Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
terça-feira, 13 de junho de 2017
Corporativismo (2)
1. O Jornal de Notícias informa que a Ordem dos Médicos tem um fundo de proteção social destinado a apoiar pecuniariamente os seus membros em dificuldades, acrescentando que o atual bastonário quer reforçá-lo.
Trata-se, porém, de um equívoco e de resquício do tempo do corporativismo, quando as ordens profissionais eram também organismos de proteção social, não havendo então um sistema público universal de segurança e de proteção social. Como já aqui se referiu noutras ocasiões (por exemplo, aqui), hoje as ordens são exclusivamente organismos de representação e de autorregulação pública das profissões, e as "quotas" são contribuições regulatórias, destinadas ao financiamento das funções legais das ordens, não podendo ser destinadas a outro fim e, ponto decisivo, devendo limitar-se ao necessário para esse fim.
2. O mesmo vale para outras iniciativas "sociais" da Ordem dos Médicos, como esta Aldeia do Médico, em Coimbra, orçada em 10 milhões de euros (projeto arquitetónico na imagem)!
Não é para isso que a OM existe como organismo público nem é para isso que os médicos são obrigados a pagar uma contribuição que tem inequívoca natureza tributária. Há uma distinção essencial entre as ordens profissionais, que têm funções de representação oficial da respetiva categoria profissional e de regulação da profissão - sendo por isso obrigatórias -, e as mutualidades ou IPSSs, que têm natureza privada e são voluntárias.
Nada impede obviamente que os médicos interessados criem e sustentem uma mutualidade com fins de proteção social, herdando as funções que hoje já não podem ser desempenhadas pela OM. O que não pode é manter-se o status quo, que não tem cabimento legal.
3. O Estado não pode consentir este abuso dos fins das ordens profissionais e o desvio dos seus recursos financeiros oficiais.
A persistir essa situação, o Ministério Público, no seu papel de defesa da legalidade, não poderá deixar de desencadear as pertinentes medidas corretivas junto da justiça administrativa.
[titulo substituído]
Adenda
O problema com as ordens profissionais é que elas são em geral poderosos grupos de interesse, que os Governos preferem não enfrentar (até porque muitos ministros são membros delas...), apesar de algumas delas preferirem atuar muitas vezes fora das suas atribuições, enquanto descuram as suas principais incumbências legais, relativas à supervisão e disciplina da profissão. A Ordem dos Médicos prima nesse desvio de mandato.