Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
terça-feira, 19 de março de 2019
O que o Presidente não deve fazer (18): O "veto antecipado"
1. Em relação ao meu último post desta série, um leitor pergunta quais são os casos de interferência do PR no poder legislativo. Eis a minha resposta.
Por um lado, o Presidente da República vem-se permitindo pronunciar-se publicamente, com alguma frequência, sobre matérias pendentes de procedimento legislativo na AR (chegando a enviar notas ao Parlamento sobre leis em debate), desse modo condicionando diretamente o excercício da função legislativa, que cabe em exclusivo ao parlamento.
Ora, numa república parlamentar o debate legislativo cabe aos partidos políticos representados na AR e às organizações da sociedade civil (estes a título de "democracia participativa"), pelo que o PR se deveria manter à margem dele, tanto mais que no final lhe compete ajuizar, face à formulação concreta dos diplomas aprovados, sobre um eventual veto político, recusando a sua promulgação.
2. Neste quadro, são ainda mais problemáticos os casos em que o Presidente antecipadamente deixa entender ou indicia diretamente que não promulgará uma lei pendente de votação na AR, em função da solução legislativa em consideração ou caso não seja aprovada por maioria qualificada (como sucedeu em relação à lei de bases da saúde).
Como é evidente, estes casos de "veto antecipado" e, em especial, a exigência de aprovação de leis por maioria qualificada, nos casos em que a Constituição não a estipula, revestem maior gravidade do que as situações anteriores, por a perspetiva de veto presidencial levar as oposições a radicalizarem as suas posições na disputa legislativa, dispensando-as de negociar soluções de compromisso com a maioria governativa.
Por definição, o eventual veto legislativo só deve ser equacionado a posteriori, face ao resultado final do labor legislativo, não devendo poder fundar-se na falta de uma maioria qualificada que a Constituição não exige.