domingo, 31 de julho de 2005

Lugares de encanto

Bali, Indonésia, 2004.

Correio dos leitores: Infra-estruturas de transportes

«Duas ou três notas, para ponderar:
- Se, em vez de remendos numa linha do Norte sobrecarregada, tivesse sido feito o TGV no início da década de 90, entre Lisboa e Porto, já havia, há muito, alta velocidade ao preço dos remendos que só terminarão no dia de São Nunca, como os técnicos mais informados bem sabiam. Não sou eu o técnico mas o que se tem passado com a «renovação» da linha do Norte era dado como certo por pessoas que já o garantiam, pelo menos, em 1992; ? 400 Milhões depois ainda há quem discuta?
- Nenhum político acredita numa Linha Aveiro-Salamanca e, muito menos, Lisboa ? Algarve ? Sevilha. É música para tolos, que se enganam com bolos e TGV a parar em todos os apeadeiros... (...)
- Ota, não, mas Rio Frio, sim. Se nada se fizer, só quero saber quem vou acusar de homicídio voluntário quando ocorrer um grave acidente em Lisboa. É claro que a Ota não serve, porque não tem capacidade de expansão e porque é estupidamente cara. Como são estupidamente caras as obras de adaptação da Portela, as que vão ser feitas e as que têm sido feitas desde que foi declarada a utilidade pública das expropriações em Rio Frio na década de 70 (já havia aeroporto há muito, por menos do que custaram as obras na Portela). De remendo em remendo gasta-se o dinheiro e qualquer dia não há aeroporto nenhum, porque a Portela fecha por razões de segurança e ambientais...
Pondere e peça para ver os números das obras na Portela, pelo menos desde o início da década de 80, e na linha do Norte, desde o início da de 90 (e também, quanto custavam nessa altura as obras do TGV Lisboa-Porto e do aeroporto em Rio Frio...).»

Manuel Piteira

Sociedade de informação

Apoiar a "democratização" dos computadores é positivo. Resta o preço proibitivo da Internet de banda larga, muito acima da generalidade dos países europeus. Por que é que havemos de continuar a engordar os lucros da PT e demais operadores?

Correio dos leitores: Lisboetês

«(...) Para além dos desvios fonéticos (em relação ao Português padrão, claro) que mencionou, eu lembraria mais dois, que não sendo tão frequentes, caracterizam também o falar de Lisboa.
- A troca de "u" por "ó", em casos como, por exemplo, horrível (que dizem
hórrivel), ou mesmo universidade, que já tenho ouvido óniversidade.
- Este fenómeno é mais popular, por isso tem menos visibilidade na
Comunicação Social, mas fica referido: emudecer das vogais ou ditongos antes dos sufixos "inho", que também nem sempre são formados de acordo com as normas. Ex: sulinho, em vez de solzinho ou mesmo numa versão mais popular solinho, ou pexinho em vez de peixinho.
Reparei que não mencionou outros tiques do falar, que não fonéticos, mas também muito de Lisboa. "Pograma" em vez de programa é um clássico que teima em não passar de moda.
Queria, no entanto fazer um breve reparo em relação à admissão ou não de pronúncias de "puârto" ou "bijeu" em estações de rádio ou televisão. Se olharmos para os apresentadores de notícias quer na RTP1 quer na SIC temos uma forte presença do Porto (Rodrigo Guedes de Carvalho, Judite de Sousa, José Alberto Carvalho, Júlio Magalhães). Claro que nunca tiveram pronúncias do "Porto profundo", mais típicas do Bolhão ou da lota de Matosinhos, mas um ouvido minimamente atento nota claramente os sinais de "pertença" que, claro, eram ainda mais evidentes há anos quando chegaram a Lisboa. Já Fátima Campos Ferreira parece ter mais renitência em abandonar essa pertença, e creio que não há ouvido que não note o seu local de origem. Também tenho notado jovens actores com sotaque do norte a fazerem papéis em telenovelas e séries (nomeadamente as infantis) de lisboetas e, muitas vezes da "linha".»
JCD

sábado, 30 de julho de 2005

Lugares de encanto

Ilha de Bali, Indonésia.

Energia nuclear

Num longo artigo, o Financial Times analisa o renascimento do interesse pela energia nuclear, devido à subida dos combustíveis, à necessidade de limitar a emissão de gases com efeitos de estufa, e ao desenvolvimento de reactores mais seguros e eficientes.
Em Portugal, a recente proposta de um conhecido empresário foi recebida com frieza e por uma espécie de conspiração de silêncio. Num País tão dependente de energia como Portugal, a questão do nuclear não deveria ser um tabu. Como aqui já se defendeu há meses, talvez seja tempo de começar a discutir o assunto.

Correio dos leitores: Diferenciação positiva dos camionistas

«A "diferenciação positiva fiscal para camionistas" existe desde há uma vintena de anos, ou mais, em todos os países da Europa (e não só), sob a forma de uma carga fiscal sobre o gasóleo menor do que sobre a gasolina.
Essa diferenciação, entretanto, deixou de o constituir, já que a modernização dos motores diesel, incitada por essa mesma diferenciação, levou a que hoje em dia boa parte do parque automóvel particular funcione a gasóleo. (...) É portanto de facto necessário re-instaurar a diferenciação. Isso pode E DEVE ser feito à custa do aumento do imposto sobre o gasóleo que alimenta carros particulares. É injustificável que Portugal continue a subsidiar fiscalmente alguns condutores de automóveis particulares, em detrimento de outros.
E isto seria cumprir as recomendações nesse sentido da Comissão Europeia. (...)»

Luís Lavoura

Comentário
As coisas não são bem assim.
Primeiro, o alívio fiscal do gasóleo não visava especificamente os camionistas mas sim toda as actividades económicas que consomem tal combustível. Segundo, no caso dos automóveis de turismo a diesel, o benefício fiscal do gasóleo é compensado por um imposto automóvel (IA) mais levado na compra dos veículos. Terceiro, a proposta da UE de acabar com os benfícios fiscais ao gasóleo é acompanhada pela extinção do IA.

Pedigree

A defesa lisboeta da manutenção do "seu" aeroporto na Portela faz-me lembrar irresistivelmente a defesa pelo Porto, há uma vintena de anos, das tarifas de electricidade a preços inferiores a metade do restante território nacional ou, nos dias de hoje, a defesa dos privilégios financeiros da Madeira por Alberto João Jardim. Quem tem privilégios chama-lhes seus e não admite perdê-los.

Lisboetês (3)

Infelizmente, caro Walter Rodrigues, as idiossincrasias fonéticas do "lisboetês" não consistem somente na abundância de "chês" ou "jês". Embora esse seja o mais notório, há pelo menos mais três desvios importantes da norma fonética:
a) Pronúncia como "i" breve do "i" longo, em palavras como rio, tio, pavio, etc.
b) Universalização da metamorfose de "e" em "â", como em velho (pronunciado como vâlho), joelho (pronunciado comojoâlho), coelho (pronunciado como coâlho), etc.
c) Redução do ditongo "ai" em palavras como baixo (pronunciado como "bacho"), faixa (dito como "facha"), etc.
Desnecessário se torna dizer -- mas é conveniente fazê-lo para os distraídos ou mal intencionados -- que não está em causa o modo particular como os lisboetas falam. São livres para falarem como quiserem (embora me surpreenda o desmazelo linguístico de pessoas com formação superior). O que me parece censurável é que os profissionais dos meios de comunicação social não sigam a norma fonética nacional e usem uma pronúncia local em estações de rádio e de televisão nacionais, influenciando desse modo todo o país (dado o poder da televisão). É evidente que ninguém admitiria nessas estações um locutor com uma pronúncia à moda do "puârto" ou de "vijeu". Então, por que aceitar que eles falem à moda do "Caichedré" ou da "Linha"?

sexta-feira, 29 de julho de 2005

Peço desculpa pelo equívoco

"O interesse do país é que os contribuintes não sejam chamados a pagar um novo aeroporto para Lisboa, que Lisboa não quer e de que não precisa" (Miguel Sousa Tavares, PÚBLICO, 29-07-05). Julguei que o aeroporto internacional é para todo o país (10 milhões) e não para Lisboa (1 milhão). Pelos vistos, equivoquei-me...

Impunidade

Os polícias que na Assembleia da República participaram na vozearia e nos insultos soezes contra deputados e ministros não podem ficar impunes. O estatuto disciplinar, que prevê a suspensão imediata de funções em caso de infracção disciplinar grave, não é para ficar na gaveta. Esses senhores estão a mais na polícia. É uma questão de decência democrática e de elementar autoridade do Estado. Nada mais deletério numa democracia do que a impunidade dos agentes da ordem pública.

Os "direitos adquiridos" de Lisboa

A irritada resposta de Miguel Sousa Tavares, hoje no Público, ao meu artigo de terça-feira no mesmo jornal, pode bem figurar numa antologia das melhores defesas sindicais de "direitos adquiridos" a que temos assistido nos últimos tempos. A questão essencial, porém, está em que, enquanto MST defende o aeroporto de Lisboa, mesmo quando ele já deixou de servir as necessidades do País, eu defendo um novo aeroporto internacional para o País, naturalmente o mais próximo possível de Lisboa, só que infelizmente não pode ser dentro de Lisboa (no meu artigo eu nem sequer falava na Ota).
No meu artigo lamentava ver "pessoas normalmente lúcidas" a defender a desnecessidade de um novo aeroporto. Vejo que errei no adjectivo. A defesa de privilégios não salvaguarda a lucidez de ninguém. Quem tem privilégios chama-lhes seus e não admite perdê-los.

PS 1 - Reparo que MST não se referiu aos demais privilégios de Lisboa, por mim citados, o mais escandaloso dos quais é a responsabilidade do orçamento do Estado pelos transportes locais da capital. Também são "direitos adquiridos"?

PS 2
- Ao contrário de MST, eu não defendo nenhum aeroporto à porta de casa. Em matéria de transportes públicos relativamente a Coimbra só queria uma estação ferroviária digna desse nome (em vez do miserável apeadeiro actual). Bastava o custo de uma estação de metro de Lisboa...

