quarta-feira, 31 de agosto de 2005

O regresso

Soares é fixe!

Lugares de encanto

«Anywhere on the coasts of Asia, America and Africa you can find a fort, a church, a geographical name or a family name, that come from Portugal». Assim começa a introdução a um website sobre a história colonial holandesa e portuguesa, com muita informação histórica (cuja qualidade não sou competente para avaliar) e muitas ilustrações dos monumentos e dos vestígios da presença colonial portuguesa.
Quem se sente atraído pelo Brasil colonial ou pelo antigo Oriente português -- como é o meu caso --, dará por bem empregue a visita a este site.

Cada um no seu papel

É bem-vinda a anunciada revisão da política de imigração, atenuando o excessivo restritivismo das opções tomadas no Governo anterior, que o PS censurou na altura própria. Mas será que cabe ao director-geral do serviço de Estrangeiros e Fronteiras "anunciar" essa importante mudança de políticas? Ou é ao Governo, e ao ministro competente, que incumbe esse papel?

Uma revolução improvável

Acabo de ler Gente do Milénio, de J. G. Ballard, livro que recomendo com entusiasmo. O que aconteceria se, de repente, a classe média resolvesse fazer uma revolução para pôr em causa o equilíbrio estabelecido e a sua vida de aparente comodidade? Uma viagem ao nascimento de uma conciência de classe e de uma revolta improvável. Um aviso: se a ficção se transformasse em realidade eu estaria ao lado dos contra-revolucionários.

A desistência de Alegre

O discurso de Manuel Alegre foi uma traição ao seu passado. O que disse de Soares, e a forma como o disse, é reveladora de um autismo agudo. Perturbante, sem dúvida, mas revelador. Tudo o que disse sobre o passado de Soares, directa e indirectamente, disse-o também sobre si próprio. Aparentemente não o terá percebido. E ainda com uma agravante. É que Soares está afastado da vida partidária, que Alegre responsabizou pela decadência da República, há vinte anos e o poeta continua embrenhado nas questões dos partidos e da política que diz execrar.
Hoje Soares terá o seu primeiro banho de multidão. Em casa, já mais calmo, Alegre deverá meditar sobre o que disse e a forma como o disse. Ontem à hora dos telejornais mais pareceu um amante despeitado pela traição a confessar os seus psicodramas num qualquer reality show.

"Distinguo"

Não, Paulo Gorjão, eu não condenei a campanha para exigir a publicação, para além dos já conhecidos, dos estudos que fundamentam os investimentos no novo aeroporto internacional de Lisboa e do TGV (eu próprio critiquei aqui o inexplicado adiamento da sua divulgação). (Julgo, aliás, que não são questionáveis as minhas credenciais pessoais em questões de exigência de transparência e "accountability" do poder político...). O que eu censurei foi a condenação liminar desses mesmos investimentos por parte de muitos dos que integraram essa campanha (nem todos, valha a verdade), mesmo sem conhecimento dos estudos que eles próprios reclamam. É completamente diferente.
Se, desde então, tenho vindo a apontar casos de grandes investimentos públicos em infra-estruturas que não têm levantado a oposição nem suscitado a reclamação do mesmo escrutínio por parte das mesmas pessoas, tal visa obviamente pôr em relevo a inconsistência e o uso de "double standards" por banda de muitos dos militantes anti-Ota e anti-TGV. Do que se tratou não foi de um caso de "vigilância aleatória", mas sim de "vigilância selectiva", o que, de novo, não é a mesma coisa.

Isolamento

Entre os argumentos para a sua desistência Manuel Alegre mencionou o de não querer provocar uma "fractura no PS" (consequência que também eu admiti há dias, como razão para ele não se candidatar). Contudo, à vista dos escassíssimos apoios que ele encontrou no PS desde o seu "apelo" de Faro, mesmo no sector minoritário que ele representou na luta pela liderança interna do partido (só Maria de Belém e José Leitão apareceram em Viseu, e não se sabe se o acompanhariam na sua aventura...), parece evidente que a consequência mais provável de uma hipotética candidatura seria o seu confrangedor isolamento.
É mesmo muito provável que tenha sido essa constatação de desamparo a razão decisiva para o seu recuo, o que aliás lhe retira a dimensão "sacrificial" e a grandeza que o próprio lhe quis emprestar. E o ressentimento que trasnpareceu nas suas referências a Soares só o apoucam a si próprio, culminando sem elevação nem brilho este malogrado episódio da sua vida política.
(revisto)

Apoios

Reina nos meios hostis à candidatura de Mário Soares uma esperança de que ele não conseguirá reunir desta vez o opoio de personalidades públicas com o peso e amplitude das suas candidaturas de 1986 e 1991. Ora, deixando de lado o facto de em 1991 o PSD o ter apoiado (para se poupar uma derrota humilhante), não sendo de esperar que muitas pessoas dessa área surjam agora ao seu lado, ninguém pode duvidar, porém, de que Soares goza de uma inigualável capacidade de atracção no campo da cultura, das artes, da literatura, da ciência, do trabalho, etc., que em muito supera o previsível maior apelo de Cavaco Silva entre empresários e gestores. O que, aliás, corresponde ao diferente perfil, humano e político, dos dois candidatos: "diz-me quem te apoia, dir-te-ei quem és»...

Adenda
O facto de os primeiros grandes nomes de apoiantes anunciados serem o empresário Belmiro de Azevedo, no caso de Cavaco Silva, e os cientistas Manuel Damásio e Sobrinho Simões, no caso de Mário Saores, não poderia ser mais expressivo dessa substancial diferença de perfil, e da própria imagem que os candidatos querem transmitir.

Desconsolo

Com a desistência -- embora em termos arrevesados -- da sua putativa candidatura presidencial, Manuel Alegre deixou desconsolada a direita, como se vê nos seus blogues mais representativos, onde granjeou uma data de súbitos e interesseiros "admiradores". Como era de esperar, prevaleceu o bom senso.

Correio dos leitores: Fogos florestais

1. «Espero que no estudo que exige [sobre a aquisição pelo Estado de meios aéreos de combate a incêndios florestais] sejam considerados os militares da Força Aérea Portuguesa, bem como os do Exército, que custaram milhares de Euros em formação e que estão em vias de perderem (alguns já as perderam) as licenças, por não estarem a cumprir os mínimos obrigatórios de voo.
Espero igualmente que sejam considerados os benefícios da utilização desses meios aéreos no combate ao contrabando, ao tráfico de droga, ao salvamento e prevenção tanto em terra como no mar (só para dar alguns exemplos).
Esses meios aéreos terão rentabilização nos doze meses do ano e não somente na "época oficial dos fogos" e serão também objecto de trabalho português tanto nas oficinas de material aéreo como na formação de especialistas de manutenção. (...)»

Luís Novaes Tito (http://tugir.blogspot.com)

2. «A sua pergunta [sobre as vantagens de meios aéreos públicos] tem pertinência e confesso-lhe que eu suspeito que a resposta será "sim". Se os meios aéreos estiverem confiados a organismos públicos - forças militares, p.e. -, creio que a eficácia será bem maior se, para além do combate directo do fogo, lhes forem cometidas as acções de vigilância. E se assim se evitar a propagação de incêndios (dificilmente se evitará o seu início porque hoje até com um telemóvel será possível provocar incêndios), creio que, pelo menos teoricamente, contabilizados os custos e os prejuízos, (a ausência deles), o saldo será positivo.(...)»
(Agostinho Pereira)

3. «Se o Estado quer estimular a limpeza das florestas, não deveria também promover a criação de centrais térmicas com ramas e lenha miúda como combustível, estrategicamente localizadas nas regiões de floresta, para tornar menos onerosa a "limpeza" e compensar a factura energética importada?
Facilitaria a vida aos que querem e não podem ou não sabem como.»

Henrique C. Mota

terça-feira, 30 de agosto de 2005

Sobre a traição

Manuel Alegre é um poeta importante. A sua extraordinária voz foi um instrumento que se instalou nos corações de quem sonhava um país diferente. Muitos corações pareciam estar sintonizados na Rádio Voz de Argel e na voz que era o mapa imaginário de todas as utopias.
Depois de 1974 o poeta quis contribuir de forma directa. Além das palavras escritas e ditas entrou para o palácio onde se negoceiam compromissos que, tantas vezes, são contraditórios com a utopia de que era profeta. Alegre tornou-se um aliado de Mário Soares, um amigo próximo, a prova de que o líder histórico do PS, apesar do canto doce do poder, continuava a ser uma espécie de cavaleiro da esperança.
Soares tinha uma voz romântica como alterego, Alegre ganhava um palco de acção. Na verdade, a carreira política de Alegre deve-se a Mário Soares. Sem ele Manuel Alegre não existiria. É por isso que este amuo vaidoso do poeta de Argel é uma traição ao seu passado. Se avançar, coisa em que não acredito, terá que se dilacerar com a culpa de ter avançado.
Alegre pode gostar de D. Quixote, rever-se inclusive na extraordinária figura de Cervantes. Mas o que está a fazer não é digno de um fiel escudeiro que, pelos vistos, tem agora como aliado mais próximo o espelho enfeitiçado da bruxa das histórias de infância. Os apoios que diz fantasiosamente ter tornam-no num personagem menor. E Alegre não merece isso.

Não podia ser melhor, a notícia...

... do regresso do Luís Osório às lides do Causa Nossa (ver post precedente), depois da sua passagem pela direcção de "A Capital". Bem-vindo, Luís!

Regresso

Regressado de um pequeno exílio é tempo de aceitar o repto dos meus companheiros de Causa. Voltar a casa e à segurança dos afectos. A partir de hoje aqui estarei junto dos que caminham na mesma estrada.

Luís Osório

"Perfeita comunhão" de ideias?

Relata o El País de ontem:
«El Papa Benedicto XVII y el líder del movimiento ultraconsevador Fraternidad de San Pío X, fundado por el arzobispo rebelde francés Marcel Lefebrve, han expresado hoy su deseo de trabajar juntos para terminar con los 17 años de cisma en la Iglesia Católica y llegar a una "perfecta comunión", durante un histórico encuentro en la residencia de verano del pontífice.»
Esta inesperada aproximação entre o novo Papa e o sector mais reaccionário da Igreja, conhecido pela sua oposição fanática ao espírito do Concílio Vaticano II e cujos líderes foram excomungados em 1988, pode ser um elemento crucial na confirmação das tendências conservadoras do novo pontífice, dando razão aos piores receios antes expressos a esse respeito pelos sectores mais liberais e mais ecuménicos do catolicismo.

