Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
terça-feira, 31 de agosto de 2004
O mistério das 5 Ribeiras
Note-se que vivi 18 anos na Terceira, e nunca fui às 5 Ribeiras. Tinha uma ideia, apenas, do sítio onde ficava a localidade. Tenho a certeza que não a visitei porque, até aos 14 anos, a minha família não teve carro. Depois disso, suponho que não fui às 5, como se diz na ilha, porque os meus pais sempre foram caseiros até à medula e eu um menino da mamã à moda antiga.
Depois, com os 18 anos, carta de condução e carro para conduzir nas férias, acostumei-me à estranha ideia de que não deveria procurar as 5. Nem quando os amigos telefonavam a dizer que lá iam apanhar sol, comer, nadar, dizia que não - que preferia outras zonas balneares como a Silveira ou o Negrito.
Apenas este Verão, depois de 27 anos a alimentar o mistério das 5 Ribeiras, decidi ir jantar com os amigos de sempre ao sítio mítico da minha infância e adolescência. Foi quando eles souberam, com natural espanto, que se tratava da minha primeira vez lá. Um restaurante magnífico, uma esplanada sobre o mar, um pequeno farol, as falésias e o porto, a esplêndida vista de São Jorge e a água quente levaram-me então a passar grande parte do resto das férias nas 5. Na terra e no mar, onde mergulhei ao largo da costa à procura de golfinhos e dei os primeiros passos no ski aquático.
Percebi o porquê da misteriosa ausência das 5 Ribeiras no roteiro dos meus afectos terceirenses.
Julgo que se tratou de uma ilha dentro da ilha que guardei para o fim.
E como partilhei a descoberta com os meus amigos de "casa", é a eles que dedico este post de regresso a Lisboa. Para onde juntos viemos aprender a vida e as disciplinas necessárias para obter os canudos, e donde alguns de nós vão partindo de regresso à Ilha mãe e às pequenas ilhas que cada um guardou para si, algures entre a infância e a maioridade, no coração do Atlântico.
Um abraço do Luís
Maria Elisa
O inacreditável caso dos juízes de turno
Luís Nazaré
O caso das cassetes
Aliás, achei o despacho digno de uma ditadura sul-americana. Na minha modesta opinião, não pode ser prática, num estado de Direito, que se proíba a publicação do que quer que seja. Admito excepções para assuntos referente à vida particular de pessoas, que possam pôr em causa o seu bom nome. Os meios de comunicação devem saber as leis por que se regem, e, caso as infrinjam, devem ser responsabilizados por isso. Não cabe aos tribunais exercer qualquer forma de censura, nem que seja por meio de providências cautelares.
Sou um leigo em Direito, estarei eventualmente a avaliar mal a situação. Mas como vivi bastantes anos ainda sob a ditadura, e sei o que é viver com censura, receio que decisões destas se tornem regra e venham a ser utilizadas para impedir os cidadãos de tomarem conhecimento de assuntos que afectam a vida democrática.
Acho que deveria haver por parte dos profissionais da informação uma veemente tomada de posição contra tal medida.»
(Carlos Brighton)
O caso do barco holandês
Dois barcos de guerra (quanto custa) a guardar um barco que talvez cometesse um crime; parece-me que estamos cada vez mais próximos dos processos de intenções do tempo da outra senhora, ou então qualquer dia andamos todos vestidos de amarelo por decreto.
Ter um ministro do mar que faz das forças armadas guardas da sua opinião(...) não me parece democrático,e,muito menos o silencio do PR (será que existe ?).»
(João Costa)
Segurança alimentar ... mas em Bruxelas
Mas o sistema Europeu, que se pretende exemplar ao nível mundial, passa em grande medida pelo funcionamento da rede de agências nacionais e, naturalmente, pela eficiência de cada uma delas. Ora, no que nos diz respeito, a Agência não está a funcionar em pleno e os mecanismos de rastreabilidade que permitem exercer os devidos controlos deixam muito a desejar. A Proteste, no último número, mostra, por exemplo, a enorme deficiência da rotulagem da carne na maioria dos talhos visitados.
Congelada por este Governo, a política do consumidor irá algum dia regressar?
Maria Manuel Leitão Marques
Gasóleo profissional, ainda
(...)A diminuição da carga fiscal e convergência da fiscalidade automóvel na sua aquisição e a sua transferência para a utilização, nos termos em que a Comissão Europeia tem vindo a preconizar, irá traduzir-se num significativo agravamento do preço dos combustíveis, única forma de a nova estruturação da tributação vir a ser tendencialmente proporcional à utilização das infraestruturas e às emissões poluentes. A preconizada transferência da referida carga fiscal (muito elevada, quase exclusivamente, no caso dos automóveis ligeiros de passageiros e categorias afins), dever-lo-á ser para a utilização dos mesmos, e não para os pesados de mercadorias, pesados de passageiros e de utilizações afins. Ainda que as elevadas performances do gasóleo hoje comercializado não tenha vantagens reais na maioria dos transportes de longo curso, a curto prazo não se justifica ter-mos dois produtos no mercado, sendo a solução já referida a que garante no imediato o adequado preço, a fiscalização do direito ao mesmo, com fugas desprezáveis, e a imediata adopção de uma mais justa fiscalidade dos combustíveis para os sectores do transporte de mercadorias e transporte colectivo de passageiros, como há muito foi feito para outros sectores, como nomeadamente o da agricultura, pescas e transporte ferroviário.
(...)Convém esclarecer que, sobre a questão da subsidiação cruzada, actualmente quando a circular a gasolina, sinto-me indubitavelmente a subsidiar o parceiro, que circula a diesel no seu automóvel, já não me sentindo, contudo, a subsidiar o autocarro de passageiros por quem passo. (...)»
(Manuel Rui Santos)
Uma baixa
O João Tunes encerrou o Bota Acima. É pena. Era um belo blogue, incluindo pelas imagens e pelas fotografias do autor. Estava na nossa lista de preferências (coluna ao lado) e trocámos oportunamente algumas opiniões. Não vamos retirá-lo imediatamente da lista. Quem sabe se o João não reconsidera...
(Pode aceder directamente ao blogue clicando sobre a iamgem.)
O futebol global
Há muito, desde os gloriosos tempos do Benfica do Eusébio, que é conhecida a capacidade do futebol para ultrapassar as fronteiras nacionais. Mas encontrar no interior de uma ilha da Indonésia, no meio de campos de arroz, um jovem camponês de 18 anos, que não sabia apenas o nome dos jogadores do Euro, coisa vulgar por esses lados, mas também de vários outros, do FC do Porto ao Boavista, confesso que me deixou sem palavras.
Maria Manuel Leitão Marques
Uma nova ferramenta
segunda-feira, 30 de agosto de 2004
"Soberania nacional"?! (2)
A pergunta de Ana Gomes num post precedente tem plena razão de ser: qual a posição do Presidente da República sobre esta leviana invocação da soberania nacional e sobre o abuso da utilização das forças armadas nesta operação?
"Soberania nacional"?!
Esta parceria governamental Santana-Portas não tardou em fazer das suas!
"Women on Waves"
Sabe que todos os dias as instituições do poder, seja por acção de membros do governo, seja pela simples arbitrariedade de funcionários, cometem acções que são ilegais que não se conseguem inverter sem o ónus de ter que apresentar queixa em tribunal administrativo. São afirmações de poder, às vezes de pouca importância, mas que nos torturam sistematicamente, e que têm o condão de me irritar com veemência porque são gratuitas, ilegítimas e não têm outro sentido do que mostrar "que se manda".
Eu não sei se o caso do barco é um desses casos, mas desconfio que sim e só os juristas podem esclarecê-lo. Sinto-me mal ao ser visto na Europa com os mesmos olhos com que olhado antes do 25 de Abril: uns tristes desgraçados que vivem na Idade Média.»
(Henrique Jorge)
domingo, 29 de agosto de 2004
Portugal vence olímpiadas da hipocrisia
Nem a Irlanda, nem a Polónia tiveram coragem de proibir o navio holandês «Women on Waves» de entrar nos seus portos. Mas aqui puseram-se de prevenção capitanias, a Marinha e a Força Aérea, tocou-se a rebate para beatas e fundamentalistas da direita, e sobretudo mobilizaram-se os escribas para fazerem constar que está pronta a partir em direcção à esquadra invasora uma armada de fragatas, corvetas, patrulhões, futuros submarinos, helicópteros, homens-rãs, todos ungidos pela Virgem do «Prestige», de canhões oleados e fervor patriótico em riste. Comandados pelo destemido Ministro da Defesa e dos Assuntos do Mar, Paulo Portas. Que, modesto - como convém aos heróis - se dispensa de aparecer. Fez avançar um jovem Secretário de Estado para explicar que a proibição da entrada da esquadra invasora vinha das «competentes autoridades portuárias e marítimas» (que, como a Virgem, parece também engravidarem de decisões destas sem ser fecundadas pelo Governo). Entre perdigotos, o SE frisou que não está em causa a moral, mas a legalidade e a saúde pública - as holandesas vinham para aí achincalhar-nos a Constituição e até, talvez, o PGR, além de nos pregarem vírus terríveis para nos dizimar a raça.
