segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Um pouco mais de rigor (70): Narrativa infundada

1. Variados comentadores, incluindo Marques Mendes, erigiram a suposta promessa de uma nova maternidade em Coimbra, que António Costa teria feito numa sessão de campanha eleitoral nessa cidade, em caso exemplar de abuso de promessas eleitorais pelo Governo nas eleiçoes autárquicas. Mas é um mau exemplo.

Sucede, de facto, que a construção da nova maternidade - que visa substituir as duas existentes na cidade - está decidida há muito pelo Governo e só não tem avançado por divergência, que se mantém pelo menos há três anos,  entre o Ministério da Saúde e a Câmara Municipal de Coimbra quanto à sua localização. O que Costa fez na referida sessão pública foi instar Machado, na perspetiva da sua reeleição, a superar essa divergência rapidamente, para a obra poder ser concretizada.

É de supor, aliás, que os demais investimentos públicos que o líder do PS tem referido noutros lugares também já estão previstos, nomeadamente no PRR nacional. Nem se compreenderia que o líder do partido de Governo andasse a prometer ad hoc novos investimentos públicos sem financiamento assegurado. 

A realidade não corresponde, portanto, à narrativa dos apressados comentadores políticos. 

2. A Comissão Nacional de Eleições resolveu contribuir para essa narrativa, ao aprovar uma "advertência" contra o o líder do PS (que é também primeiro-ministro) por estar alegadamente a pôr em causa a "neutralidade" dos órgãos do Estado nas disputas eleitorais, prescindindo, porém, de citar exemplos (estranhamente, a CNE não publica, como devia, as suas decisões no seu site).

Ora, não consta que alguma das intervenções de António Costa na campanha eleitoral tenha sido feita na capacidade de chefe do Governo ou que as deslocações tenham sido efetudas com meios do Estado, e seria totalmente despropositado e ilegítimo que o líder do PS, enquanto tal, visse diminuída a sua capacidade de intervenção na campanha eleitoral e de defesa das cores do seu partido, pelo facto de ser o primeiro-ministro.

Por um lado, nas eleições locais não se joga somente o ranking dos partidos políticos no poder local, visto que elas têm sempre uma leitura nacional em relação ao Governo em funções (dois governos demitiram-se em consequência de eleições locais). Por outro lado, como já aqui escrevi, AC tem toda a legitimidade para alertar os atuais candidatos ao poder local, nomeadamente os socialistas, para os novos poderes e os novos desafios que vão ter no próximo mandato, em virtude, respetivamente, da lei da descentralização e do PRR.

Em suma, a CNE não tem razão e interferiu indevidamente na campanha eleitoral, desrespeitando, ela sim, o dever qualificado de imparcialidade que se lhe impõe em relação às forças políticas em disputa nas eleições...

sábado, 18 de setembro de 2021

Estado social (9): "Aumento brutal" da despesa

1. A informação do Ministério da Educação de que a despesa por aluno da escola pública (ensino básico e secundário) cresceu 30% desde 2015 não deixa de suscitar inquietação, mesmo para quem defende (como é o caso desta tribuna) um Estado social robusto, assim como a importância crucial da educação para o nível de vida e para o desempenho económico. 

Com efeito, parecendo evidente que o grande fator foi o aumento da despesa com pessoal docente e outro -  sobretudo em consequência da precipitada redução do tempo de trabalho da função pública para as 35 horas, do fim do congelamento da carreira docente (sem ser acompanhado da necessária revisão do sistema de avaliação de desempenho) e de um reforço geral do pessoal das escolas (apesar da redução da população escolar) -, justifica-se saber se essa maior despesa se traduziu em ganhos de desempenho e de qualidade da escola pública, condição essencial para travar a drenagem de alunos para as escolas privadas, sem o que ela pode vir a tornar-se o destino de quem não tem recursos para frequentar o ensino privado.

Ora, o pior inimigo do Estado social é o descontrolo do seu financiamento.

2. É certo que o Ministério das Finanças continua a inscrever regularmente nos orçamentos anuais a ideia de avançar com uma spending review, ou seja, análise da despesa pública, sob ponto de vista da sua justificação, racionalidade e eficiência na realização das respetivas de políticas públicas. 