O Estado-paga-tudo

«Secretário de Estado garante CRIL até ao final da legislatura».
Eis aqui um investimento em infra-estruturas de transportes que não incorre na ira da LCGIPIT, ou seja, a "Liga Contra os Grandes Investimentos Públicos em Infra-Estruturas de Transportes" (ou não tivesse lugar em Lisboa...) Tampouco colhe a minha oposição, tão evidente é a sua necessidade. Mas sempre me interrogo sobre que critério é que distingue, nos investimentos de transportes urbanos, os que devem caber aos municípios beneficiários e os que devem incumbir ao Estado. Por que é que a CRIL (mas a pergunta pode fazer-se em relação a outras obras noutras cidades) é responsabilidade do Estado? A descentralização não vale nas infra-estruturas rodoviárias urbanas? Custa muito dinheiro, logo paga o Estado?

Como é possível?

«Fisco deixa caducar imposto de 800 000 euros» -- se esta notícia (link por via do Diário da República) tiver fundamento, não haverá ninguém que responsa pelo prejuízo causado ao Estado? Será que já caducou o regime da responsabilidade civil e disciplinar dos funcionários públicos? E como é que certas pessoas gradas conseguem estar entre os beneficiários destes "esquecimentos" do Fisco, apesar do gritante montante dos impostos em dívida, enquanto noutros casos não se poupam esforços nem despesas para cobrar míseras quantias em falta?

É a minha vez...

...de exigir ao Governo um estudo prévio de impacto financeiro sobre a anunciada aquisição, pelo Estado, já para o ano que vem, de meios aéreos próprios de combate a incêndios (em vez de os alugar), o que significa não só comprá-los (e pagá-los), mas também mantê-los durante todo o ano (para servirem dois meses) e recrutar e treinar os seus tripulantes e pessoal de apoio, etc. Era uma ideia tradicional do PCP.
Julguei que estávamos em tempo de contenção das tarefas directas do Estado e do pessoal do sector público, em favor da "externalização" de tarefas de execução para operadores privados (substituição do Estado operador pelo Estado comprador de serviços). Afinal, em que ficamos?

Estado a menos

A questão dos fogos florestais tornou mais evidente que: (i) a propriedade privada e o mercado não garantem um ordenamento racional da floresta; (ii) o interesse privado não assegura a prevenção dos fogos florestais (nem o combate contra eles); (iii) a garantia de rendimentos privados implica enormes, e desproporcionados, custos públicos; (iv) a resposta ao flagelo impõe a intervenção do Estado, restringindo mais ou menos severamente o uso da terra para efeitos florestais ou impondo obrigações onerosas aos proprietários florestais.
Para desconforto dos ultraliberais, existem áreas onde há Estado a menos, e não a mais...

Correio dos leitores: Fogos florestais

«(...) Que influência tem para a degradação da situação o facto de a floresta portuguesa ser sobretudo privada (cerca de 95%) enquanto, por exemplo, na América é sobretudo pública, o mesmo acontecendo em países europeus, como a Alemanha? Fará algum sentido na actual situação falar de um recurso estratégico? Será possível existir uma política florestal, fundamentalmente determinada pelos poderes públicos, quando a posse da floresta é sobretudo privada?
Que influência tem a nossa política de Parques e Reservas, com uma manifesta escassez de afectação de recursos e uma "sacralização" da natureza que impede até trabalhos de limpeza e de abertura de acessos, como tem sido denunciado pelos bombeiros, para a actual situação? Até que ponto essa política, contrariamente aos seus objectivos iniciais, não alterou a forma de ocupação do território, substituindo os pequenos agricultores, que praticavam uma agricultura de subsistência e tratavam do território, por urbanos domingueiros e veraneantes -- os da segunda habitação --, cuja relação com o território é puramente lúdica, não envolvendo o trabalho e a atenção que ele exige?

José Carlos Guinote (http://pedradohomem.blogspot.com)

Correio dos leitores: Contra a despenalização do aborto

«(...) Susan J. Lee, uma das autoras do estudo [sobre a ausência de dor no feto até um estádio tardio da gestação], é aluna de medicina e antiga empregada da NARAL (http://www.naral.org/). Uma das principais médicas investigadoras, Eleanor Drey, é directora de uma clínica de aborto em S. Francisco e faz parte do Center for Reproductive Health Research and Policy um lobby "pro-choice" da universidade da California. A própria editora da revista em que o "estudo" foi publicado afirmou que, se soubesse dos conflitos de interesse, não os teria publicado.
(...) Isto tudo para não falar no facto de me parecer completamente indiferente a possibilidade do feto sentir dor, em relação à moralidade ou não da IVG/Aborto.»

Filipe d'Avillez

Comentário
1. Mesmo que entre os investigadores do controverso estudo se contem algumas pessoas com possível interesse nas conclusões, isso não basta para aniquilar o resultado: é preciso refutar os seus dados...
2. Se as conclusões do estudo não forem refutadas, cai por terra esse argumento, que se inclui entre os usados nos Estados Unidos contra o direito à realização de abortos tardios (o que não sucede aliás na Europa, onde os prazos da licitude do aborto são em geral muito curtos, e onde tal problema nem sequer se chega a colocar).
3. Na questão da despenalização do aborto é irrelevante a sua "moralidade, ou não" (mesmo que não houvesse alguma relatividade nisso, conforme as circunstâncias de cada caso). São duas ordens diferentes. Há muitas coisas "imorais" que não são crime.

segunda-feira, 29 de agosto de 2005

Nem as pensam...

Lê-se no "lead" de uma reportagem de Alexandra Lucas Coelho, sobre a situação na Palestina, hoje no Público (link disponível só para assinantes):
«Cisjordânia cortada ao meio. Palestinianos de Jerusalém num gueto. É o que resultará da expansão do colonato Ma"ale Adumim, uma bolha maior que Telavive. É para ligar a Jerusalém, é para sempre, confirma Sharon.»
Poucos dias depois da retirada de Gaza, ficam claros os verdadeiros propósitos de Israel: intensificar a colonização da Cisjordânia. E depois desta "declaração de guerra", ainda querem que os palestinianos abandonem a resistência contra a ocupação e aceitem aplicadamente a anexação das suas terras? E que se resignem a ver sobrar para eles o semideserto de Gaza e uns "bantustões" na Cisjordânia?
Ensandeceram!

Aditamento

«Enquanto 8 500 Israelitas deixaram Gaza, foram 12 000 os que se instalaram na Cisjordânia em menos de um ano» (Le Monde de hoje).

O candidato-mistério

Se, por um lado, as fortes candidaturas do PCP e, espera-se, do BE empurram virtualmente Mário Soares para o centro, permitindo-lhe lutar favoravelmente por esse eleitorado decisivo, elas também tornam mais visível a falta de candidatos à direita de Cavaco Silva (da área do CDS, concretamente), o que contribui para o tornar como "o" candidato de toda a direita, diminuindo o seu apelo ao centro. Fica assim em cheque a estratégia que ele vinha ensaiando tentativamente de se apresentar como candidato de largo espectro, desde a direita ao centro-esquerda, contra adversários previsivelmente bem encostados à esquerda (do BE, do PCP e presumivelmente Manuel Alegre, como se perspectivava antes de Soares).
Ou eu me engano muito, ou ainda assistiremos ao oportuno aparecimento de um candidato assumidamente à direita de Cavaco Silva (se necessário com assinaturas proporcionadas por apoiantes deste...), que cumpra nessa área o papel dos candidatos do PCP e do BE à esquerda de Soares. O problema é encontrar uma pessoa disponível e credível para o efeito...

Descuido

No seu comentário político dominical, Marcelo Rebelo de Sousa manifestou compreensão pela "corrida" à aposentação de funcionários públicos que preenchem os respectivos requisitos à face da lei actual, pelo facto de alegadamente o novo regime legal implicar para eles um regime menos favorável. Ora, não é assim, pois quem já atingiu as condições para a reforma mantém esse direito para o futuro, nas mesmas condições, independentemente do momento em que decidir fazê-lo. Mais um dispensável descuido de informação...

Diz quem sabe

«Os ministros das Finanças das maiorias PSD/PP foram os responsáveis pela instabilidade criada na CGD, por falta de competência técnica e por incapacidade de actuarem como accionistas. A dr.ª Ferreira Leite apadrinhou um modelo para a CGD que não fazia qualquer sentido...» (Mira Amaral, antigo ministro do PSD e ex-administrador da CGD, em declarações ao Diário de Notícias).

domingo, 28 de agosto de 2005

O referendo

Não considero fundada a tese de que, ao propor a convocação do referendo da despenalização do aborto para depois das eleições autárquicas, a intenção do PS é «atrapalhar» a candidatura presidencial de Cavaco Silva.
Primeiro, o PS já propôs, há vários meses, a realização do referendo antes do Verão (tendo essa proposta sido rejeitada pelo Presidente da República); e anunciou logo nessa altura o propósito de revalidar a proposta de referendo no início da nova legislatura, em Setembro. Portanto, o que os factos indiciam é que se trata de uma questão a que o PS atribuiu grande prioridade desde o princípio, independemente das eleições presidenciais, que até agora estavam fora da agenda política. (Além da sua importância intrínseca, o tema da despenalização do aborto pode "desviar" os eleitores de outros temas adversos ao Governo, como as medidas de austeridade, a situação económica e, nessa altura, o orçamento para 2006...).
Segundo, não vejo em que é que o referendo pode atrapalhar Cavaco Silva. Não é precisa grande imaginação para ele encontrar uma saída assaz airosa: «Como candidato a PR entendo não dever participar no debate referendário, nem pronunciar-me sobre o tema, até para não influenciar os meus possíveis eleitores, e garanto obviamente que, se for eleito PR, respeitarei e farei cumprir, na parte que me tocar, o resultado do referendo, qualquer que ele seja». É o que se chama "dar a volta por cima"...

Correio dos leitores: Fogos florestais

«(...) O meu pai tem 97 anos. Na sua folha de cadastro tem 37 prédios rústicos espalhados por 2 freguesias. Destes, cerca de 60% são charnecas (matos e pinhais); os restantes ex-terras de cultivo. A dimensão média de cada prédio é seguramente inferior a um hectare (o prédio maior tem 22 000 metros - 2.2 hectares). Eu sou filho único (futuro herdeiro?) e deixei a casa de meus pais há mais de 40 anos para desenvolver a minha vida em Lisboa. Neste momento todas as terras se encontram há longo tempo abandonadas. Mas serão só as da minha família? Infelizmente não: todo o concelho -- Pombal, um dos mais atingidos pela emigração nos anos 60 e 70 -- está assim. Tenho a quem ceder o cultivo? Mesmo gratuitamente? Não, e isto porque, bem vistas as coisas, é difícil encontrar alguém que viva exclusivamente da agricultura (...). Então a solução é vender. Mas a quem? (...)
Quais os rendimentos que um cadastro assim gera? As terras de cultivo só geram silvas e mato: rendimento zero; os pinhais sempre geram algum pequeno rendimento mas muito longe daquele que seria necessário para os manter limpos. (...) Será que para se cumprir a obrigatoriedade de limpeza das propriedades da minha família (como falou o Senhor Presidente da República) tenho de vender a minha casa de Lisboa onde vivo com a minha família para pagar os custos? (...)
Certamente que tem de haver uma solução para este problema nacional cujas causas têm a ver com a desertificação rural ocorrida nos anos 60 e 70 e com as alterações do modo de vida ocorridas desde então: Onde estão os rebanhos de cabras e ovelhas que devastavam os matos? Onde estão as pessoas que disputavam a lenha nos pinhais para cozinhar regularmente e guardar para o Inverno? Onde estão os camponeses que roçavam (e até compravam ) os matos para os currais do gado e que depois eram o fertilizante da terra ? (...)»

