosas.
Mas quem é que quer assumir os custos politicos de qualquer destas soluções? Sem sustenação financeira, a saída inevitável é condenar o SNS à degradação progressiva, à míngua de dinheiro...

SNS (2)

Outra declaração digna de registo no referido debate sobre questões de saúde foi a do novo bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, que declarou haver «carência de médicos». Para quem, como a Ordem, defendeu militantemente a restrição no acesso às faculdades de medicina durante mais de vinte anos, sendo por isso um dos grandes responsáveis pela falta de médicos (coisa que o bastonário nega, contra toda a evidência), a referida posição não deixa de surpreender. Tardia autocrítica ou preocupação com a diminuição de sócios contribuintes da Ordem?

SNS

No debate e ontem na RTP1 sobre as posições partidárias acerca da saúde, uma das melhores observações pertenceu a Maria José Nogueira Pinto (CDS), quando assinalou que temos «um sistema de saúde a trabalhar em part-time», querendo com isso referir o facto de os hospitais estarem "às moscas" da parte da tarde, visto que a maior parte dos médicos não se encontram em regime de exclusividade. Daí o enorme subaproveitamento das instalações e dos equipamentos, designadamente no que respeita às cirurgias.

Confusão

Ao contrário do que muita gente supõe, os chamados "hospitais SA" também são empresas públicas, a par com a outra modalidade destas, os entes públicos empresariais (EPE). Foi para esclarecer essa confusão, entre outras, que dediquei o meu artigo de ontem no Diário Económico à questão da empresarialização dos hospitais públicos (tanmmbém recolhido na Aba da Causa, como habitualmente).

segunda-feira, 24 de janeiro de 2005

Avaliação legislativa

Ao longo dos anos, temo-nos caracterizado por saber fazer boas leis, por ter uma boa técnica legislativa. Mas do trabalho de verificar se elas são ou não aplicadas (quantas ficaram por regulamentar?), se há ou não recursos - financeiros, humanos ou institucionais - para a sua aplicação, se os efeitos pretendidos são atingidos ou se , pelo contrário, a lei até está a produzir efeitos perversos, etc., etc., quase ninguém cuida. Quando a velha lei é reformada, isso faz-se, muitas vezes, sem ter qualquer ideia de qual foi o seu sucesso ou insucesso. Mas esta cultura legislativa, infelizmente ainda hoje dominante, tem os seus dias contados. Mesmo entre nós, pelo menos desde o tempo em que o António Costa era Ministro da Justiça, a situação começou a alterar-se. Por isso é de saudar a iniciativa que o Gabinete de Política Legislativa do Ministério da Justiça leva a cabo hoje e amanhã em Lisboa, precisamente dedicada ao tema da avaliação legislativa.
Pena é que sejam tão poucos os legisladores presentes!

Politicamente correcto?

Não, meu caro Vicente, longe disso. Aliás, nem sei bem o que isso é, mas tu vais-me explicar, se não for antes no próximo domingo!
Os teus argumentos são discutíveis é claro. Nem de ti se esperaria outra coisa. E mesmo que aqui ou ali, em abstracto, te possa dar razão, no caso concreto não me fazem mudar de posição, um milímetro sequer.
Eu assisti ao debate e indignei-me logo. Ao princípio até esfreguei as orelhas. Estaria eu a ouvir bem? Tal como me indignei com uma célebre carta aberta que C. Candal escreveu contra o mesmo P. Portas numa campanha eleitoral em Aveiro há 10 anos (a direcção do PS condenou); ou com o argumento que, também em nome da coerência, alguma esquerda esgrimiu contra Sá Carneiro, no tempo da primeira AD, pelo facto de então viver com uma mulher com quem não era casado. São diferentes as situações, é certo. Mas esta, vinda de onde vem, não é melhor do que as outras. É até talvez pior.
E devo acrescentar ainda o seguinte. Há pessoas de cujas posições políticas quase sempre discordo, mas que admiro pela argumentação fundamentada, reflectida e não demagógica. Paulo Portas não está, nem nunca esteve, entre elas, bem pelo contrário. Mesmo assim considero inaceitável a argumentação de F. Louçã. E mais ainda o que se lhe seguiu. Se a frase tivesse sido proferida no calor da discussão, em resposta a uma provocação, mandaria a boa ética que no dia seguinte se pedisse desculpa do excesso. Mas não. No dia seguinte, com excepção de um candidato independente do BE, todos os outros trataram de desculpar o "chefe" ou de se esconder atrás de frase "não vi, não posso comentar".

O prédio ou a língua?

