sexta-feira, 31 de agosto de 2007

OGM em Portugal

Já está disponível na ABA DA CAUSA um artigo meu sobre os OGM em Portugal, publicado ontem no Diário de Leiria.

Excesso legislativo

«Publicação de escutas só com OK dos visados», mesmo que constem de peças processuais que não se encontrem protegidas pelo segredo de justiça. De facto, tal parece ser o único sentido da norma do nº 4 do art. 88º novo Código de Processo Penal, segundo o qual
«Não é permitida, sob pena de desobediência simples, a publicação, por qualquer meio, de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um processo, salvo se não estiverem sujeitas a segredo de justiça e os intervenientes expressamente consentirem na publicação».
A não haver outro entendimento possível, então trata-se de uma restrição claramente desproporcionada ao conhecimento público dos processos penais. Por minha parte, apoio a solução de vincular os média pelo segredo de justiça -- desde que reduzido este ao mínimo indispensável --, mas não considero aceitável ir além disso, até a uma proibição automática, geral e permanente de divulgação de conversas telefónicas constantes dos autos não protegidos pelo segredo, determinado nos termos da lei.

Um pouco mais de seriedade, sff.

Decididamente, Marques Mendes não está a passar por um bom momento. Depois da leviana visita de solidariedade à directora do MNAA, resolveu celebrar efusivamente os vetos legislativos presidenciais, que considerou serem "fruto da arrogância do Governo".
Ora, uma das leis vetadas, a que reformula o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado -- por sinal, aquela de que o Presidente mais discorda, incluindo a sua filosofia --, foi aprovada por unanimidade, contando portanto com o voto do do PSD, a que Marques Mendes preside e do qual é também deputado.
Há fenómenos de notável irresponsabilidade, não há?!

Contra, porque sim

A propósito do novo regime de empréstimos garantidos pelo Estado para a frequência do ensino superior, sustentei que ele constitui uma vantagem adicional para os seus beneficiários, bem como um apoio (e um encargo financeiro) adicional do Estado, que se soma aos apoios existentes, proporcionando a possibilidade de frequência do ensino superior a quem de outro modo não poderia fazê-lo ou só o poderia fazer com muitas dificuldades.
Os críticos do referido regime (aqui e aqui), em vez de contestarem essa mais-valia (não vejo como), desviam a conversa para outros temas que não estão em discussão, como as propinas e a acção social escolar, sabendo bem que nem as primeiras vão aumentar nem a segunda vai diminuir (pelo contrário). Quando não convém conversar sobre alhos, fala-se em bugalhos...

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

e lugares de desencanto...








MACAU, final de Julho 2007 -
mil casinos desabrocham...


Lugares de encanto








HONG KONG - final de Julho de 2007

Justiça

No Chile, um dos generais de Pinochet, responsável pelo assassínio de vários opositores à ditadura, foi condenado a prisão perpétua.
Nem sempre justiça tardia deixa de ser justiça.
Em contrapartida, nos Estados Unidos, um tribunal militar absolveu um oficial que era responsável pela prisão de Abu Ghraib ao tempo das torturas e dos maus-tratos a prisioneiros, acusado de omissão de vigilância e de "cobertura" dos crimes. Nenhum oficial foi condenado no âmbito desse processo. Como diz o New York Times de hoje, os Estados Unidos desejam pôr Abu Ghraib "debaixo de tapete".
Nem sempre a aparência de justiça é justiça.

Espanha e Portugal: um destino comum na Europa

Li com muito interesse este artigo do socialista espanhol Enrique Barón Crespo, meu colega no Parlamento Europeu, aliás ex-Presidente desta instituição, um ilustre europeu e um distinto europeísta.
Não posso concordar com a mensagem iberista do artigo, como também discordei das mais recentes provocações de José Saramago no mesmo sentido: a aproximação política entre os dois países vizinhos, o forte incremento das trocas comerciais, a integração económica, as fronteiras abertas e, claro, uma longa e próspera paz entre ambos, não devem ser confundidos com uma antecâmara de uma fusão política. Ou será que se perspectiva também a fusão entre a França e a Alemanha? Ou entre a Holanda e a Alemanha?
A história do sucesso da cooperação ibérica (apesar dos diferentes graus de desenvolvimento entre Portugal e Espanha, ambos deixaram para trás para sempre a miséria e o obscurantismo) é indissociável do projecto europeu e do seu progresso.
E aqui Barón Crespo tem toda a razão em lembrar que "la aventura europea nos ha permitido reencontrarnos". Permitiu a duas nações soberanas e distintas colher os frutos da cooperação, do desenvolvimento económico e da integração, deixando para trás séculos de guerras, mesquinhez dinástica e nacionalismos complexados.
Cabe agora a Portugal - onde infelizmente alguns, enredados em mentalidades ultrapassadas, nunca deixaram de confundir partilha de soberania com perda de independência - assumir as suas responsabilidades europeias liderando as negociações que culminarão numa reforma substancial dos Tratados europeus existentes: um novo Tratado de Lisboa para a União Europeia.
A união na diversidade é a força da Europa.

Mais uma medida de "destruição do Estado social"

«A comparticipação do Estado destinada à compra de manuais escolares para as famílias mais carenciadas com filhos no 10.º, 11.º ou 12.º anos subiu 27,7 por cento.» (do Público de hoje).

Gostaria de ter escrito isto

«Mas a tendência para usar a moral, geralmente associada à religião, como arma política é uma constante na estratégia conservadora. Ela existe entre os conservadores americanos, mas também entre alguns conservadores portugueses. Todos nos recordamos das ocasiões em que Paulo Portas ou Bagão Félix, por exemplo, fizeram alarde dos seus princípios morais e religiosos como arma política. Estes e outros conservadores gostam especialmente de proclamar a sua fidelidade aos valores morais, de ser filmados na igreja, etc. Pela minha parte, desconfio. Aqueles que usam a bandeira da fé e dos bons costumes na arena política são, em geral, os piores: os mais calculistas e os mais impiedosos.»
(João Cardoso Rosas, "Moralismo e Conservadorismo", Diário Económico de hoje)

"Para a democratização do ensino superior"

«O anúncio do novo regime de crédito assistido no ensino superior suscitou a habitual condenação dos partidos da oposição à esquerda do PS, em nome de uma alegada "desresponsabilização do Estado". Ora, este argumento não procede. Mantendo tudo o resto igual, o regime de empréstimos constitui um importante ganho em si mesmo. E, depois, não existe nenhuma desoneração da responsabilidade financeira do Estado.»
Este texto é um trecho do meu artigo desta semana no Público (com o título em epígrafe), entretanto recolhido no Aba da Causa.
Houve quem criticasse o referido artigo (como aqui e aqui), porém sem razão, omitindo designadamente esta passagem e a sua justificação subsequente no meu texto.
A questão é simples: para os destinatários, trata-se ou não de uma medida vantajosa e bem-vinda?

