sábado, 31 de janeiro de 2015

Vertigem grega (4)


A ver se percebemos o que vai na cabeça do Syriza:
-- o programa de contra-austeridade. já em execução avançada, vai custar, segundo as próprias estimativas, cerca de 12 mil milhões de euros em despesa adicional e perda de receita; o financiamento deste programa é puramente ficcional (tipo "luta contra a evasão fiscal e o contrabando");
-- que se saiba, os cofres do Estado vão ficar vazios dentro de semanas; a Grécia depende, portanto, de fundos externos para poder manter o Estado em funcionamento;
-- todavia, ao romper com o programa de ajustamento negociado com a troika, a Grécia prescinde ostensivamente da última fatia do empréstimo acordado, no valor de 7 mil milhões de euros, como se vê na notícia do Le Monde acima;
-- ora, a Grécia está excluída dos mercados da dívida pública, dados os juros proibitivos, agravados com a vitória do Syriza (acima dos 10%);
-- acresce que, durante o corrente ano a Grécia vai ter de reembolsar cerca de 22 mil milhões de euros de empréstimos externos, que começam a vencer já em Março; sem fundos próprios, tendo renegado a assistência financeira da troika e sem poder ir ao mercado refinanciar-se, a Grécia só pode entrar em default.
Conclusão: a única explicação para este enigma é que o Governo Syriza se prepara para cessar pagamentos internos e externos, encaminhando-se deliberadamente para a bancarrota e para a saída do euro.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Vertigem grega (3)


Neste artigo no Financial Times, G. Rachman explica por que é que "a versão grega de economia voodoo pode desmoronar-se -- e rapidamente". A pergunta óbvia é: "de onde vai vir o dinheiro"?

Adenda
O Governo grego recusa-se desafiadoramente a negociar uma extensão do programa de assistência financeira, sem abdicar do seu próprio programa de reversão da austeridade orçamental, cujo custo, seguramente subavaliado, importa em 12 000 milhões de euros, e não tem nenhum financiamento garantido. O Syriza encaminha a Grécia alegremente para o estampanço financeiro (e depois económico e político).

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

TTIP


Vou estar amanhã neste colóquio em Guimarães (Caldas das Taipas) sobre o acordo de comércio e investimento entre a UE e os Estados Unidos, cujas negociações acompanho desde o início.

Adenda
Eis um pequeno relato jornalístico do colóquio.

Vertigem grega (2)


"Não reconhecemos nem o memorando nem a troika" - diz ministro da Administração Pública do novo Governo grego ao Le Monde.
Mas foi da troika e com base no memorando assinado com ela que a Grécia recebeu centenas de milhões de euros de empréstimos que lhe permitiu evitar a bancarrota, manter o Estado a funcionar, pagar salários e pensões e repor a economia nos trilhos.
É evidente que isto só pode ser lido como uma declaração de guerra à UE e ao FMI. Depois de repudiar o acordo, será que o próximo passo na vertigem grega é dizer que também não reconhece a dívida?

Vertigem grega (1)

O novo governo grego apressou-se a entrar em rota de colisão com a troika, tomando medidas que vão claramente de encontro ao programa de ajuste orçamental e económico.
Sabendo-se que o encerramento do atual programa de assistência está pendente do desembolso de uma fatia importante da ajuda financeira -- que é vital para a Grécia manter capacidade orçamental --, como é que  o governo grego pensa convencer os emprestadores a libertarem o dinheiro se a Grécia repudia ostensivamente as obrigações decorrentes do acordo e rompe unilateralmente o acordo?
Como seria de esperar, os mercados reagem negativamente (fuga de depósitos, afundamento bolsista dos bancos, pulo dos juros da dívida grega). A ominosa expressão "crise de liquidez" insinua-se.
Decididamente, a julgar por estes primeiros indícios, as coisas podem vir a correr mesmo mal na Grécia.

Adenda
Parece que a estratégia do governo grego é partir para o confronto a todo o vapor, antes de qualquer negociação com a UE. Resta saber se o aventureirismo do Syriza não arrisca precipitar uma crise financeira insolúvel no país (provocada pela fuga de capitais e pelo afundamento dos bancos) mesmo antes de Bruxelas a Frankfurt terem podido esboçar algum plano de contingência.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Alívio

O esclarecimento era necessário, sobretudo depois do equívoco criado por posições pouco avisadas oriundas do PS logo após a vitória do Syriza.

Adenda
Infelizmente, ao contrário da expetativa do deputado Vitalino Canas, as primeiras medidas do governo do Syriza não são nem "moderadas" nem "pragmáticas". Pelo contrário!

Adenda 2
Respondendo à interpelação de um leitor: mesmo aceitando (sem concordar) que a vitória do Syriza é uma "questão que só diz respeito aos gregos", o que me "faz espécie" são aqueles que entre nós combatem o BE e que depois festejam a vitória do BE grego. Ainda por cima receio bem que as coisas vão correr mal na Grécia e que a identificação com o Syriza não vai ser propriamente um ativo político.

A questão grega


Eis o cabeçalho da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico. Sobre a questão grega, evidentemente.

Flexibilidade condicionada


Pode discordar-se, mas é essa a única leitura da recente comunicação da Comissão sobre a não contagem de certos investimentos no cálculo do défice para efeitos do Pacto de Estabilidade e Crescimento da UE. E além disso, tem lógica.
Não pode beneficiar dessa flexibilidade quem esteja em défice excessivo. Não se pode ter as duas coisas ao mesmo tempo. Na visão da UE é a redução do défice que abre margem para flexibilidade orçamental e não o contrário. Com essa posição a Comissão coloca pressão sobre Portugal e outros países com défice excessivo (como a França) para saírem dessa situação quanto antes, a fim de beneficiarem de maior margem para investimento público.

O Syriza da Madeira


Pelos vistos, também há quem gostaria de pregar um calote aos credores da enorme divida acumulada pela Madeira, apesar da cornucópia de transferências financeiras da UE e da República. Na verdade, se há algo entre nós de parecido com a Grécia em matéria de irresponsabilidade financeira e de viver acima das capacidades é a Madeira.

Adenda
Quando o PSD verbera a gestão orçamental dos anteriores governos (onde se aliás se incluem os seus...) deveria penitenciar-se antes de mais pela verdadeira orgia orçamental que foi a Madeira durante décadas.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Somos todos gregos...ou queremos ver-nos gregos?


A vitória do Syriza este fim-de-semana é histórica para a Grécia e para toda a Europa. É uma vitória da democracia, como todos terão de reconhecer, incluindo os que tudo fizeram para intimidar e condicionar o voto dos gregos, como o governo alemão.

Mas, acima de tudo, é um claríssimo sinal de que a Europa tem de mudar. 

O povo grego ergueu-se contra a humilhacao e o sofrimento que lhe estão a ser impostos e veio dizer que quer um caminho alternativo.