Tenho seguido com alguma atenção a polémica em torno da mais que provável demolição do edifício onde funciona a Escola Portuguesa em Macau e, em particular, os argumentos dos que bradam contra a eliminação de um elemento referencial da arquitectura contemporânea portuguesa como seria a Escola Pedro Nolasco. Ao que se sabe, o governo da região de Macau pretende substitui-la por uma nova, ampla e bem equipada, onde o ensino do português se poderia consolidar de modo perene. Serão confiáveis as intenções chinesas?
Só quem nunca foi a Macau poderá lamentar o fim da vida da Pedro Nolasco enquanto escola portuguesa. Literalmente entalada entre prédios de habitação e artérias comerciais, funcionalmente inadaptável a qualquer projecto de desenvolvimento, a Pedro Nolasco tinha há muito tempo esgotado o seu prazo de validade e, quando muito, só poderia subsistir enquanto escola infantil ou pré-primária. Até prova em contrário, só temos de nos regozijar pelo facto de a administração de Edmund Ho pretender valorizar o ensino do português ao ponto de fazer o que nós nunca fomos capazes - uma boa escola. Se isso significa a destruição de um velho equipamento escolar, por emblemático que possa ser, paciência. Confesso que nunca atribuí à obra macaense de Chorão Ramalho uma especial valia estética (estou bem consciente das acusações de iliteracia arquitectónica a que me sujeito) nem hesito um segundo só no seu sacrifício a bem de objectivos mais importantes. Em alternativa, poder-se-ia propor à administração chinesa a classificação do triste imóvel como património nacional...

O farsante

«Santana pede maioria absoluta».
O que lhe falta em sentido de Estado sobra-lhe em vocação para a farsa.

«Vícios privados, públicas virtudes»

Registo os contra-argumentos apresentados pelo Vital e a identificação da Maria Manuel com a posição da Ana Sá Lopes no «Público» acerca do debate Portas-Louçã. Congratulo-me com esta polémica entre amigos, que, aliás, me faz ter remorsos da minha recente e prolongada ausência no Causa Nossa. Já agora, uma fraternal provocação: não estarão vocês a ser «politicamente correctos» em demasia?
Em primeiro lugar, julgo que é redutor entender a coerência no plano moral como circunscrita a uma alínea temática -- e basta ver o caso Buttiglione para meditarmos sobre isso. Recordo que a homofobia de Buttiglione aparecia estritamente associada aos dogmas fundamentalistas sobre o aborto (um tema e outro aparecem, aliás, ligados no discurso ideológico do Vaticano) e outros.
Claro que é contraditório que o Bloco capitalize todo um folclore «gay» e Louçã caia depois nas sugestões que fez a Portas: é o lado sibilino e sacrista da personagem. Mas insisto: quando Portas esgrime um argumento como o de comparar genericamente o aborto a um assassinato e o mesmo Portas aparece notória e publicamente identificado com posições como as de Buttiglione -- simultaneamente homofóbico e fundamentalista do chamado «direito à vida» -- como é que eu lhe respondo? Fico calado e paralisado? Cedo ao politicamente correcto, «divido as orações» e teorizo em abstracto, defensivamente, perante uma acusação de assassinato que me visa moralmente?
Se, por hipótese, um padre vem esgrimir comigo teses semelhantes, eu não lhe posso responder que ele não gerou vida e eu gerei? Que eu tenho uma família constituída mas não faço gala disso nem aceito a família como valor ideológico, enquanto ele pretende reivindicar, contra mim, o monopólio ideológico da defesa da família sem a ter constituído?
Então qual é o problema com Portas, que nem tem o álibi religioso de ser padre? Subentende-se, é óbvio, que é por causa dos rumores sobre as suas supostas ou reais inclinações sexuais. Mas deverão esses rumores complexar-me e inibir-me quando o mesmo Portas não tem inibições de qualquer espécie em lançar acusações de assassinato sempre que o tema do aborto é abordado?
Finalmente: em abstracto, não me parece lógico nem consequente que um dirigente de um partido que perfilha ostensivamente uma ideologia hiperconservadora no plano moral se ache dispensado de ser coerente com ela em todos os domínios da sua vida privada. Ou seja: eu não tenho culpa de ele ser hiperconservador e utilizar uma suposta superioridade moral contra mim, se acaso infringe as regras fundamentalistas que me quer impor. Isso chama-se duplicidade -- e a duplicidade não pode ser acantonada, conforme as conveniências do dúplice, neste ou naquele campo específico das suas opções morais públicas e do seu comportamento privado.
Serão os nossos brandos e excelentes costumes que nos permitem mais esta originalidade, agora em matéria de tolerância da duplicidade moral? Por isso invoquei o caso Portillo. Porque foi entendido -- e o próprio Portillo a isso se submeteu -- ser politicamente insustentável que um partido com uma agenda moralmente conservadora tenha como chefe alguém com um comportamento privado que não corresponde a essa agenda. Não tenho de concordar nem discordar, tenho apenas de constatar. Esse é um problema dos fundamentalistas morais, não é meu. É a velha questão dos «vícios privados, públicas virtudes». E não sou eu que apregoo estas e escondo aqueles debaixo do tapete.
VJS

domingo, 23 de janeiro de 2005

"A velha esquerda moralista"

«Deliberadamente ou não o BE fez o jogo da direita mais conservadora, colando-se a ela nos seus valores e preconceitos. (...) O uso da vida privada de cada um com objectivos políticos é uma arma sempre populista e quase sempre indecorosa» - Ana Sá Lopes, hoje no Público (texto indisponível online), a propósito do ataque do Bloco de Esquerda a Paulo Portas, esgrimindo uma contradição entre a sua presumida vida privada e a sua oposição à despenalização do aborto.
Para quê dizer por outras palavras o que está bem dito nas palavras transcritas? Afinal a esquerda que se pretende nova pode ser tão velha, ou mais, do que a antiga no que respeita ao moralismo conservador.

