1. No seu artigo de hoje no Público, J. Miguel Tavares pronuncia-se a favor de usar a geolocalização através dos smartphones para efeitos de identificar as pessoas que possam ter estado em contacto com novos infetados, para efeitos de teste e despistagem de focos de contágio.
Sei bem que isso constitui uma provocação ao fundamentalismo dominante entre nós quanto à reserva de dados pessoais. Mas na situação de risco coletivo perante o contágio da Covid, não me parece ser de excluir à partida o recurso a metodologías de traceability eletrónica, como eu próprio aqui defendi já há duas semanas.
É a saúde de terceiros que está em causa e que o Estado tem a obrigação de proteger, incluindo o recurso a soluções técnicas apropriadas, desde que a eventual restrição de direitos pessoais caiba nos parâmetros constitucionais.
2. Pode parecer contraditório o facto de dois liberais (no sentido de defensores da liberdade pessoal), um de direita e outro de esquerda, convergirem numa solução que infringe a reserva privada dos dados pessoais, como os lugares por onde um infetado andou e as pessoas com quem se encontrou nos dias que precederam a deteção da sua infeção.
Mas a verdade é que, ao contrário das autocracias, os países que observam os princípios do Estado de direito estão obrigados a cumprir não somente os pressupostos da necessidade e da proporcionalidade na restrição de direitos fundamentais, mas também os vários requisitos constitucionais para acesso da Administração a dados pessoais: (i) sigilo na recolha e na utilização dos dados; (ii) uso exclusivo para a finalidade proposta; (iii) destruição dos dados recolhidos após cumprimento dessa finalidade; (iv) vigilância por autoridade independente; (v) controlo judicial independente e reparação de danos em caso de violação desses pressupostos. Além do escrutínio político democrático, como é óbvio.
É isso que distingue Portugal da China. Não ver essas diferenças é não nos darmos conta da vantagem inestimável de viver num Estado de direito democrático.
3. Eu vou mais longe do que JMFJ quanto a esta questão: se porventura vier a ser infetado, requeiro que investiguem imediatamente no meu smartphone os locais em que estive nos dias anteriores e as pessoas que possa ter contaminado.
Eu não quero ser culpado de infetar involuntariamente alguém, sem proporcionar aos serviços de saúde um rastreio imediato das possíveis vítimas. Além do mais, penso que sem investigar a "pegada contagiosa" dos infetados - por via de geolocalização ou outra - não se trava a pandemia sem medidas restritivas duradouras da atividade económica e social.
Adenda
O plano de alívio francês, anunciado há dois dias pelo Primeiro-Ministro, prevê o levantamento sistemático dos contactos recentes de cada novo infetado, na base das informações destes, sendo efetuado a nível de departamento por brigadas ad hoc e sendo os potenciais contagiados, no círculo familiar e fora dele, contactados para fazer testes. Eis uma alternativa menos tecnológica, e seguramente mais onerosa, para despistar a "pegada contagiosa", igualmente baseada na identificação dos contactos pessoais recentes de cada infetado. O que não creio é que o Estado se possa desresponsabilizar dessa tarefa crucial.
Adenda 2
Há obviamente a solução de aplicações para smartphone, em negociação ao nível da União Europeia, que permitem informar os interessados, caso tenham estado perto de algum infetado, desde que este também use uma aplicação compatível. Tendo embora a vantagem de não identificar os infetados, a natureza voluntária da instalação dessas aplicações, mesmo se interoperáveis, pode tornar esta solução imprestável, se não houver adesão da grande maioria da população, deixando muita gente sem cobertura.
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
quinta-feira, 30 de abril de 2020
Terra brasilis (7): Bolsonarismo no seu pior
A crise aberta pela teimosia de Bolsonaro em substituir o diretor da Polícia Federal (polícia judiciária) por um homem de mão da sua confiança pessoal, que levou à demissão do Ministro da Justiça, Sérgio Moro, passou a uma nova fase, com a decisão do Supremo Tribunal Federal de suspender liminarmente a nomeação, por indícios fortes de "desvio de poder". Estado de direito, 1 - autoritarismo, 0.