Fernando Abreu

sábado, 27 de agosto de 2005

"Free rider"

«Ribeiro e Castro acha que Cavaco tem perfil desejado para PR.» Ora qui está quem poupa problemas nas eleições presidenciais. A oportuna boleia de um possível candidato vencedor esconde a evidência das fraquezas próprias. Resta saber se o beneficiário não preferiria que o CDS contribuísse com uma candidatura própria...
(revisto)

Manuel Alegre

A poucos dias do lançamento oficial da candidatura de Mário Soares -- com o apoio oficial do PS --, as declarações de Manuel Alegre, no Expresso de hoje, a manter em aberto a possibilidade de se candidatar, com decisão definitiva somente depois das eleições autárquicas, só podem ser produto, na melhor das interpretações, de uma incomensurável teimosia romântica.
Manuel Alegre poderia ter predeterminado os dados das eleições presidenciais à esquerda, se, à maneira de Sampaio dez anos atrás, tivesse avançado decididamente para a candidatura no primeiro momento propício, logo que se tornou evidente a auto-exclusão de António Guterres. Isso teria condicionado, porventura irreversivelmente, o PS, que teria tido muita dificuldade em contrariar a iniciativa e em promover uma candidatura alternativa para lhe opor. Faltou-lhe, porém, arrojo suficiente para tal rasgo.
Por mais que se possa agora pretender o contrário, Alegre não tinha obviamente nenhumas condições para vencer Cavaco Silva, mas o PS (e não só) parecia conformado com a fatalidade da derrota nas presidenciais. Com Alegre, contudo, a esquerda socialista teria pelo menos um excelente candidato para travar um "combate de princípios" e para vender o mais caro possível uma "derrota honrosa". Mas a sua hesitação pessoal, porventura à espera de um improvável chamamento do partido, deitou por terra as suas possibilidades, vindo a manifestar a sua disponibilidade, já em puro reactivismo extemporâneo, somente quando se apercebeu que entretanto estava consumado, à margem dele, um entendimento entre Sócrates e Soares, em favor da candidatura deste. «Inês era morta», então.
É evidente que as candidaturas presidenciais, como actos de responsabilidade individual que são (desde que haja pelo menos 7500 eleitores que as subscrevam...), não têm de obedecer a regras de racionalidade política. Contudo, depois do avanço de Soares, com todo o apoio do PS atrás de si, deixou de haver qualquer espaço político para outra candidatura na área socialista. A possível expectativa que Alegre pudesse ter de um movimento de fundo, no PS ou fora dele, de apoio à sua candidatura -- o que aliás pressuporia uma fractura no PS -- releva de uma inesperada ingenuidade ou obstinação política, estando condenada a uma inevitável frustração.
Por admirável que possa ser a bravura de quem se vê abandonado "só no seu quadrado", a demora em tirar as irrefutáveis ilações políticas desse reconhecimento não lhe acrescenta mais honra ou mérito.

Etiópia - eleições: o génio fora da garrafa

Fotografia de Astrid Evrensel (membro da EU EOM)

Em 25 de Agosto, como chefe da Missão de Observação Eleitoral da UE às eleições na Etiópia - EU EOM, realizadas a 15 de Maio e 21 de Agosto, declarei, com o coração pesado mas de consciência tranquila, lamentar que «as irregularidades, atrasos e opacidade da contagem e agregação de dados, o subsequente tratamento deficiente das queixas e a repetição da votação em diversos distritos e o mal organizado processo eleitoral na Região da Somália, não estiveram à altura dos padrões internacionais e das aspirações dos etíopes por democracia, claramente manifestadas pelo número recorde que afluiu a votar no dia 15 de Maio».

O relatório que apresentei explicando porquê pode ser lido no website da EU EOM: www.et-eueom.org.

sexta-feira, 26 de agosto de 2005

Reunir todas as forças

Com as candidaturas presidenciais de Mário Soares, Jerónimo de Sousa e, ao que se diz, de Francisco Louçã, é já claro que os partidos de esquerda não querem deixar nenhuma margem para a desmobilização do respectivo eleitorado na próxima disputa presidencial. Porquê esta inesperada importância conferida pela esquerda às eleições presidenciais, quando ainda há poucas semanas, na falta de uma candidatura forte na área socialista, tudo parecia encaminhar-se para uma fácil vitória de Cavaco Silva (o que era óbvio nessa altura), havendo mesmo observadores a vaticinar uma feliz convivência entre ele e o governo do PS (o que era bem menos óbvio...)?
A razão para essa "revolta à esquerda" não está somente no facto de ela não se conformar facilmente com a ideia de ver em Belém, pela primeira vez, um PR oriundo da direita partidária (Eanes não era de esquerda mas era um militar independente). A principal explicação, embora poucas vezes assumida expressamente, está em que, por razões históricas, a esquerda alimenta uma visceral desconfiança sobre a capacidade da direita para respeitar as "regras do jogo" na Presidência da República, dado que um presidente sem escrúpulos constitucionais pode subverter impunemente a ordem constitucional (não existe em geral antídoto para as possíveis decisões inconstitucionais de um Presidente).
As imprudentes teorizações presidencialistas de alguns conspícuos apoiantes de Cavaco Silva só ajudaram a essa "dramatização" da próxima disputa presidencial. O candidato não vai ter tarefa fácil neste ponto. Afinal, é a estabilidade do regime que pode estar em causa...

Afeições clubistas

Não, meu caro Ademar, as minhas afeições em matéria futebolística não são "envergonhadas" (aliás, revelo-as quando o "meu" clube anda mal); só que são assaz moderadas e "low profile", e nem sequer exclusivas (há também a Académica...). Nesssa matéria não tenho nem nunca tive paixões.

O fim de Babel

Não são somente muitas espécies animais que estão em vias de desaparecimento. Segundo um especialista francês, citado pelo Le Monde, entre 50% e 90% das cerca de 6000 línguas que hoje são faladas no mundo poderão desaparecer no corrente século. A globalização, a televisão e a escolarização nas línguas dominantes contarão entre as principais causas dessa enorme contracção da diversidade linguística. (A redução da diversidade poderá ocorrer também ao nível das variantes de cada língua: por essa altura, provavelmente, também já todos os portugueses falarão com a pronúncia de Lisboa...).

Correio dos leitores: Fogos florestais

«A "estória" da limpeza das florestas faz-me lembrar duas outras.
Primeira: no Verão de 2003, em plena crise dos fogos florestais, houve quem tivesse sido objecto de processos de contra-ordenação por tentar, tarde (porque o deveria ter feito no fim do Inverno ou na primavera), limpar as matas e evitar males maiores;
Segunda: aqui há anos um produtor obteve subsídio para plantação de pinhal numa, então, área de paisagem protegida; passados uns dias, voltou a falar com o presidente da comissão directiva, nos seguintes termos: "tenho uma dúvida; os senhores pagam a plantação mas, quando for preciso limpar, quem é que paga (...)"?
PS: Porque será que onde os meios aéreos de combate a incêndios são públicos as áreas ardidas e o número de fogos de grande dimensão é muito menor do que em Portugal?»

Manuel Piteira

Comentário
Não sei se existe uma correlação positiva entre meios de combate aéreo públicos e menos fogos. Se tais meios se puderem alugar, qual é a diferença? Parece-me infundado o argumento de que assim os operadores desses meios podem estar interessados em ser menos eficientes, para poderem cobrar mais tempo de serviço. O mais provável é que a nossa floresta seja mais combustível do que a dos demais países.

quinta-feira, 25 de agosto de 2005

Não é possível ignorar...

... as gravíssimas declarações de Paulo Morais, vice-presidente da Câmara Municipal do Porto, à revista Visão, sobre a promiscuidade entre interesses imobiliários e o poder político.
Mesmo que possa ser acusado de algum despeito pelo facto de ter sido preterido na formação da lista do PSD às próximas eleições, as referências são demasiado concretas para poderem ser desvalorizadas. Não poderia ser mais frontal a suspeição lançada sobre o poder local e sobre o papel dos promotores imobiliários no financiamento ilícito dos partidos. Nas vésperas das eleições locais, eis um tema que deveria voltar à agenda política nacional.

Mau sinal

Segundo o Público de hoje (link disponível só para assinantes), ainda não avançaram os processos disciplinares contra os militares que se manifestaram fardados para protestar contra as anunciadas medidas do Governo de corte de regalias do sector público. Mau sinal! Um Estado que não pune a violação da lei pelos militares socava os alicerces da sua própria autoridade civil.

Como assim?

Diz Maria José Oliveira hoje no Público, a propósito da posição do PS face ao próximo anúncio da candidatura de Mário Soares, já assente:
«Na próxima reunião da comissão política do partido poderá ficar definida a posição dos socialistas - o apoio irreversível a Soares -, mas a decisão não será consensual, uma vez que a denominada ala esquerda do PS, a mesma que esteve ao lado de Alegre na disputa pela liderança socialista, não concorda com a recandidatura do antigo chefe de Estado».
Como assim, se vários membros dessa ala esquerda já manifestaram publicamente o seu apoio a Mário Soares? O que seria de admirar é que, estando decidida a candidatura de MS, algum deles deixasse de a apoiar...

Lugares de encanto

Ilha Graciosa, Açores, Julho 2005.

O que não convém não existe

Passados vários dias, por que é que os activistas da LCGIPT (Liga Contra os Grandes Investimentos Públicos em Transportes) ainda não se pronunciaram sobre estas importantes reflexões de um reputado especialista independente (Marvão Pereira) acerca do impacto positivo de tais investimentos? Só dão conta do que vai ao encontro dos seus próprios pontos de vista pré-formados?