Dili, remodelação, 2005

Ontem assisti em Dili à tomada de posse dos novos membros do Governo timorense. Três anos e um mês depois da Independência, ocorre a primeira remodelação governamental.
Que diferença!
Desde logo, a cerimónia tem lugar na antiga casa do Governador colonial em Lahane, agora residência oficial da Presidência da República. Bem recuperada (faltam alguns acabamentos e a decoração interior), com apoio da Câmara Municipal de Lisboa e da UCLA. A vista é magnífica sobre Dili, luz coada ao fim da tarde, Ataúro atrás do mar azul espelhado. Em 2002 a casa estava esventrada, sem telhado, queimada. Em Março de 1999, depois de visitar Timor-Leste pela primeira vez, disse a Xanana na prisão de Salemba que, se aquela casa não viesse um dia a ser utilizada pelo Estado timorense, teria de ser a residência da embaixada de Portugal.
A cerimónia é concorrida e formal, embora sem excessos. Discursos do PM e do PR curtos, medidos, lidos. Nada das arengas do passado. Profissional, embora distendida pelas provocados pelas bocas sorridentes que o PR vai mandando em surdina aos empossados.
Todos os homens membros do Governo estão de fato e gravata, Presidente da República incluido - em 2002, nas cerimónias da independência, ele recusara o apêndice. As mulheres mostram mais diversidade na fatiota, apesar da sobriedade geral. O corpo diplomático comenta quem é quem.
Há mais uma mulher Ministra - uma jovem engenheira na sensibilíssima pasta das Obras Públicas (passarão por ali boa parte dos milhões do petróleo nos próximos anos, as tentações não faltarão).
A remodelação tem a ver com a crise política recente, disparatadamente desencadeada e conduzida por certos tenores da Igreja. Que não se conformam por ter perdido protagonismo político (uns que há uns anos eu ouvi dizer, pouco cristamente, referindo-se aos indonésios em geral, «a gente perdoa-lhes, mas só depois de todos mortos...»). E que o ressaibiamento hoje cega, ao ponto de não se importarem de serem instrumentalizados por outros interesses para explorar a natural insatisfação de muito povo que ainda não viu as expectativas minimamente satisfeitas.
A remodelação é um bom princípio e vai no bom sentido. Mas parece-me ficar aquém das necessidades. E as necessidades passam muito pela capacidade de comunicação dos governantes com o povo. Esse que fora de Dili, nos distritos, só conhece o que vai na governação do país sobretudo através das homilias nas igrejas. Porque, todos concordam, a crise política ainda não está completamente encerrada. A procissão pode ainda ir no adro.

Foco errado

Penso que os apoiantes de Cavaco Silva que, de forma claramente concertada, insistem em valorizar as competências económicas e financeiras do antigo primeiro-ministro como vantagem para o cargo presidencial estão a prestar-lhe um mau serviço. Primeiro, não são as competências técnicas mas sim as qualidades políticas e humanas que são relevantes e decisivas para o cargo (para as questões técnicas há os assessores...); segundo, o que as pessoas esperam é que a política económica e financeira seja definida e executada pelo Governo, que por ela é responsável perante o Parlamento e o país, de acordo com o seu programa político, e não pelo Presidente da República, que não é eleito para isso; terceiro, a suspeita de ver em Belém uma espécie de ministro-sombra da oposição na pasta da economia e das finanças é tudo menos coerente com a alegada vocação de Cavaco Silva para a estabilidade política e a não ingerência na esfera governamental. Não é tudo isto evidente?

Então por que não saem?

Em mais uma das suas tiradas demagógicas, Berlusconi acusou o euro de ser responsável pelas dificuldades económicas e financeiras italianas, que a sua própria política incompetente e errática gerou. Pretende desse modo atacar Prodi, que era primeiro-ministro na altura da adesão da Itália à moeda única e que será o seu rival nas eleições gerais italianas do ano que vem.
É de perguntar: então por que não volta a Itália à lira? A resposta é simples: porque, com o imediato afundamento da dita e a subida drástica das taxas de juro que se seguiria, o país entraria em espiral de inflação e em provável bancarrota. Mas com chefes de governo destes, prontos a tomar as instituições comunitárias como bodes expiatórios da sua própria incapacidade, como há-de a UE estar de boa saúde?

Tocqueville

Passa hoje o bicentenário do nascimento de Alexis de Tocqueville, um dos mais importantes pensadores políticos dos últimos dois séculos, que ficou a dever a sua fama sobretudo a duas das suas obras, respectivamente, Democracia na América (1º volume em 1835) e O Antigo Regime e a Revolução (1856). Sendo um dos grandes teorizadores da democracia liberal e do liberalismo em geral, escreveu também páginas bem menos dignas de aplauso, como a justificação da sangrenta ocupação colonial francesa da Argélia.
As suas posições liberais e a sua preocupação contra a centralização do poder nas democracias fizeram dele uma das bandeiras das correntes neoliberais e, sobretudo, neoconservadoras contemporâneas. Mas, apesar dessa apropriação ideológica, ele permanece como uma das referências do património comum do pensamento liberal-democrático em geral.

quinta-feira, 28 de julho de 2005

Até que enfim!

Ao fim de mais de uma década na agenda das reformas do sistema político, a aprovação da limitação do número de mandatos dos presidentes das autarquais é uma boa notícia, mesmo nos termos limitados em que foi aprovada. Com ela o PS consegue um merecido êxito na implementação do seu programa de reformas políticas. As condições impostas pelo PSD, designadamente o adiamento da entrada em vigor da reforma, contradizem mais uma vez o autoproclamado espírito "reformista" do partido e mostram o excessivo peso que os autarcas têm na respectiva estrutura de poder. A posição do PCP, único partido a votar contra, testemunha tanto o seu atávico conservadorismo político como o seu receio de que o paradigma da limitação de mandatos políticos possa vir a estender-se no futuro aos próprios partidos...

O que vai estar em causa nas eleições presidenciais

«(...) A questão, para a direita e para a esquerda, é de novo saber se o Presidente é um factor de perigo ou de resguardo para os governos. Um Governo que tenha de agir com determinação para suster a crise financeira do Estado tem de contar com o apoio de um Presidente de referência - daí o recurso a Soares. Uma oposição que queira protagonizar um projecto de "regeneração" do País tem de contar com um Presidente forte - daí a esperança em Cavaco. É, uma vez mais, a espada da dissolução que se coloca sobre a cabeça dos governos de maioria. É, uma vez mais, o modelo do nosso semipresidencialismo que se questiona.» (J. M. Barroso, Diário de Notícias de hoje).

Lisboetês (2)

Contributos para um dicionário da pronúncia lisboeta ouvidos na rádio e na televisão:
acreche - acresce
ochila - oscila
machim - mas sim
maichedo - mais cedo
só deuchabe - só deus sabe
part'chivis - partes civis
dachopas - das sopas
quaichão uchinais - quais são os sinais
doijero - dois zero
trêchete - três sete
crechem uchintomas - crescem os sintomas

Mau sinal

Nenhuma das reivindicações dos camionistas me parece merecedora de ser satisfeita. Criação de privilégios e regimes especiais é coisa que neste momento deveria ser proibida, ainda por cima para um sector muito custoso em termos ambientais, que tem alternativa no transporte ferroviário. Mas o Governo já anunciou disposição para ceder, o que é mau, primeiro porque a causa não é meritória, depois porque a acção ilícita dos camionistas não deveria ser premiada.

Imagens com legenda


Entrada da estação (!?) ferroviária de Coimbra, Portugal, UE (sim, não é na África central). O país que o manifesto dos 13 economistas desconhece...

Correio dos leitores: Portugal sem destino

«(...) Como podem, aqueles que se interessam por política, que acompanham a vida do País e que gostavam de ter uma participação mais activa em termos de "pensar Portugal", alcançar esse desiderato fora e para além dos partidos?
Ou, numa perspectiva diferente, como podem os partidos regenerar-se e atrair as novas gerações para a política activa, sem lhes impor a "via dolorosa" das J's, da militância de comício, do papel de figurantes em campanhas eleitorais?
Isto é o essencial. (...) No entanto, do acompanhamento que faço da vida pública portuguesa, parece-me que, desde o 25 de Abril, os actores principais são sempre "os mesmos". Não há rejuvenescimento. Não há - assim o parece - ideias novas, novas aspirações. As candidaturas de Mário Soares e de Cavaco Silva são, na minha opinião, "mais do mesmo", "revisão da matéria".
É desolador. Gostava de mais para o meu País. Gostava que os portugueses vivessem melhor e com mais ambição. Mas parece-me que Portugal está, de novo, amordaçado. Da comunicação social às cúpulas partidárias, não se houve um grito de revolta. Parece que vivemos em circuito fechado e, sobretudo, abafado. (...) Portugal vai ficando cada vez mais pobre. Quem nos salva deste caminho? Que esperança podemos ainda ter?»

André de Serpa Soares

Correio dos leitores: O novo aeroporto

«(...) O que nos pode envergonhar não é sermos pobres e fazer o que tem que ser feito para corrigir o plano inclinado para que alertam todas as vozes lúcidas (onde a sua muito justamente se incluí). O que nos pode envergonhar é a atitude de novo rico irresponsável. Obras de fachada, à la Jorge Coelho, na suposição de que ajudam a ganhar eleições, e depois logo se vê! E vai-se ao ponto de dizer que são de borla para o povo porque a iniciativa privada faz todo o investimento. Querem fazer de nós parvos. Nem na Brisa isso é assim. Vejam a travessia ferroviária concessionada do Tejo.
Pretender que todos os que, já não digo contestam, mas simplesmente querem conhecer os fundamentos de racionalidade de investimentos públicos tão pesados se motivam unicamente por regionalismo lisboeta estreito é demais. Não sei se alguns o fazem, mas muitos, seguramente que o não fazem com essa motivação. E é isso que é lamentável na sua posição, pois aparentemente lhe escapa a percepção de que se assiste uma viragem de atitude da sociedade civil nesta matéria a que o actual governo foi sensível ao ponto de mandar as promesas eleitorais para as urtigas e atacar com coragem os regimes de excepção sem justificação na AP.»

José Estrela

"O sindicato de Lisboa"

Já está disponível na Aba da Causa o meu artigo de terça-feira passada sobre a oposição lisboeta ao novo aeroporto internacional.

quarta-feira, 27 de julho de 2005

"Diferenciação positiva"

«Governo estuda "diferenciação positiva" fiscal para camionistas». Por pressão dos interessados, lá se vai sobrecarregar o sistema fiscal com mais uma complicação. Neste ponto estou cada vez mais convicto de que os efeitos negativos da complexidade do sistema fiscal sobre a sua eficiência tornam muito problemáticas as tais medidas de diferenciação positiva. Não há sistema fiscal que resista a tanta diferenciação, dedução, isenção, etc., etc.

Contra-terrorismo

O jovem brasileiro que a polícia britânica confundiu precipitadamente com um terrorista foi morto com nada menos de sete tiros na cabeça a curta distância quando já estava imobilizado no solo. Um puro assassinato oficial; um inadmissível excesso policial. Numa democracia o contraterrorismo não pode justificar tudo, muoito menos a execução sumária de inocentes, mesmo quando a populaça e a imprensa populista clamam por sangue. Um Estado de direito não tem direito à pena de talião.

Moralização

«Ministério da Educação vai definir novos limites à acumulação dos professores». As medidas de moralização da Ministra da Educação continuam. Que não esmoreça...