Este tropeção institucional de Bolsonaro vem somar-se à sua atrabiliária condução do combate à pandemia, revelando toda a impreparação, leviandade política e vezo autoritário do atual ocupante do Palácio da Alvorada em Brasília. O Brasil não merecia um Presidente tão mau!
Este tropeção institucional de Bolsonaro vem somar-se à sua atrabiliária condução do combate à pandemia, revelando toda a impreparação, leviandade política e vezo autoritário do atual ocupante do Palácio da Alvorada em Brasília. O Brasil não merecia um Presidente tão mau!
quarta-feira, 29 de abril de 2020
Pobre língua (17): Modismos
De vez em quando, não se sabe porquê nem com que origem, surgem modas linguísticas assaz bizarras, em que caem mesmo pessoas que, pelas suas funções, tinham obrigação de ser mais rigorosas no uso da Língua.
Uma das últimas "ondas" é o uso de adição e aditivo para designar as situações de dependência pessoal no consumo de certos produtos (em relação a drogas, álcool, etc.). Ora, o que continua registado na maioria dos dicionários e nos guias da Língua são as formas adicção e adictivo, o que, aliás, corresponde à etimologia latina desses termos e evita a confusão com os derivados do verbo aditar (= acrescentar, adicionar). De resto, quem diz aditivo e adição também chamará adito(s) e adita(s) às pessoas que incorrem nessas situações, em vez de adicto(s) e adicta(s)!?
O Acordo Ortográfico, que para alguns é uma espécie de bode expiatório de todos os disparates correntes da Língua, não pode ser invocado neste caso para "apagar" o c depois do i, visto que ele só eliminou as chamadas "consoantes mudas", o que não era o caso.
Uma das últimas "ondas" é o uso de adição e aditivo para designar as situações de dependência pessoal no consumo de certos produtos (em relação a drogas, álcool, etc.). Ora, o que continua registado na maioria dos dicionários e nos guias da Língua são as formas adicção e adictivo, o que, aliás, corresponde à etimologia latina desses termos e evita a confusão com os derivados do verbo aditar (= acrescentar, adicionar). De resto, quem diz aditivo e adição também chamará adito(s) e adita(s) às pessoas que incorrem nessas situações, em vez de adicto(s) e adicta(s)!?
O Acordo Ortográfico, que para alguns é uma espécie de bode expiatório de todos os disparates correntes da Língua, não pode ser invocado neste caso para "apagar" o c depois do i, visto que ele só eliminou as chamadas "consoantes mudas", o que não era o caso.
Pandemia (16): Conviver com ela
[Fonte AQUI]
Penso que o indicador mais relevante da evolução da pandemia é a curva ponderada dos novos casos de infeção por dia - a linha azul-claro no gráfico acima -, a qual, após o surto inicial, até fim de março, mostra um declínio bem significativo, ainda que irregular e pouco acentuado, desde há quase um mês, por efeito das medidas de contenção tomadas.É evidente que essa tendência de regressão vai ser invertida com o anunciado desconfinamento controlado, a ser iniciado na próxima semana. Todavia, desde que não haja um novo surto e o aumento de novos casos não seja tal, que ponha em causa da capacidade de resposta do SNS, trata-se de um custo aceitável para a necessária abertura da economia e da sociedade. Ponto é que sejam melhorados a tempo os meios de deteção de novos infetados e de rastreio do seus contactos, para evitar novos focos de contágio.
Podendo e devendo ser controlada, a pandemia não pode, porém, ser extinta enquanto não houver vacina ou tratamento. Entretanto, vamos ter de conviver com ela, e sobreviver o melhor que pudermos.
segunda-feira, 27 de abril de 2020
Pandemia (15): "Nos quoque..."