É uma salutar chicotada democratica dada a uma Alemanha que hoje domina a Europa, embalada pela sua própria prosperidade e pelas patranhas que lhe vendem os seus governantes de que está a salvar os pobrezinhos dos "pigs" sulistas, enquanto o que verdadeiramente faz é salvar os ricos bancos alemães dos seus próprios desvarios. 

Mas importa que a escolha dos gregos se transforme num verdadeiro terramoto político e acelere o abandono do fanatismo austeritário que tão devastador tem sido para a Europa e para a Democracia europeia. 

O reconhecimento do falhanço da receita austeritária já está explícito no programa de investimento publico que a Comissão Juncker acaba de lançar e que implica uma leitura flexível do chamado Pacto Orçamental. E já está explícito nas medidas que o BCE finalmente anunciou de injecção de liquidez na economia, por via de compra directa de obrigações do tesouro aos Estados Membros da zona euro, fazendo uma interpretação extensiva do seu próprio mandato, apesar da oposição da Alemanha.

Mas tudo vai agora depender do respaldo que o novo governo grego venha a encontrar na Europa e em particular nos países que mais estão a sofrer com a crise.

Há pouco mais de uma semana, escrevia o já velozmente empossado Primeiro Ministro Tsipras, num artigo de opinião no El País, que a mudança tinha de vir do sul. Muito do que acontecer daqui para a frente - e espero que o Syriza saiba estar  à altura das suas responsabilidades no governo em Atenas e na governação da União Europeia - vai  depender da forma como actuem agora os governos dos outros países do sul da Europa também brutalmente afectados pela crise. 

Do Governo Passos Coelho e Portas, porém, não temos a esperar senão mais do mesmo: o talibanismo do bom aluno servil junto da Senhora Merkel e o oportunismo despudorado, quando toca a colher os beneficios das mudanças que antes disse impossíveis e até combateu: é a atitude de incentivo e contribuição zero ao programa Juncker e ao programa de "quantitative easing" do BCE,  transformada subitamente, a posteriori, com PM e VPM a procurarem cavalgar e capitalizar as mudanças. Sobre o que a Grécia disse querer nas urnas, ouvimos já Passos Coelho escarnecer, vergonhosamente, como "conto de crianças". Ele prefere os contos de terror que os portugueses têm a contar da sua governação....

Ora,  já que a voz do Governo português não se ouve em Bruxelas ou Berlim, ou só se ouve para ecoar a melodia ilusória de que "Portugal está no bom caminho" que convém à Senhora Merkel para continuar a levar no engodo o povo alemão, é imperativo que se faça ouvir a voz da oposição portuguesa, e do PS em particular, desmentindo a narrativa mentirosa, expondo os reais efeitos da crise em Portugal e apoiando a mudança radical que Tsipras quer promover.

Nada vai ser mais central do que o que fazer à dívida soberana, que na Grécia como cá aumentou exponencialmente com as troikas do austeritarismo e do empobrecimento forçado. A Grécia pode precisar de mais um perdão da dívida que é totalmente impagável, já esta acima dos 170 % do PIB - e não será nada de novo já teve duas, em 2010 e 2012 com acordo europeu. Portugal precisa certamente de renegociar a sua dívida, que hoje acima dos 130% constitui uma canga arrasadora dos esforços feitos pelos portugueses para sair da crise. 

A solução para não pode mais ser fragmentada, tem de ser europeia e reforçar em vez de enfraquecer o euro: precisamos de um Fundo Europeu de Redenção para gerir e amortizar colectivamente as dívidas públicas europeias, incluindo a alemã que também esta acima dos convencionados 60%.

Não podemos deixar que se empurre para fora da UE a Grécia, como alguns maldosamente querem. É preciso fazer compreender ao povo alemão que sem Grécia e sem euro lá se acabaria a sua galinha dos ovos de ouro. 

Qual Grexit, qual carapuça! Só salvando o euro, salvaremos a Europa.


(Notas transcritas da minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)


A primeira derrota

A primeira derrota do novo governo grego vai ser a falta de adesão à sua proposta de conferência dos países periféricos sobre a dívida.
Não creio que algum dos governos convidados esteja disponível para integrar esse "sindicato dos devedores", até porque nenhum deles defende o não pagamento, como propõe o Syriza (com as consequências já à vista na subida dos juros da dívida grega). A sede para a discussão de qualquer afeiçoamento da dívida (maturidades, juros, etc.) é obviamente o Conselho da União e o BCE.

Grécia (7)

Há um equívoco quanto à dimensão da vitória do Syriza, folgada sem dúvida (com 36% dos votos), mas longe de "esmagadora", como se chegou a dizer, por ter ficado à beira da maioria parlamentar absoluta.
A perceção errada tem a ver com o facto de o sistema eleitoral grego dar um bónus de 50 deputados ao partido vencedor, pelo que só 250 dos 300 deputados do parlamento é que são repartidos entre as diferentes listas concorrentes. Sem esse generoso bónus, o Syriza teria ficado a mais de 50 deputados da maioria e teria tido mais dificuldades em formar governo.

Adenda
A propósito uma solução dessas seria impossível em Portugal, por ser obviamente contra a regra da proporcionalidade. Entre nós, a maioria absoluta só se alcança com cerca de 45% dos votos.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Grécia (6)

Já há coligação de governo na Grécia, tendo o Syriza obtido o apoio dos Gregos Independentes, um partido de direita nacionalista, cuja única coisa em comum com o Syriza é a oposição ao programa de ajustamento da troika, sendo ainda mais radicais do que o Syriza na questão da dívida.
Estranha coligação e mau sinal...

Grécia (5)

A Grécia que o Syriza herda está felizmente em melhores condições económicas e financeiras do que no auge da crise. Já há saldo orçamental primário positivo, economia a crescer, começo de redução do desemprego. A austeridade não foi em vão.
Por isso, começa a haver condições para algum alívio da austeridade orçamental e para amenizar a enorme crise social. Em vez de reverter os ganhos efetuados no campo da consolidação orçamental com o seu radicalismo antiausteridade, o Syriza deveria capitalizar os seus efeitos positivos.

Grécia (4)

A minha previsão é que a UE acabará por fazer algumas concessões à Grécia "para pôr a bola" no campo do governo grego -- como algum reescalonamento da dívida grega nas mãos do BCE, ou o alongamento do calendário de redução da divida, ou o desconto orçamental dos investimentos cofinanciados pelo programa de investimento estratégicos da UE --, mas a troco da reafirmação do compromisso com o programa de reajustamento económico e orçamental da Grécia -- o que inviabiliza grande parte do programa do Syriza. Restarão as medidas sociais de socorro aos mais pobres, como o subsídio de eletricidade ou os cheques-alimentação, cujo financiamento é viável.
No final, entre aceitar essas concessões e romper com a UE, o Syriza acabará por conformar-se com primeira alternativa. Resta saber se a vida do governo será longa...