Adenda
Também importei para a Ada da Causa o texto da semana anterior, que faltava, intitulado "Direito de réplica", em resposta a uma crítica de J. M. Correia Pinto.

É impressão minha...

... ou o Governo já não vai cumprir o compromisso de introduzir no corrente ano portagens nas auto-estradas SCUT anunciadas?

Adenda
O adiamento é também dado como certo pelo Diário Económico de hoje.
O atraso é mau, por vários motivos: (i) porque o processo revela alguma imprevidência na antecipação das dificuldades da introdução das portagens; (ii) porque o incumprimento do compromisso numa área politicamente delicada como esta não é favorável para crédito do Governo; (iii) porque se perdem receitas significativas, enquanto o Estado está obrigado a pagar às concessionárias as portagens virtuais, cujo montante global cresce com o grande aumento do tráfego das SCUT em causa.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Veto

Embora seja um leigo em matéria de organização militar e de forças de segurança, afiguram-se-me em geral muito pertinentes as objecções do Presidente da República que justificam o seu veto ao estatuto da GNR. Por isso, embora podendo confirmar a diploma sem alterações, a maioria parlamentar socialista faria bem em tomar em boa conta as razões de Belém.

"Anti-americanismo primário"

«Há quem diga que George W. Bush não vai aguentar até ao fim do mandato, mas julgo que o mundo não vai ter essa sorte. Infelizmente, para a América e para o mundo, este barco não é o Titanic, e ainda vai demorar muito tempo a ir ao fundo.» (Domingos Amaral, Diário Económico de hoje).
Em que comprometido silêncio se encontra a coorte doméstica de bushistas, neocons e neoliberais em geral, que ainda há dois ou três anos fulminava análises destas como crime de "anti-americanismo primário"? Que vergonha, deixar desamparados, com o seu torpe silêncio cúmplice, a humilhação dos seus heróis de ontem, agora que o bushismo de afunda sem honra nem glória!..

Um pouco mais de seriedade, sff

Marques Mendes foi fazer uma visita ao MNAA, oportunamente ciceroneado pela directora cessante, numa óbvia encenação para os média, que colaboraram alegremente (a "máquina de propaganda do PSD a funcionar", diria J. Pacheco Pereira, se não visse só a dos outros...). Nessa visita-conferência-de-imprensa, o presidente do PSD denunciou o "crime" do afastamento da referida directora.
Há três notas a registar: (i) como candidato a Primeiro-ministro (credível ou não...), MM deveria cuidar mais da propriedade da sua linguagem política, pois trata-se de um caso de exercício de um poder, perfeitamente legal, de cessação de uma comissão de serviço num cargo público de livre nomeação (e exoneração); (ii) MM deveria ter um pouco de pudor na denúncia de supostos "saneamentos" políticos alheios, quando é certo que ainda recentemente o Estado foi judicialmente condenado a indemnizar uma vaga de "saneamentos" ilegais, esses sim, do seu próprio Governo; (iii) uma directora de um estabelecimento público em funções, ainda que de saída, não deveria prestar-se a "fretes" partidários tão grosseiros como este, um puro caso de indecoroso abuso de funções públicas, que nenhuma revindicta pessoal pode justificar.

Adenda
Saúdo esta visão convergente de J. Pacheco Pereira. Ainda bem!

USA 2008 - a "golpaça"

Na corrida de 2008 para a Casa Branca não se preparam somente as candidaturas em cada campo. Preparam-se também as manobras para tentar evitar a provável derrota eleitoral dos Republicanos. A mais notória é a que o New York Times relatava há dias, sobre uma iniciativa referendária na Califórnia destinada a alterar o modo de eleição dos representantes do Estado -- o maior da União -- no colégio eleitoral presidencial.
Actualmente, em quase todos os Estados da União (salvo o Maine e o Nebraska, dos mais pequenos) o partido que ganha em cada Estado elege automaticamente todos os representantes desse Estado no colégio eleitoral presidencial. Se a proposta californiana fosse aprovada, os membros desse Estado no colégio eleitoral seriam eleitos uninominalmente nos "distritos eleitorais" da Câmara dos Representantes, o que permitiria uma certa divisão entre os dois grandes partidos.
Sob essa capa de selecção aparentemente mais justa está, porém, uma grosseira "habilidade" em favor dos Republicanos. Na verdade, na hipótese provável de os Democratas ganharem na Califórnia, eles deixariam de contar com uma parte dos 55 membros no colégio (que significam mais de 1/10 da composição deste), enquanto que nos demais Estados, onde não está em curso nenhuma mudança idêntica, se manteria a regra "the winner takes it all". Ou seja, os Republicanos continuariam a eleger todos os representantes nos Estados onde ganharem, ao passo que, mesmo perdendo na Califórnia, contariam com uma parte dos representantes desse Estado (na actual repartição de lugares na Câmara dos Representantes detêm 19 dos 53 deputados).
Existem muitas propostas para reformar o injusto sistema eleitoral presidencial norte-americano. Mas de duas, uma: ou se abole o colégio eleitoral, sendo o Presidente eleito por sufrágio universal a nível nacional (o que teria garantido a vitória a Gore contra Bush em 2000); ou se mantém o colégio eleitoral, mas adoptando um sistema de repartição dos representantes estaduais em todos os Estados (pelo menos os mais importantes), e não apenas em alguns.

Para além do admissível

É evidente que tanta ignorância e confusão sobre sistemas de "corporate governance" como a denunciada por J. Vasconcelos Costa é demais, sobretudo num jornal de referência. O Público precisa de se cuidar!

terça-feira, 28 de agosto de 2007

"Claustrofobias"

«Têm razão - ainda que da forma mais tortuosa - os que se queixam do ambiente claustrofóbico que reina na comunicação social portuguesa. Ele não resulta, porém, das práticas de censura do governo, mas sim da incapacidade da classe política para debater publicamente os temas que contam na actualidade nacional e internacional.»
(Teodora Cardoso, Jornal de Negócios de hoje).

Estado social

Uma das garantias mais básicas dos direitos fundamentais é o direito de acesso ao direito e aos tribunais, sem discriminações, designadamente por efeito de incapacidade económica. Acaba de ser revisto o respectivo regime legal, com reforço do apoio judiciário, incluindo a dispensa de taxa de justiça e o pagamento de consulta e patrocínio forense pelo Estado, em termos mais generosos do que anteriormente.
É pena que entre nós não seja obrigatório publicar a previsão oficial de encargos financeiros resultantes da implementação das leis (cuja estimativa deve, porém, constar dos projectos de diploma), quer em termos de perda de receita (isenção da taxa de justiça), quer em termos de pagamento, pela segurança social, das remunerações dos profissionais forenses que participam no serviço. Mas a sua divulgação ajudaria a justificar publicamente e a legitimar socialmente o esforço fiscal que o Estado social exige.