[Fonte da imagem AQUI]
1. Contra a minha norma de conduta no Causa Nossa, em que procuro sempre abstrair dos meus interesses pessoais na defesa de causas públicas (e tenho dado inúmeras provas disso), este post assume declaradamente a defesa de um interesse coletivo a que não sou pessoalmente alheio.Feita esta declaração de interesses, vamos ao assunto, que consiste no seguinte: não compartilho do aparente consenso de que o alívio da situação de confinamento social e o regresso a uma "normalidade condicionada", subsequente ao fim do estado de emergência, vai deixar de fora os idosos, que continuariam sujeitos a estrito confinamento domiciliário.
2. É inegável que as pessoas mais velhas são muito mais vulneráveis à pandemia, pelo que devem tomar muitos cuidados extra para não serem infetadas.Todavia, isso não exige medidas extremas de isolamento social.
Não há nenhuma razão para que os idosos inativos não possam deslocar-se, por exemplo, ao café do bairro ou à farmácia, desde que observadas regras de proteção estabelecidas (uso de máscara e distanciamento em relação a outras pessoas). Também não existe nenhum fundamento para que os idosos ativos não se desloquem, observados os mesmos cuidados, ao seu local de trabalho (escritório, gabinete, etc.). E nem faz sentido que uns e outros não possam ir ao parque mais próximo em exercício físico.
Não se pode condenar os idosos a "morrer da cura", por prolongado definhamento em casa, tanto mais que a pandemia não tem data de extinção.
3. Um princípio essencial do Estado de direito constitucional, mesmo em casos de restrição de direitos em situações de emergência, é a proibição de excessos restritivos dos direitos pessoais, indo além do necessário.
Ora, a liberdade de movimento, ou seja, de não estar confinado a um lugar, mesmo em casa, constitui um direito essencial numa sociedade livre. Havendo que defender o direito à saúde, próprio e alheio, justifica-se a restrição da liberdade de circulação, mas não o seu aniquilamento, que a Constituição, aliás, proíbe.
Por isso, nada pode justificar a condenação dos idosos a uma espécie de "prisão domiciliária" por via legislativa ou administrativa. Ainda não é proibido ser velho. E, como diziam os antigos, nós tambem somos gente.
domingo, 26 de abril de 2020
Pandemia (14): Substituir o estado de emergência pelo "estado de calamidade"?
1. O Governo deixou cair na imprensa a hipótese de, após terminado o estado de emergência em vigor, decretar o "estado de calamidade", previsto na Lei de Proteção Civil. A hipótese está a gerar dúvidas de constitucionalidade, e não sem fundamento.
A meu ver, as coordenadas jurídicas da questão são as seguintes: o estado de calamidade, que é decretado pelo Governo, só pode ser instituído em situações suscetíveis de mobilizar a proteção civil - o que levanta desde logo a questão de saber se a pandemia cai tipicamente nessas situações - e não pode permitir fazer aquilo que somente o estado de emergência consente.
2. Admitindo, com reservas, que a primeira condição se verifica, o estado de calamidade não pode, porém, afetar direitos que não podem ser restringidos em situações de normalidade constitucional, como é o caso, por exemplo, da proibição de internamento compulsivo (salvo por anomalia psíquica), da inviolabilidade da habitação, da liberdade de culto ou do direito à greve.
Estes direitos só podem ser afetados por via de declaração do estado de exceção constitucional (estado de sítio ou estado de emergência), decretado pelo PR com aprovação da AR, nos termos constitucionais.
3. Mesmo em relação aos direitos fundamentais que podem ser restringidos em situações de normalidade constitucional, como, por exemplo, a liberdade de circulação, o estado de calamidade não pode restringi-los senão nos termos do art. 18º da CRP, nomeadamente com estrito respeito pelo princípio da necessidade e da proporcionalidade, assim como de intocabilidade do "núcleo essencial" de cada direito, o que não sucederia, por exemplo, com uma medida de confinamento doméstico obrigatório. De novo, só a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência permite a suspensão dos exercício de direitos fundamentais.
A distinção-chave aqui é justamente entre restrição do exercício e suspensão do exercício. O estado de calamidade administrativo não pode fazer o que só o estado de exceção constitucional, por decreto presidencial, pode fazer, ou seja, suspender direitos.