A RTP pode tomar partido?

Foi anunciado que a RTP contratou Marcelo Rebelo de Sousa para prosseguir no canal 1 as suas análises dominicais. Aparentemente ninguém discorda. Eu discordo.
MRS não é um comentador político mas sim um político comentador. É um militante partidário que utiliza os seus comentários para favorecer os interesses do seu partido e/ou a sua própria agenda política pessoal (no que aliás é brilhante). Como mostrou no passado nem sequer cuida de interromper os seus "comentários" em períodos eleitorais, como sucedeu nas eleições de 2002. A RTP não é uma estação privada, mas sim a concessionária do serviço público de televisão, obrigada por isso a deveres de isenção e imparcialidade política e de equilíbrio no tratamento das opiniões político-partidárias.
Nenhuma objecção haveria à intervenção de MRS enquanto opinião política, com o devido equilíbrio com outras correntes. O que constitui uma flagrante violação da isenção e da imparcialidade da estação pública é a sua contratação como super-comentador, num espaço privilegiado, a solo, o que se traduz obviamente num privilégio para as ideias políticas que ele representa (como se não bastasse o predomínio de comentadores de direita que nela já têm tribuna...). Compreende-se que ele tenha preferido a RTP em vez de uma estação privada, pois assim reverte em seu favor o próprio estatuto de independência da estação pública. Esta é que não tem o direito de conceder tais privilégios.

Coerência moral dos políticos

Os posts antecedentes de Vicente Jorge Silva e Luís Nazaré sobre um incidente entre Paulo Portas e Francisco Louçã partem de um pressuposto certo, ou seja, o de que é lícito exigir aos políticos coerência entre as suas posições públicas e a sua vida privada, podendo ser publicamente expostos em caso de contradição. Assim é defensável a denúncia pública de uma dirigente política contrária à despenalização do aborto em nome do "direito à vida", vindo depois a saber-se que ela mesma praticou um.
A questão é de saber se no caso concreto pode ser invocada uma situação desse tipo. Concretamente, existirá alguma contradição moral entre ser contra a despenalização do aborto e ser, por hipótese, homossexual? Um homossexual não poderá adoptar uma moral reaccionária nessa matéria (e noutras)? A sua posição antidespenalização tornar-se-á inadmissível só por causa da sua orientação sexual? Por mim não vejo nenhuma incompatibilidade moral entre as duas coisas. Os homosexuais não têm por que ser "liberais" noutras matérias.
Voltando ao caso concreto, Portas pode ser ultrademagógico e até pouco ou nada sincero na sua cruzada contra a despenalização do aborto, como são muitos políticos de direita para cativar o voto religioso e conservador. Ele deve ser politicamente combatido por essas posições. Mas, a meu ver, a sua real ou presumida orientação sexual não é relevante nessa matéria.
Francamente parece-me mais contraditório e mesmo "hipócrita" que os que se afirmam campeões da não discriminação por motivo de orientação sexual e dos direitos dos gays não admitam depois que eles possam ter uma posição "heterodoxa" no que respeita à despenalização do aborto. Eis porque não posso aplaudir Louçã, antes pelo contrário.

Consensos à esquerda?

Se fosse necessário demonstrar que não há consensos possíveis à esquerda em matérias decisivas, aí está a declaração feroz dos dirigentes do Bloco de Esquerda contra as propostas (bastante equilibradas) do PS para a administração pública. Em tempo de crise sistémica, não bastam as afinidades genealógicas.

Mais sobre o debate Portas-Louçã e a hipocrisia

Pois eu vi o debate Louçã-Portas, meu caro Vicente Jorge Silva. E posso-te assegurar que a tirada de Francisco Louçã nem sequer pecou por excesso. Pelo contrário, foi um ferro curto no lombo de quem imagina deter uma condição moral superior a não sei o quê e estar imune ao escrutínio da coerência e do juízo cidadão. A provocação inicial foi lançada por Paulo Portas, de um modo manifestamente insolente e descabido. Louçã limitou-se a mostrar que não era feito de pau e contra-atacou com razão e nervo. Fez bem. Por todas as razões que desenvolves no post abaixo e porque estamos carentes de autenticidade, sobretudo a provinda dos espíritos normalmente mais compostos.

Portas, Louçã e a hipocrisia

Não vi o debate entre Portas e Louçã na SIC-Notícias, mas confesso que fiquei surpreendido com o teor serôdio, hipócrita e moralista de algumas reacções -- nomeadamente no «Público» -- , assentando baterias contra Louçã e absolvendo Portas na questão do aborto.

Não concordo que o facto de se ser ou não casado ou ter ou não filhos deva legitimar ou diminuir o direito de opinião de quem quer que seja. Mas se alguém, como Portas, se arvora em paladino do direito à vida e pretende condenar em bloco, e em nome de um dogma fundamentalista, as posições favoráveis à interrupção da gravidez, então o mínimo que se lhe deve exigir é que seja coerente e consequente entre as suas opções privadas e as suas posições públicas.