Grécia (3)


O Financial Times pergunta se Tsipras vai ser um Lula ou um Chávez.
A resposta é: nenhum! Ambos tinham dinheiro para gastar, o que o líder grego não tem.

Grécia (2)

A tentativa de todas as esquerdas em Portugal para cavalgarem a vitória da esquerda radical na Grécia, incluindo partidos que pouco têm a ver com o Syriza, como o PS e o PCP, releva de um oportunismo pouco recomendável.

Adenda
Faltava o partido de Marinho e Pinto. Subitamente parece que "todos somos Syrisa" (salvo seja, no que me diz respeito).

O patrono

Durante os anos da prolongada recessão económica, tanto na Europa como nos Estados Unidos, o economista Paul Krugman foi uma referência para todos os adversários da austeridade orçamental, em nome da ideia de que o crescimento da procura é a primeira alavanca da economia e que, na falta de procura privada bastante, a expansão da despesa pública com recurso à dívida é a única solução disponível. A austeridade orçamental levaria necessariamente ao agravamento da recessão (teoria da "espiral recessiva"), com as suas sequelas no desemprego, na redução de salários e na limitação dos próprias receitas fiscais do Estado.
Todavia, como mostra o economista Jeffrey Sachs, a narrativa de Krugman não parece poder explicar a retoma económica apesar da travagem mais ou menos forte da despesa pública, não somente nos Estados Unidos e no Reino Unido, mas também -- poderíamos acrescentar -- um pouco por toda a União Europeia, incluindo Irlanda, Espanha, Portugal, etc.
Os nossos teóricos da "espiral recessiva", que entretanto já meteram a expressão na gaveta, vão ter de se explicar...

domingo, 25 de janeiro de 2015

Grécia (1)

Como se previa, a Coligação da Esquerda Radical (Syriza) ganhou folgadamente as eleições gregas, sendo portanto chamada a governar o país. É pena não ter obtido maioria absoluta, pois assim sempre vai ter o álibi de que não pode levar a cabo o seu programa.
Porque, de facto, o programa do Syriza é pura e simplesmente irrealizável, num país que está sob assistência financeira, quer na parte em que propõe um generalizado calote na dívida pública (eliminação de grande parte da dívida, moratória indefinida sobre a parte restante, pagamento só em caso de crescimento económico futuro...), quer na parte em que defende a rejeição imediata do Memorando da troika e a sua substituição por um Plano de Reconstrução Nacional com um custo orçamental estimado de doze mil milhões de euros, a ser supostamente financiado por receitas tão etéreas como a recuperação de dívidas fiscais atrasadas, luta contra a evasão fiscal, etc.
Estando o país dependente de uma fatia remanescente do empréstimo da troika, não se vê como é que o vai obter com propostas destas. Tempos atribulados, os próximos na Grécia!

Prémio imerecido


Sim, o Governo pode estar "embaraçado" pela mudança de tom na política orçamental (pela mão da Comissão) e da política monetária (pela mão do BCE) na UE, mudança por que não se bateu. Mas, no fundo, o Governo há de pensar que, mesmo sem ter investido nela, pode ser beneficiário político dessa mudança, na medida em que uma e outra podem melhorar as perspetivas da economia europeia e da economia nacional: mais desvalorização do euro, nova baixa das taxas de juro, mais consumo, mais investimento, mais emprego, mais exportações, menos encargos da dívida pública, mais receita fiscal, maior margem orçamental, etc.
Mesmo se imerecido, o Governo pode apropriar-se do prémio.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Estranha simpatia


Com que é que o PS simpatiza no Syriza?!

Adenda
Julguei que as simpatias do PS na Grécia iam para o PASOK, o partido socialista grego, principal vitima do desmoronamento da ficção económica e orçamental que a Grécia era e que a crise de 2008 pôs a nu.

Contradição

Não é usual ver um partido de esquerda criticar a carga fiscal (defendendo implicitamente a descida de impostos), pela óbvia razão de que os programas da esquerda exigem sempre gastos públicos elevados com programas sociais.
No caso do BE, isso é ainda mais estranho, visto que quase todas as suas propostas políticas são para aumentar a despesa pública e a sua realização exigiria seguramente uma duplicação da carga fiscal.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Miguel Galvão Teles (1939-2015)


Homenagem a um grande jurista, grande cidadão e grande amigo. Adeus, Miguel!

Adenda
Um notável texto do antigo Presidente da República, Ramalho Eanes, sobre MGT. Um grande elogio fúnebre!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

"Choque de competitividade"


Este é o cabeçalho da minha coluna semanal de ontem no Diário Económico. Na minha análise há um conjunto de condições favoráveis à retoma económica na UE e em Portugal.

As autoestradas CCC


A notícia em epígrafe (tirada do Diário Económico de hoje) dá conta da correção de um dos maiores erros políticos das duas últimas décadas, que foi o das autoestradas SCUT (sem custos para utente), mas na verdade CCC (com custos para o contribuinte), que foram um dos cancros das finanças públicas.
Durante mais de uma década combati quase sozinho o disparate. Nunca consegui compreender por que é infraestruturas de alto valor acrescentado  haveriam de ser de uso gratuito para os utentes, sendo pagas por todos através de impostos, incluindo muita gente que não tem carro e que nunca beneficiou da sua existência.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Reestruturação da dívida

O Estado português vai avançar com o pagamento antecipado da divida ao FMI, cujos juros são mais elevados do que os juros correntes no mercado, historicamente baixos. Desse modo, pode poupar-se nos encargos da dívida, trocando essa dívida por dívida nova.
Assim se faz discretamente a "reestruturação da dívida", sem pregar calotes aos credores. Esperemos que a evolução política na Grécia não volte a pôr em causa a confiança dos mercados na estabilidade do euro e na dívida soberana.

Antologia do excesso político


Mário Soares excedeu-se mais uma vez. Há limites para o combate político.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Mudanças na política económica da UE - onde anda o Governo Português?


Um relatório da OXFAM veio ontem confrontar o Forum de Davos com o cálculo de que, no próximo ano, um por cento da população mundial  vai deter mais riqueza do que o resto dos 99 por cento: a desigualdade está a atingir níveis obscenos com o sistema capitalista desenfreado e desgovernado.

Para combater a desigualdade na América o Presidente Obama anuncia hoje medidas que incluem consideráveis aumentos de impostos sobre os muito ricos, sobre heranças e sobre os bancos.

Na Europa também se ensaiam mudanças mas nada disto ainda. E mudanças não apenas por causa das eleições na Grécia, onde torço para que ganhe o Syriza.