A distinção pode não ser ser fácil de fazer em situações limite. Mas, nesse caso, o mais aconselhável é renunciar a tais restrições ou então repetir o estado de emergência.
Adenda
António Costa declarou que tem de ser assegurado o «afastamento entre as pessoas por causa da pandemia, "diga a Constituição o que diga"». Ora, por um lado, não conheço nenhuma opinião fundamentada segundo a qual a norma de distanciamento social poderia ser contrária à Constituição; por outro lado, num Estado de direito constitucional, o que a Constituição diz importa -, e muito.
Adenda 2
Há quem defenda que o internamento compulsivo de infetados, mesmo fora do estado de emergência, tem cobertura constitucional no direito à proteção da saúde garantido no art. 64º da Constituição. Mas, para além de não haver nenhuma referência, sequer longínqua, nesse longo e pormenorizado preceito constitucional, a medidas de tal gravidade (que aniquilam um direito essencial como o direito à liberdade), considero que o art. 27º, sobre o direito à liberdade, enuncia expressamente os casos em que é permitida a privação da liberdade pessoal, incluindo o internamento por causa de anomalia psíquica (apesar de este também se poder "deduzir" do direito à segurança garantido no mesmos preceito). A privação da liberdade pessoal, que a Constituição cuidou de regular exaustivamente, não pode ser decorrer de fundamentos tão indiretos. Por essa ordem de ideias, o art. 64º poderia justificar todas as restrições de direitos até agora adotadas, sem necessidade de nenhum estado de emergência...
Adenda 3
Dando conta da minha opinião sobre este assunto, o Jornal Económico escreve o seguinte: «Para Vital Moreira há uma série de direitos como a proibição de internamento compulsivo, o direito à greve e a liberdade de circulação que só podem ser afetados por via de declaração do estado de exceção constitucional (estado de sítio ou estado de emergência), decretado pelo PR com aprovação da AR, nos termos constitucionais.» Ora, eu nunca disse que a liberdade de circulação não pode ser restringida fora do estado de emergência. Disse exatamente o contrário! Trata-se de misturar alhos com bugalhos.
A meu ver, as coordenadas jurídicas da questão são as seguintes: o estado de calamidade, que é decretado pelo Governo, só pode ser instituído em situações suscetíveis de mobilizar a proteção civil - o que levanta desde logo a questão de saber se a pandemia cai tipicamente nessas situações - e não pode permitir fazer aquilo que somente o estado de emergência consente.
2. Admitindo, com reservas, que a primeira condição se verifica, o estado de calamidade não pode, porém, afetar direitos que não podem ser restringidos em situações de normalidade constitucional, como é o caso, por exemplo, da proibição de internamento compulsivo (salvo por anomalia psíquica), da inviolabilidade da habitação, da liberdade de culto ou do direito à greve.
Estes direitos só podem ser afetados por via de declaração do estado de exceção constitucional (estado de sítio ou estado de emergência), decretado pelo PR com aprovação da AR, nos termos constitucionais.
3. Mesmo em relação aos direitos fundamentais que podem ser restringidos em situações de normalidade constitucional, como, por exemplo, a liberdade de circulação, o estado de calamidade não pode restringi-los senão nos termos do art. 18º da CRP, nomeadamente com estrito respeito pelo princípio da necessidade e da proporcionalidade, assim como de intocabilidade do "núcleo essencial" de cada direito, o que não sucederia, por exemplo, com uma medida de confinamento doméstico obrigatório. De novo, só a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência permite a suspensão dos exercício de direitos fundamentais.
A distinção-chave aqui é justamente entre restrição do exercício e suspensão do exercício. O estado de calamidade administrativo não pode fazer o que só o estado de exceção constitucional, por decreto presidencial, pode fazer, ou seja, suspender direitos.
A distinção pode não ser ser fácil de fazer em situações limite. Mas, nesse caso, o mais aconselhável é renunciar a tais restrições ou então repetir o estado de emergência.