Claro que se a moral pública estivesse em causa, o heróico Ministro Portas não hesitaria em dar corpo e cara, na dianteira contra a esquadra invasora. Dizem que até já fez o reconhecimento do Parque Eduardo VII, jardins de Belém e outros pontos do país suspeitos de serem instrumentais para actos de pedofilia, decerto antecipando ter de mandar tropas, aviões e submarinos para defender a moral pública se o julgamento do caso Casa Pia confirmar os mais alarmantes rumores.
Mas, neste caso, estão apenas em causa a legalidade e a saúde pública: uma lei que nunca foi cumprida nem respeitada, mas que é essencial para defender a saúde da indústria do aborto clandestino e para dar trabalho a agentes da PJ e do MP, que em vez de perderem tempo atrás de traficantes de droga, criminosos vários e empresários que fogem ao fisco e defraudam o Estado, se esfalfam a perseguir cidadãs que não podem ir abortar a Badajoz ou Vigo ou pagar os preços das respeitáveis clínicas de aborto «espontâneo» que para aí pululam.
Com estas diferenciações semânticas, Santana e Portas pretendem mostrar que fazem o que podem, mas mais não podem: a culpa não é deles, mas sim dos malandros desses agentes do Estado, que deviam fazer funcionar essas «autoridades competentes», que deveriam intervir. Portas e Santana agem assim apenas para consumo (mínimo) da sua base de apoio na orla da Opus Dei. Para a da Copus Night, a música é outra - e é ver o CDS até já a admitir mudar a lei!
Na realidade, temos de agradecer a Santana e Portas: - ninguém daria muito pelo «Women on Waves», em Portugal e lá fora, se o Governo não reagisse assim (Durão Barroso nunca cairia em deixar Portas à solta nesta, mesmo que não tivesse Bruxelas no horizonte). Ao «barco do aborto» iriam sobretudo mulheres sem medo de dar a cara na luta pela legalização da IGV. As outras, as que verdadeiramente necessitam, sentir-se-iam intimidadas. Mas, agora, temos muito pano para mangas, para prolongar e aprofundar o debate político na sociedade portuguesa, e até para meter Bruxelas ao barulho.
Cá dentro, cada dia ficará mais claro que os Drs. Portas e Santana se estão nas tintas para a saúde pública, para a legalidade e para os «princípios de defesa da vida» que apregoam defender - a menos que posicionem desde já batalhões de policias e ginecologistas a investigar toda e qualquer mulher em idade fértil que saia as fronteiras nacionais e que ordenem às alfândegas que apreendam todos os frascos de pílulas que encontrem na bagagem de quem venha de fora. Internacionalmente, graças a Paulo Portas, campeão da duplicidade, temos Portugal no pódio das olimpíadas da hipocrisia e da violação dos direitos das mulheres.
PS - A propósito, o Presidente Sampaio foi ouvido e concordou com a proibição, ou já não é preciso passar-lhe cartão, nem sequer adoçar-lhe a pílula?
Ana Gomes
Ainda o "gasóleo profissional"
Na actualidade, o Estado "subsidia" fiscalmente todos aqueles que usam gasóleo, os quais são, na sua maior parte, hoje em dia, automóveis ligeiros vulgares. Num cenário de "gasóleo profissional", o Estado passaria a "subsidiar" fiscalmente apenas os profissionais (i.e. os transportadores de mercadorias e passageiros), o que seria benéfico, pois que constituiria uma diminuição da "subsidiação".
E seguiria as recomendações da Comissão Europeia. Que, até agora, só foram seguidas (que eu saiba) pelo Reino Unido.
O fim do subsídio ao gasóleo para não-profissionais teria imensos benefícios ambientais, dado que os motores diesel actuais são bastante mais poluentes que os motores a gasolina. (...)
(Luís Lavoura)
Comentário
1. Não me pronunciei contra a equiparação fiscal do gasóleo e da gasolina, pondo fim ao actual regime favorável ao primeiro (embora julgue, contra o afirmado nesta carta, que actualmente o gasóleo, além de mais eficiente, é menos poluente do que a gasolina no que respeita à emissão de dióxido de carbono...).
2. Parece-me que a Comissão Europeia não propõe um tratamento privilegiado para o gasóleo para fins comerciais (vulgo "gasóleo profissional"), embora o admita. Ela propõe, sim, a harmonização comunitária dos impostos sobre o gasóleo para fins profissionais, pondo termo às diferenças nacionais, e que o gasóleo para outros fins e a gasolina não gozem de impostos mais baixos do que o gasóleo para fins profissionais.
3. Continuo sem perceber as razões a favor do regime fiscalmente mais favorável para o gasóleo para fins comerciais, nomeadamente as empresas transportadoras. Também não existe um regime fiscal mais favorável para a "electricidade profissional", nem para o "gás profissional", etc.
4. Em matéria de transportes, se algo deve ser objecto de discriminação positiva são os transportes ferroviários, bastante mais amigos do ambiente do que os rodoviários.
5. Sou favorável a uma alta fiscalidade dos combustíveis, por várias razões: receitas públicas, promoção da poupança e da eficiência energética, compensação dos bens públicos utilizados (desgaste das infra-estruturas rodoviárias) e sobretudo contrapartida das suas elevadas "externalidades negativas", sobretudo em matéria ambiental (emissões poluentes, ruído, etc.).
sexta-feira, 27 de agosto de 2004
"Gasóleo profissional"
(...) Não tenho qualquer dúvida, que mais dia menos dia, do mesmo modo que, nos remotos tempos do António Carlos Santos, houve a necessária autorização europeia e foi possível dar os difíceis passos, que originaram as isenções para o gasóleo para a agricultura, as pescas e o gasóleo ferroviário e o aquecimento (!), teremos a coragem política, pois a autorização já existe, e desde a mesma altura, que remonta há quase dez anos, para pôr todos os automóveis particulares a andar a gasolina ou a gasóleo com o mesmo PVP, e os transportes de mercadorias e colectivos de passageiros e similares, com maiores ou menores isenções fiscais, após uma inevitável fase de transição.
O tempo em que o gasóleo era para os camiões e os táxis e pouco mais, e fazia sentido a subsidiação cruzada com o preço da gasolina já lá vai.
Hoje os topos de gama, das mais variadas marcas, mais vendidos, são diesel. A dieselização do parque europeu é um facto comercial por razões técnicas e fiscais anómalas, mas temos o custo de produção por litro de gasóleo, inclusivé por vezes mais caro do que o da gasolina, temos actualmente enorme excesso de produção de gasolina, exportada todas as semanas, já refinada, para os Estados Unidos, não implementamos em Portugal o biodiesel com a prioridade que se impõe há muito, etc, etc.
(...) Gasóleo Profissional sim, e a sua implementação técnica não tem hoje qualquer dificuldade, podendo ser a mera adaptação informática, por via das petrolíferas, de um regime de plafonds por utilizador, equivalente ao que se implementou há vários anos, relativamente ao gasóleo para a pesca costeira. Saliente-se que de forma similar, à sua interligação com o pescado entregue em Lota por barco, que teve imenso impacto, um plafond para o gasóleo profissional ligado ao histórico das respectivas declarações de IRC poderá ter um significativo e indirecto impacto fiscal.»
(Manuel Rui Santos, Póvoa de Varzim)
Alegre e Sócrates...
O flagelo Bush
Economia de mercado...
Como era de temer...
É evidente que um dos grandes responsáveis por essa oneração dos consumidores está na recusa de muitos médicos -- aliás apoiados pela respectiva Ordem! -- em receitar genéricos ou em aceitar a troca dos medicamentos receitados por genéricos, se o doente o desejar. Mas essa resistência só é possível porque a lei prescindiu de impor aos médicos a prescrição exclusivamente pela denominação técnica do fármaco (e não pela sua marca comercial), permitindo-lhes, pelo contrário, recusar a troca por genéricos equivalentes, mesmo nas prescrições de medicamentos participados pelo Estado. Como este não paga mais por isso, quem suporta a factura adicional pelos medicamentos de marca são os pacientes, como agora se vem comprovar.
Pólis
O Programa Pólis foi uma oportuna iniciativa do então ministro José Sócrates, no primeiro governo de Guterres, para o financiamento de projectos de qualificação urbana de um bom número de cidades, disponibilizando dinheiros comunitários e do orçamento do Estado para a sua realização. Era também uma forma de compensar muitas cidades de média e pequena dimensão pelos tradicionais privilégios de Lisboa e do Porto no que respeita à realização de infra-estruturas por conta do Estado, que são uma das principais razões do persistente assimetria territorial no desenvolvimento do País.
