Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
quinta-feira, 26 de agosto de 2004
Cremações
Segundo um estudo do Credoc, recentemente publicado em França, os europeus optam cada vez mais pela cremação, tornando mais íntima e discreta, bem como laica, a cerimónia relacionada com a morte.
Pelo contrário, a cremação hindu, no ritual balinês (uma combinação não dogmática da tradição hindu de Shiva com a budista), é profundamente religiosa e nada tem de privado ou de discreto. A ocasião é solene e pública, envolvendo toda a comunidade. É o mais importante rito de passagem que a família pode proporcionar ao falecido e é também dispendiosa, de tal modo que se chegam a fazer enterros provisórios, aguardando a ocasião em que estão reunidos os recursos financeiros suficientes para organizar a função, que é hoje muitas vezes colectiva, pela mesma ordem de motivos.
Em Ubud, no centro da ilha de Bali, tive ocasião de assistir a uma dessas cerimónias. Talvez uma das mais grandiosas dos últimos anos, visto que se reunia a cremação de uma princesa, a última filha do antigo rei do Ubud, e da sua cunhada, com a de mais quarenta e dois cidadãos da região. A cremação da velha princesa foi antecedida de procissões e no dia próprio fez atrair à cidade milhares de pessoas, mobilizando outras tantas para os diversos rituais que decorreram desde a manhã. Carregado pela rua fora, numa torre de madeira de onze andares, simbolizando o universo, o corpo foi depois solenemente cremado num grande sarcófago em forma de touro (o animal é o meio de transporte da alma para a montanha sagrada), rica e coloridamente enfeitado. Antes, porém, belíssimos sarongs (o traje tradicional balinês), óleos, perfumes e outras oferendas foram colocados lenta e cuidadosamente no sarcófago para serem consumidos pelas chamas juntamente com tudo o resto, sempre ao som de uma orquestra, tradicionalmente denominada por “gamelan” (esse som etéreo que se ouve repousadamente sem cansar um pouco por toda aquela que é justamente considerada a ilha mais atraente e culturalmente mais rica do arquipélago indonésio).
(Pode ver a foto em tamanho maior clicando sobre ela.)
M M Leitão Marques