Presidencialismo

A tese de Pacheco Pereira sobre uma pretensa melhor posição de Cavaco Silva, comparado com Soares, para assegurar a estabilidade política tem o defeito óbvio de não colar com a realidade. Ninguém pode imaginar o primeiro a prescindir de interferir na esfera do Governo (está-lhe na massa do sangue...).
Para além da instabilidade governativa, o que está em causa é também a própria estabilidade do regime. Não pode ingnorar-se a vontade de muitos círculos da direita de alterar as regras do jogo. Ainda há dias um conhecido e qualificado deputado do PSD, Paulo Rangel, insinuava no Público que com Cavaco o regime poderia evoluir para um sistema protopresidencialista à maneira francesa (só ficou por dizer como é que isso seria compatível com a Constituição...). E hoje mesmo Manuel Queiró, do CDS/PP, escreve o seguinte no mesmo jornal:
«A previsível eleição de Cavaco Silva era até há pouco, com razão ou sem ela, o terreno onde se jogavam todas as esperanças de regeneração do sistema político. Sem ainda suficientes indicações para tal, crescia difusamente a convicção de que, com Cavaco em Belém, nada ficaria na mesma nas relações entre o poder executivo e a presidência. Uma espécie de revolução silenciosa ocorreria. O pendor parlamentar do regime entraria naturalmente em declínio, sem que para já ninguém avançasse com os contornos dessa mudança. O sentido e a natureza das alterações ficariam entregues a Cavaco, mais uma vez providencial e sabedor do melhor para Portugal.» (Sublinhado acrescentado)
Os dados são portanto claros. De novo, tal como em 1986, o que está em causa nas próximas eleições presidenciais é a natureza e a estabilidade do regime político.

Manifesto

O partido dos economistas/financistas que acham que o investimento em obras públicas é em princípio mau (e que ele é incompatível com a disciplina das finanças públicas) publicou um manifesto. A prosa é banal, mas o que conta é a intenção política. Nada de surpreendente, porém, vista a composição da equipa e as ideias conhecidas de quase todos os seus componentes (só sendo de estranhar a adesão de José da Silva Lopes).

"Lisboetês"

Face à frequência de erros ortográficos e gramaticais em textos publicados, alguém lançou aqui há tempos no "Ciberdúvidas da Língua Portuguesa" a proposta de introdução de um teste de Português nas provas de acesso às profissões da comunicação social.
Por minha parte parece-me igualmente importante um teste de pronúncia para os profissionais dos meios audiovisuais, incluindo os publicitários. De facto, é cada vez mais irritante o domínio avassalador da pronúncia corrente de Lisboa, que outrora já designei por "Lisboetês". Já cansa ouvir por exemplo "fachínio" (em vez de fascínio), "fachículo" (em vez de fascículo), ou "seichentos" (em vez de seiscentos); pior ainda é ouvir "chelente" (em vez de excelente), "chèção" (em vez de excepção), "chèsso" (em vez de excesso), "cherto" (em vez de excerto), etc. Há pouco na televisão um anúncio exaltava a capacidade do Euromilhões para criar "chêntricos" (em vez de "excêntricos"...).
Que os leigos usem tal pronúncia, entende-se --, mesmo quando seria de exigir melhor da sua condição (há tempos um membro do Governo asseverava que "nó-chomos um paí-chuberano", querendo dizer "nós somos um país soberano"). Agora que muitos profissionais incorram nas mesmas deficiências, isso é inaceitável, sobretudo quando se trata de emissões de âmbito nacional, visto que aquela pronúncia é pelo menos exótica na maior parte do país. Lamentavelmente a colonização lisboeta nos "media" vai vulgarizando o modo de falar lisboeta por esse país fora.

terça-feira, 26 de julho de 2005

Anti-Soares (2)

Os comentadores que invocam o risco de incapacitação como argumento contra a eventual eleição de Mário Soares para Presidente da República deveriam saber que a Constitução prevê a vagatura do cargo (e portanto convocação de novas eleições) em caso de "incapacidade física permanente", conceito relativamente indeterminado verificado pelo Tribunal Constitucional, pelo que é totalmente despropositada a invocação do caso de Salazar (que, aliás, não era Presidente da República e que foi devidamente substituído em consequência da incapacitação).

Anti-Soares (1)

Não entendo este argumento de Paulo Gorjão. A razão por que a Constituição exige uma idade mínima para Presidente da República (e bem) tem a ver com a maturidade necessária para o exercício do cargo, coisa que é suposto existir em abundância nos seniores, razão pela qual a Constituição não estabelece (e bem) limite máximo de idade (de resto, não existe tal limite para nenhum cargo político...).

Deontologia jornalística

José Manuel Fernandes voltou ontem no Público (versão electrónica acessível por assinatura) à questão da responsabilidade deontológica dos jornalistas, em contraposição com o que escrevi no mesmo jornal há algum tempo (texto disponível aqui). JMF concorda que as infracções deontológicas devem ser sancionadas, o que é a questão essencial. Fico satisfeito com esta convergência fundamental.
Subsistem duas questões em aberto: (i) se deve ser a lei a definir os deveres deontológicos e (ii) que organismo deve ser competente para aplicar as sanções.
Quanto à primeira questão, importa lembrar que a definição dos deveres deontológicos já consta da actual lei (alguns dos quais JMF critica) e que essa é a solução em vários estatutos legais das nossas ordens profissionais. Quanto à segunda questão, é a minha vez de concordar (como, aliás, já decorria do meu artigo) que a solução preferível é a autodisciplina, através de um órgão representativo da própria profissão. O que eu penso é que não se torna necessário criar uma associação pública profissional obrigatória, tipo ordem, que é uma solução controversa e onerosa, fazendo todo o sentido aproveitar a Comissão da Carteira Profissional para esse efeito (se necessário mudando de nome), criando nela uma secção disciplinar, composta somente pelos jornalistas e eventualmente pelo juiz-presidente. Quanto a este, devo recordar que em vários países o conselho disciplinar das ordens é presidido por um magistrado, como sucede na França e na Alemanha, sem que isso seja considerado um atentado à autodisciplina profissional.

Argumentos errados

O argumento mais errado contra a candidatura presidencial de Soares é o da idade; e o mais errado a favor é o de que ele já tem experiência do cargo.
O argumento mais errado contra a candidatura de Cavaco Silva é o de que ele não tem perfil para o lugar; e o mais errado a favor é o de que o País precisa de um economista em Belém.

Parasitismo

"São muitos os colégios que vivem do trabalho dos professores do ensino oficial. Por um lado, têm professores tarimbados, por outro, fica-lhes mais barato, pois não fazem descontos", explicou ao JN Teresa Maia Mendes, dirigente da Federação Nacional dos Professores (via O Jumento).
Depois dizem que as escolas privadas são mais económicas do que as públicas!...

Distinções

quem não distinga entre empreendimentos privados e parcerias público-privadas. Depois falam em "contradições" que só existem na sua cabeça. É evidente que os grandes investimentos em infra-estruturas, dado a sua grandeza e o seu risco, só são, em geral, atraentes para as empresas privadas em regime de parceria com o Estado.

E tudo se precipitou

Subitamente, com a jogada combinada de Sócrates e Soares sobre a candidatura presidencial deste, tudo se precipitou na questão das eleições presidenciais. À esquerda a questão ficou portanto resolvida. Manuel Alegre hesitou e perdeu a oportunidade; Freitas do Amaral estava fora de jogo desde o início. À direita é evidente que Cavaco Silva não pode agora deixar de ser candidato também. É uma questão de brio e amor-próprio.
Os dados estão pois lançados. O resultado é imprevisível, naturalmente. Mas vai ser um combate de pesos pesados.

Concorrência desleal

No seu artigo no Público da semana passada, Mário Pinto sugere que as escolas privadas deveriam fazer queixa contra o Estado por "concorrência desleal", por causa de este financiar as escolas públicas e não aquelas. Pela mesma ordem de ideas, as clínicas privadas deveriam fazer idêntica queixa, por causa de o Estado só financiar os hospitais públicos; e as companhias de segurança privadas deveriam também queixar-se da concorrência desleal da polícia; e os anarquistas e libertários, da concorrência desleal do Estado...

Ordens

Respondendo a uma carta publicada no Público por um dos líderes da organização pró-ordem dos professores, tenho a assinalar duas notas: (i) a primeira ordem profissional entre nós, a Ordem dos Advogados, foi criada num dos primeiros governos da Ditadura que precedeu e preparou o Esstado Novo, sendo depois integrada na organização corporativa juntamente com as demais entretanto criadas; (ii) a auto-regulação profissional não pressupõe necessariamente a existência de ordens, que são apenas uma das expressões daquela.

quinta-feira, 21 de julho de 2005

paradoxo metafísico ou uma grande chatice

Esqueci-me de pagar a conta da TVCabo o que significa que, há mais de uma semana, não tenho net nem tv em casa. O divertido é, ao mesmo tempo que isto acontece, estar a apresentar um programa em directo na 2:, A Revolta dos Pastéis de Nata. Fazer televisão e não a poder ver. Restam-me os dvd's e, sobretudo, a Playstation. Graças a este paradoxo, estou prestes a levar o meu Benfica à final da Champions League. Não é que o Vieira tinha razão?

Correio dos leitores: Freitas do Amaral

«(...) A direita não pode perdoar ao Ministro dos Negócios Estrangeiros a sua participação num Governo PS; a esquerda não lhe perdoa nem o seu passado nem a sua independência presente.
Uma entrevista notável -- nomeadamente na parte que se refere à política externa -- é transformada num acto de traição ao Governo e de candidatura à Presidência. Mas basta ler a entrevista na sua integralidade para se perceber que nada disso tem qualquer fundamento. Solidariedade governamental: repetidamente afirmada; mesmo quando há laivos de crítica, Freitas do Amaral apresenta-se como co-responsável pelos eventuais erros cometidos -- que se relacionariam, aliás, mais com a estratégia de comunicação do que com o conteúdo das medidas difíceis adoptadas pelo executivo. Candidatura presidencial: Freitas do Amaral não exclui a hipótese de se candidatar (e porque deveria fazê-lo) mas afirma claramente que esse assunto não é prioritário para si. (...) Por outro lado, não há qualquer inibição no apoio às medidas impopulares tomadas pelo Governo que são consideradas necessárias, justas e equilibradas. Tudo foi feito «com muita ponderação, conta, peso e medida»...
(...) Freitas do Amaral é um homem que tem um currículo que envergonha a maior parte dos seus actuais críticos. Seria, para mim, um excelente Presidente da República (e eu não teria qualquer dúvida em votar nele), como será um excelente Ministro dos Negócios Estrangeiros. O que espanta é que este país prefira certas nulidades a pessoas com passado, cultura e inteligência. Isso é que é o sinal da (falta de) qualidade das nossas elites (...).»

José Pedro Pessoa e Costa

É este o aeroporto que querem manter indefinidamente?