Teste democrático

A eleição de Abdulá Gul para Presidente da República da Turquia - o primeiro presidente religioso do País -- vai ser um teste democrático: se a eleição vai ser o começo de uma furtiva subversão islamista da República laica (como temem os círculos laicos mais ortodoxos) ou se vai ser a prova de que a democracia turca está suficientemente madura para ter sem problemas um chefe de Estado religioso num Estado radicalmente laico (como sustenta o partido no poder).
É evidente que a questão não interessa somente à Turquia, nem sequer à União Europeia, da qual aquele pretende tornar-se membro. A compatibilidade entre a democracia e o Islão é uma questão chave da nossa era.

Balanço político

Segundo o Correio da Manhã, «Sócrates pressiona ministros», referindo-se à execução orçamental e ao cumprimento do défice.
Mas há "outra pressão" a fazer pelo PM. Tendo sido cumprida a primeira parte da legislatura e a dois anos das eleições, é altura de fazer o balanço do que foi feito e do que está por fazer. Há medidas em falta ou atrasadas, que não podem ficar para o último ano.

Contas partidárias

A punição da generalidade dos partidos políticos pelo Tribunal Constitucional por ilegalidades na apresentação e prestação das contas das contas das eleições de 2005 revela que o sistema de escrutínio e de responsabilização previsto na lei de 2003 está a funcionar em pleno.
Ainda bem!

Adenda
É evidente que as ilegalidades na apresentação das contas, punidas com coima pecuniária, não são o mesmo que financiamentos proibidos (por exemplo, por empresas, como sucedeu no caso Somague -PSD), que hoje constituem crime e são punidas com pena de prisão.

Notas a Vilaverde Cabral

Numa entrevista ao Diário Económico de hoje, diz M. Vilaverde Cabral:
«O nosso semipresidencialismo tem sido completamente parlamentarismo, com poucas excepções. (...) O relançamento institucional do sistema seria um cenário de reforço dos poderes presidenciais. Não é preciso muito. Não há nada na Constituição que proíba o Chefe de Estado de presidir ao Conselho de Ministros. (...) Por outro lado, era importante fazer um partido a partir do Presidente da República, como já aconteceu.»
Como é bom de ver, discordo inteiramente destas considerações, que venho combatendo há trinta anos:

1. O nosso "semipresidencialismo" (aceitemos a qualificação por comodidade) não tem funcionado como puro parlamentarismo (basta pensar no poder de veto presidencial, no poder de dissolução parlamentar independente, nos altos cargos de nomeação presidencial, no poder de externalização pública de posições políticas pelo Presidente, etc.), mas sim como aquilo que é e foi desejado pelo menos desde a revisão constitucional de 1982: um parlamentarismo cum poder moderador presidencial.
O nosso sistema político-constitucional não é um genuíno semipresidencialismo, no sentido de cotitularidade e co-exercício do poder executivo pelo Presidente da República, à maneira francesa.

2. Tudo se opõe à presidência do conselho de ministros pelo Presidente, salvo a título excepcional. Há a letra da Cosntituição, que só permite que o PR presida ao Conselho de ministros a convite do Primeiro-ministro; e há a lógica do sistema constitucional, que confere a condução da política governamental (e a respectiva responsabilidade política) ao Governo, sob direcção do PM, e não ao PR.
Quem tem poderes de supervisão (ou seja, o Presidente) não pode compartilhar da actividade supervisionada.

3. A ideia de criação de um partido presidencial a partir de Belém não é somente descabida e fora-de-tempo (nem Eanes foi tão longe); constituiria também um grave abuso e desvio de poder por parte do Presidente que o fizesse.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Para Eduardo Prado Coelho

Não fui amiga pessoal de EPC, embora tenha partilhado com ele a tertúlia que esteve na origem do Causa Nossa. Mas fui sua leitora habitual, durante anos. Faz-me falta pela sua alegria de viver (que lhe devia dar direito a não morrer tão cedo). Pela sua maneira de escrever, alternando a crítica dura com o reconhecimento generoso. Muito atento a muita coisa. Sem o vício de dizer mal por princípio. Como um entre nós, os portugueses, e não como quem julga sempre de cima.
A sua última crónica, publicada postumamente, foi sobre o Simplex e o percurso kafkiano da sua empregada brasileira para renovar a autorização de residência. Meu Caro Eduardo Prado Coelho, queria dizer-lhe que hoje de manhã mesmo meti as mãos à obra sobre o assunto. Gostaria de lho dizer pessoalmente. Infelizmente terá de ser a minha última homenagem. Prefiro-a a um ramo de flores. Com a certeza que teria o seu acordo.
Maria Manuel Leitão Marques

Um a um, caindo vão

É dada como segura a demissão do ministro da Justiça de Bush, Alberto Gonzales. A confirmar-se a demissão, há muito devida, trata-se da queda de mais um dos mais direitistas membros da equipe presidencial, há muito sob sob acusação de purga política dos procuradores federais em vários Estados da União.
Depois da saída de Ronald Rumsfeld, Paul Wolfowitz e de Karl Rowe, entre outros comparsas menores, Bush vê-se privado de alguns dos seus mais dilectos apoiantes. A um ano do fim do mandato, o bushismo vai-se desmoronando...

Democracia liberal

Numa carta ontem no Público, Mário Soares reitera a sua crítica à "democracia liberal", enquanto declinação do neoliberalismo.
Acompanho o antigo Presidente da República na rejeição do neoliberalismo social, mas tenho muitas dúvidas sobre a vantagem em deixar nas mãos da direita neoliberal, mais liberal do que democrata, o exclusivo do conceito de democracia liberal, que nada obriga a descartar de um ponto de vista de esquerda.
O conceito nasceu para designar o sistema político nascido da democratização do liberalismo clássico, provocada pelo sufrágio universal, pela universalização da cidadania e pela intervenção das massas na vida política. Trata-se de um síntese não isenta de tensões, em que a componente democrática é limitada pelas liberdades pessoais e políticas (garantias dos direitos fundamentais) e em que a componente liberal é limitada pelos requisitos democráticos (inelegibilidades, limites dos mandatos, obrigação de democracia partidária, proibição de organizações racistas ou fascistas, etc.).
A democracia liberal, enquanto categoria política, não supõe necessariamente um Estado liberal no campo económico e social. Pelo contrário, a conjugação da democracia liberal e do Estado social constitui a grande tradição democrática europeia.
A meu ver, de um ponto de vista de esquerda, o argumento não deve ser o de alienar a democracia liberal, mas sim defendê-la contra o risco de descarnamento democrático ínsito no neoliberalismo económico e social. Quando o liberalismo radical tende a recuperar a antiga oposição entre liberalismo e democracia, sacrificando a segunda ao primeiro, incumbe à esquerda defender a democracia liberal enquanto síntese da liberdade e da democracia política.