Na ultima semana, a Comissao Juncker, por pressão da Itália e do Grupo dos Socialistas Europeus, decidiu finalmente que algum investimento público deixará de contar para o défice; embora para já, a medida abranja apenas países com défices abaixo de 3% - portanto, não se aplique ainda a Portugal; Mas todos os países podem suavizar a austeridade, alargando o calendário, desde que realizem "reformas estruturais"; 

Mas isso exige que Governo e Presidente da República se batam na Europa pelo reconhecimento dos sacrifícios que já fizemos em Portugal; nós, Socialistas portugueses no PE, não temos descansado e não descansaremos. Mas sabemos que é também precisa uma linha de negociação permanente em Bruxelas em representação do Estado. Ora, capacidade diplomática e política é o que este Governo não tem, nem quer ter -  como está à vista no fiasco quanto à Base das Lajes, e no abdicar de controle, predador, na PT e na TAP.

Uma outra mudança anda a ser preparada pelo BCE: um programa de compra de obrigações dos Estados,  equivalente ao que na América se chama de Quantitative Easing. É um esquema de injector de liquidez na economia, crucial para inverter a ameaça de deflação associada à estagnação económica, que pode levar à total disrupção económica e financeira, e crucial para a capacidade da zona euro financiar a retoma económica e a criação de emprego. Na semana passada, o Tribunal de Justiça da UE veio declarar que o programa de compra de dívida é legal. 

Mas continua uma fanática oposição alemã, que junta em coro políticos, académicos, economistas e banca de investimento. E também há oposição dos meios financeiros conservadores, em particular o britânico. 

O argumento usado é o de que serão os contribuintes alemães a pagar os prejuízos dos eventuais incumprimentos de países financeiramente debilitados. Casos explícitos da Grécia, Portugal, Chipre, Irlanda e implícito da Itália e da Bélgica, pelo menos. E também - blasfêmia que ninguém ousa proferir ! - o da França. 

Por isso os alemães põem como condição que a responsabilidade de eventuais perdas não seja assumida pelo BCE, mas sim, repartida pelos 19 bancos centrais dos países do euro. E insistem que a compra de dívida fique registada nas contabilidades de cada um dos 19 bancos centrais da Zona Euro, que devem dividir entre si as responsabilidades, para que não haja uma "transferência fiscal" dos contribuintes alemães para os contribuintes dos países prevaricadores.

Ora, as operações de compra do BCE podem perfeitamente ser registadas nos livros de contabilidade dos bancos centrais. E precisamente por isso nenhumas consequências impenderão sobre os contribuintes alemães. A responsabilidade dos prejuízos cairá apenas sobre países que entrem em incumprimento - e, naturalmente, sobre os contribuintes desses mesmos países.

A este falso argumento, os opositores juntam outro, "ad terrorem" - o de que o QE irá provocar uma "dramática desvalorização do euro". Ou seja, os alemães não só ficariam mais pobres,  como perante uma "dramática desvalorização do euro", ressurgiria o velho espectro da sociedade alemã: a hiperinflação.

Estes são argumentos de desespero. A Alemanha, insensível as consequências devastadoras para as economias do sul da Europa, não parece estar satisfeita com o atraso que impôs ao BCE - de pelo menos 5 anos - na adopção das políticas de QE em relação aos EUA. Esperemos que essa sabotagem tenha o seu fim na próxima 5.feira. 

Uma questão se colocará depois: será o QE suficiente para impulsionar o crescimento e o emprego na Europa ? será importantíssimo, mas exige que, como aconteceu nos EUA, os bancos adoptem uma nova atitude. 

Os bancos tem de deixar de estar focados nas operações do mercado de capitais - que quase sempre são meras aplicações especulativas de curto prazo. Os bancos tem de passar a estar mais envolvidos no financiamento à economia real e às empresas.

Como diz o académico belga Paul de Grauwe, a Alemanha acabou por alinhar nos resgates, impondo o castigo do povo da Grécia, - mas também de Portugal, Irlanda e Espanha - para salvar os bancos do norte, os seus bancos, de imprudentes investimentos que tinham feito na Europa do Sul e nos EUA. É tempo dos bancos, incluindo os bancos alemães, ajudarem a suportar os custos do ajustamento e ajudarem a economia europeia a recuperar.


(Transcrição das minhas notas para a crónica no Conselho Superior, ANTENA 1, de hoje - que na parte final tive de abreviar)


Ana Gomes, MPE

Brincar com o fogo

Quando as sondagens revelam que o Syrisa pode vir a obter uma maioria absoluta nas eleições do próximo domingo na Grécia, uma eurodeputada do Syriza garante que um Governo do seu partido estará "preparado para abolir todas as regras inscritas no programa de ajustamento" e encetar negociações para um ‘haircut' da dívida.
Face aos planos do Syriza, a corrida aos depósitos dos bancos já começou e a taxa de juro implícita da dívida grega já pulou para os 10%. Parece que em Atenas há quem prepare um belo funeral da Grécia na zona euro.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Proteger a liberdade


Aqui está a abertura do meu artigo semanal no Diário Económico da semana passada.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Ameaça terrorista

Concordo que a luta contra a ameaça terrorista exige novos instrumentos de segurança, incluindo a possibilidade de interceção de comunicações pessoais pelos serviços de informações do Estado, desde que obviamente com prévia autorização judicial para verificação da consistência da alegada ameaça e com adequado controlo do Conselho de Fiscalização parlamentar existente.
Evidentemente, isso supõe uma revisão da Constituição, que hoje só permite escutas telefónicas no âmbito do processo penal.

Sol na eira...

O Syriza diz que não quer a Grécia fora do Euro (por boas razões, aliás), mas não também não quer cumprir as condições da integração na zona euro, nomeadamente a disciplina das contas públicas.
Se ganhar a eleições e vier a formar Governo, o Syrisa vai aprender à sua custa, e à custa dos gregos, que não pode ter as duas coisas ao mesmo tempo. A realização do seu programa de governo atiraria a Grécia para fora do euro.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Correção da LUSA e carta minha que a suscitou

CORREÇÃO: Paris/Atentado: Ana Gomes diz que europeus entre terroristas "não acontece por acaso"(C/ÁUDIO)
 
(Corrige no sétimo parágrafo a informação sobre a mensagem da eurodeputada Ana Gomes divulgada no Twitter, acrescentando a palavra "também". Deve ser lido: "Charlie Hebdo. Horror! Também o resultado das políticas anti-europeias de austeridade: Desemprego, xenofobia, injustiça, extremismo, terrorismo.")
 