«O ministro das Obras Públicas frisou que "a continuação da Portela é inviável", até porque este aeroporto já tem hoje graves limitações por não cumprir o estabelecido nas normas da União Europeia em matéria de níveis de ruído. Estas limitações implicam que a Portela não possa, já hoje, funcionar durante a noite, pois o ruído afecta actualmente cerca de 150 mil pessoas. Para além disso, o actual aeroporto está já a recusar diariamente cerca de 84 voos, por falta de capacidade de resposta. A Portela corre ainda o sério risco de ser "desqualificada" como aeroporto europeu, num prazo de dez anos, precisamente por causa dos seus constrangimentos ambientais.» (Diário de Notícias de hoje)

"Mangar com o pagode"

No que respeita à importante reforma da limitação dos mandatos dos titulares de cargos políticos o PSD opõe-se em dois importantes pontos à proposta do PS. Primeiro, quer aplicar a limitação apenas aos autarcas, excluindo os chefes de governo regional e os primeiros-ministros, como propõe o PS; segundo, quer que a contagem dos mandatos seja reposta a zero, ignorando os já completados, diferentemente do PS, que em relação a quem já tenha três mandatos ou mais só admite o desempenho de mais um.
Se com a restrição aos autarcas a reforma ainda faria sentido -- pois é em relação a eles que ela se torna mais necessária (esquecendo A. J. Jardim...) --, já a ideia de permitir que quem já tem três mandatos ou mais ainda possa fazer mais outros três só poder ser a "mangar com o pagode". Se constitucionalmente nada exige tal solução, ela é também politicamente injustificável. O PSD quer mesmo alguma reforma?

Pós-secularismo

Ja está na Aba da Causa o meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe. A questão é a seguinte: o actual ressurgimento da religião na esfera pública implica uma revisão da natureza laica do Estado ou, pelo contrário, o seu reforço?

quarta-feira, 20 de julho de 2005

Demissão

Quando um ministro das finanças, de propósito ou desajeitadamente, dá a entender ou deixa perceber que se quer demarcar publicamente do Governo numa questão politicamente sensível (no caso a política de investimentos públicos), não resta outro caminho se não a demissão (mesmo que julgue que tem razão). E antes cedo do que tarde. Se foi ele a aperceber-se disso, ainda bem; se foi Sócrates a tirar a "moralidade" da história, ainda melhor...

Saltar etapas, rumo ao desastre

«PCP defende novo referendo à regionalização em 2007». Os adversários da regionalização só podem agradecer outro referendo prematuro, votado a novo desaire, o que significaria a morte definitiva do projecto regionalizador. De resto, como o PS e o Governo já garantiram que tal referendo não se fará nesta legislatura, antes de haver condições para o vencer, é evidente que o PCP só quer instrumentalizar a questão da regionalização para "chatear" o PS. Elementar...

Disponibilidade

Afinal, a principal "mensagem" da entrevista de Freitas do Amaral ao Diário de Notícias, ontem anunciada e hoje publicada, tem a ver com as eleições presidenciais. Ele acha que se está a deixar Cavaco Silva ocupar o terreno sem contestação, censura implicitamente o PS por estar a adiar demasiado esta questão, explica por que é que Cavaco em Belém poderia dificultar a vida do Governo e, para o caso de alguém não ter dado conta, deixa entender claramente que, se for necessário, está disponível para ser ele a disputar o cargo contra o seu aliado de há vinte anos.
Se era intenção de Sócrates continuar a manter esse tema fora da agenda política do PS, parece óbvio que o seu Ministro dos Negócios Estrangeiros não compartilha da mesma opinião. E a sua disponibilidade fica, incontornavelmente, no ar, "just in case", à consideração de Sócrates...

"Soluções" neoliberais

Um colunista do "Diário de Notícias" da linha neoliberal escrevia ontem sobre a solução dos problemas financeiros do Estado, propondo como solução a privatização das suas funções sociais, nomeadamente a segurança social, a saúde e a educação. Sobre esta preconiza o seguinte: «A educação, com especial relevo para o ensino básico e secundário, deverá igualmente ser transferida para o sector privado, através da adopção dum sistema de cheques educação ou de crédito de imposto.»
A gente lê e pasma. Em que é que esta privatização do ensino aliviaria a despesa pública, se afinal o Estado continuaria pagar o ensino privado!? Aliás, muito provavelmente essa solução até traria mais despesa pública, pois o Estado passaria a suportar os alunos que hoje estão nas escolas privadas à sua custa, e além do pagamento às escolas privadas teria sempre de pagar os professores e funcionários que não poderia despedir...
É caso para dizer que é mais fácil apanhar um falso liberal do que um coxo! Na verdade, o que se propõe não é aliviar o Estado dessa tarefa mas sim convertê-lo ao papel de pagador das escolas privadas. Ora, numa lógica coerentemente neoliberal que justificação é que há para que o ensino não seja uma responsabilidade privada?

terça-feira, 19 de julho de 2005

Não havia necessidade

Eu também acho que Sócrates não devia ter dito na campanha eleitoral que não ia aumentar impostos (nem o contrário). Mas emiti essa opinião aqui mesmo na própria altura, por me parecer que a situação financeira que o Governo iria herdar não poderia prescindir de um considerável aumento de receitas ficais. Agora que um membro do Governo como Freitas do Amaral venha dizer isso, passados meses, não me parece fazer muito sentido. Ou faz?

Estátuas em vida?

Manuel Alegre merece todas as homenagens de Coimbra, do município à Universidade. Mas muito me admiraria que ele aceitasse ser glorificado com uma estátua. Estátuas em vida não rimam bem com esquerda nem com poesia...

Correio dos leitores: Novo aeroporto

«Não posso deixar passar sem reparo a sua entrada de sábado, intitulada "Vistas Curtas". Por que motivo é que afirma que quem se oponha ao projecto da OTA está a defender "os interesses localistas imediatos de Lisboa"? Não seria eu quem diria que todos os defensores da OTA estão a defender os interesses localistas imediatos do centro do país.(...)
Não tenho suficientes conhecimentos para ter uma opinião definitiva, mas tudo o que tenho lido leva-me a crer que seria um disparate afastar o aeroporto para 50 km de Lisboa, com custos exorbitantes, que, ainda por cima, tornariam absurdos todos os gastos que se tem tido com a Portela nos últimos anos.
O que observo é haver vários lobbies interessados na Ota: a construção civil em geral; a ANA e a TAP, que olham com pânico para qualquer solução que viabilizasse voos de baixo preço ("low cost") noutros aeroporto perto de Lisboa (Alverca, Montijo, Tires, etc.).
Não desprezo o risco associado à implantação urbana da Portela, mas considero-o aceitável para um país com as dificuldades financeiras que nós temos. Se estivessemos a nadar em dinheiro, talvez olhasse com mais interesse para os argumentos dos otistas. (...)»

Miguel Magalhães

«A mim parece-me que vistas curtas são as daqueles que defendem a mudança do aeroporto de Lisboa com base num suposto aumento de tráfego aéreo ao longo dos próximos decénios. É preciso ter em conta que ainda não se encontrou forma de fazer aviões voar sem ser a petróleo. E o petróleo está perto do pico da sua produção mundial, e a procura de petróleo está a aumentar rapidamente nos países asiáticos. Estes factos sugerem que, ao longo dos próximos decénios, a utilização do avião nos países ocidentais não poderá crescer muito mais - provavelmente terá que decrescer.
Um novo aeroporto demora 10 anos a estar pronto, e só faz sentido construí-lo se for para o utilizar durante 20 ou 30 anos. Fazer prospeções do futuro a um tal prazo é difícil. O passado não é bom guia para prever o futuro! O facto de o tráfego aéreo ter vindo a aumentar não implica que ele vá continuar a fazê-lo. A mim parece-me impossível que ele continue a aumentar (no Ocidente) por muitos mais anos.»

Luís Lavoura

«Fico surpreendido pela sua posição (mesmo descontando a motivação de ferroada política) sobretudo porque admiro o posicionamento que tem sobre as SCUT, atento o seu posicionamento político.
Não decorre do argumento que cita "...estando indesmentivelmente previsto para dentro de poucos anos o esgotamento da capacidade do actual aeroporto da capital..." a construção do novo aeroporto na Ota como tem sido apresentada quando continua sem resposta (publicação na Internet dos estudos fundamentadores) o repto para uma solução equivalente, gradualista e mais mais barata (Portela + Alverca, por exemplo)».

JE

Correio dos leitores: Escola pública

«Parece-me(...) que nem tudo foi dito contra o sistema vouchers e a pseudo-liberdade de escolha da escola privada. O sistema de vouchers apenas favorece a criação de «guetos» em que cada confissão religiosa, etnia ou grupo social escolhe excluir todos os outros. É uma opção contra a escola inclusiva, que apenas confere a cada grupo a possibilidade de viver e ser educado apenas com os seus, excluindo todos os restantes. A cada casta sua escola, é este o princípio da liberdade de escolha a que se referem os defensores da escola privada...»
Manuel Piteira

Correio dos leitores: Caminhos-de-ferro

«Gostaria de fazer a seguinte pergunta relativamente à rede ferroviária de alta velocidade: será que a alta-velocidade é prioritária quando não temos uma estrutura básica ferroviária em condições no país?
Vamos a outros países europeus - por exemplo a Alemanha ou a Holanda, onde resido - e é possível viajar entre praticamente qualquer cidade com um mínimo de expressão sem muitas mudanças de comboio e sem esperar longos períodos pela mudança. Quaisquer cidades separadas por cerca de 100 kms terão ligação directa entre si, sem necessidade de mudança de comboio. (...)
Em Portugal não é possível ligar directamente Coimbra e Leiria - 60 ou 70 kms! Leiria, capital de um distrito fortemente industrializado, não possui uma ligação ao intercidades ou alfa pendular, as nossas ligações rápidas. A ligação Porto-Bragança, 200 a 250 kms, não existe. O mesmo se passa com qualquer capital de distrito no interior. As estações portuguesas são uma verdadeira vergonha - já referiu, e com razão, por diversas vezes, o problema com as estações de Coimbra.
Os comboios não têm um mínimo de condições de conforto.
(...) Será que antes de embarcarmos em aventuras - que serão necessárias no futuro, não o nego - como a alta velocidade, não deveríamos antes começar por remodelar a nossa rede ferroviária convencional? (...)»