Imprudência legislativa

Mesmo sem compartilhar de todas as objecções do Presidente da República, estou de acordo com o veto da lei que estabelece um novo regime da responsabilidade patrimonial do Estado, especialmente no que se refere à responsabilidade pelo funcionamento dos serviços públicos e à responsabilidade por omissões legislativas. Penso que existe alguma imprudência e, mesmo, leviandade politcamente correcta no reconhecimento do direito à indemnização em termos tão amplos.
Não é aliás caso único esta tendência para, em nome da protecção dos direitos dos particulares contra o Estado, levar as garantias dos primeiros ao extremo, sem um adequado equilíbrio com o interesse público. Outro exemplo relativamente próximo está na lei do processo dos tribunais administrativos e fiscais, sobretudo em matéria de providências cautelares, que levou a uma explosão da litigância administrativa e a um activismo judicial nem sempre pautado pela devida contenção.

Vanglória

É bom saber-se que este é um dos anos com menos fogos florestais entre nós desde há muito tempo. Mas o Governo e as autoridades competentes não deveriam embandeirar em arco. Mesmo que os meios de combate sejam agora mais eficazes, a verdade é que este Verão correu frio e húmido em geral, desfavorecendo as condições dos incêndios.
A observação da actual tragédia grega (na imagem) mostra que, mesmo uma floresta menos vulnerável do que a nossa pode tornar-se um braseiro assassino, se as condições climatéricas (altas temperaturas, secura do ar e ventos fortes) tal proporcionarem. Com tais condições desfavoráveis, as nossas florestas contínuas de pinheiro e de eucalipto são muito pouco resistentes às chamas e nem os melhores meios as poderão defender.

sábado, 25 de agosto de 2007

Notícias do SNS

Boas notícias, as que se referem ao estabelecimento de tempos de espera máximos para as consultas.
E espera-se que a resposta seja encontrada no seio do SNS (reforçando os seus meios e melhorando a sua eficiência) e não, mais uma vez, por subcontratação ao sector privado, como no caso das cirurgias.

Eduardo Prado Coelho, 1944-2007

Hoje em dia, morrer aos 63 anos significa que nos tiram muitos anos de vida. No caso de Eduardo Prado Coelho, mesmo se o desenlace fatal fosse esperado, esse sentimento de injusta perda é ainda mais acentuado pela sua criatividade e energia. Quantas ideias por explorar, quanto textos por escrever!
Sem ter privado muito de perto com ele, partilhei a mesma geração (nascemos no mesmo ano) e muitas experiências políticas e culturais da nossa geração: a luta antifascista, a militância no PCP e a posterior saída (mais cedo ele do que eu, honra lhe seja), a participação na busca de um novo paradigma para a esquerda democrática depois do fim do comunismo (ele no PS, eu sem partido).
Entre outras experiências comuns, ele também esteve na origens do Causa Nossa, tendo participado activamente na tertúlia dinamizada por Vicente Jorge Silva nos anos 2002-2003, de onde havia de sair este blogue. EPC ainda surgiu na lista de autores de uma "falsa partida" do Causa Nossa, mas depois não apareceu na edição definitiva, dados os seus muitos compromissos de escrita e as suas dificuldades com o blogger (que não era tão "user-friendly" quanto hoje).
Vamos sentir muito a falta do Eduardo.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Ensino superior (3)

Era uma lacuna importante na garantia do direito de acesso ao ensino superior, para além do apoio social escolar. Com a aprovação do regime de empréstimos aos estudantes, com juros controlados e sem necessidade de garantias pessoais -- a garantia é assegurada por um fundo suportado pelo Estado --, há condições para generalizar esse importante instrumento de apoio à frequência do ensino superior por parte de pessoas economicamente carenciadas, bem como de autonomia pessoal dos estudantes.
Alguns aspectos menos merecedores de aplauso (como o prazo de carência reduzido a um ano para o início do reembolso, depois da conclusão do curso) não anulam a importante mais valia do mecanismo agora introduzido.
Com este novo instrumento criam-se também condições para, a prazo, ser equacionada (como desde há muito defendo) a elevação do montante das propinas (sem prejuízo das isenções devidas), de modo a reforçar o nível de recursos e de auto-suficiência financeira das universidades e politécnicos.

Ensino superior (2)

Concomitantemente com a promulgação do RJIES, o Governo aprovou o diploma de implementação do regime da avaliação e acreditação do ensino superior, bem como um inovador regime de crédito para os estudantes do ensino superior, seguindo as melhores práticas internacionais.
Decididamente, J. Mariano Gago faz de 2007 o ano da reforma do ensino superior. Só falta a revisão do regime da carreira docente, já anunciada.

Ensino Superior (1)

Sem surpresa para mim, foi promulgado o Regime Jurídico do Ensino Superior (RJIES), não tendo o PR sido sensível à contestação do diploma por parte alguns grupos interessados.
Pessoalmente, gostaria que o PR tivesse submetido a diploma a fiscalização preventiva das constitucionalidade, para dissipar algumas avulsas alegações de inconstitucionalidade, aliás nunca devidamente especificadas (e, a meu ver, sem nenhum fundamento). Um autorizado constitucionalista chegou a considerar inconstitucional e "concepção de universidade subjacente à lei"...
No entanto, como se tratava de argumentos para o debate político, não creio que tais pontos de vista subsistam depois da consumação legislativa da reforma.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

O RJIES e eu

Respondo com gosto à amistosa "provocação" de J. Vasconcelos Costa a propósito do Regime Jurídico das Instituições de ensino Superior (RJIES):
1. Não sou naturalmente (o) "construtor da lei". A concepção e construção política da reforma das instituições do ensino superior pertencem inteiramente ao Ministro do Ensino Superior, que aliás anunciou com meses de antecedência as suas linhas principais, como se pode ver aqui e aqui.
2. Colaborei, sim, de perto na construção técnica do diploma, ou seja, na tradução legislativa das soluções desejadas.
Sem dúvida que só se pode colaborar numa reforma profunda e abrangente como a que foi consubstanciada no RJIES desde que se compartilhe da sua filosofia de base e das soluções principais. No caso isso estava garantido à partida, considerando os meus escritos ao longo dos anos sobre esta matéria, que revelam uma identificação com a crítica do "status quo" e com as orientações da necessária reforma.
3. No entanto, não me foi pedida nem eu pus como condição uma coincidência de posições, pelo que não tinha de concordar com todas as soluções concretas que foram adoptadas.
A principal diferença tem a ver com o sistema de governo, pois, como é sabido, eu sou partidário de um sistema dualista -- combinando um conselho universitário representativo (com maioria clara de professores, bem entendido) com um conselho de supervisão essencialmente externo (não excluindo mesmo membros nomeados pelo Governo) --, enquanto o modelo de governo do RJIES optou por um modelo monista, com um "conselho geral" misto (representantes de professores e estudantes e elementos externos), sem separação entre poder deliberativo e poder de controlo.
Mas é evidente que não considero essa divergência suficiente para afectar a minha concordância geral com a lei e com a profunda reforma institucional que ela incorpora.