Com a mudança de Governo em 2002, o referido programa sofreu atrasos na maior parte das cidades beneficiárias. O anúncio de há dias relativo à “"reprogramação”", ou seja, adiamento, de muitos dos projectos vem pôr em causa as expectativas criadas pelo Pólis nas cidades abrangidas. Em matéria de coesão e justiça territorial, não há mal que não ocorra. (Na foto, obras do programna Pólis de Coimbra, até agora executado só em pequena parte, um dos abrangidos pelas medidas de reprogramação...).
(Pode ver a foto em tamanho maior clicando sobre ela.)
quinta-feira, 26 de agosto de 2004
Ideias e propostas não faltam
Eis um tema para o Causa Nossa nas próximas semanas.
Cremações
Segundo um estudo do Credoc, recentemente publicado em França, os europeus optam cada vez mais pela cremação, tornando mais íntima e discreta, bem como laica, a cerimónia relacionada com a morte.
Pelo contrário, a cremação hindu, no ritual balinês (uma combinação não dogmática da tradição hindu de Shiva com a budista), é profundamente religiosa e nada tem de privado ou de discreto. A ocasião é solene e pública, envolvendo toda a comunidade. É o mais importante rito de passagem que a família pode proporcionar ao falecido e é também dispendiosa, de tal modo que se chegam a fazer enterros provisórios, aguardando a ocasião em que estão reunidos os recursos financeiros suficientes para organizar a função, que é hoje muitas vezes colectiva, pela mesma ordem de motivos.
Em Ubud, no centro da ilha de Bali, tive ocasião de assistir a uma dessas cerimónias. Talvez uma das mais grandiosas dos últimos anos, visto que se reunia a cremação de uma princesa, a última filha do antigo rei do Ubud, e da sua cunhada, com a de mais quarenta e dois cidadãos da região. A cremação da velha princesa foi antecedida de procissões e no dia próprio fez atrair à cidade milhares de pessoas, mobilizando outras tantas para os diversos rituais que decorreram desde a manhã. Carregado pela rua fora, numa torre de madeira de onze andares, simbolizando o universo, o corpo foi depois solenemente cremado num grande sarcófago em forma de touro (o animal é o meio de transporte da alma para a montanha sagrada), rica e coloridamente enfeitado. Antes, porém, belíssimos sarongs (o traje tradicional balinês), óleos, perfumes e outras oferendas foram colocados lenta e cuidadosamente no sarcófago para serem consumidos pelas chamas juntamente com tudo o resto, sempre ao som de uma orquestra, tradicionalmente denominada por “gamelan” (esse som etéreo que se ouve repousadamente sem cansar um pouco por toda aquela que é justamente considerada a ilha mais atraente e culturalmente mais rica do arquipélago indonésio).
(Pode ver a foto em tamanho maior clicando sobre ela.)
M M Leitão Marques
quarta-feira, 25 de agosto de 2004
«Os iraquianos não contam»
Eu recordo-me que este tipo de comparação já tinha sido feita com os mortos na [nossa] Guerra Colonial .
Serão tiques de algum jornalista desse tempo?»
(Enviado por JAFM)
Um conceito arcaico
ERS
«Os iraquianos não contam»
Antes ainda da questão dos iraquianos não terem sido "contabilizados", há primeiro questão ética quando se compara vítimas mortais nas estradas com os mortos numa guerra. Será que estatística deve comparar? Quem se lembra destas comparações? Será que pode ser lida a luz de uma campanha de consciencialização dos automobilistas portugueses?
Deixo aqui a minha primeira pergunta: tem tal comparação alguma utilidade?
Depois, para piorar a tal "comparação" que quanto a mim já teria um interesse duvidoso, vem então a questão das vítimas iraquianas não terem sido contabilizadas.
Já todos nos apercebemos que a morte de um soldado americano tem muito mais cobertura televisiva que de 100 iraquianos, que a noticia de um jornalista "ocidental" raptado tem muito mais impacto que a de 20 crianças iraquianas mortas numa qualquer bomba inteligente que, por culpa do "chip japonês" foi, cair num casamento. Mas ainda assim, até aqui a imprensa ainda não tinha sido tão clara, na sua opinião. Agora falou pela voz do Expresso: os iraquianos não contam.
Lembro-me de um "sketch" do Contra-informação em que o boneco do "George Embuste" (creio que assim se chama o sósia de Bush neste programa) diz que é muito grave terem morrido 50 iraquianos por engano, porque isso equivale, dizia ele, a meio americano.
Deixo aqui a minha segunda pergunta: O que seria necessário para que, numa comparação entre o numero de vítimas mortais dos acidentes nas auto-estradas portuguesas e o número de mortos na guerra travada no Iraque, os iraquianos contassem? Se os iraquianos não são vítimas humanas na tal equação, são o quê? Coelhos? Será que é necessário também contabilizar os coelhos que morrem acidentalmente na auto-estradas portuguesas para que os iraquianos possam entrar na tal equação? (...)»
(Enviado por SJG).
Que se passa com o Blogger? (bis)
(HVA)
«Comigo passa-se o mesmo e há horas que são, verdadeiramente, terríveis. Suponho que é uma insuficiência de servidor.»
(H J)
«Sim. Trata-se de um problema geral. Neste momento torna-se praticamente impossível editar qualquer post e - pasme-se! - muitas vezes o próprio Blogger falha aquando da publicação de posts. O que é deveras preocupante é o facto de isto acontecer mesmo nas ligações à Internet mais rápidas (como é o caso do ADSL e do Cbo). Provavelmente, esta demora deve-se ao aumento exponencial de utilizadores do servidor Blogger. Aliás passa-se algo em tudo muito semelhante a isto nos servidores portugueses de banda larga (ADSL).»
(HRA)
«Com os meus blogs não se tem passado nada de especial, por vezes fica um pouco lento mas nada de dramático.
Pode muito bem ser da ligação internacional do seu fornecedor de acesso, que eventualmente tenha perda significativa de pacotes. A Netcabo é "especialista" nisso. Há já algum tempo, quando estavam a iniciar as operações, estiveram uma temporada grande com um acesso internacional absolutamente vergonhoso (completamente inutilizável mesmo) durante muitos dias e nem sequer se tinham apercebido disso! Quando eu lhes comunicava o facto não acreditavam porque o trajecto do tráfego dos serviços técnicos era diferente do do acesso dos clientes. Só ao fim de cerca de 15 dias é que acabaram por acreditar em mim e nos outros clientes (poucos na altura).
Mas posteriormente continuou uma forte tradição de falta de qualidade e incompetência na Netcabo...»
(TAF)
Kristol
Como é que se podem levar a sério ideólogos destes?
terça-feira, 24 de agosto de 2004
Congresso do PS
A Moção de orientação política nacional intitulada "Uma Esquerda com Raízes e com Futuro", da qual sou o primeiro subscritor, foi apresentada à Comissão Organizadora do Congresso do P.S. a 10 de Agosto passado. Foi, assim, a primeira moção global a ser apresentada, muito antes de qualquer uma das moções suportadas / que suportam qualquer um dos candidatos a secretário-geral.
Esta moção não apoia (nem "desapoia") nenhum dos candidatos, mas quer valorizar o debate político. (...)
Poderá encontrar mais informação em linha em http://raizescomfuturo.blogspot.com. (...)»
(Porfírio Silva)
Debates socialistas
Alegre e Sócrates: o direito à liberdade
Já agora, aproveito para esclarecer que não passei procuração a ninguém para apresentar-me como apoiante «oficial» da candidatura de Manuel Alegre. Disse apenas - e repito - que prefiro, sem a menor dúvida, Manuel Alegre a José Sócrates. E prefiro-o por uma óbvia questão de carácter, de consistência das personagens em causa (valores que, hoje em dia, estão em baixa perante o pragmatismo, o oportunismo, o vale-tudo que sustentam a chamada «realpolitik» e as meras ambições do poder).
Reconheço, porém, que Alegre (por mais que lhe custe admiti-lo) se afirma sobretudo como um símbolo de resistência aristocrática, estilo guardião do templo, face às ameaças dos salteadores de estrada dos velhos princípios socialistas. Além disso, Alegre detesta os constrangimentos do poder político, o que é absolutamente compreensível e legítimo. Só que o cargo ao qual concorre não dispensa o exercício desse poder (incluindo em correspondentes funções governativas, goste-se ou não dessa «obrigatoriedade»).
Isso (sem falar de alguns apoios ambíguos, estilo «brigada do reumático») tende a empurrar a sua candidatura para uma posição fundamentalmente reactiva à ferocidade «yuppie» («sou um animal feroz») de Sócrates, um homem capaz de fazer vender a quadratura do círculo (o último golpe de mágica é o «plano tecnológico»). É óbvio que prefiro Alegre, mas daí a aderir vai alguma distância. Toda uma distância que a convicção própria e o direito à liberdade permitem.