1+3

No caso de as eleições presidenciais se virem a disputar num dos cenários neste momento previsíveis -- Cavaco Silva, à direita, e Mário Soares, Jerónimo de Sousa (PCP) e um candidato do BE, à esquerda (para além do inevitável candidato do MRPP e outros candidatos folclóricos...) --, qual será a situação preferível para Mário Soares: a desistência dos candidatos do PCP e do BE, antes da votação -- decidindo-se as eleições logo a dois, entre Cavaco e Soares --, ou a ida às urnas dos três candidatos das esquerdas, deixando a agregação das respectivas forças para uma possível 2ª volta?
Recorde-se que a eleição à 1ª volta exige maioria absoluta, precisando o candidato vencedor de ter mais votos do que todos os outros candidatos somados. Nesse quadro, se for de prever que as três candidaturas à esquerda somarão, em conjunto, mais votos concorrendo separadas do que concentradas em Mário Soares logo à primeira volta -- hipótese verosímil --, então a divisão à esquerda não favorecerá Cavaco, antes pelo contrário. Nessa hipótese, a possibilidade de ele ser eleito à 1ª volta será mais difícil. E se não ganhar à 1ª volta, muito menos o conseguirá à 2ª (como sucedeu a Freitas do Amaral em 1986). Por isso, se houver uma situação de relativo equilíbrio, a divisão à esquerda, embora impedindo seguramente uma vitória de Soares à 1ª volta, pode dificultar a eleição de Cavaco e permitir-lhe e ele, Soares, ganhar à 2ª.
O mais provável é que as decisões só venham a ser tomadas perto do dia das eleições, tendo em conta as sondagens de opinião...

"O 5º poder"

Já está disponível na Aba da Causa o meu artigo desta semana no Público, sobre o papel e a influência dos blogues.

quarta-feira, 24 de agosto de 2005

A presidencialização

Rui Ramos desconversa, quando diz que, se for eleito presidente, Cavaco Silva não precisará de utilizar poderes que não tenham já sido utilizados pelos seus antecessores, incluindo a dissolução da AR, existindo uma maioria parlamentar [como sucedeu em 1983 e em 2004]. Não é assim. O que conspícuos apoiantes de Cavaco desejam dele -- e não escondem -- é algo que até agora nenhum Presidente fez, ou seja, a dissolução parlamentar para "despedir" o Governo que está em funções aquando da eleição presidencial, tratando-se de um governo "originário" (ou seja, saído directamente de eleições) e dispondo, aliás, de uma maioria absoluta monopartidária. Isso sim seria algo de novo, implicando um "afrancesamento" do nosso sistema de governo.

Mas qual era a dúvida?

«A direita vota Cavaco». Pois em quem havia de votar?
Mais uma vez, tal como em 1986 e 1996, as eleições presidenciais vão ser um confronto entre a direita (de novo protagonizada por Cavaco Silva, como em '96) e a esquerda (de novo protagonizada por Mário Soares, como em '86), com o centro a arbitrar a contenda...

Finalmente...

... fez-se ouvir o Ministro da Agricultura sobre os incêndios florestais. E o que disse pode ser o começo da reforma estrutural da floresta, que se impõe. Fim dos apoios públicos à plantação de pinheiros e eucaliptos, ordenamento florestal, incluindo a delimitação de zonas interditas àquelas espécies, penalização do descuido da floresta pelos seus proprietários --, eis algumas das medidas necessárias.
Antes de serem um problema do Ministério do Administração Interna, os fogos florestais deveriam ser uma preocupação dos ministérios da Agricultura, do Ordenamento territorial e do Ambiente...

Lucros privados, custos públicos (2)

Será que a receita tributária gerada pela fileira florestal dá para cobrir os custos públicos dos incêndios florestais, nomeadamente em meios de combate e indemnizações pelos prejuízos (casas, culturas, etc.)?

Lucros privados, custos públicos

Os proprietários florestais dizem que não podem limpar as florestas, por "falta de apoios do Estado". Típico! Mas, se não podem cumprir as obrigações legais, por que insistem em manter florestas que não podem tratar? Em vez de serem indemnizados pelos fogos, eles deveriam ser obrigados a pagar os prejuízos que causam a terceiros e à colectividade.

Sporting

Não costumo pronunciar-me sobre assuntos de futebol, matéria sobre que sou assaz incompetente. Mas como observador distanciado (e vago simpatizante sportinguista...), pergunto: com os "frangos" de Ricardo (agora à média de um por jogo) e a provada incompetência de Peseiro, será que o Sporting pode aspirar a ganhar o que quer que seja?

"A luta entre a sinagoga e o Estado"

Depois de dias a presenciar o desvelo que as televisões dedicaram à histeria fanática dos colonos israelistas de Gaza e dos seus apoiantes da extrema-direita religiosa, vindos sobretudo dos colonatos da Cisjordânia, faz bem ler textos como o artigo de Amos Oz, hoje no Público.
«Temos um sonho de nos libertarmos da longa ocupação dos territórios palestinianos. Israel e Palestina são, há quase 40 anos, como um carcereiro e um prisioneiro, algemados um ao outro. Depois de tantos anos já quase não há diferença - o carcereiro não é livre e o prisioneiro não é livre. Israel só será uma nação livre quando acabarem a ocupação e os colonatos e a Palestina se tornar um país vizinho independente.»
Mas a questão principal subsiste: como é que à descolonização de Gaza se segue a descolonização da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental, se os palestinianos abandonarem a resistência à ocupação, como agora se lhes exige? Alguma vez teria havido a descolonização de Gaza sem a sua abnegada e prolonngada luta? Israel vai deixar os territórios ocupados sem ser forçado a isso? É evidente que não!

Antecipação

Utilizando o Diário de Notícias como veículo, Cavaco Silva deixa saber, finalmente, que é candidato a Presidente da República. A única surpresa, se alguma, está na antecipação do anúncio, oficialmente previsto só para depois das autárquicas. A razão da antecipação chama-se obviamente Mário Soares, que previsivelmente anunciará a sua candidatura dentro de dias.

Aeroporto

No panorama da discussão da questão do novo aeroporto, tão eivada de preconceitos e tão inquinada pela defesa de interesses locais, empresariais e profissionais, há de vez em quando quem raciocine serenamente sob o ponto de vista dos interesses do País, como neste texto de João Cravinho, ontem no Diário de Notícias.

Correio dos leitores: Língua Portuguesa

«Sou jornalista. Quase sempre, esta é uma classe profissional criticada pela falta de correcção gramatical e sintáctica na apresentação de notícias.
Ora, a página Ciberdúvidas da Língua Portuguesa é uma das minhas ferramentas linguísticas. Por falta de protocolos com entidades públicas que lhe confiram algumas verbas para o seu funcionamento, corre o risco de parar.
É assim que se acautela a língua portuguesa, a lusofonia. Muito palavreado, decisões caras. Quando as há baratas e funcionais, fecham.
Que se trave este infortúnio cultural...»

Luís Manuel Branco

Correio dos leitores: Blogues

«Achei bastante interessante o seu artigo de [ontem] no Público sobre a influência dos blogues na "polis". Acho que é um fenómeno que "veio para ficar" mas que ainda não está depurado.
Relativamente aos blogues que se acham "fazedores de opinião", ignoro qual o seu impacto real, para lá da simples tertúlia "virtual" entre os próprios. Estive a dar uma volta pelos mesmos e conclui que muitos não passam, efectivamente, de tertúlia oca. Pouca sustentação da argumentação e honestidade intelectual muito questionável. Mais do tipo "concurso de cuspidela" de ver quem consegue maldizer de forma mais contundente.
Pessoalmente não gosto de conversas de "especialistas de mesas de café" e muito principalmente quando a sua actividade principal é a conversa à mesa do café.»

Carlos Sampaio (Glosa-crua.blogspot.com)

terça-feira, 23 de agosto de 2005

Crime de fogo posto

O problema do fogo posto não é maior ou menor severidade da sua punição penal. É a sua generalizada impunidade, pela dificuldade em identificar os criminosos e provar os crimes. Se existe 99% de possibilidade de um crime não ser punido, a tentação de o cometer aumenta exponencialmente, mesmo que as penas sejam pesadas.

Desapontamento

Perdidas estão as esperanças de evitar a constitucionalização de um Estado islâmico no Iraque. Os xiitas pressionaram e os Estados Unidos -- que precisam da Constituição aprovada para se poderem livrar do atoleiro da ocupação -- concederam em reconhecer no projecto de Constituição o Islão como "fonte principal" do direito, deixando nas mãos dos clérigos as questões do casamento e da família e ameaçando os direitos da mulheres. Resta saber se a oposiçãos dos sunitas -- especialmente por causa da definição federal do Iraque, que eles temem seja a receita para o fraccionamento do País -- poderá ser superada no referendo previsto para Outubro.

Umbiguismo

Há muitos blogues a discutir o poder da blogosfera. Era preferível exercer bem o pouco que têm...

Desinformação & confusão

Houve jornais, alguns com responsabilidades, como o Expresso, que noticiaram erradamente que o Governo tinha procedido à renovação antecipada das licenças de televisão da SIC e da TVI. O PSD, sem investigar, protestou, por causa da possível tomada de posição dominante de um grupo de media espanhol na TVI.
Ora, como se relata aqui, sucede o seguinte:
a) Não houve nenhuma renovação das licenças;
b) Aliás, a renovação compete à entidade reguladora, e não ao Governo;
c) As actuais licenças valem até 2007, devendo os interessados apresentar o pedido de renovação até um ano antes;
d) Tanto a SIC como a TVI já apresentaram os respectivos pedidos;
e) O que o Governo fez, como era seu dever, foi repristinar (=repor em vigor) o diploma de 1998, que contém o regime aplicável à renovação das licenças, diploma cuja vigência era controversa, por entretanto ter sobrevindo a lei da televisão de 2003, que não salvaguardou aquele diploma, havendo portanto um risco de "vazio legal".
Informação errada ou descuidada, confusão desnecessária.

segunda-feira, 22 de agosto de 2005

O acaso

Há duas coisas intrigantes nos fogos florestais entre nós. Primeiro, o elevadíssimo número de incêndios registados, muito acima dos números dos demais países mediterrânicos; segundo, a estranha coincidência de acendimentos quase simultâneos em locais distintos da mesma região, como sucedeu ontem na zona de Coimbra, abrindo múltiplas frentes e dando aos fogos proporções gigantescas. No caso de Coimbra, tal como já ocorrera noutros locais, trata-se de áreas até agora imunes aos incêndios deste ano, que subitamente foram tomadas de assalto pelos fogos. Como explicar isto pelo simples acaso?

Portugal em chamas

A BBC, a CNN, o CAUSA NOSSA, telefonemas da família trazem-me Portugal a arder, angustiado e impotente.
A seca climatérica, a seca de liderança política que durante décadas nos fez descurar o aquecimento global, a gestão da floresta, a educação para a prevenção, a organização dos serviços de socorro, a compra de aviões adequados, os bons exemplos vizinhos e o recurso à ajuda internacional a tempo e horas. Mais a inundação de incompetência, desorganização, ganância negocial e compadrio que tudo agravaram nos últimos três anos de (des)governação da direita.
Estou longe. Ainda aflige e dói mais.