Todavia, como recorda o Conselho de Finanças Públicas na sua recente atualização das perspetivas económicas e financeiras para 2021-2025, tal objetivo tem ficado no essencial por concretizar. Ora, sem tal exame, a despesa pública tende a crescer desmesuradamente, sem beneficiar dos ganhos de eficiência que uma melhor gestão e um melhor desempenho dos serviços públicos pode proporcionar

3. Nos próximos anos o maná financeiro do PRR financiado pela UE pode dar a ilusão de que não há limites para a despesa pública. Mas o aumento da despesa pública estrutural, sobretudo com remunerações e pensões, é por definição permanente, permanecendo depois de aquele se esgotar. Então, somente o aumento de impostos e a redução da despesa de investimento pode cobrir aqueles gastos, com os previsíveis efeitos nefastos sobre o desempenho económico do País, a contração da receita fiscal e a consequente dificuldade em financiar a despesa pública estrutural. 

É por isso que em tempos de "vacas gordas" financeiras, como os que aí vêm, o desleixo na vigilância sobre a despesa pública pode ser um perigo para o próprio Estado social num futuro não muito longínquo.

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Unten den Linden (1): O puzzle governativo alemão

1. Tudo indica que as próximas eleições parlamentares na Alemanha  - previsivelmente ganhas pelo PSD, segundo todas as sondagens - vão gerar um problema bicudo quanto à possível coligação governamental delas emergente, excluindo à partida um governo minoritário.

Segundo uma sondagem referida AQUI, nenhuma das possíveis soluções governativas (excluindo obviamente a extrema-direita) obtém aprovação na opinião da maioria dos alemães. Mas a que suscita menos rejeição é a dos social-democratas do SPD com os Verdes e Liberais (FDP), enquanto que a que colhe maior hostilidade é a coligação das esquerdas, ou seja, SPD + Verdes + Esquerda, obviamente por causa da inclusão desta última. 

Se eu fosse alemão, compartilharia destas posições.

2. Trata-se, portanto, de uma difícil equação política a resolver por Scholz (caso se confirme a sua vitória eleitoral), o qual, embora não tendo nenhuma simpatia pela solução "vermelho-verde-vermelho" - por isso,  assaz improvável -, sabe bem a dificuldade que vai ter em harmonizar Verdes e Liberais numa solução governativa coerente, dadas as óbvias divergências programáticas entre eles (ambiente, integração europeia, comércio externo, etc.).  

Em todo o caso, tudo indica que não vamos ter novo Governo em Berlim a curto prazo e que a chancelerina Merkel vai ter de manter-se em funções de gestão durante mais tempo do que gostaria, depois de quatro mandatos governativos sucessivos. Dado o peso da Alemanha na UE, todos nós, europeus, estamos interessados na solução.  A aguardar...

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Assim vai a política (8): Intrumentalizar a UE

1. Não faz nenhum sentido esta crítica do eurodeputado Paulo Rangel, em pleno Parlamento Europeu, contra um alegado aproveitamento político do Plano de Recuperação da UE por António Costa na campanha eleitoral autárquica em curso em Portugal.

De facto, AC tem quatro boas razões para invocar o PRR: (i) o Governo português esteve na primeira linha do projeto de lançamento deste fundo; (ii) é mérito seu que o PRR português tenha sido dos primeiros a ser aprovados em Bruxelas e que o financiamento tenha já começado a ser recebido; (iii) as autarquias locais vão ter um importante papel na implementação do PRR, em especial no âmbito das novas competências de que os municípios vão passar  a dispor, em virtude da descentralização de tarefas, em que AC se empenhou,  que entra em vigor para todos os municípios no próximo ano; (iv) pelo menos nos próximos dois anos, incumbe ao Governo socialista velar pela boa execução do PRR, incluindo na parte que cabe aos municípios. 

Justifica-se, por isso, plenamente mobilizar os municípios e os novos autarcas agora eleitos para os novos meios de que vão dispor e para as novas responsabilidades que vão assumir. 

2. É evidente que Rangel não espera que a sua crítica, de tão carecida de fundamento, encontre o mínimo eco no PE ou na Comissão Europeia, parecendo óbvio que ele não falou para o auditório europeu, mas sim para o auditório nacional  do PSD, procurando reforçar a sua posição como challenger do poder no seu partido, na perspetiva da próxima disputa pela liderança "laranja", provavelmente precipitada por mais uma pesada derrota eleitoral do PSD.