João Sousa André

Direito de resposta: "Privilégios sindicais"

O dirigente sindical Mário Nogueira, indirectamente citado neste post, desmente a notícia jornalística que lhe deu origem. Como é devido, e justo, aqui fica o essencial da sua resposta:
«Sempre que há uma Greve, como refere a lei, "as ausências [ao serviço] durante o período de greve presumem-se motivadas pelo exercício do respectivo direito?. Acontece, contudo, que em dia de Greve há professores que por não terem serviço na sua escola não podem ser contabilizados para efeito da greve, não podendo por isso ser-lhes descontado o dia de salário. São os casos, por exemplo, dos colegas de atestado médico, de "folga", de férias ou em situação que os dispense de actividade docente para qualquer efeito, tal como os dirigentes sindicais com dispensa total de serviço, como é o meu caso, os vereadores a tempo inteiro nas autarquias, entre muitos outros.
Nestes casos, dada a impossibilidade de lhes ser descontado o dia pela escola, há professores que fazem chegar ao Sindicato, sempre que há greve, um cheque no valor de um dia do seu salário, procedimento que no SPRC é obrigatório em relação a todos os que se encontram a tempo inteiro.
Para o SPRC seria inadmissível e intolerável que os seus dirigentes sindicais beneficiassem de algum privilégio relativamente à sua situação de professor e, por essa razão, tornou esse procedimento obrigatório em relação a todos os que se encontram com dispensa total de serviço para actividade sindical ou, tendo apenas redução parcial, o dia de greve coincida com um em que não tem serviço na escola. Obrigatório desde o momento da fundação do SPRC, o que aconteceu há 23 anos!
A verba recolhida é, então, incluída no chamado ?fundo de solidariedade? e serve para apoiar causas e iniciativas (...).
Por isso, o que está em causa não é o desconto do salário dos dirigentes sindicais em greve que, no SPRC, como nos restantes Sindicatos da FENPROF é obrigatório! E, até, em relação à greve em referência tanto eu como a colega Helena e outro colega do mesmo agrupamento, descontámos, como antes disse, dois dias de salário (um pela escola, outro para o SPRC). (...)»

Mário Nogueira

segunda-feira, 18 de julho de 2005

«Incorrecto»

Com a prestimosa contribuição do Público, que procede à sua distribuição, lá vai sobrevivendo a revista "Nova Cidadania", que se autopromove com a frase «6 anos politicamente incorrectos». Mas o que é que pode haver de "incorrecto" numa publicação de direita que não é mais do que uma mistura de chão conservadorismo tradicional com banal neoconservadorismo?

Competência

A competência de Mário Pinto para tratar dos aspectos constitucionais do direito ao ensino e da liberdade de ensino (cfr. artigo hoje no Público) é igual à minha para discutir teologia católica, ou seja, nenhuma. Já a sua competência para representar o grupo-de-interesse das escolas privadas, essa ninguém lha contesta. É pena é misturar uma coisa com outra...

Julguei que estávamos em austeridade financeira...

A ministra da Cultura anunciou a disponibilidade do Estado para apoiar financeiramente a sobrevivência da companhia de ballet da Gulbenkian, que a Fundação resolveu extinguir. Mas o Estado não tem já a sua própria instituição oficial de ballet, a Companhia Nacional de Bailado?

sábado, 16 de julho de 2005

Vistas curtas

De um líder político que alinha demagogicamente com os interesses localistas imediatos de Lisboa na questão do novo aeroporto não são de esperar grandes vôos. Estando indesmentivelmente previsto para dentro de poucos anos o esgotamento da capacidade do actual aeroporto da capital -- e mesmo assim à custa de enormes investimentos para lhe prolongar a vida até 2015 --, como é o presidente do PSD pode tomar posições tão pouco responsáveis? Ainda se se tratasse de algum candidato ao município de Lisboa...

Privilégios sindicais

Que dizer de dirigentes sindicais que convocam greves, que implicam para os grevistas perda de remuneração dos dias de greve, e que depois pretendem receber a remuneração do dia de greve como se não tivessem feito greve, invocando dispensa de serviço para trabalho sindical? Há alguma moralidade nisso?

sexta-feira, 15 de julho de 2005

Correio dos leitores: A escola pública (3)

«Li com atenção e particular agrado o seu artigo no «Público». Mais uma vez verifico a forma pertinente como desmonta a polémica com que tantas vezes se tem rodeado a discussão em torno da chamada liberdade de ensino em Portugal. Permito-me juntar apenas um argumento adicional. Como pai de um jovem autista é na escola pública que encontro as condições possíveis (e desejáveis) de integração do meu filho numa escola que se pretende inclusiva. Com que direito o Estado continua a subsidiar directa ou indirectamente o ensino privado que, regra geral, crianças como o meu filho não tem hipóteses de frequentar?
Mesmo ao nível da educação pré-escolar, onde os apoios educativos abrangem escolas privadas, a inclusão de crianças com necessidades educativas especiais é recusada ou desaconselhada. Falo por experiência própria, mas também não me esqueço da recusa por parte do colégio onde em Braga frequentei o Ensino Primário - o Colégio D. Diogo de Sousa - em admitir uma criança com o síndrome de Down cujo irmão mais velho era já aluno da referida instituição.»

João Pedro Cunha-Ribeiro

Correio dos leitores: A escola pública (2)

«Concordo com o essêncial do artigo respeitante à escola pública/escola privada. No entanto gostaria de fazer notar que essas opiniões têm como ponto de partida que em todos os lugares existe uma "oferta" de escola pública em quantidade e qualidade aceitáveis. O que não sucede, por exemplo em algumas zonas de Lisboa, onde o parque escolar é insuficiente (nomeadamente por se deixar urbanizar sem que se instalem outros equipamentos) ou aquele que existe só oferece mau ensino, insegurança e horários incompatíveis com a profissão dos pais. Veja-se por exemplo os casos das Expo (escolas insuficientes) e do Lumiar (escolas insuficientes e oferta "degradada"). Como resultado desta situação sou obrigado a ter osmeus filhos numa escola privada, o que consome uma enorme fatia do orçamento familiar. É uma decisão que cabe a mim, mas que desonera o Estado de alguma responsabilidade e assim tenho a "garantia" que os meus filhos terão uma melhor formação escolar, o que os beneficiará, mas também beneficiará o País.
Gostaria, e muito, de ter à disposição dos meus filhos uma boa escola pública. Tenho procurado saber junto da autarquia de Lisboa e do Ministério daEducação o porquê da não criação dos estabelecimentos de ensino público na zona onde moro, mas nunca obtive qualquer resposta...».

David Caldeira

Correio dos leitores: A escola pública

«Pensa que os objetivos com os quais o ensino público foi criado no século 19, nomeadamente o fomento da coesão e unidade nacionais e linguísticas, são compagináveis com as aspirações de liberdade, inclusivamente cultural, dos cidadãos, e com os atuais países multi-étnicos e multi-religiosos? Não lhe parece que, pelo contrário, o espírito nacionalista do século 19 é contraditório com a forma moderna
de ver o mundo e os países?
Os liberais não são a favor da desresponsabilização do Estado no financiamento do ensino, ao contrário daquilo que Você afirma no seu artigo. São a favor de que esse financiamento permita ao aluno (ou aos seus pais) a escolha da escola. Isso pode ser feito através de um sistema de "vouchers", por exemplo, no qual o financiamento é dirigido para a escola que o aluno decide frequentar, seja qual fôr a sua natureza. Não há neste sistema qualquer eliminação das responsabilidades estatais na garantia do direito à educação. Simplesmente, essas responsabilidades deixam de ser efectivadas através do financiamento a algumas escolas, e passam a ser efectivadas através do financiamento directo ao aluno. O aluno fica assim com a total liberdade de escolher a escola que pretende.»

Luís Lavoura

Comentário
1. A principal razão de ser da escola pública é a de proporcionar a toda a gente um ensino não confessional nem sectário, sem distinções de qualquer espécie. O carácter multi-étnico e multi-religioso das actuais sociedades só aumenta essa responsabilidade. A escola pública é um meio de integração e inclusão social.
2. Eu não disse que os liberais querem a desresponsabilização do Estado do ensino, pelo contrário. Mas se eles fossem liberais coerentes, era o que deveriam querer, dispensando o Estado dessa tarefa. Assim, como são falsos liberais, o que pretendem é que o Estado financie as escolas privadas.
3. O Estado não tem nenhuma obrigação de financiar o ensino privado, nem deve fazê-lo. O seu único dever é oferecer um ensino público de qualidade a toda a gente e não fomentar escolas confessionais, identitárias e segregacionistas.
4. Pelas razões que expliquei no meu artigo, o regime de "vouchers" não proporciona muito mais liberdade de escolha do que a que já existe. Apenas subsidiaria as escolas privadas àqueles que já as frequentam. Ninguém vai trocar uma boa escola pública por uma escola privada medíocre. E as escolas privadas de qualidade são dispendiosas.

quinta-feira, 14 de julho de 2005

A singularidade da escola pública

Já está disponível na Aba da Causa o meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe. Entretanto considero pertinentes as achegas e observações de J. Vasconcelos Costa, cujo comentário agradeço.

terça-feira, 12 de julho de 2005

Concorrência, precisa-se

Fizeram-me chegar a reprodução de um anúncio relativo ao trespasse de uma farmácia numa cidade do interior, emitido por uma empresa de mediação imobiliária especializada em negócios de farmácias. Valor proposto: 5 milhões de euros, ou seja, 1 milhão de contos! (No link da empresa consta a indicação da farmácia mas não o preço do trespasse...)
Trata-se de um valor enorme, que traduz a valorização especulativa e o enriquecimento indevido proporcionado pelas restrições à abertura de farmácias, criando verdadeiros monopólios territoriais com rendosos volumes de negócios e elevados níveis de lucros. O que se espera para pôr fim a este regime irracional e contrário aos interesses dos utentes?

Explicação a pedido

Luís Novais Tito acha que não faz sentido continuar a votar a Constituição europeia, depois da rejeição da França e da Holanda. Ora, tal como os malteses e os luxemburgueses, que já a votaram depois disso (e outros Estados o vão fazer), eu também acho que faz todo o sentido.
Por várias razões, a saber: (i) porque, de acordo com uma declaração anexa ao tratado (e que tem o mesmo valor dele), se pelo menos 4/5 dos Estados-membros (ou seja 20), ratificarem o tratado e outros não, a questão será "considerada em Conselho europeu", o que quer dizer que a recusa de dois Estados não basta para matar o processo de ratificação; (ii) porque a falta de ratificação de um país não dispensa os demais do dever de ratificação que assumiram perante todos os outros ao assinarem o tratado; (iii) porque os franceses e holandeses só vinculam os seus governos e não os demais, nem os cidadãos dos demais Estados, que desejam também tomar posição (eu não me sinto representado por eles e quero tomar posição); (iv) porque cabe aos governos francês e holandês assumirem a responsabilidade pela rejeição perante os demais governos, que não devem facilitar-lhes a vida, desistindo de proceder à ratificação; (v) porque é totalmente diferente apurar no final do processo que, por exemplo, 22 ou 23 Estados ratificaram e 2 ou 3 não o fizeram, do que desistir de tomar posição só porque houve duas rejeições; (vi) porque se todos os Estados tomarem posição, como devem, e uma esmagadora maioria deles se pronunciarem pela ratificação, então será muito maior a pressão política sobre a França e a Holanda para reconsiderarem a sua rejeição (com outro referendo), se necessário com alguma revisão de alguns pontos do tratado (como sucedeu com a Dinamarca, a propósito de Maastricht); (vii) porque na inevitável negociação sobre essa matéria, terá muito mais força quem tiver procedido à ratificação.