A luz amarela de Coimbra

Esta noite o fogo entrou na cidade. Agora, de manhã, a luz é amarela e a visibilidade reduzida; o ar está carregado de fumo e as varandas cobertas de fuligem. Ouvem-se helicópteros cruzando a cidade, provavelmente combatendo os incêndios com água colhida na albufeira do Mondego. Risco de uma cidade em grande parte rodeada por florestas, com várias povoações suburbanas e extensões urbanas espalhadas entre pinhais e eucaliptais. Em anos mais críticos o fogo não limita o seu território...

Tomar os desejos por realidades

Há quem já veja nos blogues um "quinto" poder -- ou mesmo um "sexto" poder, conforme as contagens ... --, a par dos media tradicionais, funcionando como "watchdog" do poder político, ou mesmo do poder mediático. Mas essa visão sobre o impacto desse novo poder emergente parece manifestamente exagerada, pelo menos por ora, sendo conveniente manter alguma prudência na avaliação do poder dos blogues entre nós.
Descontados os blogues dedicados ao desporto e ao sexo, são muito poucos os blogues com alguma notoriedade; e vários deles devem o seu impacto essencialmente ao conhecimento público dos seus autores fora da blogosfera. E não é a repercussão efémera de abaixo-assinados colectivos, em arremedo de movimento cívico, que vai alterar significativamente as coisas...

Responsáveis

É claro que a prolongada seca, as elevadas temperaturas, a baixa humidade, os fortes ventos, tudo isso contribui decisivamente para o flagelo nacional que têm sido este ano os incêndios florestais. Mas sem a pilha combustível que são as florestas nacionais -- e que vem sendo construída desde que há mais de um século se resolveu florestar baldios e serranias com pinheiros bravos e, mais tarde, com eucaliptos para as celuloses --, tudo seria diferente. E por mais que sejam os recursos gastos no combate aos fogos, nada mudará sem mudar a floresta.
Mas onde está a vontade e a determinação política para o fazer?

Mahler

Muitas vezes queixo-me de que há palavras a mais na Antena 2. Mas, anos a fio, nunca pensei isso dos programas de António Cartaxo. Nesta altura, todos os domingos de manhã, as suas "histórias da música" são dedicadas a Gustav Mahler -- a grande música que ele compôs e a dos outros compositores que ele dirigu à frente da orquestra sinfónica de Viena. Para os admiradores de Mahler, como eu, não pode haver melhor companhia.

domingo, 21 de agosto de 2005

Etiópia - o génio fora da garrafa

Estou de volta à Etiópia, pela sétima vez desde meados de Março. Na «Aba da Causa» está um texto «Etiopia - o génio fora da garrafa» que escrevi e foi publicado em Maio no «COURRIER INTERNACIONAL». Vivia-se então um tempo de muita esperança - nas eleições de 15 de Maio mais de 90% dos cidadãos apareceram a votar porque indubitavelmente querem a democracia no seu país. E o que fez a diferença foi a presença internacional - em que a missão de Observação Eleitoral da UE, que eu chefio, foi a mais substancial.
O processo entretanto complicou-se, como eu já então temia e deixei aflorar no final do artigo. E por isso tive de continuar a voltar. E por isso não posso escrever mais...por ora. Direi apenas que ainda não conseguiram aqui re-engarrafar o génio da Democracia.

Correio dos leitores: Pampilhosa

«Às terras da Pampilhosa da Serra ligam-me os laços de família, das recordações dos seus verdes a perder de vista, das suas gentes simples e boas talhadas à imagem da rudeza das pedras.
Onde sobrevivem tendo tudo, no quase nada que a sociedade ?próspera do litoral" lhes proporciona. Onde o comboio não chegou, onde quase lhe quiseram tirar a ?carreira?, onde ninguém passa para dar notícia que existem.
Hoje, contudo, é Verão, lembraram-me as imagens, muitas, dos meios de comunicação social. Porque no Verão a Pampilhosa da Serra existe, enche os noticiários, preenche a nossa revolta esquecida desde o último Verão.
Agora aguardemos o próximo Verão, esquecendo que ela existe no Outono, no Inverno e na Primavera.
(...) Até lá, nós, os donos de quase tudo, esqueceremos que os meios são (ou não são) suficientes, se se deve ou não declarar a calamidade, se se limparam ou não as matas, se se abriram ou não os asseiros, se as florestas estão ou não ordenadas.
Discutiremos, calados, o que vamos dizer que deveríamos ter feito, quando as chamas irromperem no próximo Verão.»

Rui Silva

CNN - Iraque - «inteligência» em cheque

Vale a pena ver a reportagem que a CNN está hoje a passar sob o título «Dead wrong: inside an intelligence meltdown» (próxima exibição deve ser à 1 da manhã de Lisboa) . Sobre a invasão do Iraque - e de como a banda de Bush, com o VP Chenney e Donald Rumsfeld à cabeça - torceram a «inteligência» (e o capacho que George Tenet, o patrão da CIA designado ainda por Bill Clinton, revelou ser) para «make their case for war» na base da falsa alegação da existência das ADM.
Interessante ouvir diversos testemunhos, mas em especial David Kay - o inspector da CIA que se demitiu depois de concluir, em finais de 2003, que afinal não havia ADM - e que põe o dedo na pior ferida: com magnos problemas neste campo pela frente (Coreia do Norte, Irão, as ADM que a Al Qaeda procura alcançar, etc...) como é que alguém mais no mundo vai acreditar nas alegações dos EUA ?
Interessante ouvir Lawrence Wilker, o Chief of Staff de Colin Powell, aldrabado por Tenet e empurrado pela banda de Bush para fazer a triste figura que fez no Conselho de Segurança a vender banha- da- cobra, incluindo o famoso urânio alegadamente comprado ao Niger por Saddam... Diz que ele que o General até ao fim dos seus dias vai amargar essa... E conta que o papel que a CIA enviou a Powell para base da sua solene intervenção na ONU mais parecia «um menu chinês» que um «intelligence report» .
Interessante ouvir membros do Congresso escandalizados com o «black hole» que descobriram ser afinal a informção sobre o Iraque e com o facto de a CIA nunca sequer ter procurado confirmar a credibilidade de «Curve Ball», o informador iraquiano que afiançava haver laboratórios de armas biológicas em camiões e cuja idoneidade era zero...
Interessante as patéticas contradições entre o que a Sra. Rice foi sucessivamente dizendo - ou de como a fidelidade a um morcão faz uma mulher, apesar de tudo inteligente, parecer parva...
Interessante ainda que o VP Chennney se tenha recusado a ser entrevistado para a reportagem da CNN.
O mais interessante, porém, é o final da reportagem - o novo patrão da CIA, John Negroponte, tem enormes responsabilidades - entre elas recuperar a credibilidade para a Agência - mas menos poderes e dinheiro.Vai ter de afrontar (já começou, diz a reportagem) a banda dos Cheney,Rumsfeld, Roves e quejandos. Mas tudo vai depender para que lado vai pender o veraneante Bush - cujo equilibrio não é ... brilhante (como se viu até pelo seu pedalar contra umn polícia no G-8 na Escóscia...).
É por reportagens destas e por outras que, apesar de tudo, eu gosto de ver a CNN. Como gosto, e muito, da América. E por isso não gosto da banda de Bush.

PS - Ou será que a CIA de Negroponte encomendou esta reportagem à CNN já como parte do braço de ferro? Não seria a primeira vez...

sexta-feira, 19 de agosto de 2005

Privilégios

Também eu subscrevo o artigo do Prof. Jorge Miranda no «Público» de hoje.
Moralizar e tornar menos arbitrários e opacos remuneração e benefícios dos gestores públicos é tanto mais urgente quanto se pedem sacrifícios aos funcionários da Administração Pública. E quando muitos desses "gestores públicos" são, de facto, políticos em «reciclagem». Tão especialistas em gestão quanto eu... E todos dependem sobretudo de compadrios pessoais com políticos no poder - mesmo quando vêm da «oposição». O «centrão» é mesmo o pântano.

Abaixo de qualquer nível

O novo Ministro das Finanças -- que, recorde-se, passou a ganhar como ministro um terço do que ganhava como presidente da CMVM e que não acumula com nenhuma pensão ganha à pressa no Banco de Portugal... - está a ser mesquinhamente criticado por receber um subsídio de alojamento em Lisboa, como é direito seu, visto que reside com a família no Porto.
Por vezes, pode haver muita falta de nível no combate político!

Adenda
O mal é haver, por excepção, uns ministros vindos de fora de Lisboa e arredores. Só trazem mais despesa. Um Governo 100% lisboeta era mais barato. Sócrates deveria pensar nisso...

Por sarar...

... estão as feridas abertas no PS francês pela divisão quanto ao referendo do tratado constitucional europeu. Numa entrevista ao Nouvel Observateur, Michel Rocard -- antigo líder do PS e também primeiro-ministro, que defendeu o sim à constituição europeia --, declara que, se Fabius e os seus ganhassem o próximo congresso, a realizar ainda este ano, poderia justificar-se uma ruptura e a criação de um novo partido, que assumisse uma posição explicitamente social-democrata e europeia. «Mais vale a cisão do que a confusão» -- remata ele.
Quando celebra justamente um século da sua criação (1905), o PS francês parece reeditar a divisão ideológica que presidiu à sua formação, representada respectivamente pelo reformismo social-democrata de Jean Jaurès e pela orientação marxista de Jules Guesde.

Só se for na oposição

A propósito da crise política brasileira, Boaventura Sousa Santos, na sua coluna desta semana na Visão, assume como encerrado o "lulismo" -- que ele caracteriza como «o máximo disfarce histórico do neoliberalismo nos últimos 20 anos»... -- e defende a possibilidade de um "pós-lulismo progressista", mediante um retorno ao "petismo" originário.
A mim parece-me que quem sai especialmente ferido desta crise é o próprio PT em geral -- muito mais do que o Presidente, que mantém um amplo apoio social -- e que a tentativa de resposta à crise mediante uma viragem à esquerda da política económica e financeira do Governo só poderia ser mal-sucedida, desde logo por falta de apoio parlamentar suficiente.

Moléstia contagiosa

Agora é o Aviz de Francisco José Viegas que se vai embora. Que moléstia deu nos blogues de escritores?

Os predicados do embaixador

«President Bush nominated Florida real estate developer Al Hoffman in July 2005 to serve as ambassador to Portgual. The post had previously been held by Mississippi venture capitalist John Palmer.
The founder and chairman of Watermark Communities, a Bonita Springs-based luxury condo development firm, Hoffman has a long history of helping members of the Bush family win high office. In addition to serving as finance chair of Jeb Bush's 1994, 1998 and 2002 gubernatorial campaigns, Hoffman headed the Florida fundraising efforts for both of George W. Bush's presidential campaigns. Hoffman, who owns an island near the Bushes' Kennebunkport estate in Maine, has also served as finance chair of the Republican National Committee.»

(via Contra Factos & Argumentos).