Adenda
António Costa declarou que tem de ser assegurado o «afastamento entre as pessoas por causa da pandemia, "diga a Constituição o que diga"». Ora, por um lado, não conheço nenhuma opinião fundamentada segundo a qual a norma de distanciamento social poderia ser contrária à Constituição; por outro lado, num Estado de direito constitucional, o que a Constituição diz importa -, e muito.
Adenda 2
Há quem defenda que o internamento compulsivo de infetados, mesmo fora do estado de emergência, tem cobertura constitucional no direito à proteção da saúde garantido no art. 64º da Constituição. Mas, para além de não haver nenhuma referência, sequer longínqua, nesse longo e pormenorizado preceito constitucional, a medidas de tal gravidade (que aniquilam um direito essencial como o direito à liberdade), considero que o art. 27º, sobre o direito à liberdade, enuncia expressamente os casos em que é permitida a privação da liberdade pessoal, incluindo o internamento por causa de anomalia psíquica (apesar de este também se poder "deduzir" do direito à segurança garantido no mesmos preceito). A privação da liberdade pessoal, que a Constituição cuidou de regular exaustivamente, não pode ser decorrer de fundamentos tão indiretos. Por essa ordem de ideias, o art. 64º poderia justificar todas as restrições de direitos até agora adotadas, sem necessidade de nenhum estado de emergência...
Adenda 3
Dando conta da minha opinião sobre este assunto, o Jornal Económico escreve o seguinte: «Para Vital Moreira há uma série de direitos como a proibição de internamento compulsivo, o direito à greve e a liberdade de circulação que só podem ser afetados por via de declaração do estado de exceção constitucional (estado de sítio ou estado de emergência), decretado pelo PR com aprovação da AR, nos termos constitucionais.» Ora, eu nunca disse que a liberdade de circulação não pode ser restringida fora do estado de emergência. Disse exatamente o contrário! Trata-se de misturar alhos com bugalhos.
Pandemia (13): O alívio não vai ser para todos
1. Se traçarmos uma curva sobre este gráfico de barras que mostra o aumento diário de novos infetados (cortesia de Rosalvo Almeida), obteremos uma imagem mais expressiva de como a epidemia cresceu abruptamente na fase inicial, até 31 de março, tendo depois entrado num "planalto" irregular, com uma lenta tendência para a descida do número casos diários, salvo a notória exceção do pico isolado de casos no dia 10 de abril.
Verifica-se, assim, que pandemia atingiu o seu pico bem antes da previsão inicial e a um nível compatível com a capacidade de resposta do SNS, o que revela o êxito das medidas de confinamento e do reforço dos meios dos serviços de saúde, em boa hora tomadas.
2. Mas a resistência da curva a "quebrar", mais de três semanas passadas sobre o declaração do estado de emergência, mostra que a pandemia está para durar, num nível relativamente elevado de contágio, e que o desconfinamento pode trazer um sério risco de subida de novos casos de infeção e de mortes diárias.
Sendo imperioso reabrir a economia, não se pode, porém, deixar de manter sob controlo a evolução da pandemia -, um equilíbrio dificil, que vai pôr à prova a capacidade de monitorização e de gestão da crise pelo Governo. O alívio das restrições económicas e sociais, há que reconhecê-lo, não vai ter reflexo no plano político e governativo...
sábado, 25 de abril de 2020
Outro 25 de Abril
Há gestos que valem mil palavras. Uma imagem de enorme grandeza!
25 de abril, sempre!
Por antonomásia, comemorar o 25 de abril é na rua, aberta a todos (na imagem, a frente da manifestação de 1981 em Lisboa).
Este ano o confinamento decretado por causa da pandemia privou os cidadãos comuns da homenagem cívica à jornada fundadora da democracia em Portugal, há 46 anos. Mas havemos de voltar.
[Legenda da foto AQUI.]
Este ano o confinamento decretado por causa da pandemia privou os cidadãos comuns da homenagem cívica à jornada fundadora da democracia em Portugal, há 46 anos. Mas havemos de voltar.