Vicente Jorge Silva
segunda-feira, 23 de agosto de 2004
O que se passa com o Blogger?
O massacre dos aloendros
Será que a concessionária tem liberdade para proceder como lhe aprouver, sacrificando o espaço separador central? O Estado concedente não pode impedir esta solução? As associações ambientalistas não protestam?
domingo, 22 de agosto de 2004
Eleições do PS na Internet
Os três candidatos à liderança do PS têm websites relativos à sua candidatura. A meu ver o mais bem organizado e o mais rico de informação é o de Manuel Alegre, organizado por José Magalhães e Helena Roseta. Alegre tem também um blogue, com link na sua página.
A democracia electrónica (e-democracy) deve começar nos partidos políticos.
(Pode ver página web em tamanho maior clicando sobre ela.)
O Causa Nossa e a liderança do PS
Os iraquianos não contam
Com a estranheza do caso, lancei-me a desbravar a notícia, para saber se a guerra era a mesma que todos os dias nos entra pela casa adentro.
Como neste país tudo o que é bizarro tem um toque de leviandade natural, lá estava preto no branco "na segunda semana de Agosto, entre os dias 9 e 15, as tropas da coligação registaram 18 baixas. No mesmo período nas estradas portuguesas faleceram 37 pessoas. Desde o inicio do ano morreram no Iraque 510 soldados; nas estradas portuguesas perderam a vida 730 pessoas."
Conclusão: os americanos, juntamente com outros países satélites, desencadearam uma guerra no Iraque para se matarem entre eles e como não fosse suficientemente divertido vão matando uns milhares de Iraquianos; mas esses não contam.
Esta notícia é o Expresso, a Imprensa, a nossa cultura judaico-cristã, no seu melhor!»
(FF, Covilhã)
sábado, 21 de agosto de 2004
Regresso Vital
Após duas semanas de descanso, regresso também à Causa - desde já revelando (acima) um dos muitos motivos para abraçar o ócio em Angra do Heroísmo. E ainda, entre lapas, cracas, touradas à corda, a nova marginal que nasce junto à marina, dezenas de esplanadas, novos bares e toda uma nova geração de bronzeadas moçoilas, saúdo o regresso do nosso Captain, My Captain, Vital Moreira - que trouxe consigo uns bons 500 visitantes mais! Quando é que chega o equinócio, afinal?
Para o Rodrigo
Gosto muito de te ver, leãozinho, caminhando sob o sol
Gosto muito de você, leãozinho
Para desentristecer, leãozinho, o meu coração tão só
Basta eu encontrar você no caminho
Um filhote de leão, raio da manhã
Arrastando o meu olhar como um imã
O meu coração é o sol, pai de toda cor
Quando ele lhe doura a pele ao léu
Gosto de te ver ao sol, leãozinho, de te ver entrar no mar
Tua pele, tua luz, tua juba
Gosto de ficar ao sol, leãozinho, de molhar minha juba
De estar perto de você e entrar no mar.
Leãozinho
Caetano Veloso
Borobudur
Pede-me um leitor para publicar mais fotografias de Borobudur (ver post de há dias). A Internet está carregada delas. Basta porcurar pelo nome no Google. Eu fiz muitas dezenas. Aqui vai uma.
sexta-feira, 20 de agosto de 2004
Coimbra (des)encantada
Por causa de obras de conservação no "Paço das Escolas" da Universidade de Coimbra, a fachada principal do velho monumento encontra-se tapada por uma feia tela que encobre os andaimes, bem como grande parte da "Via Latina", incluindo a entrada da Faculdade de Direito. Assim vai manter-se durante meses, tanto quanto durarem as demoradas obras em causa. É pena que não se tenha ao menos pintado a tela com uma imagem do monumento escondido, em tamanho real, tal como vejo fazer lá fora -- e também já em Portugal, noutros casos --, em notáveis trabalhos de "trompe-l'oeil". Escassez de verbas ou simples falta de cuidado?
2. Pedra exótica
Os lambris das rotundas de Coimbra, até agora feitas de utilitários e feios perfis de betão, estão a ser substituídos por blocos talhados de pedra, desconhecendo-se se o mesmo vai ocorrer com os passeios das ruas. A ideia é de aplaudir, dada a maior nobreza da pedra. Só que está a ser utilizado o granito, que é uma pedra totalmente exótica em Coimbra, cidade de calcário. Ora o carácter das cidades assenta em grande medida na pedra de que são feitas. O granito caracteriza o Norte e o interior beirão, escuro e frio, como o Porto e Viseu, por exemplo. Coimbra é mais clara e mais luminosa, no clima e na pedra branca e amarela de que é feita. Não havia necessidade!...
Hooligans olímpicos
Três dos ditos, certamente inspirados na mitologia Cretense, pelo desporto designado de Taurokatapsia, investiram quais touros furiosos contra os adversários e foram expulsos por comportamento violento, o que, a bem dizer, revela uma postura de grande coerência cívico-desportiva, de quem há uns tempos atrás destruiu os balneários de Fontainbleau, enquanto festejava o apuramento para os jogos.
É lógico que possamos deduzir que se conquistassem uma medalha, iriam celebrar para a Acrópole e não deixavam pedra sobre pedra no Parthenon.
Creio que se impunha que o Presidente da República recomendasse agora às autoridades(?) desportivas, que promovessem um estágio para estes "cavalheiros", alguns dos quais futuros integrantes da selecção principal, no reformatório de Caxias, supervisionado pelo "Democrata" Scolari, a fim de começarem a interiorizar desde já o espírito do "Mata! Mata!" a aplicar no próximo mundial.»
(JD)
quinta-feira, 19 de agosto de 2004
Faz hoje um ano, morreu-me um amigo
Morreu como passou a maior parte da vida: a trabalhar pela ONU e pelos seus nobres ideais, que tantos desprezam e violam. Como Bush e os neo-conservadores que lançaram o mundo nesta guerra ilegal, injusta, escusada, baseada em mentiras, a que ainda hoje não vemos o fim, nem o sentido, depois de milhares de mortos iraquianos, americanos, britânicos e de gente todas as nacionalidades, incluindo o Sérgio e mais vinte e um companheiros da ONU.
Estar em Brasilia dá-me a sensação de estar perto do Sérgio, hoje. Enfim, cada qual lambe as feridas como pode... pois sei bem que ele, além de cidadão do mundo, era muito cioso das suas raízes cariocas. Como evidenciou naquela contundente observação, pouco antes de morrer, de que compreendia a raiva dos iraquianos contra os invasores, auto-proclamados libertadores: «Eu também não gostava de ser libertado com tanques estrangeiros a passearem por Copacabana...».
Logo de manhã, revivi episódios em que conspiramos com bons resultados - pouco em Genebra, bastante em Nova Iorque e muito entre Jacarta e Dili (ficam para as memórias da Indonésia que tive de pôr em pousio e espero em breve retomar).
Os jornais brasileiros trazem evocações da sua memória e da vileza do atentado que o vitimou, enlutando o mundo inteiro. Há uma cerimónia no Itamaraty. E a CNN trouxe-me Genebra em directo. O Kofi Annan a contar como foi devastador para a ONU o abalo da perda do Sérgio e dos seus 21 companheiros, e a frisar que ainda está à espera dos resultados do inquérito prometido pelas autoridades americanas de ocupação, responsáveis pela segurança da ONU em Bagdad.
Coitado do Kofi - envelheceu tanto! Percebia-se quanto sofre realmente e quanto lhe foi doloroso ler aquele discurso(que o Shashi Taroor provavelmente escreveu, também ele a sangrar pelo amigo perdido). As câmaras filmaram a Nane Annan, quando ele disse que só ela, talvez, saberá o que lhe custou viver este ano, desde o desaparecimento do Sérgio e dos outros 21 colegas. E evocou as vezes sem conta que é assaltado pela memória das últimas conversas que teve com eles, precisamente quando os instruiu a avançarem para o Iraque, para a morte...
Meia-hora depois tocou o telemóvel. Era o meu querido Gordon Martin, correspondente do «Daily Telegraph», o decano dos correspondentes de imprensa nas Nações Unidas em Genebra. Já não falávamos há um ano, precisamente desde o funeral do Sérgio, onde a Joana o fora reencontrar. Para dizer que acabava de vir da cerimónia e tinha pensado em mim. Afinal, mesmo longe, muito longe, conseguimos estar perto dos amigos.