O certo é que, nesta ocorrência, não é António Costa, mas sim o próprio Rangel que está a instrumentalizar as instituições europeias para fins de política partidária interna.

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Lisbon first (25): Lamentável

1. Lamentável e despropositado é o parecer do Tribunal Constitucional justificando a sua oposição à mudança da sede do Tribunal para fora de Lisboa (concretamente para Coimbra, que, aliás, foi a primeira capital de Portugal...), o que consideram "desprestigiante". 

Assaz desprestigiante, porém, é a opinião de que o prestígio institucional do Tribunal depende de estar sediado na capital (e não somente da qualidade e autoridade das suas decisões), quando é certo que prestigiadíssimos tribunais constitucionais estrangeiros - como os da Alemanha e da África do Sul - têm a sua sede fora da capital dos seus países!

2. Aliás, sendo a principal função do TC a de controlar a conformidade constitucional da ação do poder político, convém mesmo que haja algum distanciamento em relação à localização deste. 

A proximidade institucional e pessoal do poder político corre o risco de criar cumplicidades, sendo de suspeitar que a oposição do Tribunal à saída da capital tenha menos a ver com o seu alegado prestígio (que em nada seria beliscado) do que com o próprio status pessoal dos seus membros como convivas da elite do poder central nacional. "Portugal é Lisboa e o resto é paisagem" - reza o atavismo centralista entre nós...

Em todo o caso, entre os muitos poderes constitucionais e legais do Tribunal não consta o de determinar a sua própria localização, nem de vetar o que o poder legislativo houver por bem decidir soberanamente a esse respeito.

Adenda (17/9) 
A aprovação parlamentar, hoje, em primeira votação, da deslocação do Tribunal Constitucional para fora de Lisboa, concretamente para Coimbra, constitui - a não ficar pelo caminho, pois precisa de maioria absoluta na votação final - a primeira grande derrogação da concentração das instituições nacionais em Lisboa, implantada com a instauração da monarquia absoluta a partir do século XVI e que nem a monarquia constitucional nem a I República (nem obviamente a Ditadura do chamado Estado Novo) pensaram em reverter. 
Basta isso para ser saudada!

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

+ Europa (57): Boa conjunção astral

No seu último número, a revista britânica The Economist especula sobre uma possível conjunção astral no governo da União Europeia, se na Alemanha os social-democratas de Scholtz vencerem as próximas eleições parlamentares (como as sondagens indicam), se no ano que vem Macron conseguir renovar o seu mandato presidencial na França e se na Itália Draghi tiver consolidado o seu Governo, contra a tradicional instabilidade e incapacidade italiana para adotar reformas.

Com efeito, teríamos os governos das três maiores potências da UE, agora libertas do travão britânico, essencialmente alinhadas em três vetores fundamentais de reforma da União (para além do seu alinhamento quanto à "economia social de mercado", fundamento da constituição económica e social comunitária): revisão das regras orçamentais a respeitar pelos Estados-membros e sobre o financiamento da União, aprofundamento da integração europeia e "autonomia estratégica" da União no plano internacional. 

Seria, sem dúvida, uma excelente conjunção astral! A superação em curso da pandemia e da crise económica e social que a acompanhou, assim como o impacto positivo do ambicioso plano de recuperação financiado pela União, podem ser uma boa ajuda à sua concretização.

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Jorge Sampaio (1939-2021): A República perde um dos seus melhores

Homem de valores e de convicções humanistas e progressistas, culto, tolerante, paciente, emotivo, politicamente corajoso quando necessário, Jorge Sampaio emprestou competência, elevação, dignidade e dedicação republicana à causa pública a todas as missões políticas em que se empenhou ao longo da vida, desde dirigente estudantil contra a ditadura, passando pelo militante e dirigente partidário, pela presidência da CM de Lisboa, pela Presidência da República, pelas várias causas humanitárias internacionais a que se dedicou depois de deixar Belém. 

Uma vida cheia e bem-sucedida.

A República perde um dos seus melhores. Ele merece o nosso reconhecimento.

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

O que o Presidente não deve fazer (28): O "comentador-mor do Reino"

1. Estas duas opiniões de dois credenciados comentadores políticos (AQUI e AQUI), ambas assaz críticas (e justificadamente o são) da última incursão presidencial no seu papel de compulsivo comentador político - que mais uma vez fez manchete no Expresso, canal habitual das opiniões inoficiais de Belém - mostram que deixei de estar sozinho na tarefa de expor e criticar os excessos de MRS. Ainda bem!