[Legenda da foto AQUI.]
sexta-feira, 24 de abril de 2020
Pandemia (12): A "bazuca financeira" da UE
1. Há a considerar, obviamente, duas linhas paralelas cumulativas de ajuda da União à retoma económica dos Estados-membros:
- o reforço do orçamento da União, por novos recursos próprios ou maior contribuição dos Estados-membros, aumentando a sua capacidade de financiar diretamentes projetos nos Estados-membros, nos termos usuais;
- o novo "fundo de retoma" de elevado montante (um milhão de milhões de euros), financiado por emissão de dívida pela União, para colocar à disposição dos Estados-membros.
Na minha leitura da "constituição financeira" da União, estas duas coisas não se podem confundir. A União não se pode endividar para financiar o seu próprio orçamento, só o podendo fazer para reemprestar o dinheiro aos Estados-membros, com obrigação de juros e de reembolso por parte destes.
- o reforço do orçamento da União, por novos recursos próprios ou maior contribuição dos Estados-membros, aumentando a sua capacidade de financiar diretamentes projetos nos Estados-membros, nos termos usuais;
- o novo "fundo de retoma" de elevado montante (um milhão de milhões de euros), financiado por emissão de dívida pela União, para colocar à disposição dos Estados-membros.
Na minha leitura da "constituição financeira" da União, estas duas coisas não se podem confundir. A União não se pode endividar para financiar o seu próprio orçamento, só o podendo fazer para reemprestar o dinheiro aos Estados-membros, com obrigação de juros e de reembolso por parte destes.
Por conseguinte, se quisermos que uma parte substancial da ajuda à recuperação seja feita por via de subsídios não reembolsáveis, então temos de optar pelo reforço do orçamento da União, nem que seja a título temporário, ou seja, no próximo Quadro Financeiro Plurianual.
2. Também não vejo nenhuma novidade estrutural nesta emissão de dívida pela União para financiar os Estados-membros, mecanismo utilizado desde logo no quadro do MEEF ou para outros fins, como é o caso recente do SURE.
O que há de novo é o montante extraordinariamente elevado do novo fundo e o seu objetivo inovador de ajuda específica à recuperação económica da recessão causada pela pandemia.
2. Também não vejo nenhuma novidade estrutural nesta emissão de dívida pela União para financiar os Estados-membros, mecanismo utilizado desde logo no quadro do MEEF ou para outros fins, como é o caso recente do SURE.
O que há de novo é o montante extraordinariamente elevado do novo fundo e o seu objetivo inovador de ajuda específica à recuperação económica da recessão causada pela pandemia.
Em todo o caso, mesmo tratando-se de empréstimos e não de subsídios, se o financiamento cobrir todas as necessidades financeiras da recuperação económica e os empréstimos forem de longo prazo e em condições de juro favoráveis, como se espera (dado o rating triplo A de que beneficiam as obrigações de divida da UE), trata-se de uma enorme e insubstituível ajuda.
Imagine-se só que todos os Estados, incluindo os mais vulneráveis financeiramente, tinham de ir, por si, financiar-se nesse enorme montante no mercado da dívida!
Imagine-se só que todos os Estados, incluindo os mais vulneráveis financeiramente, tinham de ir, por si, financiar-se nesse enorme montante no mercado da dívida!
Pobre Língua (16): Pobre causa, que tais defensores tem
1. Um oficiante do pequeno grupo militante da causa contra o Acordo Ortográfico de 1990, com lugar cativo no jornal Público, vem responder a este meu post sobre o sebastianismo ortográfico, a propósito de um texto de Nuno Pacheco no mesmo jornal.
Estou certo, porém, que Nuno Pacheco não apreciará esta "substituição". Primeiro, porque o meu contraditor não responde a nenhum dos meus argumentos sobre as divergências ortográficas remanescentes entre o Português europeu e o do Brasil depois do AO, que era o tema em causa. Segundo, porque ele envereda por um tipo de polémica pouco recomendável.
Com efeito, o autor só pretende explorar o facto de eu ter inicialmente grafado à maneira antiga a palavra lêem, a qual, segundo o AO, passou a escrever-se como leem.
