Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
sábado, 25 de fevereiro de 2017
Sigilo da correspondência sobre assuntos públicos?
1. Prescindindo de qualquer (pré)juízo político sobre o assunto, não compartilho da opinião de vários comentadores no sentido de que a troca de mensagens escritas sobre a nomeação do ex-presidente da CGD, António Domingues, entre o Ministério das Finanças e o interessado, está coberta pela proteção constitucional do sigilo de correspondência.
De facto, salvo melhor opinião, o sigilo de correspondência só vale para as comunicações privadas (como refere a Constituição), ou seja, entre particulares, nessa qualidade, o que não abrange as comunicações entre titulares de cargos públicos (ou indigitados para tal) sobre assuntos públicos. A razão de ser dos direitos fundamentais consiste em defender a liberdade dos particulares contra o Estado (ou contra terceiros), não o contrário.
Obviamente, os titulares de cargos públicos também têm comunicações privadas e essas estão igualmente protegidas, mas não quando atuam na sua capacidade pública.
2. Acresce que, numa democracia representativa, os titulares de cargos públicos têm a obrigação de prestar contas públicas da sua atividade e os cidadãos têm um direito à informação sobre a gestão dos assuntos públicos (salvo quando esteja em causa matéria protegida por segredo de Estado, segredo de justiça ou direitos de terceiros).
E numa democracia parlamentar, os governantes são politicamente responsáveis perante o parlamento, o qual pode solicitar do Governo toda a informação relevante sobre a condução dos negócios públicos (que não esteja protegida nos termos acima referidos) para efeitos do seu escrutínio da ação governativa .
Adenda
Contra este entendimento não se pode invocar o alegado precedente de uma anterior comissão de inquérito (à compra da TVI), que recusou a utilização da gravação de escutas telefónicas ao então Primeiro-Ministro. De facto, uma coisa nada tem a ver com a outra: nesse caso, as escutas, feitas em processo penal, eram ilegais, pelo que obviamente não podiam ser conhecidas do público em nenhuma circunstância.
Adenda (2)
Pode suscitar-se o problema de saber se o direito de acesso público à informação oficial também cobre as comunicações veiculadas pelas contas pessoais dos intervenientes (em vez das suas contas oficiais). A meu ver, a resposta não pode deixar de ser positiva e não suscita dúvidas noutros países, como por exemplo, o Reino Unido.