Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
sexta-feira, 23 de junho de 2017
Falsas taxas
1. Segundo esta notícia, já com algum tempo, o Provedor de Justiça considera inconstitucional a taxa de proteção civil do município de Lisboa.
E considera bem, a meu ver. Por definição, as taxas são tributos bilaterais, que supõem uma ligação individual específica do facto gerador da taxa com quem é chamado a pagá-la. Só há que pagar taxas por serviços ou encargos individualmente divisíveis. Uma "taxa" universal não é uma taxa. Ora, a referida pseudotaxa é cobrada a todos os munícipes, independentemente de qualquer ocorrência de que resulte uma prestação individual do serviço de proteção civil. Uma verdadeira taxa implica que só quem a paga tem acesso a algo que sem ela não terá.
A simples existência do serviço de proteção civil constitui um típico "bem coletivo", que beneficia toda a gente por igual e de que ninguém poder ser excluído, por não pagar. Por conseguinte, uma taxa de proteção civil só é concebível para os casos em que alguém recorra ao respetivo serviço municipal, por exemplo, em caso de incêndio ou inundação doméstica, ou situação semelhante.
Uma "taxa" municipal universal pelo serviço de proteção civil faz tão pouco sentido como uma taxa municipal pelo serviço de polícia municipal ou pelo serviço de iluminação pública, ou, já agora, uma taxa nacional pelo serviço de defesa!
2. Que importância é que isso tem? Muita!
Seguindo o exemplo de Lisboa, outros municípios criaram a mesma pseudotaxa.
Ora, o municípios podem legalmente criar taxas como contrapartida de serviços municipais, por exemplo, serviços de urbanismo, de estacionamento, de atividades dependentes de autorização municipal, etc. Mas não podem criar impostos (que a Constituição reserva à lei) nem contribuições parafiscais (poder que a lei não lhes atribui).
As pseudotaxas constituem uma violação qualificada de um princípio essencial do constitucionalismo democrático, que é o princípio da reserva parlamentar em matéria fiscal (no taxation without representation). Mesmo quando afetos aos municípios, os impostos só podem ser criados por lei.
Já basta de substituir verdadeiros impostos (ou contribuições parafiscais) por taxas fictícias.
Adenda
Um leitor observa que essa taxa está prevista na lei-quadro das taxas municipais. Mas nenhuma lei pode criar livremente taxas onde elas não sejam constitucionalmente admissíveis. A distinção constitucional entre impostos, contribuições parafiscais e taxas não pode ser esvaziada pela lei. De resto, a norma em causa pode ser interpretada em conformidade com a Constituição, com o sentido que sugeri no texto.