Privilégios

«Faz sentido, em caso de interrupção do mandato de qualquer gestor [público] por acto do Governo, que ele tenha direito a uma "indemnização", calculada em termos muito favoráveis e, não raro, de montante elevado? Faz sentido que alguém que aceita um cargo, com base na confiança ou até na identificação com o Governo, quando deixa de a ter, venha a ser, por isso, ressarcido? Faz sentido que um gestor, afastado nessas circunstâncias, receba uma indemnização, quando não a recebem, por exemplo, o procurador-geral da República ou os chefes de Estado-Maior das Forças Armadas, se demitidos a meio dos respectivos mandatos?» (Jorge Miranda, Público de hoje).
Subscrevo. Há muito que contesto essa situação.

Lugares de encanto

Santa Cruz da Graciosa, Açores, Julho 2005.

Lula & PT

Aparentemente, Lula da Silva pode sair relativamente incólume do escândalo do "mensalão" (pagamentos a deputados de outros partidos para apoiarem o Governo), dado não haver até agora nenhum indício de envolvimento ou conhecimento seu. O que, porém, está definitivamente prejudicado é o ethos político e moral do PT, bem como as condições de coabitação entre a ala esquerdista, que quer voltar à pureza originária do partido e denunciar a política "neoliberal" do Governo, e ala moderada, que tem pautado a linha de rigor financeiro e de prudência da política económica, que seguramente o Presidente não vai abandonar.
Se Lula sempre valeu mais do que o PT -- sendo a insuficiência da representação parlamentar deste a principal razão para a necessidade da heteróclita coligação que Lula teve de patrocinar no Congresso --, depois desta crise a diferença da base política de ambos passará a ser ainda maior. Como é que esta situação pode assegurar condições de governabilidade no futuro, eis o que resta ver.

quinta-feira, 18 de agosto de 2005

A herança de Roosevelt

Faz agora 70 anos que o Presidente Roosevelt assinou a lei que criou o incipiente sistema de segurança social norte-americano. O liberal The Economist lembra o facto, sem anátemas. Os neoliberais, esses, vêm aí o princípio do "socialismo" nos Estados Unidos...

Fora do Mundo

O Fora do Mundo acabou. Surpreendo alguém se disser que vou sentir muito a falta dos posts de Pedro Mexia?

"Evidências"

No que seria um divertido artigo (se não fosse tão sério), Nuno Gaoiso Ribeiro enumera uma série de falsos amigos que vão fazendo sucesso nos meios de comunicação em geral. Junto mais este ao rebanho, frequente em textos de destacados colunistas de um prestigiado jornal: "evidências" em vez de provas, referindo-se a processos judiciais em curso. Não partilhando (tal como NGR) qualquer fundamentalismo linguístico, neste caso, não há nada que justifique tal mudança.

Serviço público...

Na última edição da conversa semanal com António Vitorino, J. Rodrigues dos Santos voltou a dizer, como é seu hábito, "não tem a haver com...", quando queria dizer "não tem a ver com...", o que é um erro inadmissível num profissional do seu gabarito. Também voltou a atacar na RTP o publicitário do anúncio do Euromilhões insistindo em exaltar as "chentricidades" que a fortuna pode proporcionar.
Para uma televisão de serviço público são seguramente ex-cen-tri-ci-da-des linguísticas a mais...

Despautérios linguísticos

«Se "a minha pátria é a minha língua" estamos, definitivamente, perdidos. É alucinante como os media, que diariamente nos inundam sem pedirem sequer licença, têm desnudado a iliteracia que jorra dos depósitos da nossa ignorância colectiva.» Eis um excerto ("cherto", em lisboetês) da elucidativa crónica de Nuno Gaioso Ribeiro no Diário Económico sobre os tratos de polé a que o Português anda sujeito nos media.

Que país, este!

«Queixamo-nos, com razão, de falta de capital, de formação profissional, de produtividade, de espírito empresarial - tudo razões para explicar os nossos inêxitos no campo do desenvolvimento económico. Mas falta-nos ainda mais educação ambiental, civismo, responsabilidade pessoal e respeito pelo património colectivo. Enquanto esse défice de educação e de carácter não for superado, Portugal nunca pode deixar de ser aquilo que continua a ser: um país feio, sujo e desordenado para além de toda a escala admissível na Europa.» (Excerto do meu artigo desta semana no Público, agora também disponível na Aba da Causa).

As vítimas colaterais do contraterrorismo

Como se suspeitava, confirma-se agora que a polícia londrina inventou uma históra para esconder as suas culpas na morte a tiro do brasileiro precipitadamente confundido com um terrorista. Na luta antiterrorista não pode valer tudo, muito menos a execução sumária de pessoas inocentes, apanhadas no local errado no momento errado!

O apelo do Brasil

«A minha maior ambição (...) é vir a ser um dia um bom brasileiro» - José Eduardo Agualusa, Jornal de Letras.
O escritor angolano, de ascendência portuguesa, não é seguramene o único a sentir esse apelo. O que é que o Brasil tem, para exercer essa (crescente) atracção no espaço lusófono? Quem já a sentiu, percebe!

Guia de Portugal

Há umas três ou quatro décadas, quando me dei como tarefa tentar conhecer bem o país, tinha eu como obrigatório vademecum de viajeiro o velho Guia de Portugal, organizado por Raul Proença, com a colaboração de inúmeros autores, publicado em vários volumes nos anos 20 do século passado (reeditado pela Fundação Gulbenkian nos anos 80). Continuo a ter uma enorme estima por essa obra, que conto entre aquelas a que devo muito do que sei sobre Portugal. Por isso, é com alegria que tomei conhecimento, pelo Jornal de Letras, que Fernando António Almeida, ele próprio um profundo conhecedor do território, sobre o qual escreve há muitos anos, tem o projecto de "replicar" a velho roteiro de Raul Proença.
Que o ânimo não lhe desfaleça!

Lugares de encanto

Farol, ilha da Culatra, Algarve, 2005.

Patifaria anónima

Com regularidade volta à tona a questão do anonimato na blogosfera. Creio que o problema não está no anonimato em si mesmo: pode haver motivos estimáveis para ele. O problema consiste em utilizar o anonimato, como alguns fazem (sobretudo nas caixas de comentários), para o insulto e a injúria, a denúncia falsa, o achincalhamento pessoal, o ataque racista e "hate speech" em geral. Ou seja, o que revolta é a patifaria anónima, patifaria mais grave justamente porque acobardada sob o anonimato.

O problema

Eu conheço pelo menos uma dúzia de pessoas que dariam excelentes presidentes da República. O problema é que, para o serem, precisam de ser eleitos...

quarta-feira, 17 de agosto de 2005

O insólito (1)


Quando a esperança não é a última a morrer!
Nampula, no norte de Moçambique.

Lugares de encanto

Guadiana acima, subitamente Mértola, na curva do rio (Agosto 2005).

Lugares de desencanto

Praia da ilha da Culatra, Algarve, Agosto 2005.

Investimentos públicos (4)

«Dizem-me que terei de desembolsar 1500 euros para suportar o TGV Lisboa-Madrid e Lisboa-Porto, para além do novo Aeroporto da Ota. Mas, até hoje, ainda não vi quem quer que fosse afirmar o quanto cada cidadão português deveria pagar em 2015, caso qualquer destes projectos não se materializasse. É, indubitavelmente, o objecto do "grande estudo" que terá ainda de ser realizado.» (Manuel Margarido Tião, "Ota e TGV, o Estudo que Falta Fazer", Público de ontem).
Subscrevo.

Investimentos públicos (3)

Os mais coerentes opositores dos investimentos públicos em infra-estruturas não são os neoliberais, que são assaz selectivos nos investimentos a que se opõem, mas sim os tradicionalistas mais radicais, para quem o Marquês de Pombal, Fontes Pereira de Melo e outros quejandos figuram entre os principais responsáveis pela destruição do Portugal de antanho. Pela sua lógica, Portugal continuaria a viajar de carroça, por essas veredas fora...

Investimentos públicos (2)

Na generalidade dos países, sem excluir os mais liberais em matéria económica, a história do desenvolvimento económico é em grande parte a história das iniciativas e do investimento público, sobretudo em infra-estruturas. Mas, a crer na heteróclita fronda que entre nós se criou contra os anunciados projectos de grandes investimentos públicos em transportes (novo aeroporto e rede ferroviária), a história tem de ser revista. Afinal para que são precisos novos aeroportos, caminhos de ferro e auto-estradas, se nos vamos arranjando com os que existem?!

Investimentos públicos (1)

Na variegada composição da LCGIPI-OTGV (Liga contra os Grandes Investimentos Públicos em Infra-estruturas, vulgo Ota e TGV) entram muitos dos que se rebelaram contra as medidas de redução das despesas públicas correntes (suspensão das subidas automáticas de remunerações e dos regimes especiais, revisão da idade e regime de aposentação, etc.). "Se não há dinheiro para mim, não pode haver para mais nada"!
Até agora julgava-se que o cancro das finanças públicas estava no excesso de despesas correntes, à custa das despesas de investimento. Pelos vistos, a teoria tem de ser revista...

Primeiro passo?

Culminando um longo processo de elaboração e consulta, depois do anúncio da medida logo no início do Governo, foi ontem finalmente publicado no jornal oficial o diploma legal que permite a venda fora das farmácias dos medicamentos que não precisam de receita médica e que, mais importante do que isso, liberaliza os seus preços (salvo os medicamentos comparticipados).
Os consumidores poderão assim beneficiar de mais locais de distribuição e de preços mais baixos no que respeita a esses medicamentos. Fica, porém, a faltar o principal --, a liberalização da criação de farmácias!

terça-feira, 16 de agosto de 2005

Vertigem concentracionista

Parece que há uma proposta para integrar o Centro de Estudos e Formação Autárquica (CEFA), sedeado em Coimbra desde a origem, no Instituto Nacional de Administração (INA), sedeado em Oeiras. É uma ideia típica da mentalidade concentracionista tradicional da Administração Pública, que não tolera organismos públicos nacionais fora da capital ou da sua área. Qualquer dia ainda veremos uma proposta para integrar o Instituto dos Vinhos do Porto e do Douro (Régua/Porto) no Instituto da Vinha e do Vinho!
Não é verdade que uma das ideias básicas deste Governo em matéria de organização administrativa era a desconcentração? Em vez de concentrar o CEFA no INA, não seria antes de desconcentrar territorialmente as actividades de formação do INA, permitindo que elas beneficiem toda a Administração pública estadual em geral e não essencialmente a da administração central, como hoje sucede?

Aceh - ponte para o mar, barcos em terra...




Só a mesquita resiste.
Sete meses depois do tsunami e milhares de tremores de terra.