Portas não é um qualquer cidadão anónimo, é uma figura pública e um líder político. Não tenho nada a ver com o seu comportamento na esfera privada e íntima e considero intolerável que as suas opções nesse campo possam constituir um factor de diminuição dos seus direitos políticos e civis. Mas a partir do momento em que Portas (ou outro cidadão com responsabilidades na esfera pública) invoca critérios de superioridade moral para condenar sumariamente comportamentos alheios e ele próprio não é consequente com eles na sua vida privada, entramos já noutro campo.

Admitir que Portas possa dizer tudo o que lhe vem à cabeça (incluindo comparar a interrupção da gravidez com o assassinato), ou que tem todo o direito de o fazer mas não pode ser confrontado com as suas contradições, eis o que também me parece intolerável. E hipocrisia pura e simples.

Insisto: tenho todo o direito de contrapor a quem condena as minhas opções no plano moral as suas contradições e inconsequência, sobretudo se se trata de alguém que pretende armar-se em campeão de uma moralidade absoluta. A propósito, penso que ainda consta no Livro de Estilo do «Público» um princípio básico: um jornalista não tem o direito de violar a privacidade e a intimidade de alguém, mas se esse alguém é uma figura pública cujo comportamento privado contradiz radicalmente as normas que pretende impor publicamente aos outros (julgando os outros moralmente e politicamente em nome disso), a função do jornalista é denunciar essa contradição. Ora, no caso do debate referido, como negar a Louçã o direito de apontar a Portas a evidência de uma contradição, embora utilizando eventualmente termos menos felizes? Além disso, foi ou não Portas quem se atreveu a abrir as hostilidades, julgando-se resguardado por um estatuto de total e absoluta impunidade? Louçã deveria ter ficado calado?

Em Portugal, tem-se o hábito de celebrar as excelências da democracia britânica e Paulo Portas será certamente um dos que participarão com fervor nessa celebração. Mas se Portas fosse chefe do Partido Conservador inglês, alguém concebe que poderia dizer o que disse sem ser confrontado pelos políticos da oposição e pelos media? Lembram-se porventura do caso de Michael Portillo, um político brilhante que foi coagido a renunciar a candidatar-se à liderança dos «tories» por causa de notícias sobre os seus costumes sexuais na adolescência? Condeno, obviamente, os códigos de conduta dos tablóides britânicos. Só peço é que não pretendam fazer-me passar por hipócrita e por parvo. E que Louça não passe por demónio apenas por lembrar que Portas não tem o direito em vestir-se de anjo.
Vicente Jorge Silva

sábado, 22 de janeiro de 2005

biography addiction

O que têm em comum Bette Davies, Lenny Kravitz, Max Factor, Beyonce Knowles, Calvin Klein e as (até agora por mim desconhecidas) gémeas Olsen?
São todos membros da galeria de personagens apresentadas pelo meu novo vício: o "Biography Channel". Interessem-me ou não as figuras, não consigo resistir a ver os documentários até ao fim. Uns atrás dos outros. E deixei eu o café - resolução de Ano Novo - porque me cortava muitas e preciosas horas de sono...

Iraque: o passo em frente ?

As eleições de 30 de Janeiro no Iraque assinalarão o fracasso completo da política americana e britânica para o Iraque. É a cereja no bolo - um bolo muito amargo, porém. "O melhor que pode acontecer", dizia há dias um jornalista do Guardian no Iraque "é as eleições serem irrelevantes, e o pior é que empurrem o Iraque mais ainda para o abismo". Coincidindo com o que me dizem alguns amigos americanos que têm amiude visitado o Iraque. Ou, por outras palavras, até aqui o Iraque estava à beira do abismo - a guerra civil; com as eleições organizadas nestas condições, o Iraque poderá dar um passo em frente.
Os governos americanos e britânico mantêm, porém, a determinação de realizar as eleições na data marcada. O Conselho e a Comissão da UE parecem apoiar. A UE pagou já 320 milhões de euros. Prometeu recentemente mais 200 milhões para este ano. Mas este esforço, como sublinhou a Comissária Ferrero-Waldner, em Novembro passado "será inútil sem um empenhamento real dos próprios iraquianos", "sendo essencial que se assegurem eleições inclusivas e participadas".
Desde então, confirmou-se que forças políticas importantes não participam nas eleições. Assistimos a uma degradação crescente das condições de segurança. A eleição terá lugar sob regime de estado de sítio. O medo generalizado de participar nas eleições é uma realidade. Reconhecida pelos próprios militares da coligação, que afirmam que "ir votar não é seguro". A própria UE decidiu não enviar uma delegação de observação eleitoral, dada a manifesta falta de segurança. As eleições não terão observação internacional adequada e credível.
Até ao momento, nestes últimos dois anos, a UE e os seus Estados membros já se comprometeram com contribuições para a reconstrução iraquiana no valor muito próximo dos 2 mil milhões de euros. Esforço contributivo semelhante, só no caso da tragédia recente provocada pelo tsunami, que envolve ajuda humanitária e de reconstrução a vários países.
Perante este cenário, a UE, não obstante o interesse político evidente na questão, permanece num silêncio perturbador.
Ora, o PE, pelo menos, deverá falar. Apoio a iniciativa de alguns deputados europeus para que o PE debata a questão no próximo plenário deste mês que terá lugar poucos dias antes das eleições. Porque os portugueses, e todos os cidadãos europeus, em nome dos quais é efectuado semelhante esforço financeiro, no mínimo - já que não foram tidos nem achados na decisão de invadir o Iraque - têm o direito de ser informados sobre o envolvimento político e económico da UE neste processo e sobre os cenários possíveis no futuro imediato. Não se pode pretender manter um esforço financeiro deste nível sem ter uma ideia clara do caminho a seguir. Silenciar ou tentar evitar a discussão é que não é, seguramente, a melhor forma de contribuir para a ajuda à reconstrução e consolidação da democracia iraquiana.

