1. Não conheço nenhuma indicação que a apoie a tese, hoje corrente na interpretação antirrussa da guerra, segundo a qual os objetivos da invasão não seriam apenas os declarados - ou seja, desarmar a Ucrânia, de modo a garantir a segurança da Rússia, e salvaguardar os direitos da minoria russa -, mas sim reintegrá-la na esfera russa, a que pertenceu durante séculos. E francamente, não se vê como é que um tal objetivo poderia ser realizado: uma coisa é atacar e vencer pelas armas um país vizinho, outra coisa é subjugar e absorver politicamente um país com a dimensão territorial e populacional da Ucrânia.
Aliás, se a Rússia nunca poderia reverter a independência da Ucrânia, que reconheceu há quase três décadas, a própria invasão russa e as perdas materiais e humanas infligidas pela guerra vão criar um clima de hostilidade, se não de ódio, ao ocupante, que tornaria impossível qualquer tentativa de reintegração pacífica do País. Isto, para além das sanções internacionais e do isolamento da Rússia na comunidade internacional.
2. Parecendo isto óbvio, não se compreende a insistência de Putin, antes e após a invasão, em afirmar a "unidade" da Rússia e da Ucrânia, que seriam "um só povo", como se esta fosse uma parte naturalmente integrante daquela e como se a secessão e a independência ucraniana há três décadas não fosse mais do que um "efeito colateral" acidental do desmoronamento da União Soviética e do comunismo, que fosse possível reparar agora.
Por mais que pudesse debater-se a questão da identidade nacional da Ucrânia - dadas as suas mutações territoriais e a sua diversidade étnica, linguística e religiosa -, a verdade é que é a própria invasão russa e a resistência ucraniana que vem fornecer ao País o cimento político e o sentido de unidade e identidade de que eventualmente pudesse carecer. Com a invasão, Putin veio proporcionar à Ucrânia aquilo que lhe negava!
A história mostra que as tentativas de reintegração pela força de antigos territórios separados apenas legitimam e reforçam o seu sentido de independência.