Adenda
Pode o JVC ficar tranquilo quanto à polémica pública entre o J. M. Correia Pinto e eu. Não é a primeira vez, ao longo de 45 anos de amizade e de cumplicidades várias, que discordamos um do outro (embora nunca tenhamos travado uma polémica pública). As verdadeiras amizades são as que resistem sem danos à discordância. Como é o caso.

Não há financiamentos grátis (7)

Compreende-se a discrição dos demais partidos quanto ao caso PSD-Somague. É matéria delicada e provavelmente todos têm "telhas de vidro". Mas os observadores independentes e a imprensa em geral não podem deixar de cumprir o seu dever de escrutínio, em prol da transparência e da lisura do financiamento dos partidos políticos e da vida política em geral.

Não há financiamentos grátis (6)

O Jornal de Notícias foi tentar ouvir as associações empresariais do sector das obras públicas sobre uma eventual promiscuidade entre as empresas do sector e o poder político. Recebeu em geral recusas e silêncio.
Foi pena que o JN não se tenha lembrado de ouvir também os responsáveis do Compromisso Portugal, de que Diogo Vaz Guedes é protagonista e que tem entre os seus princípios o bom governo empresarial e a independência e a transparência entre o poder político e o mundo dos negócios. Não seria de perguntar ao CP -- maioritariamente constituído por empresários e gestores -- se não conta aprovar um código de ética empresarial, incluindo a proibição de financiamentos ilícitos das empresas aos partidos políticos?

Não há financiamentos grátis (5)

Não se pode aceitar a tentativa de desvalorização da gravidade do financiamento da Somague ao PSD em 2002, pelo facto de nessa altura isso constituir um "simples" ilícito contra-ordenacional, punido com sanção pecuniária.
Na verdade, não se trata de um financiamento qualquer, mas sim de uma empresa cuja actividade depende em grande parte das obras públicas, que ainda por cima foi agenciado por um responsável partidário que veio logo após a desempenhar o cargo de secretário de Estado dos Transportes, no ministério das Obras Públicas. Ora, por um simples juízo de racionalidade, é de suspeitar que uma empresa de obras públicas não faz financiamentos partidários clandestinos a não ser para pagar favores políticos passados ou futuros. E se isso se verificar, à contra-ordenação há a somar um ilícito penal, e bem grave.
Nesta altura do jogo, o mínimo que se pode reclamar é uma investigação aprofundada sobre o caso. Por menos do que isso, dada a sua dimensão local, está a presidente da CM de Felgueiras no banco dos réus...

Não há financiamentos grátis (4)

Mais ruidoso do que o silêncio dos comentadores afectos ao PSD sobre o financiamento ilícito da Somague só o silêncio do presidente da empresa, Vaz Guedes, que ordenou o dito pagamento.
Para além da necessária explicação dos motivos da "generosidade" política, seria conveniente que o gestor esclarecesse mais duas questões: (i) foi esse único financiamento que fez ao PSD (e, já agora, a outros partidos)? (ii) solicitou, pediu ou obteve aos Governos do PSD alguma vantagem para a sua empresa?

Não há financiamentos grátis (3)

O mistério do financiamento da Somague ao PSD - agenciado pelo então secretário-geral adjunto do PSD Vieira de Castro -- começa a adensar-se, como se vê nesta notícia do Público online, onde aparece o mesmo protagonista, agora nas vestes de Secretário de Estado dos Transportes do Governo de Durão Barroso.
Ele há coincidências extraordinárias, não há!?

Adenda
O Público desenvolve a "história" na edição impressa de hoje.

Não há financiamentos grátis (2)

O secretário-geral do PSD à altura do financiamento ilícito da Somague, Luís Arnaut, veio assumir a "responsabilidade objectiva" pelo facto, descartando porém qualquer "responsabilidade subjectiva", que remete para o seu adjunto, deputado Vieira de Castro, o qual (coincidências das coincidências!) foi secretário de Estado dos Transportes do Governo Durão Barroso....
O que ele não esclarece é se teve ou não conhecimento, concomitante ou posterior, do financiamento, e se o validou ou não . Ele limita-se a dizer que "não teve conhecimento dos termos concretos" do apoio da Somague "na situação em análise", o que, por um lado, não desmente o conhecimento do financiamento em si mesmo -- e isso é que é decisivo para avaliar da sua responsabilidade pessoal no ilícito cometido -- e, por outro lado, e mais grave, deixa em aberto a eventualidade de ter havido outras situações...

Notas sobre a operação de destruição do milho transgénico

1. A acção constitui obviamente um delito penal, que como tal deve ser punida, para além da indemnização dos danos causados.
2. A natureza delitual não tem a ver propriamente com o dano à propriedade privada, mas sim com o dano em si mesmo; a destruição de propriedade pública (vandalismo de carruagens de comboios, de cabines telefónicas, etc.) não é menos grave, nem menos censurável, do que a da propriedade privada.
3. Não pode invocar-se a noção de "desobediência civil" nem de "resistência cívica" para justificar, muito menos para desculpabilizar ou defender a operação; há abusos conceptuais inadmissíveis.
4. Deve tomar-se boa nota do veemente protesto do BE contra a insinuação de que estaria por detrás da acção, sendo óbvio que não basta a participação de membros do partido para o comprometer; mas seria igualmente desejável que o BE utilizasse a mesma convicção na condenação da operação.
5. Tampouco se pode utilizar a noção de "ecoterrorismo" para condenar a acção; o verdadeiro terrorismo agradece a banalização do conceito.
6. As medidas de polícia estão constitucionalmente sujeitas a requisitos de necessidade e de proporcionalidade, só devendo ser utilizados meios mais "fortes" se outros menos musculados não bastarem; no caso a GNR conseguiu eficientemente o que era necessário, ou seja, parar os actos danosos, evacuar o terreno e identificar os responsáveis.
7. Os que infundadamente denunciam uma suposta "passividade" das forças de segurança e a "complacência" do Governo seriam os primeiros a clamar contra a "repressão" policial e o "autoritarismo" governamental, se tivessem sido adoptadas as medidas de força quer eles acham que deveriam ter sido tomadas.
8. O artificial exagero reactivo do PSD, e de Marques Mendes em especial, em relação a este caso tem a ver sobretudo com a notória falta de agenda oposicionista e com a disputa interna dentro do PSD; quando não há motivos, aproveita-se o que está à mão.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Visão de leigo distante

Sou mesmo totalmente incompetente em matéria futebolística, ou é correcta a minha impressão de que o medíocre futebol exibido pela selecção nacional contra a Arménia (em que até o empate pareceu lisonjeiro) insinua as mais sérias dúvidas sobre o êxito da actual campanha?