Referendos

«Eu cada vez tenho mais dúvidas sobre a utilidade dos referendos! Como tudo nesta sociedade não se trata de encontrar a melhor solução, mas de vestir as camisolas dos partidos e discutir o acessório.
(...) Não vejo problema em que [os referendos] sejam feitos juntamente com as eleições gerais porque todos os referendos estão politizados à partida e provocavam um factor adicional de controlo dos eleitores sobre os seus representantes. Eu posso preferir um Governo PSD (por exemplo) mas não haver concordância com uma questão de fundo, como por exemplo a privatização da saúde, e aí estaria a dar poderes ao Governo que queria mas a indicar sectores intocáveis.
Apesar dos referendos em Portugal estarem descredibilizados cabe aos partidos darem uma nova utilidade a estes. A realização dos referendos em actos eleitorais teria a vantagem de não perdermos tempo com incontáveis eleições e poderiam servir para os cidadãos não entregarem uma carta em branco a um partido baseado num programa vago que nunca é cumprido (nos EUA há dezenas de referendos nos actos eleitorais ajudando a definir as orientações dos seus representantes). Tem a desvantagem de ainda se politizar mais os referendos.»

(Ricardo Vares)

500.000

Meio milhão! Foi o número de visitas à nossa Causa (segundo o contador do Bravenet), desde que a tornámos pública.
Obrigada a todos em nome de todos nós.

As ADM do século XXI

Colin Powell disse há dias, referindo-se às epidemias da HIV/SIDA, que elas são as "Armas de Destruição Maciça (ADM) do século XXI". A ideia é forte e, infelizmente, tem correspondência com a realidade, quanto ao poder de destruição (e ainda há mais e pior, a malária e a tuberculose). Mas se a ideia é boa e forte, já Powell não é a melhor pessoa para o afirmar. Em matéria de credibilidade quanto à existência de ADM, Powell deixa muito a desejar. E enfraquece a mensagem. Porque corre o risco de não o levarem a sério. Num assunto que é sério.
Admito que Powell seja sincero. Só tenho pena que ele não tenha feito tal afirmação em 2003. Se a tivesse feito, talvez a guerra tivesse sido apontada ao objectivo certo, evitando muitas vítimas e até esta última humilhação que foi a de mandar retirar pela calada os inspectores do Iraque, dando por findo o processo de busca de AMD no Iraque. Concedendo implicitamente, como sublinhou em editorial o NYT, que, afinal, as sanções das NU tinham funcionado eficazmente ao levar o Iraque a destruir (e impedindo-o de produzir) AMD. Sanções que os EUA interromperam bruscamente com a invasão.
Tivesse ele feito esta afirmação em 2003 e talvez se tivessem salvo muitas vítimas da SIDA, outras doenças devastadoras (e da guerra no Iraque), permitindo que se canalizassem as verbas astronómicas gastas na invasão e reconstrução do Iraque pelos EUA (e aliados) para a eliminação destas "ADM". Talvez os EUA tivessem levado consigo uma Europa unida em torno do mesmo combate e que hoje, pelo menos, os 2 milhares de milhão de euros já atribuídos pela UE e os seus Estados membros para a ajuda e reconstrução do Iraque estivessem a ser utilizados nesta outra "guerra". Talvez "esta guerra" tivesse sido ganha. Talvez, Bush não tivesse de se preocupar, como hoje, em melhorar a tristíssima imagem que a sua administração deu ao seu país no resto do Mundo.
Tudo poderia ter sido diferente se Powell tivesse, então, dito a verdade.

Boa sorte

Boa sorte, o livrinho que dois jovens gestores espanhóis escreveram de um trago, faz jus às teses nele contidas. Tornou-se rapidamente um best-seller mundial, traduzido em 20 línguas e com direitos vendidos em mais de 50 países. É uma espécie de Zara dos livros de gestão.
Com uma escrita quase ingénua, as suas propostas simples desenvolvem a ideia de que a boa sorte não acontece sem mais, pelo menos na actividade empresarial. Mas na vida como nas organizações está ao nosso alcance procurá-la, criando as circunstâncias que favorecem o aparecimento das oportunidades. Assim, uma história de sorte nunca chega e se mantém nas nossas mãos por mero acaso.
Trata-se de uma leitura muito útil, em especial como terapia para os que entre nós se entretêm a cantar no coro das lamúrias. (A. Rovira e F. Trias de Bes, Boa Sorte, edição portuguesa da Pergaminho com uma tradução nem sempre muito elegante).

quinta-feira, 20 de janeiro de 2005

Sem tempo a perder

Porque já se perderam três anos. As razões moram ao lado, na Aba da Causa.