Descubra as semelhanças

Enquanto em Espanha o Governo acaba de anunciar, em ambiente de grande pompa e circunstância, um exigente Plano Estratégico de Infra-estruturas e Transporte (PEIT), que entre outras coisa prevê a ligação de todas as capitais de província (correspondentes às nossas capitais de distrito) pela rede ferroviária de alta velocidade até 2020, entre nós questiona-se com grande soma de argumentos o lançamento de duas linhas básicas, do Porto a Lisboa e de Lisboa a Madrid.
Pobres e falhos de ambição, assim vamos nós, como quase sempre. E se pedíssemos a associação à Espanha como "comunidade autónoma de regime especial"?

Correio dos leitores: Despenalização do aborto

«Há ainda um outro motivo, fundamental, pelo qual é preciso liberalizar o aborto: para que não seja condenado o pessoal médico que realiza o aborto. Porque, não se esqueça, no tribunal de Setúbal foram absolvidas as mulheres nas quais o aborto foi realizado, mas não foi absolvida a mulher que os realizou. [Aguarda julgamento separado.] Sem despenalização do aborto, este continuará na clandestinidade, e não poderá surgir em Portugal, à luz do dia, uma oferta médica para fazer abortos (clínicas, como em Espanha).
Não basta despenalizar as mulheres. É preciso despenalizar o pessoal médico.»

Luís Lavoura

Correio dos leitores: Referendos

«"Nessa altura [de análise do processo de ratificação da Constituição europeia] só terá voz e força quem tiver tomado posição..."
Esperemos que nessa altura só tenham força e voz aqueles países nos quais a Constituição tenha sido aprovada ou rejeitada POR REFERENDO.
É que, se na França ou na Holanda a Constituição tivesse sido sujeita a aprovação meramente parlamentar, é certo e sabido que ela teria sido aprovada por uma enorme maioria dos deputados. E isso indica que, nesta questão, há um enorme desfasamento entre as opiniões públicas e as opiniões dos políticos.
O que lança uma enorme dúvida sobre a validade das aprovações da Constituição que foram feitas apenas pelos parlamentos - ou seja, sobre a maioria das aprovações até agora.»

Luís Lavoura

Comentário
A validade das aprovações por via parlamentar não está em causa. Provavelmente muitas outras leis aprovadas pelos parlamentos em todos os países não seriam aprovadas em referendo (e vice-versa). So what? O tratado não exige a sua própria aprovação por referendo; e nas democracias representativas a regra é a decisão parlamentar e não o referendo. Há países, como a Alemanha, onde nem sequer está previsto o referendo. Por isso, o peso dos países na reconsideração da constituição europeia não deve depender do modo da sua votação.
O problema dos referendos sobre textos globais de grandes diplomas é a sua aleatoriedade e imprevisibilidade e a sua vulnerabilidade às circunstâncias correntes. Se o mesmo referendo fosse realizado em circuntâncias económicas e sociais menos deprimidas, talvez o resultado pudesse ter sido completamente diverso. Será que essa possibilidade inquina a validade dos referendos realizados? Claro que não.

Citação: Professores

«Infelizmente, é possível. Quem aspira hoje a ser professor em Portugal só não conseguirá um diploma se for completamente mentecapto. As universidades e as escolas ditas superiores de educação (saúdo daqui as raríssimas excepções!) passam quase toda a gente. É uma surda (e absurda) conspiração contra o país, cujo preço pagaremos por muitos e muitos anos. Desgraçadas das nossas crianças, desgraçados dos nossos filhos...» (Ademar Ferreira dos Santos).

O general perdido numa revolução que ele não queria

Caro Luciano Amaral
Embora eu não me veja bem encaixado na categoria da "esquerda ideológica" (não por causa da "esquerda" mas por causa do "ideológica"...), não me sinto ofendido pela qualificação. Se lhe dá jeito, use à vontade. Também considero irrelevante o que eu terei escrito ou declarado em 1974: do que se tratava era de saber o que é que eu disse do seu artigo...
Vamos a dois ou três pontos onde a nossa divergência é patente.
Quem é que v/ queria que substituísse o pessoal do Estado Novo nos municípios e nos sindicatos, se não as forças políticas que vinham da oposição e que tinham gente no terreno (MDP, PCP, PS, esquerdistas)? A alternativa era deixar tudo como estava, como pretendia Spínola?
A minha alegada intransigência em relação ao general tem a ver sobretuto com duas coisas: primeiro, ele ter aceito o cargo de presidente provisório de uma revolução que não fizera e que não estimava e que queria reduzir a um "aggiornamento" moderado do regime autoritário (para além da sua peregrina tese federalista para a questão colonial...); segundo, ter sido o seu aventureirismo e a sua megalomania que proporcionaram ao esquerdismo e ao PCP a radicalização revolucionária de que a revolução bem poderia ter prescindido.
Com os melhores cumprimentos
Vital Moreira

segunda-feira, 11 de julho de 2005

Nem só a prisão é pena

Mais uma absolvição num caso de processo por crime de aborto. Não faltará outra vez o argumento sacripanta dos que vêem nisto uma prova de que não é preciso despenalizar o aborto, já que ninguém é condenado por ele.
Esquecem, porém, algumas coisas essenciais: (i) nem sempre será possível a absolvição por falta de provas, por maior que seja a boa vontade de juízes e do Ministério Público; (ii) tanto ou mais penalizador do que a condenação é a humilhação pública da investigação penal e do julgamento a que são submetidas as vítimas; (iii) uma norma penal cuja não aplicação ninguém lamenta, pelo contrário, não merece continuar a figurar no Código Penal, por não cumprir os requisitos mínimos da punição penal, que é a conciência social da punibilidade dessa conduta.

Citações: "A República e as corporações"

De um oportuno artigo de Jorge Miranda no Público do dia 9, com o título em epígrafe (infelizmente indisponmível on line), destaco a seguinte passagem:
«Os juízes, os magistrados do Ministério Público e quantos trabalham nos tribunais (não raro em condições precárias) merecem todo o respeito. No entanto, justamente por isso, eles devem dar-se ao respeito, não fazendo declarações, movimentações e ameaças de greve que contrariam o seu estatuto constitucional de titulares de órgãos de soberania. Então os órgãos de soberania podem fazer greve? Admiti-lo, admitir as formas de luta que alguns juízes reclamam, equivaleria a pôr em causa o próprio Estado.
A este propósito, vale a pena perguntar se, em vez da redução das férias judiciais, outra providência legislativa não deveria ser adoptada: a proibição absoluta de qualquer juiz ou qualquer magistrado do Ministério Público desempenhar funções estranhas aos tribunais. E isso não tanto por causa da multiplicação de processos quanto por imperativo de dignidade das respectivas funções. Como conceber um juiz - que deve ser isento politicamente e independente - a assumir cargos políticos ou de confiança política? Não representa tal o contrário da atitude que os deve marcar? E como conceber que depois voltem à carreira e até, por vezes, venham a ser promovidos?»

Polémica sobre um general na Revolução

Luciano Amaral (LA) no Acidental e Rui A. no Blasfémias contestaram o meu comentário aqui na Causa Nossa a um artigo do primeiro publicado no Diário de Notícias, sobre o papel do General Spínola na Revolução.
Importa corrigir e refutar algumas das suas observações.
Começo por asseverar que não tive nenhuma intenção malévola na minha referência a LA como representante da "nossa direita ideológica". É assim que o vejo, mas se ele faz questão disso, eu não insisto. Importam-me os factos e os argumentos e não as pessoas ou as suas filiações ideológicas.
Continuo a não perceber como é que se pode dizer, como diz LA, que não se sabia muito bem "o que pretendia Spínola" e simultaneamente prescindir de mencionar e analisar um episódio relevantíssimo, como foi o que ficou conhecido como "golpe Palma Carlos", de onde resulta claramente o que ele quis efectivamente.
Não comento o desvelo com que LA ensaia compreender o "ponto de vista" de Spínola. A única coisa que contestei foi a omissão de uma das suas atitudes, que revela o seu propósito de desvio do processo de transição democrática em favor de um projecto de poder pessoal. Não escrevi, nem penso, que Spínola queria reinstalar o "fascismo". O que quis dizer, disse-o. Falei, sim, em "autoritarismo plebiscitário". Não fica bem a LA imputar-me noções que eu não utilizei.
Contrariamente ao que, por sua vez, diz Rui A., Spínola não foi afastado. Manteve-se como Presidente mesmo depois de fracassado o projecto Palma Carlos (que levou à demissão deste, que ele aceitou), assinou pouco depois a lei constitucional que abriu caminho à descolonização (que ele rejeitava), convocou a manifestação da "maioria silenciosa" em Setembro e demitiu-se na sequência do seu fracasso; mais tarde, desencadeou e perdeu o golpe armado do 11 de Março de 1975. Todas as suas derrotas foram causadas por movimentações suas, tendo ainda por cima proporcionado à extrema-esquerda e ao PCP ocasiões de ouro para conquistarem posições. Verdadeiros tiros pela culatra. Spínola foi o principal fautor do falhanço do seu projecto de contenção da revolução.
Apesar da contestação de uma facção radical militar e civil, claramente minoritária, as eleições para a Assembleia Constituinte realizaram-se dentro do prazo previsto. Mas sabemos, porque fazia parte do plano, que se o projecto Spínola - Palma Carlos tivesse vingado, então sim, essas eleições teriam sido adiadas indefinidamente!
Não são permitidas grandes dúvidas do que teria sido o regime político saído do "projecto Palma Carlos", caso ele tivesse triunfado. Seria seguramente tão pouco democrático como o general que o inspirou, que não tinha um grão de convicção democrática. Sabemos o que se passou por causa dos três golpes falhados de Spínola e seus apoiantes. Mas nunca saberemos o que se teria passado se Spínola não tivesse lançado nenhum desses golpes. Teria havido Vasco Gonçalves? Teria havido nacionalizações? Teria havido o Verão quente de 1975?
Eu não pretendo "branquear" nenhuma força política, como acusa LA. Pelo contrário, limitei-me a dizer que os golpes falhados de Spínola abriram a via para uma radicalização da revolução, que provavelmente não teria existido sem eles. Ao contrário do que afirma levianamente Rui A, eu não era nessa altura, nem nunca fui, dirigente destacado (nem por destacar...) do PCP, a cujos órgãos directivos nunca pertenci (tendo recusado duas vezes pertencer ao Comité Central). Seja como for, os factos históricos são o que são, tenhamos ou não participado neles, e não é por certos episódios terem beneficiado certas forças políticas que eles deixaram de existir.
Ah, já me esquecia, nenhum dos meus contendores contestou os factos que motivaram o meu comentário! Fique então a nossa divergência limitada à interpretação deles. É um ganho. Por isso polémica valeu a pena.

Serviços religiosos do Estado!?

