quinta-feira, 16 de maio de 2024

Praça da República (81): Não é a mesma coisa

1. A absurda proposta do Chega de acusar o PR de crime de traição à Pátria teve o destino que merecia na AR, ou seja, a pronta rejeição, acompanhada da condenação generalizada da iniciativa. Tudo bem, quando acaba bem? Nem por isso!

Por um lado, esta proposta do partido da direita radical mostra o risco da instrumentalização da criminalização e judicialização da opinião e do debate político. Ora, por mais controversa e criticável que seja a opinião do PR sobre a "reparação" às antigas colónias pelos males do colonialismo (que considero pelo menos insensata), é óbvio que ela não tem nenhuma relevância penal, só podendo ser censurada no foro político, como aliás foi, de todos os lados do expectro político.

À política o que é da política.

2. Além disso, e mais grave, se há algo que não pode ser politicamente banalizado é a responsabilidade penal do PR no exercício de funções. 

Descartando o antigo princípio monárquico da irresponsabilidade penal do chefe do Estado no exercício de funções - que o "Estado Novo" recuperou -, a Constituição de 1976 rodeou, porém, de especiais cautelas tal eventualidade, quer quanto à acusação (reservada à AR, mediante voto de 2/3 dos deputados, sob proposta de pelo menos 1/5 deles), quer quanto à competência judicial (o STJ).

Todavia, a iniciativa do Chega - que pode vir a ser repetida com outro pretexto - mostra que as cautelas constitucionais são insuficientes em casos de manifesto abuso de poder parlamentar. Seria lamentável banalizar a acusão parlamentar do PR, como tem sucedido com o impeachment nos sistemas presidencialistas, como os EUA ou o Brasil.

3.  Não falta quem considere que o aparecimento do Chega como partido da direita radical apenas completa o arco político à direita, tal como no campo da esquerda existe desde sempre a esquerda radical. 

Mas há um diferença essencial: é que enquanto a "esquerda da esquerda" não contesta o sistema constitucional e respeita as instituições vigentes, a "direita da direita" não só não esconde a sua hostilidade à Constituição, como não perde a oportunidade para degradar as instituições, como mostra este caso.

Neste aspeto fundamental, a esquerda radical e a direita radical não são equivalentes.