Ana Gomes
Alcatrão e penas
Luís Nazaré
Jogos inúteis
Luís Nazaré
Alqueva
Fotografia de António Cunha
Durante o Verão, sempre gostei de regressar ao Norte pelo interior do Alentejo, passando por Mértola ou Barrancos, e subindo pelo meio dos chaparros de sombras arredondadas, numa estrada quase sem carros e pequenas terras sem turistas. Por diversas vezes, fiz escala em Monsaraz para visitar o cromeleque nas redondezas e contemplar de cima do monte a planície a perder de vista. Este ano passei de novo na pequena jóia alentejana, expressamente para espreitar a albufeira de Alqueva. Vim subindo pelo meio dela a partir da barragem, mas nada se compara a sensação de ver um mar de água de cima da muralha, que transforma radicalmente a paisagem, mesmo agora quando a terra ainda se mantém com o mesmo tipo de vegetação e a mesma cor alaranjada. Talvez seja até bonito, mas o efeito que me causou foi o de uma enorme estranheza, de arrepio e até de uma certa violência, tão profunda que foi a mudança já operada. Esta espécie de incómodo prolongou-se quando soube que o Cromeleque do Xerez, aquelas pedras mágicas colocadas naquele local silencioso há pelo menos 6000 anos, que sempre me intrigaram e me fizeram imaginar rituais tão distantes quanto desconhecidos, tinham sido removidas para não ficar debaixo de água. Não fui revisitá-las, mas desconfio que nunca mais sentirei o mesmo quando isso acontecer. Quanto ao resto, talvez para o ano tudo me pareça quase natural!
Maria Manuel Leitão Marques
A vergonha de Creta
Estes senhoritos e o seu treinador não merecem representar o desporto nacional e envergar as cores nacionais. Eles devem desculpas à opinião pública. O Presidente da República, que há umas semanas se emocionou a condecorar os membros da selecção que disputou com galhardia o campeonato da Europa, deveria agora condenar com indignação a vergonha de Creta.
Debates socialistas
Constituição electrónica
Com este trabalho José Magalhães adiciona mais uma peça relevantíssima às suas contribuições para a história constitucional da III República, desde a primeira edição do seu conhecido Dicionário da Revisão Constitucional de 1989, que tive o gosto de prefaciar. Com os instrumentos que a versão electrónica confere, especialmente no respeitante à busca de referências e às interconexões, este novo contributo tornar-se-á imprescindível para todos os estudiosos e interessados no conhecimento da Constituição.
Viagens
Há emoções tão impressivas que valem só por si umas férias inteiras. Por exemplo, sobrevoar a pequena altura as crateras vulcânicas de Bali à luz fluida do amanhecer ou perambular detidamente pelo recuperado monumento budista de Borobudur na ilha de Java, relembrando as páginas de Roger Vaillant, que por lá andou nos anos 40 do século passado. Viajar é preciso!
quarta-feira, 18 de agosto de 2004
De regresso (II)
Entretanto, apesar de cada vez mais "chamuscado", o PGR resolveu manter-se em funções,aparentemente confortado pelo oportunista apoio vocal que lhe proporcionado pelo Presidente da República e pelo primeiro-ministro. Até ao próximo incidente! Entretanto o crédito público da justiça levou mais uma forte machadada.
De regresso
Cassetes que cheiram mal
Uma coisa é prevenir desmentidos quando confrontamos uma fonte identificada com a sua posição ou as suas responsabilidades num determinado assunto. Outra coisa inteiramente diversa é construir uma peça jornalística com implicações graves para terceiros a partir de informações de fontes anónimas sem o jornalista estar efectivamente convicto da sua fiabilidade.
Por outras palavras, se Octávio Lopes, do Correio da Manhã, gravou as conversas com as suas fontes anónimas foi por não estar verdadeiramente seguro de estas serem fiáveis. No entanto, isso não o impediu de publicar manchetes estrondosas visando a reputação e o carácter de figuras públicas e que configuravam autênticos assassinatos de carácter. Ora, um comportamento tão execrável pôde passar sem uma condenação radical de quem se propõe representar oficialmente a deontologia profissional dos jornalistas. Pelo contrário: o Sindicato fez questão de condenar o alegado roubo das cassetes e a sua divulgação à revelia do «repórter» gravador, mas não verberou o repugnante exercício jornalístico por este praticado.
Entretanto, a intolerável leviandade moral de Octávio Lopes (secundada pela direcção do seu jornal) põe outra questão: a da leviandade «funcional», digamos assim, com que expôs material para ele tão sensível à possibilidade de um extravio ou um roubo. A acreditar que este efectivamente aconteceu, é incompreensível que ele não tivesse tomado os maiores cuidados em guardar permanentemente consigo, em lugar a que só ele pudesse ter acesso, tantos registos «secretos» e «explosivos». A não ser que a sua mitomania de intocável «abutre» judicial o tenha levado a descurar a mais elementar prudência de quem é suposto guardar ciosamente os seus segredos. Em qualquer caso, tudo isto cheira a história muitíssimo mal contada, tão mal contada como o jornalismo «investigativo» de Octávio Lopes.
Foi, porém, um jornalista com estas características patológicas, responsável por esse infecto «jornalismo» de sarjeta das primeiras páginas do Correio da Manhã, que conseguiu captar e explorar, durante meses e meses a fio, a confiança de fontes colocadas em lugares estratégicos decisivos (como a direcção-nacional da PJ e a assessoria de imprensa da PGR, esta assegurada, imagine-se, por alguém cujo percurso académico culminou numa tese sobre deontologia jornalística!!!. Desgraçado jornalismo, desgraçada justiça que nele se revê! Se a promiscuidade é sempre detestável, esta dá vontade de vomitar.
A partir daqui, todos os enigmas da violação do segredo de justiça, que o sr. Procurador sempre fugiu a investigar e esclarecer, parecem charadas infantis. Eis-nos assim chegados à incontornável questão: como é que um homem que lava as mãos como Pilatos das suas responsabilidades institucionais e tem demonstrado tamanha falta de carácter (como justamente apontou o Bloco de Esquerda) pode garantir qualquer estabilidade ao funcionamento da Justiça e à isenção da investigação criminal? Quem é que ainda pretende meter a cabeça na areia (seguindo, assim, o próprio comportamento de Souto Moura) e convencer-se de que este Procurador tem condições éticas e políticas para permanecer no cargo?
Vicente Jorge Silva
Justiça e jornalismo de sarjeta
Entretanto, como Deus escreve direito por linhas tortas, é sempre possível que, à falta da justiça propriamente dita, se obtenha, pelo menos e para já, uma justiça?poética. É esse o efeito imediato do «caso das cassetes roubadas», através do qual se celebraram as núpcias entre o rebotalho da justiça e o jornalismo de sarjeta.
Depois deste strip-tease, deste cair de máscaras, é preciso que se tirem todas as consequências do caso e se vençam os bloqueios corporativos para que a miséria moral dos comportamentos não fique impune (custe o que isso custar aos seus autores, cúmplices ou encobridores, chamem-se estes Procurador-Geral da República ou Sindicato dos Jornalistas) e para que as aparências da hipocrisia institucional não prevaleçam uma vez mais. É fundamental pôr inteiramente a nu a tramóia de uma justiça que, em vez de investigar, intoxica e difama a coberto do anonimato, e de um jornalismo dito investigativo que vorazmente se alimenta desse anonimato irresponsável e sórdido.
Vicente Jorge Silva
Notícias da Madeira
7 de Agosto -- A condutora multada dá a conhecer o acontecimento na secção de cartas do leitor do «Diário de Notícias» do Funchal (o jornal mais lido na Madeira, cujo accionista maioritário é o grupo Blandy, de origem britânica). Interpelado pelos jornalistas durante a inauguração de um caminho rural (foram anunciadas 129 inaugurações até às eleições regionais de Outubro, período durante o qual irá fazer 156 discursos, todos de improviso), Alberto João Jardim confirma que voltaria a ordenar a multa à cidadã estrangeira e, a propósito, mostra-se irritado com as «mentiras» divulgadas pela «folha reles» e «subserviente». E esclarece: «O meu principal inimigo, na Madeira, é o diário dos Blandy».
8 de Agosto -- Durante a entrega de prémios da final dos «Jogos Lúdicos» (sic) promovidos pelo PSD numa freguesia do Funchal, Alberto João Jardim anuncia a intenção de expropriar os grupos económicos estrangeiros, designadamente os Blandy. «Eu entendo - afirma Jardim - que quando um grupo económico está a prejudicar a vida da região, esse grupo económico deve ser expropriado ou deve-se tomar, em relação a ele, qualquer medida que a lei prevê para deixar de perturbar». Jardim adianta que se prepara para, em Outubro, «se o PSD ganhar as eleições, tomar as medidas que se impõem em relação a grupos económicos que são pessoas não gratas aqui na região».