VERSÃO INTEGRAL CORRIGIDA:

Lisboa, 09 jan (Lusa) – A eurodeputada socialista Ana Gomes considerou hoje que a presença de europeus entre os grupos terroristas “não acontece por acaso” e advertiu para o perigo de a Europa entrar numa “deriva securitária e xenófoba”.
Em declarações à agência Lusa, a eurodeputada alertou que os europeus não podem “embarcar numa deriva securitária e xenófoba contra os muçulmanos, que instigue mais ódio”, porque “eles também são vítimas”.
“Não podemos fazer o jogo dos terroristas, que querem que ponhamos em causa os nossos valores, as nossas liberdades e a nossa democracia”, afirmou a eurodeputada à Lusa a partir do Iraque, lamentando não poder participar na manifestação de domingo marcada para Paris.
A socialista recordou o trabalho que desenvolveu no Parlamento Europeu na área do terrorismo e defendeu que dever ser entendida a presença de europeus no exército do Estado Islâmico.
“Isso não acontece por acaso, tem muito a ver com o que se passa na Europa, com a falta, inclusivamente, de meios para programas de inteligência humana para os serviços de informação e de segurança, para programas de desradicalização para os jovens e programas de inserção social para os jovens”, argumentou à Lusa.
A eurodeputada voltou a condenar os ataques terroristas em França e rejeitou “interpretações perversas e abusivas” do que escreveu há dois dias na rede social da Internet Twitter.
“Procuraram dar uma versão de que desculpo os atos terroristas”, considerou a responsável, ao justificar a mensagem escrita na Internet: “Charlie Hebdo. Horror! Também o resultado das políticas anti- europeias de austeridade: Desemprego, xenofobia, injustiça, extremismo, terrorismo.”
Apesar das limitações na divulgação de informações devido a questões de segurança, Ana Gomes revelou haver planos terroristas para a Península Ibérica.
“Mostraram-me um mapa do chamado califado do Estado Islâmico, que tem desígnios, claramente, para a Europa e, nomeadamente, para a Península Ibérica, que eles chamam Al Andaluz”, relatou.
A França registou, desde quarta-feira, quatro incidentes violentos, que começaram com um atentado à sede do jornal Charlie Hebdo, em Paris, provocando 12 mortos (10 jornalistas e cartoonistas e dois polícias) e 11 feridos.
Os dois suspeitos, os irmãos Said Kouachi e Cherif Kouachi, de 32 e 34 anos, foram mortos hoje na sequência do ataque de forças de elite francesas à gráfica, em Dammartin-en-Goële, nos arredores da cidade, onde se barricaram.
Na quinta-feira, foi morta uma agente da polícia municipal, a sul de Paris, e fontes policiais estabeleceram já “uma conexão” entre os dois ‘jihadistas’ suspeitos do atentado ao Charlie Hebdo e o presumível assassino.
Também hoje, ao fim da manhã, pelo menos quatro pessoas foram mortas numa loja 'kosher' (judaica) do leste de Paris, numa tomada de reféns, incluindo o autor do sequestro, que foi igualmente morto durante a operação policial.
Fontes policiais citadas pelos ‘media’ franceses dizem que este homem é provavelmente o mesmo que matou a polícia municipal.

PL (MBA) // JPS
Lusa/Fim




Exmo. Sr. Director,

Venho chamar a sua atenção para uma incorrecção transmitida numa das notícias difundidas pela Agência Lusa sobre um dos Twitts que publiquei na semana passada, a propósito do atentado terrorista em Paris contra o Charlie Hebdo. No parágrafo reproduzido abaixo pode ler-se:
"Procuraram dar uma versão de que desculpo os atos terroristas", considerou a responsável, ao justificar a mensagem escrita na Internet: "Charlie Hebdo. Horror! O resultado das políticas anti- europeias de austeridade: Desemprego, xenofobia, injustiça, extremismo, terrorismo."
 O que eu escrevi, que abaixo reproduzo, foi: "Charlie Hebdo. Horror! Também o resultado de políticos anti-europeias de austerismo (...)".
 O artigo original da Lusa foi depois, como sabe, re-publicado por diversos meios de comunicação que, por conseguinte, mantiveram a incorrecção, que, a meu ver, é grave e faz toda a diferença na interpretação das minhas palavras.
 Disse, e mantenho, que o terrorismo hoje é também o resultado da Europa que temos, com as políticas austeritárias destruindo a intervenção social dos Estados, fomentando o desemprego que faz desintegrar famílias, alimentar a marginalização social e a alienação individual, factores propícios ao recrutamento terrorista. Como é evidente, condenei e condeno em termos veementes estes actos terroristas e quaisquer outros. Não procurei justificar ou desculpar aqueles ou quaisquer outros actos terroristas. Mas combater o terrorismo implica compreender quais são as razões por que tantos jovens europeus são atraídos para as fileiras terroristas. E, entre outras causas, está sem dúvida a alienação e marginalização sentidas em particular por jovens de comunidades emigrantes na Europa. É, de resto, o que nos confirmam as histórias de vida da maioria dos jovens – incluindo portugueses – recrutados pelo chamado "Estado Islâmico".  
 Também sublinhei que as políticas austeritárias na Europa têm diminuído os meios financeiros, humanos e outros, facultados aos serviços de informação e de segurança para serem mais eficazes no combate ao terrorismo, bem como nos meios disponibilizados para programas de prevenção da radicalização e de desradicalização.
 Muito agradeceria que a Agência Lusa publicasse uma correcção do artigo original.
 
Com os melhores cumprimentos,
Ana Gomes
 
 
Ana Gomes, MEP (@AnaGomesMEP)
07/01/15 13:08
#CharlieHebdo - Horreur! Aussi le résultat de politiques anti-européennes d'austerisme: chômage,xénophobie,injustice, extremisme,terrorisme

Ana Gomes, MEP (@AnaGomesMEP)
07/01/15 12:54
Charlie Hebdo - Horror! tb resultado d políticas anti-europeias austerismo: desemprego, xenofobia, injustiça extremismo. Ainda só começou...

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Visita ao Curdistão iraquiano - 23 - discussões com líderes cristãos

No último dia, visitamos o Arcebispo Warda, da Diocese Caldeia de Erbil, com quem discutimos a  deseperada situação das minorias no Iraque e especificamente no Curdistão (cristãs, mas também yazidis, shabbak, turcomanas, shiitas etc..), cruelmente perseguidas pelos salafistas do EI.
Todos os dirigentes cristãos que foram nossos interlocutores durante esta visita consideraram urgente a derrota militar dos terroristas e a reconquista de Mosul e do território iraquiano e sírio onde oprimem a população que ficou (incluindo a sunita, sujeita a impostos e extorsões, sem serviços básicos a funcionar, com o combustível a escassear e a preços exorbitantes).
Todos se interrogam porque europeus e americanos não fazem mais e melhor, inclusivé no apoio militar, para ajudar os peshmergas a progredir - mas não compreendem que aqui está a linha da frente do combate terrorismo que golpeou em Paris e golpeará noutras cidades europeias, se não for rapidamente derrotado aqui?
Todos pedem apoio humanitário urgente, ajuda à reconstrução a prazo e intenso apoio à reconciliação nacional e à governabilidade do "so called Iraq", como condições indispensáveis para que o Iraque não se despovoe de ancestrais comunidades. "Mais seis meses de ocupação terrorista e todos partirão, ninguém das minorias acredita ainda ter futuro no Iraque, ninguém terá qualquer esperança de poder voltar às suas casas e terras, que além de saqueadas, sabem estar a ser semeadas de bombas pelos terroristas...". Todos pedem apoio político, diplomático e outro para resgatar as jovens e crianças raptadas e para levar ao Tribunal Penal internacional os criminosos e seus mandantes.
Todos apontaram o dedo a ideólogos, financiadores,organizadores e instigadores sauditas, qataris e apoio logístico e não só turco aos jihadistas do chamado EI. A Europa não podia ser mais vigilante e contundente, política e diplomaticamente?
Todos - e em especial os líderes cristãos - condenaram e pediram que parassem os programas de alguns países europeus privilegiando a concessão de vistos a famílias cristãs. Além da discriminação inaceitável, isso contrariava os seus próprios esforços para preservar a presença dessas minorias no Iraque: "Estamos a lutar titânicamente por uma dupla sobrevivência nesta terra berço de civilizações: a das pessoas e a das culturas pré-islâmicas".

