1. Como é sabido, o malthusianismo profissional - ou seja, a restrição deliberada do acesso às profissões - é um dos empenhos favoritos das ordens profissionais, a fim de limitar a concorrência e reservar o mercado para os profissionais instalados.
Mas entre os vários instrumentos até agora utilizados para esse efeito (redução do numeus clausus nos cursos de acesso às profissões, exames de acesso à profissão, estágios prolongados, etc.), não constava a solução drástica agora avançada pelo bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, a saber, o «fim das licenciaturas públicas em medicina dentária».
Ao permitir-se defender este disparate, o bastonário não se deu conta de que a liberdade individual de acesso às profissões - que obviamente inclui o direito a obter a necessária formação académica, quando exigida - está constitucionalmente garantida, sendo por isso inconcebível o cancelamento dos correspondentes cursos.
2. A gravidade da proposta não é atenuada por "só" defender o encerramento das escolas de medicina dentária públicas, salvaguardando portanto o negócio das escolas privadas.
Mas essa interesseira concessão só agrava o dislate, pois se não é admissível um monopólio do ensino superior público - por incompatível com a liberdade constitucional do ensino privado -, muito menos o seria um monopólio legal do ensino superior privado de qualquer fileira, dada a sólida "garantia institucional" do ensino público e o correspondente direito à escola pública.
3. Entre os fundamentos da sua disparatada proposta, o dito bastonário invoca a migração de muitos dentistas portugueses para outros países, o que seria um sintoma do excesso de novos dentistas.
Todavia, tal pressão migratória - que, aliás, ocorre noutras profissões - é devida à maior remuneração em países mais ricos, pelo que não diminuiria de modo algum com a restrição da "produção" de médicos dentistas entre nós, a qual só teria por efeito a redução da oferta nos serviços de medicina dentária no plano doméstico, fazendo subir os preços -, que é obviamente o objetivo não confessado desta proposta.
"Rabo escondido com o gato de fora"...