Num artigo sobre uma possível "externalização" de funções sociais do Estado o Jornal de Negócios inclui nessa categoria «a educação, a saúde, a segurança e a acção sociais, a habitação e serviços colectivos e, por fim, os serviços culturais, recreativos e religiosos».
Num Estado laico a existência de serviços religiosos do Estado é uma contradição nos termos. Mesmo nos serviços públicos onde pode haver necessidade de assistência religiosa (hospitais, prisões, forças armadas, etc.) ela deve ser uma tarefa das igrejas e não do Estado. Este deve permitir e facilitar o desempenho dessas missões, mas não deve, nem pode, ocupar-se delas. É inaceitável que uma distinção tão elementar quanto esta continue sem ser observada em Portugal, mesmo no caso de governos de quem seria de esperar maior fidelidade aos princípios constitucionais nesta matéria...

Nem tudo corre mal na Europa

Nem por ser esperada deixa de ser menos animadora a aprovação da Constituição europeia no referendo luxemburguês. Trata-se antes de mais de uma vitória pessoal do primeiro-ministro Juncker, que apostou o seu lugar no êxito do referendo. Em segundo lugar, trata-se de uma vitória dos que não se conformaram com o prematuro "enterro" do tratado constitucional por causa dos "chumbos" na França e na Holanda.
Neste momento o tratado já foi aprovado por uma maioria de Estados-membros. E quantos mais o fizerem, melhores condições terão para fazer valer a sua posição quando for do apuramento político que se fizer daqui a um ano sobre o que fazer da Constituição europeia. Nessa altura só terá voz e força quem tiver tomado posição...

sexta-feira, 8 de julho de 2005

Correio dos leitores: Deseucaliptização

«A ideia do Plano Nacional de Deseucaliptização seria até uma boa ideia, se não fosse constituir ela, de certo modo, uma forma perversa de benefício do poluidor/utilizador. Em devida altura, a maioria dos especialistas florestais e arquitectos paisagistas portugueses (posso citar pelo menos os Prof. Ribeiro Telles, Caldeira Cabral e o presidente da Estação Florestal Nacional) alertaram para a constituição de um enorme "passivo" que a subsidiação à plantação de eucaliptos iria legar, sob a forma de terrenos desmineralizados, erodidos. Esse "passivo" é hoje já bem visível por quem ande nas zonas "marginais" de plantação, onde os eucaliptos já nem sequer são colhidos (vide encostas da barragem do Fratel, por exemplo). A prazo, é reconhecido que a maioria das plantações de eucaliptos virão a ser pouco económicos, sobretudo tendo em conta a sua exaustão e a abertura de novas plantações, mais rentáveis, noutros países. Nessa altura, com que cara poderá o Estado português obrigar os utilizadores da terra a reporem a situação inicial em termos de produtividade do solo?
Palpita-me que o Plano de Deseucaliptização, a existir, não será pago pelos devidos.»

(Pedro Martins Barata, Presidente da Euronatura - Centro para o Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, Lisboa)

Correio dos leitores: As SCUT

«(...) Sobre este assunto [auto-estradas SCUT] deveria ter em conta que:
1. qualquer opinião é uma opinião (viva La Palice), nomeadamente a sua, a do P[rimeiro] M[inistro], do arrumador de carros da minha rua, ou a minha;
2. citar o que o PM diz sobre as Scut's deveria ser transcrever tudo, nomeadamente "...e enquanto não houver alternativa válida." (senão... viva a Demagogia);
3. deveria publicar a análise económica/financeira da introdução de portagens nas Scut's versus gratuitidade, que sustenta, presumo, a sua opinião.»

(F. H. Gonçalves)

Comentário
1. Ter opiniões é fácil, mais difícil é ter opiniões fundadas;
2. Julgo ser manifesto que em geral as estradas alternativas às SCUT não são piores do que as das outras auto-estradas, a começar pela A1 (em caso de dúvida, basta tentar o percurso Coimbra-Aveiro...);
3. O estudo da conversão das SCUT em auto-estradas portajadas foi efectuado e publicado pelo ex-ministro António Mexia, não tendo sido contestado. Também não são contestados os números sobre os encargos orçamentais das SCUT, pagos por todos os contribuintes. De resto a razão para manter as SCUT é política e não "técnica".

Liberdade e responsabilidade

Se um jornalista publicar como verídica uma história que ele mesmo inventou, deverá essa infracção dontológica ser sancionada? Eis o tema do meu artigo desta semana no Público, agora recolhido na Aba da Causa, como habitualmente.

O mundo não está está mais seguro

No final da semana passada estive em Londres, numa delegação do Parlamento Europeu que foi discutir com os Ministros Jack Straw e Douglas Alexandre, com parlamentares e com funcionários do Foreign Office, o programa da presidência britânica da UE. Ficamos num hotel em Westminster, a dois passos de Downing Street e do Parlamento. E durante os trajectos a pé entre as reuniões - caminhos que eu conhecia de cor, do meu trabalho na embaixada em Londres entre 1991 e 1994 - não pude impedir-me de pensar como aquela zona seria alvo prioritário de um ataque terrorista para qualquer grupo "franchised" da Al Qaeda. E também de admirar, ao mesmo tempo, como as medidas de prevenção e controle adoptadas pelas autoridades - que sabiam tal ataque inevitável - não haviam coarctado a liberdade de circulação na zona, nem obstruído as entradas nos edifícios públicos, incluindo o Parlamento.
A experiência de viver em Londres na época dos ataques bombistas do IRA e sobretudo depois, na Indonésia onde já operava a Jemaah Islamyia, ligada à Al Qaeda, tornaram-me particularmente sensível à necessidade de lutar contra o terrorismo por todos os meios, incluindo policiais e militares (e a cooperação internacional na «intelligence» é o mais fundamental instrumento e muito há ainda a fazer, designadamente no plano europeu). Não se trata da «guerra ao terrorismo» primária, ineficaz e contraproducente que a Administração Bush propagandeia. Trata-se de lutar inteligentemente - o que significa compreender que a ameaça é global e que o desafio é sobretudo político e ideológico - e daí que a política externa da Europa, dos EUA e de todas as democracias ocidentais tenha uma importância acrescida. Porque não se pode fazer o jogo dos terroristas, em casa ou fora dela, em Guantanamo, Abu Grahib ou em Nova Iorque (onde uma jornalista do NYT foi hoje detida por recusar violar o segredo profissional, denunciando fontes).
Por isso, entre outras razões, fui muito crítica da invasão do Iraque. Intui-lhe o impacte devastador, ao instigar a propaganda dos terroristas e fornecer-lhes mais recrutas por todo o mundo islâmico (incluindo o residente na Europa), além de mais terreno para actuar (a própria CIA então também avisou e ainda recentemente confirmou a materialização desses prognósticos no Iraque). E ao minar-nos as democracias, o Estado de direito, o direito internacional, de dentro e por dentro.
E por isso, também, logo critiquei o desvio das atenções e dos meios militares, policiais, diplomáticos, económicos e outros da eliminação de Osama Bin Laden, dos seus seguidores e dos seus anfitriões taliban no Afeganistão e Paquistão. Desvio que a invasão do Iraque implicaria, como implicou. E a recuperação terrorista no Afeganistão aí está, o pobre Karzai confinado a oficiar em Cabul, os senhores-da-guerra de novo a dominar o país, transformado, segundo peritos da NATO, numa enorme base de ADMs assestadas à Europa: o ópio, de onde é extraída 90% da heroína infiltrada nos mercados europeus.
Responsabilizei e responsabilizo a Administração Bush, mas também Blair, Aznar, Berlusconi , Barroso, Balkenende e todos os aqueles que arrastaram ou deixaram arrastar o mundo para a aventura do Iraque e desviaram o foco do Afeganistão. Por desvalorizarem as desastrosas consequências no fomento do terrorismo que tantos anteciparam. Por não cuidarem antes de, por outro meios, ajudar os iraquianos a livrarem-se do odioso regime de Saddam. E por abrirem caminho ao ataque e ao questionamento dos valores democráticos nas sociedades ocidentais.
Mas isso não me impediu, desde então, de também expressar o meu apoio a outras políticas ou posições de uns ou outros, se as entendi justas e positivas. É o caso do que o PM Blair pretende na reestruturação orçamental da UE ou nas suas propostas para o combate à pobreza e ajuda ao desenvolvimento, ou contra o aquecimento global que levou ao G-8. Quaisquer que tivessem sido as suas motivações.
A independência crítica, que espero nunca perder, não é compreendida por quem veja o mundo a preto e branco ou dividido em clubes políticos ou futebolisticos. Ainda ontem, um colega (socialista, português) brincava comigo, estranhando que eu pudesse ora criticar duramente Tony Blair, ora apoiá-lo. E insistia que graças a Blair e ao seu patrocínio da invasão do Iraque «o mundo estava agora mais seguro!». Contestei, atirando-lhe "Espere pela "bomba suja" que, mais dia menos dia, algum grupelho afiliado à Al Qaeda deflagrará algures nesse mundo! Espere pelo próximo ataque bombista contra os EUA ou qualquer alvo europeu!...".
Tragicamente, nem 24 horas passadas, o meu presságio confirmava-se: as ruas de Londres onde eu ainda há dias passeava à chuva, tornavam-se cenário de mais uma bárbara retaliação terrorista.

Terror, com terror se paga?