Visita ao Curdistão iraquiano -18 - Hankhe (Dohuk) - campo dedeslocados não-registados


Na mesma aldeia de Hankhe, há outro campo de IDPs yazidis, mas ainda não registados. Por isso se queixam amargamente  de serem deixados de lado, nos apoios. Ninguém nos soube explicar porquê. As condições são deprimentes...






Visita ao Curdistão iraquiano - 3

Logo na primeira noite jantamos com membros do Conselho Legislativo do Iraque e do Parlamento Regional curdo. 

A tragédia de Paris presente na cabeça e nas palavras de pesar de todos. Os colegas iraquianos a sublinhar que sabem o que é: desde há anos sofrem de devastadores ataques terroristas. Agravados no Curdistão desde que  o chamado EI capturou Mosul, em Junho passado. Com muitos criminosos europeus nas suas fileiras a cometer barbaridades contra iraquianos e sirios, incluindo decapitações, massacres, raptos  de crianças e escravização de raparigas. 


Nós na UE chamamos-lhes "foreign fighters", mas na realidade muitos são europeus, como os que atacaram o Charlie Hebdo. 

É preciso compreender porque tantos jovens se radicalizam. Para o prevenir.

Visita ao Curdistão iraquiano - 24 - Erbil, chá ao sol

No domingo não podíamos deixar de visitar o souk e de tomar um chá quente, numa manhã ensolarada mas fria, nas arcadas do sopé da cidadela de Erbil.
Quem sucumbe à chantagem dos terroristas e tem medo de visitar o Iraque? Não estes membros do Parlamento Europeu.



"

Visita ao Curdistão iraquiano - 21 - Erbil - discutindo a Síria

A situação na Síria e a resistência em Kobane foram principais temas de uma discussão com representantes do PYD (partido curdo sírio).

No meio está Thomas Schmidinger, professor da universidade de Viena e especialista sobre o Curdistão, crucial organizador da nossa visita. Danke sehr, Thomas!


Visita ao Curdistão iraquiano - 20 - na estrada, perto de Mosul...

Não foi sem riscos, esta visita. A metralhadora ia aos meus pés. Pela estrada passavam camiões com tanques mal escondidos...
Que contraste com um deputado do Bundestag, com quem nos cruzamos várias vezes,  e que ia flanqueado por 6 guarda-costas, que não o deixavam sequer aventurar-se a falar com as pessoas nos campos de refugiados...
Passamos na 6a. Feira a 10 km da actual linha da frente com os terroristas do chamado "Estado Islâmico" em Makmour. Onde no dia seguinte houve um violento combate, em que morreram terroristas e peshmerga.







Visita ao Curdistão iraquiano - 19 - a caminho de Dohuk - IDPs emprédios inacabados


Mais difícil, ainda, é a situação dos deslocados que ocupam edifícios em construção. O estarem de espalhados por todo o lado, não facilita a assistência humanitária, até porque não têm visibilidade junto das autoridades e das agências humanitárias.




Visita ao Curdistão iraquiano - 17 - Hankhe (Dohuk)

O jovem de 16 anos é hoje quem cuida dos 6 irmãos, com a ajuda duma tia-avó.
Os pais e 3 outros irmãos foram raptados pelos terroristas do Daesh, quando assaltaram a aldeia nas montanhas do Sinjar. Ele e os irmãos e irmãs andaram três dias a pé pelos montes, até conseguir chegar à fronteira com a Turquia.
Além de saber dos pais e irmãos, o que mais queriam era poder voltar à escola...




Visita ao Curdistão iraquiano -16 - Hankhe (Dohuk), campo de IDPs Yazidi



Nos campos de IDPs das comunidades Yazidi, refugiadas dos ataques do EI às montanhas do Sinjar e à cidade de Mosul - na aldeia Yazidi de Hankhe, a 20 minutos de Dohuk.
Não há ainda escolas a funcionar nos campos de IDPs registados, que regurgitam de crianças e jovens sem nada para fazer...















Visita ao Curdistão iraquiano 1 - Erbil

Integrei um grupo de 4 membros do Parlamento Europeu que visitou o Norte do Iraque, entre 8 e 11 deste mês. Incluía Joseph Weidenholzer, austríaco e do meu Grupo S&D, Marietje Schaake, holandesa do ALDE, e Cornelia Ernst, alemã do GUE. Connosco viajaram também dois assessores S&D (Eldar Mamedov e Rebecca Kampl) e dois jornalistas austríacos.

Como é óbvio, não se tratou de missão oficial do PE - nunca teríamos autorização para ela, por razões de segurança. Por isso, juntámos-nos e ...fomos.

Aqui deixo uma resumida reportagem fotográfica. Começo com o "skyline" de Erbil, incrívelmente modificado, desde que lá fui em 2008 e 2012. Não sei se gosto da construção de estilo turco moderno.


domingo, 11 de janeiro de 2015

Na linha da frente contra o terrorismo

8.1.2015, 10 horas

Dormi 2,5 horas para apanhar um avião para Viena e dali outro para Erbil, no Curdistão iraquiano. Impossível dormir mais, impossível adormecer com a TV e o Twitter a passarem os filmes das manifs espontâneas nas praças de milhares de "Je.suis.Charlie" e da caça aos assassinos da chacina. 
Emoção e preocupação obrigam-me a escrever, em busca de exorcismo...Escrevo, vou mesmo escrever tudo o que puder nesta viagem, e num tom pessoal, como me recomendou a Leonor Xavier em almoço post-Natal, quando lhe disse que vinha. 

Não sabia, então, que viria no caldo deste horror - não é rescaldo ainda, nem sequer apanharam os monstros, à hora a que escrevo. A CNN no aeroporto de Viena dava noticia de tiroteios nuns subúrbios de Paris e em Reims estava montado um cerco armado num bairro.