9 de Agosto -- Alberto João Jardim começa as suas habituais férias no Porto Santo. Mal desembarca, logo anuncia o seu propósito de explorar «até ao tutano» as novas competências legislativas que a última revisão constitucional atribui às regiões autónomas. Entre as iniciativas previstas, conta-se a criação de uma polícia regional (seguindo o modelo do País Basco e da Catalunha). Durante um passeio pelas ruas de Vila Baleira, Jardim manda alterar a localização de um cartaz de propaganda eleitoral onde aparece vestido com uma camisa vermelha e branca às riscas e colarinho branco, acompanhado pela frase, sobre fundo verde: «Conseguimos!...e há que fazer mais!». Jardim confidencia que é o autor das frases deste cartaz e de outro que irá ser afixado em Setembro. Deduz-se que será também o responsável criativo pelo «design», a indumentária e a pose fotográfica.
11 de Agosto -- À saída de casa, no Porto Santo, Jardim promete processar judicialmente a autora da carta publicada no «Diário de Notícias» e o próprio jornal (ainda a história da multa). Entretanto, em resposta ao grupo parlamentar do PS, que pretendia convocá-lo a prestar esclarecimentos no parlamento madeirense sobre a anunciada intenção de expropriar grupos estrangeiros, o Presidente do Governo Regional limita-se a afirmar: «Defeco». Mas para que não restem dúvidas, acrescenta: «Tenho um desprezo tão grande pela oposição que podem dizer o que quiserem que não me afectam. Quando insultam, processo-os». E conclui: «Só vou à Assembleia se a maioria, de que eu dependo, me mandar». Nota de indumentária: no seu passeio pela praia, Jardim exibe um boné de um movimento independentista catalão.
14 de Agosto -- Ostentando uma boina com a efígie de Che Guevara, Jardim anuncia que, no comício do próximo dia 21, no Porto Santo, vai desmontar uma tentativa de «golpe de Estado» na Madeira. «Estavam a contar que eu não me recandidatasse e estava idealizado um governo de bloco central. A maçonaria já se tinha perfilado, mas eu surpreendi-os. Vou contar a tentativa de golpe de Estado que se iria fazer nas minhas costas».
(Que eu saiba, nenhuma destas fabulosas notícias mereceu atenção dos media nacionais).
Vicente Jorge Silva
sexta-feira, 13 de agosto de 2004
Cartier-Bresson
Cartier-Bresson partiu já há uns dias, com a serena naturalidade de quem se aproximava de um século de vida. Há cerca de vinte anos trocara a fotografia pelo desenho, sua paixão inicial. Mas foi como fotógrafo que ficou como «o olho do século».
Nenhum fotógrafo foi tão decisivo como ele, nenhum como ele soube captar o mistério do «instante decisivo»: a coincidência mágica entre o pulsar da vida e a geometria do real. Como se por detrás de cada situação surpreendida em flagrante pela câmara houvesse sempre uma ordem secreta de linhas, sombras e luz que lhe emprestava um sentido único e a resgatava do caos. A mais extrema simplicidade, o mais genuíno despojamento, a recusa do artifício, conjugavam-se com o número perfeito, a arquitectura do único enquadramento possível.
Tal como Antonioni no cinema, Cartier-Bresson foi quem, na fotografia, me ensinou a olhar. O rigor e a elegância com que compunha espontaneamente as suas imagens eram atributos de um caçador que apanha a presa no momento exacto e faz desse momento um instante de beleza fulgurante. Uma beleza que perdura para além da fracção de segundo em que foi surpreendida e que a deixou suspensa para sempre.
Cartier-Bresson foi um dos meus heróis. Como fotógrafo, como fotojornalista, como referência humana, ele que tornava absurda a separação entre estética e ética, entre forma e conteúdo. E que, por isso, repudiava vigorosamente a instrumentalização da imagem por legendas retóricas que alterassem a evidência singela do que estava lá e se oferecia à liberdade dos nossos olhos. Bastava apenas que soubéssemos olhar. Como ele.
Vicente Jorge Silva
(Por erro meu, o texto acima esteve desaparecido do blogue nos últimos dias. Embora com atraso, volto a colocá-lo em órbita com pequeníssimas alterações. Cartier-Bresson merece-o).
O PGR pêgêerra alguma coisa?
Será pelo desconforto de eventualmente ele próprio, a sua assessora de imprensa e alguns dos magistrados sob a sua tutela e ligados a investigação do caso Casa Pia, terem tido conversas no mínimo tão «insensatas» como as que levaram o Governo a despedir sumariamente o Dr. Salvado? Para esclarecer dúvidas, porque não manda divulgar os registos das gravações de agentes da PGR com o jornalista do «Correio da Manhã»?
Este é o PGR que em Novembro de 2003, quando eu perguntei porque não se sabia nada de investigações sobre a pista lançada pela revista «Le Point» que apontava para dois ministros frequentadores do Parque Eduardo VII e ligados a actividades pedófilas, veio dizer que não havia matéria para investigar! Ora, bastava recuperar memórias da Esquadra da Alegria...
Não vale a pena esperar pelo inquérito sobre as cassetes roubadas que há dois dias o PGR não queria fazer e que o PM aparentemente lhe ordenou ontem que faça e rápido. É que nada do que este PGR pêgêerre tem já qualquer credibilidade. Excepto, claro, demitir-se.
Ana Gomes
Perguntas avulsas sobre as gravações «roubadas»
- O que disse Adelino Salvado ao jornalista? Segundo os jornais referiu-se a Ferro Rodrigues. O que disse que tanto incomodou o Governo, a ponto de o despedir sumariamente? E ao dize-lo foi apenas insensato, ou cometeu crime de violação de segredo de Justiça, ou, pior ainda, manipulou informação para manchar a reputação de Ferro Rodrigues e comprometer o PS, o que significa ter conspirado para subverter a democracia? E agiu assim por motu proprio ou a mando de alguém, mancomunado com alguém? De quem? Com quem? E não há responsabilidades politicas a pedir a quem o nomeou e manteve no cargo, designadamente à Sra. Dra. Celeste Cardona e ao Sr. Dr. José Manuel Durão Barroso?
- O que disseram ao jornalista a inspectora da PJ Rosa Mota e outros agentes da PJ que estão referenciados como regulares interlocutores do jornalista ? Uma das primeiras tarefas do novo Director da PJ vai ser investigar os crimes eventualmente praticados pelo seu antecessor e agentes sob as suas ordens, para começar a por a casa em ordem?
- O que disseram outros figurões do processo Casa Pia, como Catalina Pestana, Pedro Namora, Adelino Granja, Pedro Strecht, etc?.
- O que disseram ao jornalista do «Correio da Manhã» magistrados ligados à investigação do caso Casa Pia ? Que magistrados ?
- O PGR, Souto Moura, falou com o jornalista? O que lhe disse? E a sua assessora de imprensa, Sara Pina ?
Ana Gomes
Em causa o Estado de Direito e a Democracia
Não, não nos vamos contentar com nada menos do que toda a verdade, nua e crua, sobre o conteúdo das gravações, acessível a todos os portugueses.
Como a mulher de César, à Justiça não importa apenas ser séria, importa parecê-lo. E não parece.
Não basta mandar para casa o Dr. Adelino Salvado. Vai ter de se esclarecer tudo e apurar responsabilidades políticas, profissionais e criminais, doa a quem doer, esteja por detrás ou pela frente quem estiver. E não apenas por Ferro Rodrigues, Paulo Pedroso e o PS vilipendiados. Mas pelas crianças abusadas na Casa Pia. E pela Justiça e pelo Estado de Direito democrático.
Para mim, cidadã da República Portuguesa, está muito em causa, para além da privacidade dos interlocutores do jornalista gravador e roubado.
Está em causa o funcionamento da Justiça, que tem agentes que deviam ser garantes do segredo de justiça e parecem ser os primeiros a violá-lo em conversas com jornalistas.
Está em causa o funcionamento da Justiça, que tem agentes que deveriam ser os principais garantes da imparcialidade e isenção da investigação criminal e sob os quais recaem fortes suspeitas de serem, afinal, manipuladores dela e da informação prestada ao público sobre ela.
Está em causa o funcionamento da Justiça e do Estado quando há fortes suspeitas de que agentes da Policia e da Magistratura, sob instruções da tutela política ou não, manipularam e perverteram investigações criminais e a informação pública sobre ela para por em causa cidadãos que exercem funções políticas e são dirigentes do principal partido da oposição.
Está em causa, em suma, o normal funcionamento das instituições democráticas. Está em causa o Estado de Direito. E a Democracia. Por isso aqui todos temos responsabilidades a assumir. E os mais altos magistrados da Nação não podem continuar a assobiar para o ar.
Ana Gomes
Gravações oficialmente divulgadas, já!
Mas a demora e o despedimento sumário de Adelino Salvado levam a concluir que o que está nelas deve ser realmente explosivo, a ponto de, desta vez, ninguém ter coragem de o divulgar. E que lestos (porventura encorajados por fontes policiais, judiciais ou governamentais) foram antes os media a publicitar transcrições de conversas de Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso, apesar de estarem em causa não apenas conversas telefónicas de um jornalista com as suas fontes, mas peças de um processo em segredo de justiça.