Mais uma vez o horror. A cobardia do terrorismo. Em Londres, agora. Custa-me ainda mais, confesso, do que o que sofri com e pelos infelizes iraquianos, que imaginei aguardando os ataques dos aviões americanos em 2003 e sei sob permanente ameaça terrorista desde então. Porque me atinge pessoalmente. Porque, como antes em Nova Iorque ou Madrid, foi numa cidade que faz parte da minha vida. Ali vivi bem, anos felizes. Ali tenho tantos, tantos amigos. Que ainda não sei se sobreviveram.
Choque. Tristeza. Solidariedade com o povo britânico. E muita raiva - com vários destinatários, mas antes de mais contra os instigadores dos bombistas.
E, também, tremenda admiração pela extraordinária fibra combativa e desafiadora dos londrinos. Que amanhã voltarão aos aeroportos, portos, estações de comboio, metros, autocarros e ruas, como disse o Mayor Ken Livingstone. Porque percebem que não se pode fazer o jogo dos terroristas, que visam aterrorizar-nos a todos e por-nos a destruir a democracia, o Estado de direito e os direitos humanos em particular. E por isso se empenham em provar que terror se deve antes de mais pagar com destemor.

quinta-feira, 7 de julho de 2005

Reescrever a história

A nossa direita ideológica insiste em rever a história do 25 de Abril e do período revolucionário. Desta vez é Luciano do Amaral que, num artigo no Diário de Notícias sobre o papel do general Spínola, omite aquilo que ficou conhecido por "Golpe Palma Carlos" (13 de Julho de 1974), do nome do primeiro-ministro do I Governo provisório que o congeminou, mas cujo projecto recebeu todo o apoio do então presidente da República, Spínola, e correspondia obviamente aos desígnios deste.
Ora esse plano constituía uma total subversão do programa do MFA quanto à transição democrática, cuja peça fundamental era a eleição de uma assembleia constituinte no prazo de um ano, como veio a suceder, mantendo-se até lá instituições provisórias de poder político. A manobra spinolista passava pelo imediato plebiscito de uma constituição provisória (proposta, é claro, pelo próprio...) e do próprio Spínola como presidente da República, com o consequente adiamento indefinido das eleições para a assembleia constituinte e da Constituição e a emergência pessoal do Presidente da República (ou seja, Spínola) como único poder "legítimo", sem qualquer contrapoder.
Tratava-se caracterizadamente de um modelo de autoritarismo plebiscitário de tipo "sidonista", tendente a legitimar a concentração do poder no general e no restrito "grupo spinolista", tal como ele desejara desde o início, com a sua intempestiva proposta de dissolução do MFA. Que a ordem política spinolista não seria propriamente generosa em matéria de liberdades é fácil saber pelo que já se conhecia das suas reticências sobre a legalização dos partidos políticos e sobre o direito à greve, por exemplo. Dar a entender que Spínola representava a "democracia ocidental" é, portanto, uma pura mistificação.
Sendo estes factos conhecidos, dizer que "ninguém sabe bem o que pretendia Spínola", como escreve LA, não faz nenhum sentido. Convencido de um grande apoio popular (que não tinha), ele nem sequer fez grande segredo do que queria, nem em Julho de 1974, nem em Setembro do mesmo ano, nem em Março do ano seguinte. A história da radicalização da revolução é a história dos golpes mal-sucedidos de Spínola...

Contradições

O PSD tinha acordado com o PS realizar o referendo sobre o tratado constitucional europeu em simultâneo com as eleições locais, apesar de isso implicar uma prévia revisão da Constituição, que actualmente proíbe tal concomitância. Mas agora defende que o referendo da despenalização do aborto nem sequer deve ter lugar entre as eleições locais e as presidenciais -- o que a Constituição obviamente não proíbe --, por entender que os referendos não devem ocorrer na proximidade de eleições!
Qual é a lógica desta manifesta contradição? É simples: o PSD queria o referendo europeu e não quer o referendo sobre a despenalização do aborto...

O regresso da alQaeda (2)

Tem menos de 2 meses a última ameaça pública da alQaeda a Blair, anunciando um "próximo [evento] enorme e espectacular" (link via J. M. Sardo). Tragicamente "espectacular"!...

O regresso da AlQaeda

Desde o início se sabia que o Reino Unido figurava à cabeça dos alvos da organização terrorista islâmica, por causa do seu papel na guerra do Iraque. O que se não esperava é que fosse possível concretizar um ataque com as dimensões do de hoje em Londres, contornando os serviços de informações e as medidas de segurança que deveriam estar em alerta reforçado, sobretudo depois do atentado de Madrid de há um ano.
Como se já não bastassem os problemas com que se debate -- dificuldades económicas, crise de confiança política --, a Europa tem agora de assumir que a ameaça terrorista é ainda mais grave do que se temia. A pior coisa que se poderia recear era o regresso do terrorismo à agenda política europeia. Infelizmente ele aí está, com as muitas vítimas inocentes que causa e a insegurança que gera.

Cacofonia

A indefinição que ficou no ar nos últimos dois dias sobre a política fiscal nos próximos anos, designadamente sobre uma ulterior subida de impostos, é assaz infeliz. O Primeiro-ministro e o ministro das Finanças só podem ter uma voz nesta matéria.

Não tem sentido...

... a indefinição sobre os futuros aumentos de remuneração dos funcionários públicos, que o Primeiro-ministro anunciou deverem ser "parcimoniosos". Alguém de bom senso pensa que na situação de aperto das finanças públicas há condições para subidas acima da inflação?

Imposto automóvel

A extinção do imposto automóvel (IA), que é pago no acto de compra (por cima do IVA), faz todo o sentido. Permite baixar o preço dos veículos, facilitando a sua aquisição; aproxima os preços no espaço da UE, visto que nos países onde ele não existe eles são muito mais baixos; facilita a transferência de veículos para outros países da UE, em conformidade com o espírito do "mercado único"; e não causa nenhuma perda fiscal, se o valor do IA for repercutido sobre o imposto anual de circulação, como se propõe.
Há só uma dificuldade em Portugal: é que enquanto o IA reverte para o Estado, o imposto de circulação pertence aos municípios, que veriam assim aumentar substancialmente as suas receitas à custa do Estado. A reforma impõe por isso uma revisão da repartição do imposto de circulação, o que não é fácil.

quarta-feira, 6 de julho de 2005

Infidelidade liberal

Entre os tópicos para explicar «por que é que a direita quando chega ao poder não é liberal» (mas qual é a importância da direita liberal em Portugal?) João Miranda menciona o «domínio das ideias de esquerda nas universidades, na cultura e nos media».
Como o "domínio da esquerda" só existe na sua imaginação, será com "balelas" ficcionais como estas que a "direita liberal" pensa encontrar resposta para a sua infidelidade liberal?

Informação isenta...

O tablóide que hoje fez manchete com uma patranha sobre os motoristas de um ministro, vai agora publicar o seu concludente desmentido?
E se o ministro, no exercício do direito de resposta que a lei lhe garante, obrigasse agora a folha a publicar o desmentido com o mesmo destaque na 1ª página?

Nunca é tarde para uma autocrítica honesta

«Direita não estava preparada para governar» (António Pires de Lima, deputado do CDS, referindo-se aos governos PSD-CDS).

Correio dos leitores: Transportes públicos

«Gostaria de acrescentar um ponto [ao post sobre os transportes públicos]: a degradação tarifária não leva só ao acumular de dívida pública que, no actual figurino, onera todos os contribuintes.
Os défices gigantescos que as baixas tarifas geram têm permitido acomodar brutais ineficiências, dispendiosas megalomanias, fantasias político-turísticas e muita irresponsabilidade de gestão, nomeadamente, mas não sobretudo, nas relações sindicais.
Se os custos se reflectissem nas tarifas ou nos orçamentos municipais estou certo que soluções mais eficientes teriam sido alcançadas, com a natural menor satisfação de empreiteios, fornecedores de equipamentos e, mesmo, de toda a espécie de mecenato-dependentes. (...)
Com a excepção da CP (...), as empresas de transportes estiveram à beira do equilíbrio até ao princípio dos anos 80. Depois, a megalomania e impunidade de gestores, o frenesim do Ferreira do Amaral, o dinheiro fácil de Bruxelas e a lassidão do guterrismo tudo conduziu ao que temos.
Não vai ser fácil dar a volta. (...)»

(FMA)

Hipergarantismo

Parece que a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) considera ilegítimo o sistema de videovigilância rodoviária que o Governo pretende estabelecer. Mas não se percebe bem que dados pessois dignos de protecção é que estão em causa se uma máquina de vídeo detecta infracções de trânsito, por exemplo, excesso de velocidade ou ultrapassagens irregulares...

Choque

No Brasil o PT fez a sua ascensão política na base da denúncia da corrupção e da defesa da prioridade da ética na política. Lula da Silva firmou uma imagem de honestidade na conduta dos negócios públicos. Por isso a novela da corrupção política que apaixona o Brasil há algumas semanas, envolvendo o PT e o Governo, constitui um enorme choque. Como foi isso possível?
Não existe nenhum dado que implique o Presidente nos esquemas vindos a público, ou sequer no seu conhecimento. Mas a dimensão da história e o facto de ela atingir a cúpula do Governo e do PT desferem um profundo golpe no prestígio do Presidente e nas suas expectativas de releição no ano que vem, que antes destes episódios eram assaz elevadas.

Direito à imaginação

Somos sempre os últimos a saber. O Diário de Notícias cita hoje o meu nome como possível solução para a nova Entidade Reguladora da Saúde. Que importa a falta de fundamento? Viva a imaginação!

Intolerância doutrinária


Os ideólogos liberais conservadores (e os neoliberais e neoconservadores) do mundo anglo-saxónico unem-se no ódio à Revolução Francesa e aos pensadores que consideram seus inspiradores, especialmente Rousseau. Alguns, menos polidos, nem sequer conseguem mencionar o seu nome sem o acompanharem de um desprezível "Sr" (o "Sr Rousseau" dizem eles, para o afastarem do mundo dos pensadores), como faz entre nós J. C. Espada, nas suas aplicadas crónicas jornalísticas.
Há formas menos evidentes de intolerância doutrinária.

O elo fraco

A entrevista à SIC correu bem ao primeiro-ministro. Não fugiu às questões e foi em geral claro e convincente.
Onde ele não consegue convencer, porém, é na questão das SCUT, cuja manutenção voltou a defender, como «instrumento ao serviço do desenvolvimento regional». Na situação financeira do País, em que estão a ser pedidos fortes sacrifícios aos cidadãos, manter auto-estradas em regime de uso gratuito para os utentes (que não são propriamente pessoas de rendimentos baixos), pagas aos concessionários pelo orçamento do Estado, onde representam um pesado encargo, não faz sentido, tanto mais que algumas delas servem regiões das mais desenvolvidas, como o Algarve, ou a faixa litoral a Norte e a Sul do Porto.
De resto, pelo critério enunciado pelo primeiro-ministro, segundo o qual «enquanto as regiões não tiverem um nível de riqueza por cidadão igual à média nacional [as SCUTS] devem manter-se», algumas delas, a começar pelo Algarve, deveriam deixar imediatamente de ser gratuitas.

terça-feira, 5 de julho de 2005

Os favoritos do costume

«Plano tecnológico beneficia empresas de Lisboa e Vale do Tejo» - titula hoje o Diário Económico. Milhões e milhões de euros para um programa de incentivos públicos. Depois admiramo-nos das assimetrias regionais de desenvolvimento no País. O Estado é o principal fautor da desigualdade, favorecendo sistematicamente os investimentos na região de Lisboa, a qual, por ter ultrapassado largamente os 75% do rendimento médio da UE, perdeu direito a fundos europeus. O Estado substitui a UE.

"Petróleo verde"


As imagens dos fogos florestais da televisão mostram o que toda a gente sabe: que os eucaliptais são o principal pasto das chamas e que, com eucaliptos por todo o lado, Portugal está transformado num território perigosamente combustível. Quando há anos alguém utilizou a expressão "petróleo verde" como metáfora para a riqueza da floresta industrial nacional, não imaginava certamente o rigor literal da expressão: a floresta de eucaliptos arde como petróleo. Não é por acaso que «Portugal é o País com mais incêndios florestais nos últimos 25 anos».
Em tempo de projectos de regeneração nacional em tantas áreas, por que não lançar um programa geral de deseucaliptização do País? Não será tempo de deixarmos de nos candidatar a província florestal da Austrália?