Não é rescaldo também, porque o pior está ainda para vir: as manifestações xenófobas de gente empobrecida pela crise e pelo austerismo, que culpa os árabes, os islâmicos, os emigrantes, os refugiados, em suma, os estrangeiros, pelo medo de perder o emprego e benefícios sociais que julga usurpados...e agora por estes três dias de terror. 

Não, não é rescaldo: é caldo de incultura e de medo, fervilhante, a direita extremista e populista já começou a cavalgar a vaga. Onde li uma comparação com a Kristallnacht?!...

E, no entanto, comovo-me com a admirável reacção  dos franceses - desde o Hollande, que se redimiu ao precipitar-se para o local do crime ainda sem se saber se por lá ainda havia criminosos, aos líderes muçulmanos rejeitando que a matança pudesse invocar e servir o Islão, passando pelos  jornalistas e cartoonistas que não se intimidaram e escreveram, reportaram, desenharam, tuitaram - o mais premonitório e pedagógico tweet é aquele que mostra o criminoso caído, tropeçante na fuga, e o polícia que acabava de assassinar cruelmente, identificando um como o terrorista e outro como"Je suis Ahmed". 

Mas o que mais admiro são esses homens e mulheres, de todas as idades, cores e credos, que estão a encher as praças de França e do mundo recusando ceder à chantagem do terrorismo, ocupando o espaço público para o desafiar e derrotar ideológicamente, em defesa das liberdades e da democracia. Liberté, Egalité, Fraternité - ontem, unida pela desgraça, a França voltou a ser a França, a República mostrou o que é ser República.

Lembro-me de Jacarta em 2000, 2001, 2002. Antes da bomba de Bali, que fez parangonas globais porque morreram 200 estrangeiros, incluindo o soldado Diogo Ribeirinho (que não conheci em vida, mas não vou poder nunca esquecer pelo que me fez conhecer do macabro e do cheiro de corpos chacinados). Antes só morriam indonésios, na maioria muçulmanos, às mãos das bombas da Jemaah Islamyia, filial da Al Qaeda. Morriam que nem tordos, mas não valiam três linhas na imprensa ocidental... Ficou-me daí este reflexo de entrar num aeroporto, numa estação, num shopping, e rolar os olhos pelos cantos, a localizar mochilas ou sacos abandonados.


11.1.2015, 17 horas 

Reflexo que serviu agora mesmo, para avisar um dos jornalistas austríacos que nos acompanhou nesta viagem pelo Norte do Iraque de que se tinha esquecido de um saco, na sala de embarque...

Acabamos de entrar no avião que nos vai trazer de volta a Viena. 
Impossível chegar a tempo da manifestação de hoje em Paris, em que todos queríamos estar - só há um voo por dia a ligar Erbil com a Europa.
Ao longo da viagem de carro de dois dias até Dohuk, junto a fronteiras com a Síria e a Turquia, fomos ocasionalmente conseguindo net para acompanhar o desenrolar da tragédia. O horror prolongado e agravado com o odioso ataque ao supermercado "kosher" e a matança dos reféns, antes da eliminação dos criminosos.

Escrever estas linhas será a minha forma de prestar homenagem às vítimas e solidariedade às suas famílias, aos sobreviventes e ao povo francês. E de partilhar os gritos "NOUS SOMMES TOUS CHARLIE!", "NOUS SOMMES TOUS AHMED!" e "NOUS SOMMES TOUS JUIFS!".


11.1.2015,  23 horas

Cheguei do Iraque com o coração e a cabeça ainda mais pesados de apreensão.
Não apenas por causa dos ataques de ódio que já proliferam contra muçulmanos por essa Europa fora (até a mesquita apareceu conspurcada, oiço de Lisboa) e outros primarismos perigosos. Derivas "bushistas" fazem as democracias degradar-se, descendo ao nível dos terroristas e fazendo o jogo do terrorismo: pois não são as liberdades e os direitos humanos, que são fundamento das sociedades democráticas, justamente o que o terrorismo quer destruir?!
Pesam-me ainda mais coração e cabeça porque oiço declarações sobre Schengen, PNRs, "guerra contra o terrorismo" e o mais. E temo o pior. 

Ao longo destes anos não vi a UE fazer o que a luta contra o terrorismo implicava. E implica.
Vi tremenda falta de Europa: o cada um por si, polícias consumidas em rivalidades internas, serviços de informação a fazer caixinha com os congéneres e sem meios para investir em "inteligência humana" (a francesa falhou e não foi por falta de "tuyaux" dos americanos...); magistraturas lentas, alheadas, sem meios e pouco cooperantes entre si; governos a competirem estupidamente a apaparicar - na mira de negócios de armas, outros contratos e investimento - os financiadores sauditas, qataris e turcos do dito "Estado Islâmico", ou da Al Nusra, ou de outras declinações da hidra Al Qaeda. 
Não vi investimento em programas de prevenção da radicalização de jovens e, ainda menos, de desradicalização:  pelo contrário, vejo o materialismo desenfreado, a sociedade sem valores a não ser o dinheiro (denunciada pelo Papa a quem os fanáticos da austeridade, embora se digam crentes, fazem orelhas moucas), vejo o desemprego, o desinvestimento na escolarização, no modelo social europeu, nas responsabilidades sociais dos Estados. Tudo factores que fomentam a desintegração das famílias, a marginalização e a alienação individual, que transforma demasiados jovens europeus - como os franceses perpetradores destas chacinas - em ardorosos jihado-nihilistas.

A ninguém escapa no Iraque a relação entre a tragédia de Paris e aquela que cruamente golpeia a sua martirizada população e a da vizinha Síria, mesmo antes de se saber que um dos terroristas franceses reclamou agir pelo EI ("Estado Islâmico"). 
No Curdistão iraquiano está hoje a linha da frente do combate a esta banda de cruéis e desvairados criminosos. 5000 jihadistas entraram num só dia, vindos da Turquia... e hoje controlam a região de Mossul, antes com 3 milhões de habitantes.

Passamos a 10 km do que lá chamam "Daesh" (o "Estado Islâmico") em Mahkmoud, depois a 40 km de Mossul,  na estrada para Dohuk. A caminho de visitar as comunidades yazidis e cristãs que tiveram de fugir das montanhas do Sinjar e das planícies de Ninewa, alvos de massacres e violências indescritíveis (todos choramos ao ouvir os relatos daquelas miúdas de 15 e 17 capturadas pelos jihadistas para os servir como escravas sexuais...). 