2. Sucede, porém, que eu próprio me dei conta do lapso ao revisitar o texto pouco depois, tendo-o corrigido prontamente (o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa já o transcreve corretamente em 20 de abril). Ora, não posso acreditar que o meu espontâneo contraditor não tenha verificado a correção do meu texto antes de publicar o seu artigo, como seria curial e intelectualmente honesto. Pobre causa, que tais defensores tem!
Tenho por norma debater argumentos sem atacar pessoalmente os meus adversários. Além de ser substantivamente vazio de argumentos, o texto em causa não cumpre essa norma básica de um debate intelectual decente. Ponto final, portanto.
Adenda
Entre as suas observações despropositadas, o autor denuncia o Causa Nossa como «blogue coletivo» em que só uma pessoa escreve. Ora, como é fácil ver pelo cabeçalho do blogue, o Causa Nossa não é um blogue coletivo, o que há muito deixou de ser. Tem um autor singular, devidamente identificado. Como se pode debater com alguém que recorre a "argumentos" como este?
Estou certo, porém, que Nuno Pacheco não apreciará esta "substituição". Primeiro, porque o meu contraditor não responde a nenhum dos meus argumentos sobre as divergências ortográficas remanescentes entre o Português europeu e o do Brasil depois do AO, que era o tema em causa. Segundo, porque ele envereda por um tipo de polémica pouco recomendável.
Com efeito, o autor só pretende explorar o facto de eu ter inicialmente grafado à maneira antiga a palavra lêem, a qual, segundo o AO, passou a escrever-se como leem.
2. Sucede, porém, que eu próprio me dei conta do lapso ao revisitar o texto pouco depois, tendo-o corrigido prontamente (o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa já o transcreve corretamente em 20 de abril). Ora, não posso acreditar que o meu espontâneo contraditor não tenha verificado a correção do meu texto antes de publicar o seu artigo, como seria curial e intelectualmente honesto. Pobre causa, que tais defensores tem!
Tenho por norma debater argumentos sem atacar pessoalmente os meus adversários. Além de ser substantivamente vazio de argumentos, o texto em causa não cumpre essa norma básica de um debate intelectual decente. Ponto final, portanto.
Adenda
Entre as suas observações despropositadas, o autor denuncia o Causa Nossa como «blogue coletivo» em que só uma pessoa escreve. Ora, como é fácil ver pelo cabeçalho do blogue, o Causa Nossa não é um blogue coletivo, o que há muito deixou de ser. Tem um autor singular, devidamente identificado. Como se pode debater com alguém que recorre a "argumentos" como este?
quinta-feira, 23 de abril de 2020
Retratos de Portugal (1): Tarefas por metade
A velha árvore caiu e foi retirada, mas o rombo no muro antigo deste parque público de Coimbra ficou. Por quanto tempo, ninguem sabe...
+ Europa (25): Assimetria na integração europeia
[Fonte da imagem: aqui]
1. No manifesto de várias personalidades europeias, oriundas das três principais famílias europeístas (PPE, social-democratas e liberais), hoje publicado em vários jornais europeus (entre os quais o Público entre nós), a propósito da presente crise da pandemia e das responsabilidades da União em enfrentá-la, avança-se, entre outras ideias meritórias, com a proposta de cessar a "competição fiscal" dentro da União.É apontar o dedo a uma das maiores inconsistências da integração europeia.
2. Com efeito, existe um notório handicap no facto de as políticas tributárias permanecerem competência nacional e só poder haver medidas fiscais da União por meio de decisões por unanimidade, o que confere poderes de veto a cada um dos Estados-membros. A questão é relevante sobretudo para os impostos sobre as empresas e os rendimentos de capital, que afetam diretamente a competitividade relativa dos paises.
Sucede, aliás, que os países com menos capacidade de reduzir esses impostos, por terem menor capacidade de gerar receita fiscal, são também aqueles que mais precisariam de o fazer, justamente para estimular as suas economias, por serem menos eficientes, e para atraírem investimento externo. Trata-se, portanto, de um círculo vicioso, cujo fim devia estar entre as prioridades de uma revisão do quadro constitucional da União.