A FOCUS ia publicar extractos das gravações, mas foi impedida por uma providência cautelar sustentada em horas, pasme-se, em tempo de férias judiciais, por um tribunal cível, incompetente para se pronunciar sobre a ilicitude das gravações, mas hiper-zeloso do «bom nome» dos escutados - alguns dos quais, nada tendo a temer, logo autorizaram a divulgação. Providência cautelar pedida, pasme-se, pelo jornalista que cometeu o crime de gravar à revelia dos interlocutores (se ele tem atenuante ou isenção da culpa, isso apura-se judicialmente em momento posterior). Jornalista que, na pretensão de impedir a divulgação das gravações, é apoiado, pasme-se, pelo respectivo Sindicato (se um jornalista matar alguém para escrever sobre a experiência de assassinar, o Sindicato impedirá a divulgação das provas do crime, para lhe preservar o material de trabalho?)
Perante o descalabro a que assistimos, o mínimo é exigir a divulgação integral do conteúdo das muitas horas de gravações. E, de preferência, em primeira mão, não por nenhum jornal, canal de rádio, TV ou blog, mas em site oficial, por exemplo o da PGR, que superintende a investigação do caso Casa Pia, ou do Ministério da Justiça que tutela a PJ cujo director foi demitido pelo Governo depois de ter ouvido as gravações.
Ana Gomes
quinta-feira, 12 de agosto de 2004
Que organização é esta?
Luís Nazaré
quarta-feira, 11 de agosto de 2004
Causa Nossa e o estranho caso das gravações roubadas
Luís Nazaré
segunda-feira, 9 de agosto de 2004
Novos compromissos
Sei que há quem pense que tenho um preconceito contra o Expresso. E tenho. Não lhe perdoo o facilitismo, a tentação pela intriga cortesã, a perda de qualidade, os links pagos e os três euros que me obriga a gastar todos os sábados (ossos do ofício...). O fair play obriga-me porém a saudar o último artigo de Nicolau Santos no suplemento Economia, intitulado "9 compromissos até 2010". Recomendo vivamente a sua leitura a toda a classe política.
Luís Nazaré |
domingo, 8 de agosto de 2004
A Ideia
Quando, há três meses atrás, atribuímos o prémio Causa Nossa "5ª dimensão" ao director do semanário de referência, julgávamos que o Arquitecto tinha finalmente atingido o seu Nirvana e que os novos afazeres celestiais o impediriam de nos deliciar com novas epístolas. Puro engano. É que o Arquitecto arranjou uma maneira astuciosa de continuar a transmitir-nos as suas revelações ao sábado - através dos seus alter-egos. Esta semana, foi Óscar Niemeyer.
Com os casos de sucesso de Islamabade e Brasília como bandeiras, o Arquitecto desenvolve uma sublime argumentação em favor de uma nova capital. Com a visão celestial de que dispõe, já tratou até de escolher o melhor sítio - algures num triângulo cujos vértices são Castelo Branco, Portalegre e Abrantes. Seria "uma cidade construída de novo, (?) moderna, projectada por arquitectos contemporâneos, voltada para o futuro, capaz de ficar como um marco do nosso tempo".
Na reunião dominical do Clube de Reflexão Expresso, alguns dos meus amigos mais simplistas não alcançaram a elevação intelectual do Arquitecto, ridicularizando-lhe os propósitos e as justificações. Mas quando alguém tentou equipará-lo ao célebre Mr. Chance, aí insurgi-me. Com que direito punham em causa a omnisciência do Arquitecto? Ou será que não tinham pura e simplesmente percebido a fina subtileza das suas razões, confundindo-as com um rol de tontices infantis? Esperem para ver.
Por mim, não duvido por um instante da visão do Arquitecto. Como ele humildemente relembra na sua mensagem de ontem, quantas ideias originais e grandiosas não foram já anunciadas em epístolas anteriores, para bem do país? Vou mais longe: o projecto da nova capital deveria ser entregue ao único espírito capaz de apreender o seu alcance, o próprio Arquitecto. Para começar, trataria de convencer os críticos com um projecto-piloto. Através de outro dos seus alter-egos, o de director do semanário de referência, é só mudar a sede do Expresso - talvez mesmo da Impresa - para Alcains. Vão ver como todos ficarão rendidos à Ideia.
Luís Nazaré
sábado, 7 de agosto de 2004
Casa ImPia
Confesso aguardar com expectativa que a SIC, tal como fez com as gravações que envolviam Ferro Rodrigues, comece a pôr no ar as transcrições desses registos, para ver o que era confidenciado ao jornalista e se o Director da PJ e sua rapaziada só usam linguagem elevada. Se não, não é SIC não é nada! É que o segredo de justiça há muito que é uma balela - e a SIC e o CM foram dos orgãos de comunicaão social que mais ajudaram a demonstrá-lo.
Já agora a SIC também podia entrevistar a jornalista Felícia Cabrita, para ela explicar de viva voz o que diz na entrevista à CARAS desta semana:
«Há uma coisa curiosa: inicialmente todos os nomes que me apareceram eram pessoas de direita, políticos de direita, que ainda não vieram a lume. Provavelmente serão crimes prescritos, sabemos que há investigações em curso, portanto ainda é cedo. E há uma coisa fundamental: este é o processo da Casa Pia, mas muitos outros miúdos foram ouvidos no meio disto. Havia ligações, nomeadamente 'amigos' do Parque Eduardo VII que falaram seguramente de outras pessoas. Não tenho dúvida de que o Parque está a ser investigado.
QUE NOMES ERAM ESSES? Eram pessoas até do governo da época, de 1982, que continuam a ter peso. (...) neste teste à democracia vimos como o PS reagiu, que foi muito mal. (...) Mas estou ansiosa, gostava de saber como reagiria o PSD ou o PP se isto lhes batesse à porta.»
Eu também. E porque é que não bate? Quem estava no governo em 1982? Porque é que nada se sabe da investigação do Parque?
Em Novembro de 2003 incomodei muita gente ao berrar que tudo estava a ser feito para descredibilizar o processo, em detrimento das crianças abusadas, tudo para proteger e encobrir criminosos, desviando atenções de alguns deles através de pistas falsas, calúnias e urdiduras ignóbeis como as lançadas sobre Paulo Pedroso e Ferro Rodrigues. Pois não retirei, nem retiro, uma palavra do que então disse.
Ana Gomes
A ressaca
Já agora, aproveito a boleia para fazer outras considerações avulsas sobre o correio que tenho recebido nestes meses de Causa. Volta e meia, coisa que também me espanta pela positiva, aparece uma alma saudosa do Desejo Casar, rogando-me que escreva sobre amores e devaneios ilhéus. Tenho imensa saudade desse tempo mas, por uma série de motivos, não me apetece voltar a escrever sobre as mesmas coisas. Havia um contexto próprio no DC que agora já não sinto, além de que - como muito bem tinha o Pedro Lomba na sua epígrafe do FLOR DE OBSESSÃO - "growing up in public" (Lou Reed) não é fácil. Se me voltar a dar para isso, e de vez em quando tenho aqui uns tímidos fogachos, de certeza que o notarão.
Por outro lado, fico sensibilizado com a impaciência dos revoltados que não apreciam os socialistas. Também eles perdem um tempo precioso a escrever mails. Mas, e tenham santa paciência, deixei de responder a insultos - sobretudo quando me insultam por ser socialista. É que dá-se a pequena particularidade de o não ser. Não sou socialista, não sou militante de nenhum partido, não tomo café com o Ferro nem vou ao ténis com o Sócrates, não tenho livros do Alegre nas estantes da minha casa, desamparem-me a loja.
Última consideração, de teor mais prático: por favor, não percam tempo a enviar-me mails demonstrando preocupação com a política de pescas em Portugal ou com dúvidas sobre as revisões constitucionais. Não sou a pessoa indicada. Estou tão à vontade na hard-politik como o Luís Filipe Vieira está na Literatura Comparada. Ok?
O hooligan que compunha baladas
David Gray é um inglês criado em Gales que a Irlanda adora. Tem um daqueles rostos raros, de idade indefinida, mas andará algures entre os 29 e os 41 (prefiro manter o mistério em vez de me dar ao trabalho de pesquisar). Descobri o álbum "White Ladder" depois de ver uma pequena reportagem sobre o singer/songwriter no "Music Room" da CNN, num daqueles felizes acasos do zapping. Agora, um amigo atento descobriu o DVD com a actuação de David em 2000, no The Point, em Dublin. Um concerto memorável de um homem que "just sings his heart out". Como diz um amigo de Gray no documentário que acompanha o concerto, David "parece um hooligan". E parece mesmo. No documentário, aparenta ser um homem rude, com pouco a dizer. Depois, ao vivo, surge a poesia e a voz terna que pareceram religiosamente guardadas para aquele momento. E David Gray escreve assim:
SHINE
I can see it in your eyes
what I know in my heart is true
that our love it has faded
like the summer run through
so we'll walk down the shoreline
one last time together
feel the wind blow our wanderin' hearts
like a feather
but who knows what's waiting
in the wings of time
dry your eyes
we gotta go where we can shine
Don't be hiding in sorrow
or clinging to the past
with your beauty so precious
and the season so fast
no matter how cold the horizon appear
or how far the first night
when I held you near
you gotta rise from these ashes
like a bird of flame
step out of the shadow
we've gotta go where we can shine
For all that we struggle
for all we pretend
it don't come down to nothing
except love in the end
and ours is a road
that is strewn with goodbyes
but as it unfolds
as it all unwinds
remember your soul is the one thing
you can't compromise
take my hand
we're gonna go where we can shine
we're gonna go where we can shine
we're gonna go where we can shine
(and look, and look)
Through the windows of midnight
moonfoam and silver.
