1. O problema da pensão da ex-PGR (e dos magistrados superiores do MP em geral, quando "jubilados") não é somente o seu elevado montante, superior a 7 000 euros - o maior do setor público institucional -, mas sim o facto de as suas pensões serem equivalentes ao último vencimento bruto no ativo (sem dedução da contribuição para a segurança social!...), e de assim se manterem todo o tempo. Ou seja, é maior a pensão de aposentado do que a remuneração líquida no ativo!
Trata-se de um regime altamente vantajoso em relação ao regime geral das pensões, aplicável aos demais servidores do Estado, as quais (i) dependem da carreira contributiva, (ii) equivalem a uma percentagem do última remuneração (deduzida da contribuição para a segurança social) inferior a 90% e (iii) têm regras próprias de atualização, sem indexação à atualização das remunerações no ativo.
Ou seja, um escandaloso regime de privilégio.
2. Mesmo que o regime descrito se justificasse (e a meu ver, tal não se justifica) para os juízes, por serem titulares de órgãos de soberania (os tribunais), com especiais responsabilidades e incompatibilidades, não se vê nenhuma razão para a equiparação dos magistrados do Ministério Público, que não são titulares de um cargo público (como os juízes), tendo antes uma relação de emprego público com o Estado, e que não têm responsabilidades e incompatilidades comparáveis com as dos juízes (desde logo quanto à liberdade sindical e ao direito à greve).
Se o regime de pensão dos "jubilados" é um privilégio dificilmente justificável no caso dos juízes, torna-se num superprivilégio sem nenhuma justificação no caso dos magistrados do MP.
3. Um dos efeitos colaterais desde regime de privilégio é a tendência natural para a aposentação e o abandono de funções logo que atingida a idade necessária (atualmente 66 anos e 6 meses), tanto mais que os candidatos ao lugar vago pressionam nesse sentido, ao contrário do que sucede noutras atividades públicas, em que muitos preferem adiar a aposentação até ao limite legal (70 anos) - salvo quando podem continuar a atividade no setor privado -, justamente por ela implicar uma significativa redução de rendimento.
Um modo de atenuar ligeiramente este indevido privilégio seria permitir a dita jubilação somente na idade da aposentação obrigatória (70 anos), como sucede com os professores universitários, aliás sem nenhuma vantagem nas suas pensões. O mínimo que se pode exigir para obter aquele estatuto privilegiado deveria ser algum tempo de serviço extra e de contribuição adicional, assim moderando o peso dessas pensões sobre os contribuintes. Todavia, tendo em conta a experiência passada, seria estulto esperar que partidos políticos, Governo e parlamento tenham a coragem necessária para tal reforma mínima.
Em Portugal, os privilégios corporativos tendem a assumir-se como direitos adquiridos coletivos irrevogáveis.
Adenda
Um leitor acrescenta a «manutenção pelos pensionistas do chamado "subsídio de compensação" (cerca de 900€), relativamente ao qual, durante anos a fio, através de decisões judiciais, em benefício próprio, decidiram que não era tributado em sede de IRS». Inicialmente atribuído aos magistrados deslocados como compensação no caso de falta de "casa de função", foi depois estendido a todos, convolado em compensação da exclusividade das funções (como se esta não fosse já levada em conta no montante da remuneração). De facto, perante um poder político frágil e/ou pusilânime, não há limite para a imaginação na captura de benefícios pelas corporações profissionais poderosas.
Adenda 2
Um habitual leitor comenta: «faltou acrescentar que o poder dos procuradores do Ministério Público não advém simplesmente de constituírem uma corporação (como, digamos, os médicos), mas sim, e principalmente, da possibilidade que têm de difamar, de forma paralegal, qualquer político, dando-lhe cabo da carreira - como já fizeram ou tentaram fazer a inúmeros autarcas e, mais recentemente, a um primeiro-ministro e ao chefe do governo de uma região autónoma - e, de facto, destruindo o poder popular que se baseia no voto.
Enquanto esse poder não for retirado ao Ministério Público, submetendo-o a quem foi eleito pelo povo, a democracia continuará a padecer em Portugal.» Com efeito, o receio dos políticos de serem vítimas de um inquérito, logo tornado público, por causa de qualquer denúncia malévola, por mais infundada que se venha a revelar, torna o poder político refém do Ministério Público.