Contrapeso

Ao anunciar para o próximo ano parlamentar o projecto de reforma da lei eleitoral para criar os círculos eleitorais de um só deputado -- que são rejeitados pela oposição de esquerda e apoiados em princípio pelo PSD -- o PS pretenderá "contrabalançar" a coligação natural à esquerda, que se vai manifestar nas eleições presidenciais e no referendo da despenalização do aborto?

Adenda
Como é sabido sou pessoalmente favorável à criação de círculos uninominais, nos moldes do projecto de sistema eleitoral misto submetido à discussão pública no primeiro Governo de António Guterres.

O Aceh verde e azul - devastação






Sete meses depois do tsunami...

Imaginação

Mais bizarra do que tese de que Sócrates deveria preferir Cavaco Silva em Belém, em vez de Mário Soares -- houve quem a defendesse sem se rir... --, só a tese de que «uma certa direita grunge que por aí anda, (...) deseja activa e ardentemente uma vitória da esquerda e de Mário Soares nas próximas presidenciais». Fértil imaginação é coisa que não falta pelas bandas da Grande Loja...

Défice de vergonha

A oposição do PSD e do CDS ao projecto do TGV -- que é simultaneamente o projecto de adopção da bitola europeia na nosssa rede ferroviária -- constitui uma escandalosa contradição. Pois não foi o seu Governo que assinou com a Espanha uma convenção internacional comprometendo o País num projecto de construção de 4-ligações-4 ao país vizinho (Porto-Vigo, Aveiro-Vilar Formoso, Lisboa-Madrid e Faro-Huelva)? E não é verdade que o actual Governo reduziu prudentemente esse projecto megalómano, avançando para já somente com as ligações Porto-Lisboa e Lisboa-Madrid? O que ontem mereceu aplauso suscita agora um coro de protestos, porquê?

Desafinação

Há, de vez em quando, umas vozes que desafinam no meio do coro variegado que brada contra o fim do aeroporto da Portela (onde estava esta gente toda quando a decisão de construir novo aeroporto foi tomada em 1999 e depois retomada, embora não implementada, pelos governos PSD/CDS?). O facto de os seus argumentos fazerem todo o sentido não deve bastar, porém, para serem ouvidas. Momentos há de unanimismo altissonante, em que a dissidência fica clandestina...

segunda-feira, 15 de agosto de 2005

Demagogia (2)

Que os autarcas peçam a declaração do "estado de calamidade pública" por cada incêndio florestal no seu concelho, sem estarem preenchidos os correspondentes requisitos legais, compreende-se mal, mesmo em época pré-eleitoral. Que comentadores políticos responsáveis, devendo conhecer tais requisitos, secundem tal exigência, isso é concorrência desleal. A demagogia deveria ser exclusiva dos políticos...

Demagogia

O cúmulo da demagogia dos últimos dias é a ideia de que o primeiro-ministro deveria interromper as férias por causa dos incêndios florestais. Traria, porventura, com ele a chuva?

Aceh - a paz é possível

De 22 a 26 de Julho passado voltei ao Aceh, integrada numa missão do Parlamento Europeu.
No «Courrier Internacional», edição de 5 de Agosto, na coluna «Todo-o-Terreno», publiquei um relato do que vi, senti e percebi - «Pela Paz no Aceh». Na «Aba da Causa» poderá ser lida a versão integral.
Não contei tudo. Não contei, por exemplo, que em cinco dias e quatro noites, sentimos 6 tremores de terra, um de grau 5.6 na escala de Richter. Vi o pânico nos olhos dos acehneses que me rodeavam. Compreensivelmente - o tsunami seguiu-se a um terramoto devastador, meia-hora antes. A reconstrução não é só dolorosa: é angustiante. Mais uma razão por que sem ao menos paz, não é possível reconstruir no Aceh.
Confirmou-se a assinatura hoje, em Helsinquia, de um Acordo de Paz entre o Governo de Jacarta e o movimento separatista GAM. Os acehneses aplaudem-no, esperançosos, embora com prudente cepticismo - já viram outros semelhantes falhar na aplicação.
Muito vai depender dos monitores internacionais, que não devem esperar cumprimento escrupuloso dos compromissos de ambas as partes - elas e os monitores serão inevitavelmente armadilhados pelos sectores, de ambos os lados, que não querem a paz porque beneficiam com o conflito.
Os monitores serão da UE e da ASEAN. Portugal não deve deixar de contribuir para a missão europeia. 5 monitores (homens ou mulheres) já será contribuição decente.

Epílogo

Mário Pinto volta a atacar hoje no Público a questão da escola pública, confundindo mais uma vez a liberdade de criar escolas privadas e de as frequentar (liberdade constitucionalmente garantida, que ninguém contesta, muito menos eu) e o direito ao ensino, cuja satisfação constitui uma obrigação constitucional do Estado através da escola pública, não tendo este nenhum dever de financiar a frequência de escolas privadas, como pretende MP (que era a questão que desde o início estava em causa).
As deliberadas confusões que ele amontoa na sua pseudo-resposta ao meu artigo da semana passada não precisam de réplica (ele não responde a nenhum dos meus argumentos) e os ataques pessoais que me dirige (em que é useiro e vezeiro) não me levam a incorrer na mesma via. Já lhe dei mais troco do que merece.
Queira ele ou não, existe uma diferença essencial entre o interesse público e os interesses particulares. Não defendemos coisas equivalentes.

Adenda
É evidente que eu não imputei a MP nenhuma malfeitoria, ao contrário do que ele se queixa, torcendo a leitura de uma passagem do meu texto, que não consente tal interpretação. Primeiro, não está nos meus hábitos atacar pessoalmente os meus opositores; segundo, para mim a honorabilidade de MP não está, nem nunca esteve, em causa; terceiro, é sabido que os fiéis de organizações transcendentais, quando pedem ou reclamam benesses, é para elas e não para si mesmos.

"Baixar as expectativas no Iraque"

Nas vésperas da aprovação do projecto de constituição iraquiana -- que em vários aspectos ficará bem longe dos padrões de uma democracia ocidental -- os Estados Unidos baixam subtancialmente as suas expectativas em relação à ocupação do País. Um longo artigo do Washington Post de ontem dá conta do pessimismo reinante. Entre outras coisas, já foi abandonada a ideia de derrotar a insurreição contra a ocupação, que não dá mostras de abrandar. A partida das tropas norte-americanas sem a missão cumprida é claramente assumida. «"We've said we won't leave a day before it's necessary. But necessary is the key word -- necessary for them or for us? When we finally depart, it will probably be for us," a U.S. official said.»

Ligeira, mas...

... mesmo assim merecedora de uma menção a análise da blogosfera nacional, ontem no Diário de Notícias.

Adenda
Ver também a nota crítica de Paulo Gorjão.

domingo, 14 de agosto de 2005

Lugares de desencanto

Detrito doméstico numa praia algarvia, Ilha da Culatra, parque natural(?!) da Ria Formosa, Agosto 2005.

Estado fraco

Quem ontem viajou na auto-estrada do Norte, muito congestionada, deveria saber por que é que o Estado não obriga a Brisa a construir a terceira faixa de rodagem nos troços que já ultrapassaram há muito os limites de tráfego previstos no contrato de concessão. Num Estado fraco os concessionários privados podem dar-se ao luxo de incumprimento sem riscos de sanção...

Pergunta

Por que razão é que a nova ligação rodoviária entre a A1 e a A13 junto a Santarém -- permitindo pela primeira vez uma ligação rápida entre o Norte e o Sul sem se ter de passar por Lisboa -- não é feita em perfil contínuo de auto-estrada, em vez de obrigar a dois controles de portagem e a passar pelo estrangulamento da variante externa daquela cidade?

sexta-feira, 12 de agosto de 2005

Lugares de encanto

Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, Açores, 2005.

Surrealismo

«PS local impugna listas do próprio PS em Felgueiras». Definitivamente o PS não se dá bem com Felgueiras...

Correio dos leitores: Colégio Militar

1. «"O Colégio Militar é um Estabelecimento de educação e ensino destinado a filhos de militares e também de civis, em regime de internato, preparando-os para frequência ulterior das Academias Militares. Ministra aos alunos sólida educação moral, intelectual, física e militar. O ensino está legalmente equiparado ao dos Estabelecimentos de ensino dependentes do Ministério da Educação" (in site do M.Defesa Nacional).
Posso assegurar-lhe que é a excelência da Escola que a mantém em funcionamento com larga percentagem de miúdos filhos de civis não havendo qualquer espírito de casta a manter artificialmente a Escola (creia que o espírito de casta foi chão que já deu uvas..., infelizmente).
No que respeita aos Institutos Superiores há muito deviam ter sido reunidos num único pois não só há capacidade física para tal como se recupera a possibilidade de colocar em contacto estreito oficiais dos três ramos.»

Morais Silva

2. «O que justifica a permanência do Colégio Militar é, evidentemente, a procura do qual é alvo. Se um Colégio tem procura da parte dos pais, por quê ir extingui-lo?
A educação no Colégio Militar paga-se, e paga-se bem. Trata-se para todos os efeitos, tanto quanto julgo, de um Colégio de índole privada, embora pertencente ao Estado. E não vejo nada de errado nisso.»

Luís Lavoura

Comentário
Não vejo onde é que se enquadra constitucional e legalmente a possibilidade de o Estado manter colégios "privados"...

Privilégios

Portugal é um dos países onde os trabalhadores gozam de maior período de férias, diz um relatório comparativo internacional. Também é provavelmente um dos que tem maior número de dias feriados e de "pontes". Portanto, é um dos países onde menos se trabalha. Depois admiramo-nos de vivermos acima das nossas possibilidades...

quinta-feira, 11 de agosto de 2005

Lugares de encanto

Fortaleza de Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, Açores, 2005.

Escolas militares

Após anos e anos de estudos, projectos e resistências, foi finalmente concretizada a reunião dos três institutos de estudos superiores das forças armadas num só. Como é difícil fazer reformas que afectam interesses e feudos instalados!
A propósito de escolas militares, o que é que justifica hoje a existência de escolas do ensino básico e secundário, como o Colégio Militar, se não um deslocado espírito de casta (aliás, reservado a rapazes)?

O novo aeroporto

O Ministro das Obras Públicas publica hoje um artigo no Diário Económico -- infelizmente indisponível online -- a defender o aeroporto na Ota. Invoca especialmente o estudo de impacto ambiental de 1999. Todavia, trata-se somente da vertente ambiental, que valida a escolha do local em comparação com outros. Falta obviamente o estudo de impacto financeiro e económico da construção do novo aeroporto.

O que se suspeitava

A Anacom, a entidade reguladora das comunicações, veio confirmar o que se supeitava quanto à falta de efectiva concorrência na telefonia móvel e à "coordenação" de práticas tarifárias entre os três operadores, o que insinua claramente uma acusação de práticas restritivas da concorrência.
Para além da atenção da Autoridade da Concorrência, o que estas conclusões suscitam é a necessidade de aumento do número de operadores no mercado. Se existem países com numerosos operadores, por que é que em Portugal existe um mercado reservado para somente três operadores?