Convergência

Nem tudo corre menos bem na nossa convergência económica e social com a média da UE. Assim, segundo dados estatísticos oficiais hoje divulgados pelo Jornal de Negócios, o tempo de de trabalho semanal (incluindo o trabalho extraordinário) em Portugal (41,5 horas) está agora ao nível da média comunitária (41,6 horas), aliás mais distante do máximo da Áustria e da Grécia (superior a 44 horas) do que do mínimo da Lituânia, do Luxemburgo e da Finlândia (cerca de 40 horas). Em 1995 o valor do mesmo indicador entre nós estava próximo das 44 horas, superior em quase 2,5 horas ao actual.
Mais difícil, infelizmente, é a convergência quanto à produtividade e quanto à remuneração do trabalho...

"Double standards"

Este post de J. Pacheco Pereira é curioso a vários títulos.
Primeiro, JPP acha que quando eu me referi aos "comentadores da área do PSD" só podia estar a pensar nele, como se ele fosse o único comentador dessa área que dedicou os últimos dias a tentar transformar um caso-de-polícia-e-tribunal, como foi a destruição de um milharal no Algarve por um grupo eco-radical, num caso de grave ofensa à democracia e de intolerável incúria governamental! É evidente, porém, que JPP não está sozinho nessa tarefa, antes pelo contrário, como pode testemunhar quem lê os jornais e a blogoesfera.
Depois, sem se pronunciar sobre o caso do financiamento ilícito do PSD pela Somague apurado pelo Tribunal Constitucional, JPP acha que a denúncia pública desse facto nesta altura faz parte de uma táctica costumeira do PS, de atacar o PSD e Marques Mendes quando o PS está em dificuldades. Ora, há duas coisas seguras a este respeito: primeiro, não se vê que papel é que o PS ou o Governo tiveram no apuramento do financiamento ilícito pelo Tribunal Constitucional (a não ser que este seja mais um instrumento da teoria "claustrofobia democrática" que um deputado do PSD elaborou...); segundo, não consta que o PS ou o Governo estejam a passar por especiais dificuldades neste momento (pelo contrário, face aos recentes dados do desempenho financeiro e económico...).
Não será exactamente o contrário o que se está a passar, ou seja, Marques Mendes estar a empolar artificialmente este caso do Algarve tanto para abafar o impacto da notícia do financiamento ilícito como para marcar pontos na disputa interna que neste momento se trava no PSD?
Terceiro, é evidente que o financiamento ilícito não é um exclusivo do PSD e merece vigilância permanente e condenação sem discriminações. Mas isso não autoriza desvalorizar um caso concreto, de notória gravidade (pelo montante envolvido e pela entidade financiadora), ainda por cima devidamente apurado por uma autoridade judicial e portanto insusceptível de tergiversações e negações, como sempre sucede nestes casos.

A História tem costas largas

«History will judge who lost Iraq» - assim titula o Financial Times um artigo sobre o que chama a "derrota das forças britânicas no sul do Iraque", agora dada como irreversível. Mas trata-se de um exercício de pura retórica. Toda a gente tem agora obrigação de concluir aquilo que desde o início muitos disseram, a saber, que a guerra foi um trágico erro, de todo em todo injustificada, votada a um fracasso anunciado, que os crassos erros da ocupação apenas acentuaram.
A guerra do Iraque foi perdida por quem decidiu desencadeá-la, em Washington e em Londres, na base da mentira e do engano.

Um pouco mais de boa fé, sff.

No meio da exploração mediática do caso da licenciatura de José Sócrates na Universidade Independente, em 31 de Março passado, o semanário Expresso denunciou em grandes parangonas ("Impulso irresistível de controlar", tal era o clamoroso título da peça) tentativas do gabinete do PM para influenciar alguns órgãos de comunicação social. A ERC resolveu efectuar uma investigação sobre o assunto. O relatório da ERC foi agora publicado, negando terem existido as alegadas pressões.
O que é que podemos ver sobre isto na edição electrónica do Expresso? A decisão da ERC é ignorada, salvo para noticiar uma sugestão nela contida propondo a elaboração de um código de conduta sobre o relacionamento entre as assessorias governamentais e a imprensa. Sobre o rotundo desmentido que o jornal sofreu, nem uma palavra!
Assim se faz jornalismo objectivo entre nós...

Não há financiamentos grátis

Partindo do princípio de que as empresas de construção civil não financiam partidos para nada, não seria interessante investigar que contratos é que a Somague obteve nos governos de Durão Barroso e Santana Lopes?

terça-feira, 21 de agosto de 2007

"Double standards"

Os comentadores da área do PSD que fazem tanto alarido contra o Governo por causa da destruição de um campo de milho por uns "ecomilitantes" radicais -- como se operação tivesse sido ordenada ou capitaneada pelo próprio Primeiro-Ministro em pessoa -- estarão disponíveis para gastar 1/10 da sua ira para verberar a flagrante violação da lei de financiamento dos partidos por parte... do PSD (ver post anterior)?

Um pouco mais de rigor sff

«PIB decresce no segundo trimestre de 2007» - diz o Sol. O disparate é tão indesculpável quanto evidente. O que decresceu não foi o PIB (o que seria um recessão, da qual estamos felizmente livres), mas sim a taxa de crescimento do PIB.
Assim se faz jornalismo entre nós -- levianamente...

Desigualdade de armas

Enquanto o mundo dos negócios puder continuar a financiar ilicitamente -- e impunemente! -- os "seus" partidos, há sempre uma desigualdade de armas na luta política.
E os partidos que aceitam receber dinheiro de empresas privadas, como podem deixar de defender os interesses privativos dos seus financiadores!?

"Double standards"

O Presidente da República foi lesto e enfático a exigir a garantia de cumprimento da lei por parte das autoridades no caso de invasão e destruição de bens privados por um grupo ambientalista radical, um caso trivial de responsabilidade penal e civil. Que diferença em relação à sua frustrante reacção quanto à recusa do Governo regional da Madeira -- uma autoridade pública -- em cumprir uma lei da República, em que o Presidente não teve mais para dizer do que remeter a questão para os tribunais!

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

"Liberdade de profissão"

«Existe em Portugal uma tradição corporativa de malthusianismo profissional, que tem produzido restrições excessivas da liberdade profissional. Provavelmente, em nenhum outro país existem tantas profissões que exigem um grau académico de nível superior, como entre nós. Num país onde as taxas de ensino secundário completo são das mais baixas da Europa, a exigência de níveis académicos elevados para o exercício de profissões constitui um factor de exclusão de muita gente.» -- excerto do meu artigo da semana passada no Diário Económico, agora também na Aba da Causa.

Mandarinatos

Quando a autonomia universitária medra em ambientes nocivos e é instrumentalizada por medíocres actores, geram-se estes mandarinatos universitários, autoritários, ressentidos, censórios e irresponsáveis.
A minha solidariedade com J. Adelino Maltez, cuja obra académica honra a escola que tão mal o merece.