Qualidade no Comércio

A qualidade das intervenções que foi possível ouvir ontem e hoje no Congresso sobre o comércio, que a Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED) organizou em Lisboa, ajuda a entender a razão pela qual a distribuição é um dos sectores que mais se modernizou e progrediu em Portugal na última década. Mas isso não basta, como referiram vários dos oradores convidados. Actualmente, a inovação nas organizações tem de ser permanente.
A lição deve servir às empresas privadas de todos os sectores, que queiram sobreviver e ser lucrativas. Mas também, em certa medida, às outras organizações, públicas ou sociais (partidos incluídos), que queiram ser eficientes e atingir os seus objectivos.
Sustentando que a sorte somos nós que a fazemos (Fernando Trias), foi realçado o papel central das ideias e do conhecimento na economia do futuro e identificados alguns factores determinantes de uma estratégia vencedora, a qual depende muito mais do modo de organizar do que da tecnologia.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2005

Embargo de armas

O embargo de armas foi imposto pela UE à R.P. China em 1989 na sequência do massacre de Tienanmen. Mantém-se porque se mantém, infelizmente, a prática de graves violações dos Direitos e liberdades fundamentais na China, apesar de alguma evolução e dos extraordinários progressos económicos e sociais realizados. Violações que sucessivos relatórios da UE, da ONU e de ONG internacionais credíveis confirmam ano após ano. Não obstante a pressão internacional - que foi fundamental para alguma evolução, apesar de tudo - ainda não se chegou a uma situação minimamente satisfatória em matéria de garantias e liberdades fundamentais na China. O embargo de armas da UE foi - é - um elemento importante desta pressão internacional.
Há cerca de dois meses o Parlamento Europeu pronunciou-se sobre esta matéria através de uma resolução que recomendou ao Conselho e aos Estados-membros que mantivessem o embargo da UE ao comércio de armas com a China e que não abrandassem as limitações nacionais em vigor no que diz respeito a essas vendas de armamento. Recomendou que o embargo fosse mantido até que se reúnam duas condições: 1) - que a UE aprove um Código de Conduta juridicamente vinculativo (o que não acontece ainda) regulando a exportação de armamentos e de instrumentos susceptíveis de serem utilizados em acções de repressão interna e tortura. 2) - que o Governo da R.P. da China tome medidas concretas para melhorar a situação dos Direitos Humanos no país, designadamente a través da ratificação do Pacto das NU sobre os Direitos Civis e Políticos e do pleno respeito pelos direitos das minorias.
Esta resolução contou com os votos dos vários quadrantes políticos, da direita à esquerda.
Perante este quadro, qual a razão para Portugal pôr em segundo plano a defesa dos valores e pôr-se do lado de quem defende o levantamento do embargo? Ao lado da Alemanha, interessada em vender automóveis e grandes projectos à China, ou da França, interessada na venda de armas?
Se abdicamos de pensar pela nossa cabeça e de agir em defesa dos valores, se é por uma lógica de interesses e pela "prudência" dos que têm medo de ficar isolados ou para trás, então porque não desta vez, ficar também ao lado dos EUA que defendem - e aqui, bem - a continuação do embargo?
Sinais políticos destes são contraproducente, pois encorajam a China a adiar as reformas políticas em matéria de Direitos Humanos, cada dia tornadas mais urgentes pelo prodigioso desenvolvimento económico e social do país.

PS - Sei do que falo. Em 1992, na Comissão dos Direitos Humanos da ONU, em Genebra, fui eu que tive a incumbência de, em nome de Portugal e da Presidência da UE, introduzir e defender um projecto de resolução - o primeiro - sobre os Direitos Humanos na China - por causa, justamente de Tienanmen. E do Tibete também.
Desde então, na minha carreira como diplomata em diversos postos e na ONU, incluindo no Conselho de Segurança, mantive as mais cordiais e intensas relações com colegas chineses, apesar de muitas vezes termos posições diferentes e nunca me eximir a expressar preocupações pela situação dos Direitos Humanos na China, incluindo no Tibete. Enquanto estive à frente do Departamento Internacional do PS, mantive frequentes contactos com altos responsáveis chineses, que muito prezo. Estive várias vezes na China - ultimamente, de férias em Shangai, há dois anos. E há três meses em Pequim, num Seminário sobre a reforma da ONU organizado pelo Comité Central do PC Chinês, onde defendi posições contestando muitas das perspectivas oficiais chinesas.
No PE não tive dúvidas em, já por diversas vezes, expressar a minha oposição ao levantamento do embargo de armas à R.P. China, pelo menos enquanto a UE não tiver em vigor um código de conduta vinculativo sobre exportações de armamento.
Se os responsáveis portugueses pensam que, a defender "prudentemente" o fim do embargo de armas a Pequim, ganham mais respeitabilidade junto dos seus homólogos chineses, bem podem desenganar-se. Faça-se-lhes justiça - os chineses sabem reconhecer quem tem a coragem de lhes dizer o que pensa.