Segredo de polichinelo

Ridicularizando pertinentemente os que à direita tentaram demonstrar que para Sócrates era melhor ter Cavaco em Belém do que Soares, Rui Ramos vem dizer o que verdadeiramente vai na alma da direita quanto às presidenciais e quanto ao seu candidato: o que ela quer e espera é obviamente a demissão do Governo.
Eis, portanto, uma questão à qual Cavaco Silva não vai poder fugir: esclarecer devidamente a sua posição em relação à estabilidade política em geral e à estabilidade givernativa em especial.

Escola pública

«Em desespero de causa, os adversários da escola pública defendem que o Estado não deve encarregar-se do ensino, nem de outros direitos sociais ou culturais, devendo limitar-se às "tarefas soberanas". É obviamente livre a opinião sobre as tarefas do Estado. Mas quem as define é a Constituição e o voto dos eleitores e não os "opinion makers", sobretudo quando são parte interessada. A Constituição diz o que diz e não o que o "lobby" do ensino privado queria que ela dissesse.»
Este é um excerto do meu artigo desta semana no Público, já disponível, como habitualmente, na Aba da Causa.

quarta-feira, 10 de agosto de 2005

Lugares de encanto


Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, Açores, 2005.

A cruzada

Prossegue, apaixonada, a cruzada paroquial de Lisboa contra a mudança do aeroporto da Portela. Vale tudo. O Governo dá uma prestimosa ajuda, ao adiar para Outubro (vá-se lá saber porquê...) a divulgação dos estudos que sustentam a construção do novo aeroporto.

Por que será?

Portugal é o País da UE onde há relativamente mais incêndios florestais. Porquê? Provavelmente, porque nenhum outro tem uma floresta tão vulnerável aos fogos como a nossa.

Correio dos leitores: A extinção do Ballet da Gulbenkian

«(...) A FCG tem uma identidade própria, associada ao título de "Ministério da Cultura português" até muito recentemente. Tal perfil só foi possível por conciliar duas filosofias de intervenção: uma directa, com serviços próprios, outra indirecta, com subsídios e apoios vários. Foram e/ou ainda são serviços directos alguns dos organismos mais emblemáticos da FCG: as bibliotecas itinerantes e fixas, o Ballet Gulbenkian, a Orquestra Gulbenkian, o ACARTE, etc. Há argumentos que revelam uma estratégia deliberada dos administradores ideologicamente mais liberais no sentido de acabar com os serviços directos (...).
Aqui surge um problema: se numa visão liberal faz sentido exigir uma menor presença do Estado na sociedade civil, já um menor peso da sociedade civil nela mesma é um contra-senso. Porém, é nisso que se traduz o esvaziamento do papel da FCG na oferta e na concorrência culturais, ambas cruciais para o desenvolvimento da sociedade portuguesa. (...)
A extinção do Ballet Gulbenkian foi nefasta, dada a sua intempestividade (a renovação artística fora almejada e a programação de 2005/6 já fora aprovada), o momento escolhido (celebração dos seus 40 anos), o valor do grupo de bailado (prestigiado internacionalmente, à custa de muito investimento e árduo labor) e, como vimos, por comprometer definitivamente a própria filosofia mista de intervenção sócio-cultural da FCG ao longo da sua existência.
(...) Cabe à opinião pública debater estas questões, pois a FCG é uma das instituições mais importantes da nossa sociedade civil, e por isso deve ser alvo de escrutínio público. Uma petição com 20 mil assinaturas vai nesse sentido (vd. http://www.petitiononline.com/bg05ext/petition.html). Para o bem do interesse comum, da nossa democracia.»

Daniel Melo, historiador

Correio dos leitores: «O fogo e nós»

«Agora que me envolvi directamente, durante dois dias, lutando até à exaustão, no meio de um inferno de chamas e fumo ardente, procurando defender a humilde casa de meus pais - lugar de memória da minha infância e recanto de paz nos encontros domingueiros de são convívio entre três gerações ? melhor entendo o valor da enorme solidariedade e abnegação do nosso povo. (...)
Mas é triste, de uma tristeza infinita, observar o nosso vasto e rico património florestal e ambiental desaparecer num ápice, perante a nossa impotência, com consequências tão nefastas que provavelmente ainda nem nos demos conta, tal é o estado de pasmo e incredulidade com que olhamos agora, atónitos, estas manchas intermináveis de paisagem negra, bélica, ainda ontem tão fresca e paradisíaca.
É este sentimento de raiva interior, que ora se abafa, ora parece explodir, por verificar que os mais pobres continuam os mais sofredores, as suas casas as que ardem, o seu desespero o mais ignorado. Entregues a si próprios e ao seu destino, apenas podem contar consigo e a solidariedade possível. E ficar mais pobres. (...)
Razão tem o meu pai, nos seus lúcidos 75 anos, confessando a um órgão de informação (os novos paparazzi da desgraça!) face ao cenário de tragédia jamais visto na sua aldeia: "Tivesse eu agora 20 ou 30 anos, voltaria a emigrar para bem longe e tão cedo não regressaria a este triste e pobre país."
E nós, valerá a pena ficar? Até quando?»

(M.Oliveira, Leiria)

terça-feira, 9 de agosto de 2005

Abrupto ou abutre?

"A Capital é hoje um jornal que vale a pena ler, até porque a sua agenda é muito diferente da dos outros jornais diários. (...) É um jornal maison, íntimo, e por isso é um jornal urbano interessante, que publica trabalhos jornalísticos com informação nova e temas pouco tratados".

(Pacheco Pereira sobre A Capital, no Abrupto, em Agosto de 2004)

"A Capital vai-me fazer falta, mas sempre que eu via um número revoltava-me a incúria com que era feita. Eu sei que é duro dizer isto, mas não era segredo para ninguém, a começar pelos seus leitores, que o desastre era inevitável".

(Pacheco Pereira sobre o fim da Capital; na Sábado de 5 a 11 de Agosto de 2005)

Correio dos leitores: Lisboetês

«Não sei se será lisboetês ou não. Português é que não é de certeza. Repetidamente o pivôt da RTP 1 José Rodrigues dos Santos comenta que tal matéria "não tem a haver" com qualquer coisa. Então não há um(a) colega que lhe faça o reparo? Ninguém lhe dirá que "não tem a haver" não tem mesmo nada a ver com "não tem a ver"?»
Fernando Barros

Correio dos leitores: CGD

«Então e na CGD ?
Esta instituição é uma autêntica agência de emprego do bloco central (PS/PSD).Quem entrar para a CGD sem cartão daqueles partidos se chegar a chefe de secção já é muito bom. Hoje a Caixa está enxameada de Directores oriundos das mais variadas origens e cujos currículos são uma vergonha, enquanto dantes os quadros superiores eram recrutados na instituição.
O [Armando] Vara então é de bradar aos céus, como é que um 1.º ministro se enterra desta maneira. O tesoureiro da agência de Vinhais foi promovido a administrador. Querem maior afrontra para que lá trabalha honradamente?»

M. Malaca

«Quanto aos meninos-familia [na PT]:
1- e os que estudam lá fora à custa dos metecos nacionais?
2- e como é nas repartições onde trabalha a família toda mais a prole (experimente fazer as contas sobre o valor do legado que é um emprego no estado para um vencimento de 1.500 euros/mês)?
3- e na CGD pode constatar que está lá a famelga toda.
5- e nas Câmaras? A avaliar pelo municipio local, se nos outros a coisa tiver um nível de degradação igual a 50% ao "deste" poder local, a coisa só é sustentável porque o povo é pouco letrado... ou não tem nem voz nem direitos substantivos.
6- e nos Intitutos, fundações e quejandos onde o Estado mete o bedelho?
Mas a questão é: como moralizar esta sociedade, esta classe política tão... tão seráfica? Eu sei que os empresários não são melhores, os operários também são o que são e os amanuenses em geral já não se convencem com uma "gasosa"...
Soluções?
(...) Como salvar o regime sem a transmissão gratuita da soberania para a Espanha (país que eu aliás muito aprecio), sendo certo que os portugueses de um modo geral, não apreciam os espanhóis?
Aqui em casa estamos a lutar por uma solução nada sui generis: emigrar. Emigrar para sempre, o que quer dizer, mandar às malvas o Futebol Clube do Porto, a Académica (...), deixar de ficar agarrado à TV com medo que o pinhal da família também arda, passar as férias no Montenegro, falar alemão e francês lá em casa, e ter vergonha de usar o passaporte que se exibe!
(...) Sopra no ar um vento pútrido de dissolução que põe em causa um bem cujo valor não há dinheiro que pague. A vida em liberdade. Mas liberdade com roubo acintoso, costuma dar em tragédia.»

A. A. Oliveira

Correio dos leitores: Floresta

Sobre a floresta baseada no pinheiro bravo e no eucalipto, e apoiada pelos interesses de produtores florestais e madeireiros, a coisa não é assim tão simples.
A economia florestal em Portugal não é, em geral, rentável. Em boa parte, por falta de mão-de-obra, e pelo baixo preço pago pela madeira. Os proprietários não têm como cuidar da sua floresta. (...) É por isso que proprietários inteligentes optam por plantar eucalipto - porque lhes dá um trabalho menor a manter as suas terras.
Se [se] quiser substituir os pinheiros bravos e eucaliptos por carvalhos, terá que [se] subsidiar os proprietários para que eles os plantem e tratem deles durante a juventude - mondando as ervas e árvores nascidiças à sua volta. E terá que arranjar mão-de-obra para fazer isso - coisa que hoje em dia é praticamente impossível de arranjar por esse Portugal fora. Sem um mercado de mão-de-obra, de máquinas, e de compradores de madeira abundante, facilmente disponível, e em efetiva concorrência económica, nada feito.»

Luís Lavoura

«À sua lista dos possíveis interessados nos incêndios eu acrescentaria ainda as empresas que detêm os meios aéreos de combate aos incêndios, as que fornecem diverso material necessário ao combate dos mesmos (...).
De qualquer modo, vendo que actualmente arde qualquer coisa, mesmo que não seja uma mata bem provida de árvores, estou em crer que os incêndios acontecem por maldade pura, fruto da ausência de consciência cívica, e, quiçá, por afronta ao poder.
Penso que os meios aéreos de combate aos fogos deveriam pertencer ao Estado. Mas se isso acontecer, quando acontecer, provavelmente, no início, não diminuirão os incêndios...
O Estado também não é exemplo no cuidado que presta às áreas florestais do seu domínio. Dantes organizavam-se as matas de grandes extensões de forma a obviar os danos de possíveis incêndios; agora, as matas públicas estão desorganizadas, mal limpas... e exige-se aos particulares um cuidado que o Estado não tem.»

Agostinho Pereira