"Resistência civil"

Não pode aceitar-se a justificação da destruição de uma plantação de milho transgénico no Algarve em nome da "resistência civil" ou "desobediência civil".
Trata-se de abuso puro e simples de nobres conceitos, que designam a desobediência ou resistência colectiva a uma ordem ou operação dos poderes públicos, ou a uma situação política, lesiva dos direitos ou interesses legítimos dos resistentes, ou do interesse geral. Fora de situações de anormalidade institucional (revoluções, insurreições), isso não inclui o ataque, mesmo que a título simplesmente "demonstrativo", à propriedade alheia (privada ou pública) nem outros meios de "acção directa".

Deficiências

Toda a gente sabe que há abuso de declarações de deficiência para efeitos fiscais. Conta-se até, caricaturalmente, que entre os que declaram deficiência visual se contam... cirurgiões!
Infelizmente não basta verificar se as declarações fiscais se encontram documentadas. O problema é sempre o mesmo: a facilidade (e a impunidade) com que em Portugal se fazem falsas certificações médicas de doença, de deficiência, de incapacidade, etc. Por isso, um pouco mais de rigor, precisa-se. Para que só beneficie das regalias e isenções legais quem realmente preencha os respectivos requisitos.

Direito de réplica

É evidente que não compartilho do radicalismo de J. M. Correia Pinto (Público de sábado passado) sobre o controlo judicial da actividade administrativa e, ainda menos, da actividade governativa, mesmo se a diferença surge acentuada na sua exposição por efeito da caricatura que ele faz das minhas posições (que são conhecidas e estão expostas nas minhas lições universitárias, pelo que em dispenso de me alargar sobre o tema).
Mas o que me causou verdadeira surpresa foi a sua acusação (não consubstanciada, aliás) de que eu teria ultimamente defendido a limitação da liberdade dos jornalistas, da autonomia universitária e da democracia participativa. Nada disso é verdadeiro, porém.
Em relação à liberdade dos jornalistas, a acusação só pode referir-se à defesa que tenho feito da vinculação dos jornalistas ao segredo de justiça (reduzindo este ao mínimo) e de um mecanismo de (auto)disciplina profissional. Sucede que defendo ambas as coisas há muitos anos (a segunda há mais de uma década!) e que não há liberdade sem responsabilidade. De resto, em nenhum dos casos existe qualquer interferência governamental ou administrativa.
Em relação à autonomia universitária, a acusação só pode ter por objecto a minha defesa do recente regime jurídico do ensino superior (concordância em geral, pois discordo de algumas soluções, incluindo quanto ao sistema de governo). Mas esse diploma não implica nenhuma restrição da autonomia universitária; pelo contrário, aumenta-a.
Em relação à democracia participativa, a acusação tem a ver provavelmente com a minha manifestada preocupação (sob o ponto de vista da democracia representativa de base partidária) pelo considerável apoio eleitoral das candidaturas independentes nas recentes eleições municipais de Lisboa. Mas há aqui uma manifesta confusão. A democracia participativa nada tem a ver com as candidaturas independentes (ou pseudo-independentes) na democracia eleitoral em competição com as candidaturas partidárias, que muitas vezes não passam de expressão e veículo da mais pedestre demagogia.
Rejeito portanto, as referidas acusações, inteiramente injustificadas. Quando se fazem críticas desta gravidade, exige-se ao menos que o "corpo de delito" seja consubstanciado.

"Ocupação selvagem"

«Não existe expropriação mais intolerável do que a feita por alguns daquilo que é (e deve continuar a ser) de todos» -- do meu artigo da semana passada no Público, agora coligido na Aba da Causa.

O veto (2)

Qualquer semelhança entre o que eu escrevi sobre o veto presidencial (ver post anterior) e o que o editorialista do Expresso de sábado passado diz que eu disse é pura coincidência.
Entre outras tonterias, o editorialista diz que eu sou "especial apoiante" de Augusto Santos Silva. Ora, no que respeita ao Estatuto dos Jornalistas eu só me pronunciei sobre um dos seus aspectos, a saber, a competência disciplinar da Comissão da Carteira Profissional, ideia que defendo há mais de dez anos, e que portanto não podia deixar de aplaudir. Quanto ao mais, até manifestei a minha concordância com as objecções do Presidente da República!
Por que é que os jornalistas, quando se trata de questões do seu interesse profissional são mais corporativistas do que qualquer outra profissão?

"O veto"

Importei para a Aba da Causa o meu artigo desta semana no Público, sobre o veto presidencial ao Estatuto dos Jornalistas.

sábado, 11 de agosto de 2007

Notícias do SNS

«Há doentes com cancro à espera mais de um ano».
Eis notícias que não podem deixar de preocupar. É certo que os números das listas de espera de cirurgia mostram melhorias significativas, em grande parte devido à subcontratação a estabelecimentos privados ("vales-cirurgia"), mas a situação ainda é inadmissível. Por outro lado, a subcontratação não pode ser um meio de desresponsabilização dos hospitais públicos e de enriquecimento dos privados à custa do orçamento do SNS. Há que estabelecer estritas regras de conflitos de interesses. Quem tem responsabilidades no (mau) desempenho das unidades de saúde públicas não pode participar depois na sua recuperação no sector privado. Isto aplica-se tanto a dirigentes como a profissionais.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Ao Provedor de Justiça...

..não basta ser isento; é preciso parecê-lo.
Nascimento Rodrigues não deve desbaratar agora, na fase final do seu mandato, o capital de objectividade e prudência que proficientemente criou ao longo do tempo.

Ainda dizem que não há pluralismo

«Presidente do IDT assina artigo contra Governo».
Acusam o Governo de querer controlar toda a Administração Pública. Pelos vistos, porém, se este senhor, depois de assinar um manifesto do PCP contra o Governo -- mostrando que a solidariedade partidária é maior do que a lealdade funcional para com o Governo cujas políticas tem o dever de implementar --, se mantiver à frente do referido instituto público, isso quer dizer que nem sequer controla a máquina governamental.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Outros lugares

Acabo de enviar o meu artigo para a edição de amanhã no Público (sobre o veto presidencial ao Estatuto dos Jornalistas). Entretanto, dei-me conta de que ainda não tinha importado para a Aba da Causa o artigo da semana passada, "Dois Países" (sobre a recusa do Governo regional da Madeira em cumprir a lei do aborto).

Distinção

Há quem insista em confundir os cargos públicos de live nomeação (e livremente exoneráveis), que sempre implicam uma relação de confiaça política e uma margem de discricionariedade política no exercício de funções, e a função pública propriamente dita, constituída por funcionários de carreira, que não são livremente seleccionados nem são livremente exoneráveis e cujas funções decorrem da lei.
No dia em que os ministros pudessem demitir os segundos por razões políticas, deixaria de haver Estado de direito e função pública independente. No dia em que os ministros não pudessem demitir livremente os primeiros por razões políticas, deixaria de haver governos capazes de levar a cabo as suas políticas.
Será tão difícil compreeender esta distinção elementar? Que a directora de um museu não o entenda, é mau; que analistas e comentadores o ignorem, é pior.

domingo, 5 de agosto de 2007

Coerência e bom-senso

Os que defendem que um director de um museu do Estado tem direito de criticar a política de museus do Ministério da tutela sem se demitir (como se fosse possível executar lealmente uma política de que se discorda...) ainda hão-de defender que um chefe de esquadra pode criticar a política de segurança ou que o chefe de uma unidade militar pode criticar a política de defesa.
Haja coerência, senhores! E já agora, bom senso...