200.000 refugiados sírios e um milhão e meio de IDPs (deslocados internos) que o  Governo Regional e a população do Curdistão acolhem como podem. Enquanto nós, europeus egoístas e insensatos, fechamos fronteiras a desgraçados forçados a atirar-se ao mar, os curdos recebem refugiados e deslocados internos que representam um acréscimo de 35% da sua população (5 milhões). 
Claro que as condições são más, muito más, e só podem convencer aldeias inteiras de vítimas de perseguição e  massacres que não têm mais futuro no Iraque: todos  anseiam por emigrar para... a Europa!
A mesma Europa que não faz o suficiente, nem o que é preciso, para os ajudar a ter condições para ficar. Incluindo e antes de mais, condições de segurança - derrotar e eliminar militarmente o "Daesh" ( EI) é possível, indispensável e urgente. 
Mas, mais uma vez, falta-nos Europa - nem sequer os fornecimentos de armas aos peshmerga, que lutam no terreno, governos europeus coordenam entre si... nem sequer a ajuda humanitária que a UE presta se coordena com a que prestam alguns Estados Membros; para não falar  da coordenação da acção humanitária com ajuda de desenvolvimento (não há escolas nos campos de refugiados, que regurgitam de crianças e jovens). Nem há o imperativo  mas trabalhoso apoio político à tão necessária reconciliação intercomunitária... Quando Mossul cair, tudo se agravará com nova crise humanitária, desta vez afectando sobretudo populações sunitas.

Como nos disseram os abades de Al Qosh: "Estamos a procurar fazer sobreviver: as pessoas  e ancestrais culturas pré-islâmicas, que a Humanidade está à beira de ver eliminadas na terra onde nasceram, no próprio berço da civilização".

Ou os governos europeus acordam e fazem finalmente o que é preciso fazer, o que exige mais solidariedade e políticas internas e externas mais coordenadas, mais inteligentes e mais estratégicas   - ou seja, precisamos mesmo de mais Europa! 
Ou preparemo-nos para o pior: esta barbárie pode ainda só ter começado.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O BCE resgatará a Zona Euro do austerismo alemão?

A Europa enfrenta um grave risco de disrupção económica geral, perante a perspectiva de deflação associada a um crescimento anémico. 
Mario Draghi, Presidente do BCE, reconheceu o perigo na declaração formal que fez na passada sexta-feira, 2 de Janeiro, e numa entrevista que deu a um jornal económico alemão - o risco de deflação na Europa exige acção urgente, e por isso ele anunciou que o BCE começaria a comprar dívida pública dos Estados membros do Euro, como forma de injectar liquidez na economia europeia.
É fazer aquilo que nos Estados Unidos da América se chama "quantitative easing" e  funcionou. Foi assim que lá, onde teve origem a actual crise europeia, deram  a volta por cima da crise.  Os presságios de que uma injecção de liquidez na economia viria a provocar inflação foram desmentidos. O PIB dos EUA recuperou. A retoma do crescimento e do emprego é um facto, a economia norte-americana está muito longe do perigo de deflação gerado pelo austerismo alemão aplicado à Europa.
É da Alemanha que Draghi antecipa  resistências - o governo alemão, e sua ala austeritária mais fanática, liderada pelo ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, têm impedido uma acção estruturada e estruturante por parte do BCE e já rosnam contra as intenções de Mario Draghi, acusando-o de exceder o mandato do BCE.  
Mas para que serve um BCE cuja única missão oficial é a de "controlar a inflação" ao nível convencionado de 2%? Face ao perigo iminente, o mandato do BCE soa caricato. Um BCE sem competências e capacidade de agir contra o descalabro não serve os interesses do euro e dos 19 membros do euro (a Lituânia aderiu ao € em 1 de Janeiro). Nem serve, realmente, os interesses da Alemanha, apenas convém à narrativa da liderança míope e preconceituada da Alemanha.  A actual crise mostra como estava errado e incompleto o desenho alemão das instituições criadas para enquadrar o Euro. 
Ora, apesar dos tremendos problemas com que se debate a Zona Euro, Berlim insiste no 'diktat, continua a querer ditar as regras sobre uma moeda que pertence a 19 países-membros  e arrasta cada vez mais a Zona Euro para um beco sem saída. 
Na mesma linha arrogante e anti-democrática, Berlim volta a querer condicionar a escolha dos eleitores gregos, acenando com a saída da Grécia do Euro, se nas próximas eleições não ganhar a coligação lá do sítio que se aplicou na receita austeritária: o escândalo é tal que até a Comissão Europeia se viu forçada a lembrar que a entrada no Euro é irrevogável. 
Só por isso, eu, socialista portuguesa, aqui deixo uma declaração de incentivo ao Syriza e a Tsipras! Precisamos de alguém com coragem no Conselho Europeu para dizer que o rei vai nu e que as dívidas públicas exorbitadas pelo austerismo são impagáveis, precisam de ser renegociadas  e precisam de políticas de crescimento e emprego para que possam ser pagas.
É urgente o BCE agora agir, como se propõe Mario Draghi finalmente fazer, não apenas em defesa do Euro, mas para evitar um cenário catastrófico: a conjugação de deflação e estagnação. Por isso é fundamental apoiar Mario Draghi para vencer a obsoleta oposição alemã. Onde estão o Governo português e o Governador do Banco de Portugal, que não se ouvem? Não estão! porque nunca se ouvem na Europa, agachados e agarrados às calças da Sra. Merkel, que vende ao público alemão a patranha de que Portugal "está no bom caminho" graças a ser "bom aluno" do austerismo.
A realidade é outra, como sabemos : Portugal coleccionou nos últimos anos um rosário negro de indicadores macroecomómicos e sociais. Desemprego, quebra de rendimentos, pobreza atingiram recordes de sempre, nos últimos 3 anos. Tal como atingiram máximos de sempre os aumentos de impostos e a injustiça na sua distribuição. 2015 arranca sem nenhuma esperança fundada de melhoria dos indicadores económicos e sociais. O Governo repete a receita cega do austerismo económico e da irresponsabilidade social. Por detrás do OE 2015 escondem-se vários jogos de sombras. Na verdade, são apenas truques destinados a criar, em ano eleitoral, três tipos de convicção: que o pior já passou, que o governo salvou o país e que até o nível de vida já melhorou. Nada mais falso. Sem níveis de investimento e de crescimento suficientes, cenário mais do que provável, agora agravado pelas sombras de deflação que pairam sobre a UE - que continua a ser o maior o principal destino das exportaçóes portuguesas - 2015 será apenas mais um ano desperdiçado. 
O próximo Governo, certamente não este, terá como tarefa primordial a renegociação da dívida pública,  que aumentou brutalmente nos últimos três anos. No actual formato de  amortização, ela consome a maior parte dos recursos necessários para desenvolver o país. É preciso renegociar a dívida. Para libertar recursos para criar riqueza e podermos pagá-la. É preciso refazer as contas. É preciso negociar prazos de amortização realistas. É preciso rever taxas de juro - algumas já acima dos valores normais de mercado. É preciso termos voz na Europa, agirmos com determinação, capacidade negocial e sem dramatizações. Precisamos uma nova atitude na Europa. Sem complexos, sem subserviências, com ambição para Portugal e para a Europa. 
2015, com as eleições de Outubro e a mudança de governo, abre-nos essa oportunidade, essa esperança. 

(Transcrição da minha crónica no Conselho Superior da Antena 1, esta manhã)