Na verdade, considero incompatível com a função presidencial o papel  adicional de comentador político - sem precedente entre nós e sem paralelo noutras repúblicas não presidencialistas -, sobretudo quando os comentários versam sobre a vida interna ou as orientações dos partidos, no Governo ou na oposição, e quando visam influenciá-las, como é evidente neste caso. 

Não cabe ao Presidente enveredar pela especulação ou pela intriga político-partidária. O PR deve pautar-se pela discrição e pela imparcialidade em matéria partidária.

2. Acresce que, em qualquer caso, quando deseje tornar conhecidas as suas opiniões políticas, o PR as deve assumir plenamente perante o público em declarações on the record, em vez do recurso ao velho truque da sua transmissão por uma suposta fonte não identificada ("fonte de Belém", "colaboradores do Presidente", etc.), o que não honra nem o comentador nem o veículo por ele privilegiado (é disso que se trata).

Parecendo evidente que nesta missão o Expresso não passa de "ventríloquo" direto de Belém, de duas uma: ou o semanário imputa as opiniões presidenciais diretamente a declarações expressas da seu real fonte, ou identifica a sua suposta fonte intermediária em Belém. De facto, a deontologia jornalística exclui fontes anónimas em matéria de opinião. 

Nem MRS nem o semanário saem bem nesta fotografia, aliás demasiadas vezes encenada.

Outras causas (4): O meu café

 Do meu Facebook, não aberto ao público:



terça-feira, 7 de setembro de 2021

Bicentenário da Revolução Liberal (34): Ferreira Borges

Acaba de ser publicado o último volume da trilogia sobre a Revolução Liberal de que sou coautor (junto com José Domingues), desta vez dedicado à vida e obra política de José Ferreira Borges, eminente protagonista da Revolução: cofundador do Sinédrio, estratego operacional da sublevação de 24 de agosto, membro do governo provisório, deputado às Cortes Constituintes. 

O livro vem colmatar uma importante lacuna historiográfica, pois, além de recuperar a biografia política de FB - desde o vintismo (1820-23), passando pela adesão ao cartismo (1826), a luta contra a usurpação miguelista (1828-32) e a rejeição do setembrismo (1836) -, colige e analisa os seus principais escritos políticos e político-constitucionais até ao fim prematuro da sua vida em 1838. 

Sem paralelo em nenhum outro revolucionário vintista, a vida e obra de Ferreira Borges testemunha não somente o atribulado e penoso processo de implantação do constitucionalismo liberal em Portugal, mas também a coragem, o denodo e a persistência dos que lhe deram origem.

Praça da República (54): Alhos e bugalhos

Segundo esta notícia, há bancos que pretendem invocar o recente Acórdão do Tribunal Constitucional - sobre a necessidade de autorização judicial para o acesso à correspondência (postal e eletrónica) na investigação do chamado cibercrime - para impugnarem a pesada coima com que foram punidos pela Autoridade da Concorrência, alegadamente com base justamente no correio eletrónico dos bancos em causa.

Mas é evidente que os advogados dos bancos fingem esquecer duas diferenças essenciais: 

- primeiro, a correspondência das empresas não goza da proteção constitucional da correspondência pessoal;

- segundo, a investigação e a punição das contraordenações (que não são punidas com prisão) não estão sujeitas aos constrangimentos constitucionais do processo penal.

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Stars and Stripes (7): A herança trumpista


1.
Trump foi derrotado nas eleições presidenciais e a direita trumpista perdeu o poder, na Casa Branca e no Capitólio. Mas não no Supremo Tribunal (na imagem) - que também exerce as funções de tribunal constitucional -, onde Trump conseguiu consolidar uma maioria de juízes de direita conservadora (melhor dizendo: reacionária).

O Supremo Tribunal acaba de assestar um profundo golpe num dos pilares da jurisprudência constitucional liberal nos Estados Unidos, a histórica decisão Roe v Wade, de 1973, que reconheceu às mulheres americanas o direito de aborto até à data da "viablidade fetal" (6 meses de gestação). Agora, embora sem se pronunciar diretamente sobre a constitucionalidade da lei, o Supremo Tribunal invocou razões processuais para não impedir a entrada em vigor de uma lei do Texas que proíbe o aborto em qualquer caso para além das seis semanas, tornando-o muito mais difícil, se não inviável, em muitos casos, passando a ser de longe a lei mais restritiva nos Estados Unidos. 