Falta de médicos

Numa entrevista ao Público de hoje, o Ministro da Saúde revela que o SNS vai importar médicos do Uruguai e que o numerus clausus das faculdades de Medicina continua a ser inferior às necessidades.
Ocorrem-me três notas:
a) Ainda está por fazer o julgamento político dos ministros da saúde e da educação que, juntamente com a Ordem dos Médicos, conspiraram para reduzir criminosamente o número de vagas em Medicina durante os anos 80 e primeira metade dos anos 90;
b) O problema do acesso a Medicina não é somente o da carência de médicos nos serviços de saúde, mas também o direito das pessoas a escolherem a sua profissão;
c) Continuo sem perceber por que é que pode haver escolas de ensino superior privadas em todas as áreas excepto em Medicina.

sábado, 4 de agosto de 2007

O veto (3)

No seu editorial de hoje no Público, José Manuel Fernandes insiste em contestar o regime de disciplina profissional previsto no novo Estatuto do Jornalista (que o veto presidencial não contesta em si mesmo), afirmando que se trata de um regime insólito, na medida em que dá força de lei aos deveres deontológicos da profissão e institui sanções para a sua violação.
Não tem razão, porém. O mesmo sucede na generalidade das profissões reguladas, nomeadamente as organizadas em ordens profisionais, que também estabelecem esquemas oficiais de (auto-)disciplna profissional, incluindo sanções pela violação de deveres deontológicos, que têm força de lei. O facto de o código deontológico da Ordem dos Médicos continuar a considerar o aborto como falta deontológica grave em todas as circunstâncias só quer dizer que essa norma é ilegal (como procurei provar em artigo no Público, há alguns meses).

O veto (2)

Os partidos da oposição e os grupos profissionais que se opuseram à lei saudaram todos o veto presidencial do Esatuto do Jornalista.
A meu ver, sem razão o fazem, pois o PR ficou longe de lhes dar razão. Não põe em causa a quebra do sigilo das fontes (mas somente os termos relativamente indefinidos em que o diploma a admite), não questiona de modo algum a alegada violação dos direitos de autor dos jornalistas, não impugna também o novo regime de disciplina profisional, porventura a grande inovação da lei (discordando somente da medida das sanções previstas).

O veto

O Presidente da República resolveu vetar o Estatuto do Jornalista. Nada a objectar quanto ao veto em si mesmo, considerando o objecto do diploma e as controvérsias que suscitou.
No entanto, analisadas as razões do veto presidencial (com as quais estou em geral de acordo...), verifica-se que estão em causa pontos relativamente secundários da lei, sem põr em causa a sua filosofia e as suas principais inovações. A questão que se coloca é a de saber se o Presidente deve "gastar" vetos para efeitos de "microcontrolo legislativo", quando a sua discordância é de pequena ou média intensidade, sobretudo se isso pode ser lido como uma satisfação dada aos grupos contestários da lei (que chegaram a organizar uma manifestação junto ao Palácio de Belém), com os riscos de precedente que isso pode criar.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

É pena! (2)

Na mesma entrevista Fernando Teixeira Santos exclui também a hipótese de extinção da ADSE, argumentando que se trata de um «subsistema de saúde importante para a função pública».
Por minha parte, continuo a pensar que a ADSE não se justifica tal como está. Primeiro, não faz sentido que, sustentando o Estado o SNS como "serviço universal", mantenha depois um subsistema de saúde privativo para os seus funcionários. Segundo, não se compreende que os contribuintes paguem cumulativamente o SNS para toda a gente e um subsistema próprio dos funcionários públicos.
Resta esperar que o Governo assegure a "(auto)sustentabilidade financeira" da ADSE, como promete o Ministro das Finanças, o que só pode ser alcançado com o aumento das contribuições. Tal como sucede no sector privado, devem ser os beneficiários a sustentar financeiramene os subsistemas de saúde de que usufruem. É uma questão de equidade social e fiscal.

É pena!

Perguntado pelo Diário Económico sobre se está a considerar reduzir as deduções fiscais com despesas de saúde, o ministro das Finanças declarou que «essa matéria não está sobre a mesa [e que] não há intenção de mudar nada».
É pena, como já escrevi várias vezes. Primeiro, as referidas deduções ficais representam uma pesada despesa orçamental. Segundo, elas beneficiam sobretudo as camadas socias mais abastadas, que recorrem a serviços de saúde privados. Terceiro, elas disrtorcem a proporcionalidade do IRS a favor de quem mais ganha. Quarto, elas constituem um meio de "opting out" furtivo do SNS. Quinto, a redução ou eliminação dessas deduções permitiria baixar as taxas de IRS sem perda de receita fiscal
O mesmo se diga aliás das deduções relativas às despesas de educação.
Não é compreensível esse conservadorismo fiscal de um Governo socialista. Cada vez mais, a política fiscal é um dos padrões decisivos da distinção entre a esquerda e a direita.

Dar-se ao respeito

«PSD: Marques Mendes quer que o partido "se dê ao respeito». como é que Marques Mendes pode pedir isso ao Partido, depois de ele próprio não se dar ao respeito como líder, como mostrou a sua humilhante vassalagem a A. J. Jardim na Madeira!?

Um (?) País, dois sistemas

Quando, em 1984, foi aprovada a lei de despenalização parcial do aborto, encarregando os serviços públicos de saúde de os efectuar, a Madeira não se recusou a cumprir a lei, nem se queixou de falta de meios financeiros, pois não?
E quando, por essa mesma época, foram criadas as taxas moderadoras na Saúde, a Madeira não se recusou a cobrá-las, nem se queixou de a República lhe estar a proporcionar receitas não previstas no orçamento regional, pois não?
Duplicidades!

Demagogia

O poderoso lobby de Alcochete a que a CIP dá cobertura (mas cuja composição continua secreta) mantém-se muito activo nos media ("meios" não lhe faltam...). E agora com o rebuçado da Portela+Alcochete Até onde irá a demogagia "científica"?

Finalmente

«ONU aprovou força militar para Darfur». Sem tanta demora, quantos milhares de refugiados e de mortos se poderiam ter evitado?

Antonioni (1912-2007)

Entre as razões para bem-dizer os prodigiosos anos 60 conta-se seguramente a fruição de filmes como O Grito, A Aventura, O Deserto Vermelho, Blow-Up. Obrigado, Antonioni!