Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
sexta-feira, 17 de março de 2017
Religião fora do trabalho?
1. No recente e já famoso caso Achbita, o Tribunal de Justiça da UE decidiu que «a proibição de usar um lenço islâmico, que decorre de uma regra interna de uma empresa privada que proíbe o uso visível de quaisquer sinais políticos, filosóficos ou religiosos no local de trabalho, não constitui uma discriminação direta em razão da religião ou das convicções, na aceção da diretiva [da UE sobre não discriminação no trabalho]».
Esta decisão levanta dois problemas: (i) saber se a norma da empresa sobre a tal neutralidade religiosa no trabalho não foi feita somente para as muçulmanas, e para aquela trabalhadora em particular, sendo portanto uma falsa regra geral; (ii) saber se a liberdade de empresa prevalece automaticamente sobre a liberdade religiosa dos seus trabalhadores.
O facto de uma restrição da liberdade religiosa ser igual para todos não a torna legítima.
2. Ao pronunciar-se sobre a questão da eventual discriminação, o Tribunal deixa em aberto a possibilidade de haver "discriminação indireta" no caso em análise, mas valoriza o facto de a norma não discriminar efetivamente nenhuma religião e ser de aplicação geral.
Ao considerar a questão da liberdade individual de religião (garantida na CDFUE) - e que vale também nas relações entre particulares -, o Tribunal entendeu igualmente que a empresa pode, por razões de neutralidade religiosa interna e perante os seus clientes, determinar a proibição geral de todos os sinais de pertença religiosa no local de trabalho. Foi pena o Tribunal não elaborar esta segunda tese quanto à restrição da liberdade religiosa nas relações de trabalho e quanto à ponderação entre as duas liberdades em causa, ou seja, a liberdade do empresário quanto à organização do trabalho e a liberdade religiosa dos trabalhadores.
Seria interessante que o caso ainda viesse parar ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, de Estrasburgo, em recurso da decisão que for tomada sobre o caso na Bélgica, por violação da liberdade religiosa garantida na CEDH.
[revisto]