De resto, o homem veste todo de ganga, com uma camisa de turista pé-descalço dois números acima do devido, e toca um violão esfarrapado e com nódoas de cerveja. É um cruzamento entre Bob Dylan e Bryan Ferry com uns pózinhos de Zeca Afonso. Tão difícil de catalogar como isto, e absolutamente fora de moda - nas suas baladas épicas e charme de emigrante que retorna à vila. E isso, nos tempos espectaculares que correm, é bom, muito bom.
sexta-feira, 6 de agosto de 2004
uma prenda de uma leitora
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui --- ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça,
com mais copos,
O aparador com muitas coisas ? doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado---,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Álvaro de Campos, 15-10-1929
quinta-feira, 5 de agosto de 2004
José Sócrates
Quando há vinte e cinco anos atrás me filiei no PS, fi-lo em nome de uma matriz de valores e de um ideal de sociedade. Revia-me no exemplo de figuras grandes da democracia e da liberdade, como Mário Soares, Manuel Alegre ou Salgado Zenha. Acreditava num mundo melhor, mais justo e mais igual nas oportunidades, onde a humanidade se pudesse exprimir de modo livre, solidário e empenhado na procura da paz e do bem-estar geral. Nada mudou nos meus ideais - como nada de essencial muda nos dos crentes -, mas seria tolo se não percebesse que a vida na Terra se transformou por completo neste último quarto de século. Ou a esquerda o entende e arquiva alguns dos seus mitos na secção dos registos simbólicos, como sempre souberam fazer os crentes não-fundamentalistas, ou arrisca-se a integrar o capítulo das ideologias perdidas na história do século XXI. É sobretudo este o combate que hoje se trava no PS entre os três candidatos à liderança, embora muitos creiam que tudo se resume a uma questão entre a "pureza de princípios" e o "artificialismo mediático". Não o é, ou pelo menos, não é essa a causa principal. No próximo congresso do PS, é o futuro do seu projecto político que está em jogo, não os seus valores. Para mim, José Sócrates é quem melhor poderá dar resposta aos desafios que se apresentam aos socialistas e aos portugueses em geral. Ao contrário do que dizem, não consigo distinguir nos restantes candidatos melhores conteúdos nem melhores estratégias. As únicas "ideias" que vi desenvolvidas foram a suspeita de chapelada eleitoral e o ataque à "falta de ideias" do seu antagonista. Pois bem, só tenho visto e lido ideias desenvolvidas por um candidato - José Sócrates. O seu artigo de ontem, no Diário de Notícias, enuncia com clareza a estratégia que pretende para o PS. As prioridades políticas que avançou, numa via de modernidade e progresso, não foram, que se saiba, objecto de qualquer comentário ou oposição por parte dos seus antagonistas. Será um problema de dotes mediáticos? Compreendo que, nos tempos santanistas que correm, grasse um forte sentimento de rejeição da superficialidade. Mas em nome de que princípio se poderá criticar quem melhor sabe transmitir as suas ideias? Sócrates é telegénico, bem-parecido e bem vestido? Ainda bem. Lembram-se das críticas ao ar sorumbático e intrincado de Ferro Rodrigues? Em que ficamos? PS - Manuel Alegre também não deixa os seus dotes de marketing por mãos alheias. Nenhum underwriter famoso desdenharia de contar no seu portfolio com uma frase tão exuberantemente publicitária quanto a tirada "Não sou um animal feroz, mas sou bom atirador". Temos show.
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Regresso às lides
Após dezassete dias de viagem e de black-out cibernético, é bom regressar à Causa. Já sei que perdi todos os episódios da pré-silly season, da constituição do governo ao espectáculo da tomada de posse, das discursatas do primeiro-ministro às novas tergiversações intelectuais do arquitecto Saraiva. Vou procurar actualizar-me rapidamente, embora nada possa substituir a emoção do directo. Fica a satisfação de os meus colegas de blog terem feito uma cobertura completa dos acontecimentos, numa manifestação clara de que o team spirit e a técnica da dobra fazem milagres, até mesmo compensar a ausência veranil de Vital Moreira. Luís Nazaré |
Dedicado à Rosa
A Rosa escreveu-nos incomodada com as imagens gratuitas de mulheres que tenho publicado aqui no blog. Não é, de facto, essa a "nossa causa". Por isso mesmo, e como somos democráticos - e a democracia também vale para as questões estéticas -, pedi aos meus amigos Hugh Jackman, Christian Bale e Jude Law para enviarem as suas melhores fotografias gratuitas. Espero que goste.
quarta-feira, 4 de agosto de 2004
Boston IV - Outras linhas demarcadoras
No primeiro, os Democratas anunciam ir parar com os programas e orçamentos astronómicos de construção de mais e mais sofisticadas armas nucleares, lançados por Bush e as indústrias que o sustentam (e que ele sustenta). Kerry, pelo contrário compromete-se a canalizar os recursos para um esforço de desarmamento, aplicando-se no controle nos EUA e em todos os países (ou grupos) produtores ou detentores. Uma das maiores preocupações da equipa de política externa de Kerry é o controlo e destruição do arsenal nuclear, incluindo matéria físsil, antes na posse da URSS e países satélites e hoje sabe-se lá em que mãos (como era de esperar, não ouvi nunca aludir a Israel...).
Madeleine Albright (mais uma vez só ela) frizou também o objectivo de controlo do tráfico das «small arms» - as que as potências ocidentais mais vendem e que mais matam por esse mundo fora.
2. Quanto ao ambiente, Kerry promete não apenas ratificar o Protocolo de Kyoto, mas reestruturar as políticas de abastecimento e consumo de energia, para reduzir drasticamente a dependência dos EUA do petróleo. Para isso advoga apostar no desenvolvimento das tecnologias assentes em energias limpas e renováveis. E aqui sente-se que há a marca empenhada, convicta, do candidato a Presidente e da mulher, Teresa, cuja Fundação Heinz tem financiado prioritariamente projectos ambientais.
3. Kerry quer também fazer uma viragem no orçamento e na política fiscal em particular. Os democratas não se cansam de lembrar que quando Clinton saiu da Presidência, os EUA tinham um considerável superavit, como há muito não acontecia; e agora sob Bush, o défice dos EUA não pára de se aprofundar. O campo Kerry está contra os cortes nos impostos que Bush está a aplicar, afirmando que ele beneficia apenas os mais ricos dos ricos (Clinton enfatizou-o), à custa da classe média e sobretudo dos mais pobres e mais desprotegidos socialmente. Kerry diz que vai sobretudo investir no sistema de saúde e na educação.
4. O último grande tema de demarcação é reconduzível aos chamados «valores» - e neste cesto cabe muito do que pode distinguir um liberal, um progressista, de um conservador ou de um reaccionário, em geometria variável, consoante os grupos de interesse, os Estados, os activistas, as igrejas, etc. Aborto e saúde reprodutiva incluem-se. Mas também a questão da igualdade, o casamento gay e adopção por gays. E o tema por que milita agora Nancy Reagan e até levou o filho à Convenção Democrática - a investigação sobre células estaminais, decisiva para a cura de doenças como Alzheimer ou Parkinson.
Aqui também arrumo a questão da Constituição - e a raiva é profunda nos Democratas, que acusam Bush e seus acólitos de a violar, com Guantanamo e medidas coarctantes dos direitos humanos e liberdades públicas, à pala do combate ao terrorismo. O Secretário da Justiça, John Ashcroft, é particularmente responsabilizado e odiado.
Em todas estas áreas, foi para mim estimulante sentir como vai alta a vaga reformadora e progressista nos Democratas. E, ao mesmo tempo, fiquei com um travo amargo, por sentir que cá no burgo (PS incluído) não tem havido suficiente sentido crítico e auto-crítico e iconoclastia para darmos o salto nas verdadeiras questões da modernidade que a nossa sociedade enfrenta. E muitas são as mesmas. É por estas e por outras que a América lidera, concorde-se ou não, goste-se ou não.
Ana Gomes