2. Com esta decisão, outros estados de maioria republicana vão sentir-se encorajados para adotar leis semelhantes e não tardará o momento em que há de chegar ao Tribunal a impugnação das leis do aborto dos estados mais liberais, havendo o risco de reverter definitivamente a decisão de 1973, objetivo último da direita evangélica e dos movimentos pro life, que pautam a ideologia iliberal em matéria de aborto nos Estados Unidos.

Para piorar as coisas, são escassas as possibilidades de alterar a composição política do Tribunal, visto que os juízes são vitalícios e os magistrados de direita são na sua maioria relativamente jovens.

Uma pesada, e duradoura, herança trumpista.

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Não concordo (21): Contra a corrente

1. Parece que sou a única pessoa a não aplaudir o recente acórdão do Tribunal Constitucional que se pronunciou pela inconstitucionalidade de uma alteração aprovada no Parlamento à chamada lei do cibercrime, a qual vinha permitir a apreensão de correio eletrónico por decisão do Ministério Público, porém sujeita a posterior validação do juiz. 
De facto, a conclusão da inconstitucionalidade parece-me assaz formalista

2. Não estando em causa nem a possibilidade de apreensão do correio eletrónico nem a necessidade de intervenção judicial, não vejo qual é a diferença substancial, sob o ponto de vista da proteção dos direitos fundamentais em causa, entre a apreensão do correio eletrónico "suspeito" ser logo determinada pelo MP (para assegurar a sua preservação) e depois sujeita a validação (ou não) pelo juiz e o caso de o MP solicitar previamente ao juiz autorização para apreender o correio previamente identificado por aquele e só depois proceder à sua apreensão (se ele ainda existir...). 
Mesmo no primeiro caso, a apreensão só subsiste e se torna processualmente relevante se houver validação judicial, não havendo nenhuma consequência se o juiz a desautorizar. O nº 4 do art. 34º da CRP, que autoriza tal restrição do sigilo da correspondência em processo penal, não refere nenhuma reserva de autorização judicial... 

3. Ora, o excesso de garantismo processual desequilibra o necessário compromisso entre a eficácia punitiva do processo penal e as liberdades individuais, podendo pôr em risco a obrigação punitiva do Estado e gerar a descrença social nas instituições penais, um dos alimentos preferidos do populismo político, sobretudo quanto estão em causa crimes da gravidade destes.

Note-se que mesmo a privação da liberdade para efeitos penais, que afeta o próprio direito à liberdade, pode ocorrer sem prévia decisão judicial (caso da detenção em flagrante delito e da detenção para interrogatório), o que só ocorre posteriormente. Não se vê porque é que o sigilo de correspondência há de merecer mais exigente proteção processual.

Sim, mas... (4): Quando tudo corre de feição

1. Dificilmente as coisas poderiam correr melhor para o PS e o seu governo: a grande pandemia controlada, retoma económica em bom ritmo, crescimento do emprego, cornucópia dos fundos europeus a chegar, PSD sem rumo e fragmentação da direita, extrema-esquerda conformada. Nenhuma nuvem no horizonte. 

As sondagens eleitorais refletem essa condições favoráveis. O recente congresso partidário exprimiu esse estado de bem-aventurança política.

2. E, no entanto, as condições e perspetivas favoráveis não deviam fazer esquecer os problemas estruturais do país, nomeadamente o défice de competitividade económica, a excessiva dívida pública, a desigualdade social, a ineficiência da Administração pública, a concentração de recursos em Lisboa e as assimetrias regionais, o risco demográfico, o desafio climático, etc.

Sintomaticamente, no autocongratulatório congresso do PS mal se ouviu falar destes temas.

Stars and Stripes (6): Uma mudança estratégica

Penso que foi uma decisão acertada a retirada americana do Afeganistão, que se tinha tornado há muito um atoleiro sem solução à vista e, para mais, dispendioso. Os Estados Unidos têm novos desafios estratégicos em que empenhar os seus recursos políticos, nomeadamente a competição com a China.

Se há uma lição a tirar, é a de que não compete a nenhuma potência impor a outro país manu militari um regime político ou um modo de vida