Embargo de valores

Sempre defendi que países pequenos ou médios, como o nosso, não estão predestinados à insignificância diplomática. Podem ser protagonistas internacionalmente se nortearem a sua actuação pela defesa de princípios e valores, como os dos Direitos Humanos, a par da promoção de interesses compatíveis.
Portugal só tem a ganhar com uma diplomacia de valores. Foi apoiando-se na Paz e nos Direitos Humanos consagrados na Constituição de 1976 que Portugal conseguiu nas NU e noutros fora internacionais limpar a imagem de país colonialista e anti-democrático a que durante décadas estivera associado. Foi uma opção clara pela diplomacia do respeito pelo Direito Internacional - e pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, em particular - que nos ajudou a ajudar os timorenses na causa da libertação de Timor-Leste.
Esta linha foi seguida em Portugal, com mais ou menos exigência, por governos de direita e esquerda desde o 25 de Abril. Com a excepção da ruptura notória por que foi responsável o Governo de Durão Barroso/Paulo Portas na crise do Iraque em 2003 - obedecendo a uma lógica de interesses (ainda se estão para apurar quais...) e sobretudo a um reflexo de incurável subserviência.
Recentemente, em reacção à tragédia do Índico, o Governo andou bem na ajuda de emergência para o Sri Lanka e a Indonésia. Foi bom ver Portugal mobilizado na onda de solidariedade global e com uma posição de relativo destaque entre os países doadores. Foi um regresso à diplomacia dos valores, que nos honra.
Mas logo se operou novo "desvio", com a posição expressa sobre o levantamento do embargo de armas da UE à China durante a recente visita do Presidente da República àquele país: mais do que o oportunismo dos interesses, desnuda de novo o reflexo condicionado da subserviência, por mais que o tentem disfarçar de "prudência" e "realismo".

Dois em um

«Em relação à boa ideia de António Costa, ela foi defendida por mim antes dele, muito recentemente, num comentário no blogue "Os tempos que correm" de Miguel Vale de Almeida. Eu afirmei aí que, embora se possam levantar objeções válidas à sobreposição de referendos nacionais com eleições nacionais, ou de referendos locais com eleições autárquicas, essas objeções não valem para a sobreposição de referendos nacionais com eleições autárquicas, ou de referendos locais com eleições nacionais.
Defendi então, explicitamente, que o referendo sobre o aborto fosse feito na mesma data que as eleições autárquicas. (...)»

(Luís Lavoura)

Nota
Há porém o impedimento constitucional, visto que a proibição de acumulação de referendos com eleições está na Constituição. Por isso, a solução aventada precisa de uma revisão constitucional prévia.

"Totogoverno"

«As eleições de Fevereiro andam a criar em muita gente (um grupo no qual me incluio) a dúvida cruel entre votar na mudança, ou permanecer neutro (votando em branco ou ficando em casa). Não creio que pessoalmente vá ficar em casa, pois isso não seria exercer os meus deveres de cidadania, contudo a um mês das eleições saber/decidir em quem votar é quase um «totogoverno». Ou seja... se a ideia de José Sócrates for fazer o revivalismo do Guterrismo, então a neutralidade parece-me o mais sensato. Por outro lado, se for mobilizado para o governo um grupo de pessoas capazes do tempo de Guterres conjuntamente com outro grupo de pessoas com sangue na guelra suficiente para mudar o estado a que chegámos, então será mais seguro abandonar o conforto da neutralidade. (...)
Talvez esta seja uma excelente oportunidade de mudar algo, pois o próximo primeiro ministro deve perceber que chegou ao «lugar da responsabilidade» não por causa do trabalho aparelhístico do seu partido, mas por provada e manifesta incompetência da «alternativa». Devido a esse facto deverá ficar muito mais livre do pagamento de «favores»!»

(Carlos Queirós)

o álbum em branco

Gosto das pessoas que tiram e coleccionam fotografias. Das pessoas que guardam em gavetas especiais os álbuns com as memórias de uma vida.
Eu não gosto de fotografias ou, por outra, não tenho álbuns. Nem álbum sequer. Tive um, há vários anos, ao qual sucedeu o mesmo que à minha única tentativa de diário. Ficou pelo caminho. Acabei por oferecer a maioria das fotografias; nem sei bem onde ficou esse álbum esventrado, destituído de sentido, que perdeu a dignidade.
Desde muito novo que decidi assim. Sinto-me inevitavelmente estranho quando um clic se prepara sobre mim. Talvez como os índios que acreditavam que as máquinas fotográficas aprisionavam as almas e, por isso, as temiam.
Resisto a que me tirem o boneco. Penso sempre que, ao contrário do sorriso aberto e alegre dos outros, aquele é um momento para a minha tristeza acordar. Uma fotografia é, invariavelmente, o fantasma fugaz de um momento que desaparece. Um atestado de velhice. Uma prova de que somos mortais e nada, mesmo nada, se repetirá.
Não quero por isso que me peçam sorrisos rasgados, imaginar passarinhos, dizer "queijo" em línguas estranhas.
Mas acedo a aparecer nas fotografias - porque sei que elas estão destinadas aos álbuns nas gavetas especiais das pessoas que adoram tirá-las e coleccioná-las.
Conforto-me, na altura do clic, com a terna certeza de que, se porventura quiser rever aquele passado, revisitar o fantasma feliz, poderei sempre caminhar entre casas, estacionar a várias portas, e subir à casa de amigos para me encontrar.
Gosto das pessoas que tiram e coleccionam fotografias porque elas levam-me consigo para um lugar melhor: o esconderijo das suas próprias alegrias. As gavetas que nunca abrirei.

Patriotismo europeu

Haverá europeus que não se tenham sentido orgulhosos estes dias, com a histórica chegada da sonda Huygens a Titã e com o espectacular lançamento do novo Airbus, testemunhando o sucesso científico, tecnológico e industrial da UE?

Ora aí está uma boa ideia!

Na sua entrevista à RTP 1, o dirigente do PS António Costa, perguntado sobre a melhor data para os dois referendos que estão na agenda política -- ou seja, o referendo sobre a despenalização do aborto e o referendo sobre a Constituição Europeia --, lançou a ideia de realizar um deles ou ambos juntamente com as eleições locais de Outubro próximo. Para isso seria necessário rever a Constituição, para eliminar a actual proibição de acumulação de referendos com eleições. Mas como ela já tem de ser revista para possibilitar uma pergunta directa sobre a Constituição Europeia (depois do chumbo pelo Tribunal Constitucional da pergunta inicialmente proposta), as duas modificações constitucionais podiam fazer-se ao mesmo tempo (aliás trata-se do mesmo preceito da Constituição).
A acumulação permitiria fazer os referendos ainda este ano, pois, de outro modo, dada a sucessão de eleições, só poderiam ter lugar no próximo ano, acrescentando mais uma ou duas votações às várias votações eleitorais. E resolveria também o problema do quórum de participação nos referendos, pois os dois referendos até agora realizados tiveram ambos uma participação inferior a 50%, retirando assim força vinculativa à decisão popular.
Será que o PS e o PSD se poderão entender para esta solução?

terça-feira, 18 de janeiro de 2005

Responsabilidade eleitoral

No meu artigo de hoje no Público (como habitualmente também disponível aqui no Aba da Causa) algumas sugestões para combater a demagogia partidária e o eleitoralismo e reforçar a confiança dos cidadãos nas eleições.

Abuso de poder

O anúncio governamental relativo às 2-pontes-2 sobre o Tejo e sobre o traçado da linha do TGV entre Lisboa e o Porto seria apenas mais uma farsa santanista, se não configurasse uma tão flagrante demonstração de falta de seriedade e de escrúpulos democráticos por parte do Governo cessante, visto faltar-lhe qualquer competência para tal.
Por menos exigente que seja a definição de "poderes de gestão", nenhuma poderia validar este escandaloso anúncio de decisões políticas de tamanha importância por um Governo demitido, a um mês de eleições, que obviamente não podem vincular o próximo Governo. Trata-se de um qualificado abuso de poder para fins puramente eleitoralistas, que os eleitores não devem deixar politicamente impune, sob pena de vantagem do infractor. Este Governo revela-se cada vez mais como uma anomalia democrática.

Uma reforma impossível?

Este Governo não se entende. Na verdade não é um governo. São vários por conta própria. Ora toma decisões que todo ultrapassam as competências de um governo de gestão (veja-se post abaixo sobre a criação do "Instituto do Litoral"), ora faz precisamente o contrário, interrompendo trabalhos que faria todo o sentido deixar concluir (porque não envolvem poderes de decisão). Foi o caso ontem anunciado pelo Jornal de Negócios do cancelamento do estudo sobre a simplificação do sistema fiscal, pelo Ministro das Finanças. Como tem argumentado o fiscalista José Xavier de Basto, que era aliás o coordenador do estudo, a simplificação do sistema poderá ser uma condição incontornável para combater a fraude fiscal.
É pena que o trabalho tenha sido interrompido, mas para quem quiser ter uma ideia do que está em causa, aqui deixo o link para um texto onde o referido fiscalista expõe os aspectos principais do problema. Não se deixe desanimar pelo título -- Tópicos para uma reforma fiscal impossível. Vá até ao fim e perceba a razão pela qual a «mais ou menos longo prazo, será na reforma do sistema fiscal que se jogará a viabilidade do Estado Social».

O custo das propostas eleitorais

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Há-de concordar que é difícil ou impossível a qualquer partido, grande ou pequeno, fazer contas a cada uma das medidas que propõe e saber se haverá dinheiro para as implementar. Convém que as medidas propostas não tenham custos irrealisticamente altos. Mas exigir, de um partido que nem sequer é governo, um orçamento detalhado para cada medida, é de mais.
Luís Lavoura

A minha resposta
Talvez, mas seria bom que pelo menos as principais fossem aproximadamente contabilizadas. Além do mais, talvez essa exigência tivesse como efeito reduzir o número de propostas para um valor aceitável, fazendo com que fossem mais lidas,comparadas e discutidas. E ainda poderia ter outro resultado positivo: o dos partidos, todos eles, exigirem maior transparência dos custos unitários dos diferentes serviços públicos para poderem contabilizar as suas propostas. Entre nós, sabe-se de menos a esse respeito. Por exemplo, quanto custa em média ao Estado um processo judicial de cobrança de dívidas?
Caso contrário vale tudo. Propor aumento dos salários mínimos, médios e máximos, o fim das propinas no ensino superior, o status quo do SNS, o aumento do investimento na educação, na investigação, na preservação do ambiente, na justiça, nos transportes públicos, etc, etc.