3. Infelizmente, a integração europeia foi construída inicialmente na base da exclusiva integração dos mercados nacionais ("mercado comum"), mantendo a competência nacional e logo a competição nacional quanto às políticas fiscais e sociais, apesar de estas afetarem diretamente o desempenho e a competitividade económica de cada país.
Ora, enquanto em matéria de políticas sociais tem vindo a haver, desde o Protocolo social de Maastricht (1992), um processo, embora lento, de progressiva integração parcial (direitos mínimos do trabalhadores e direitos sociais mínimos), outro tanto não tem sucedido com a competição fiscal, ressalvado o caso do IVA, que constitui a principal base tributária de "recursos próprios" da União.
É tempo de corrigir esta assimetria da integração europeia e quebrar o círculo vicioso da competição fiscal com direta incidência económica.
quarta-feira, 22 de abril de 2020
Pandemia (11): E se refletíssemos sobre o voto eletrónico?
[Fonte da imagem: aqui]
1. Não é nada provável que a pandemia desapareça antes de haver vacina, que não se anuncia para breve. Ora, não se afigura ser conveniente realizar eleições com votação presencial antes disso, pelos riscos em que podem incorrer pessoas mais vulneráveis ao contágio (idosos, doentes), pelos inevitáveis ajuntamentos que ocorrem nas assembleias de voto, o que pode causar elevada abstenção nesses grupos.Nessas circunstâncias, a alternativa a um possível adiamento das eleições para data indeterminada, prorrogando os mandatos cessantes, com a insegurança democrática que isso pode gerar, poderia ser a votação à distância para quem o desejar, seja por via postal, seja, preferencialmente por via eletrónica (salvo nas eleições presidenciais, em que a Constituição exclui tais soluções no território nacional).
2. Sabem-se os argumentos contra uma tal solução, decorrentes da possível violação do segredo do voto em larga escala, da possibilidade de pressões de terceiras pessoas ou de compra de votos, assim como o risco para a integridade do processo eleitoral (fraude ou atraso no voto postal, interferência externa no processo informático, etc.).
Em condições normais, essas objeções tendem para a rejeição da votação não presencial, salvo nas situações em que este pode ser difícil, como sucede entre nós com o voto dos cidadãos no estrangeiro, justificando o recurso ao voto postal, em vigor. A verdade, entretanto, é que há muitos países onde o voto eletrónico é utilizado sem grandes problemas (por exemplo, Estónia e vários estados federados dos Estados Unidos), seja em certas condições, seja como faculdade geral. Aliás, recentemente realizaram-se eleições por voto eletrónico numa entidade pública nacional, a Ordem dos Advogados.
Vale a pena, por isso, equacionar as hipóteses do e-voting, por ser user-friendly e ficar mais barato.
3. Há muita literatura disponível sobre o assunto e sobre as experiências existentes, e também já existe uma recomendação do Conselho da Europa sobre o voto eletrónico, o que quer dizer que ele não é proscrito pela organização europeia de defesa dos direitos humanos, da democracia e do Estado de direito.
Por isso, penso que a AR deveria solicitar à CNE um relatório sobre o assunto ou nomear uma comissão técnica para informar sobre ele, quanto aos aspetos técnicos e jurídicos. Just in case. Um legislador prudente deve saber as alternativas de que pode dispor.
terça-feira, 21 de abril de 2020
+ Europa (24): Problemas do "Fundo de Recuperação"
1. A Espanha acaba de tornar pública a sua proposta para o "Fundo de Recuperação" da União Europeia para ajuda à retoma económica e financeira dos Estados-membros depois da recessão da pandemia, que recebeu a apoio do Parlamento Europeu na semana passada.
Tratar-se-ia de um fundo no valor de 1 bilião e meio de euros, alimentado por dívida perpétua da União e destinado a financiar - a fundo perdido, e não a título de empréstimo -, investimentos nos Estados-membros, em função de necessidades e indicadores relevantes. A ser aprovado este plano, seria um enorme "boost" financeiro para os Estados-membros mais atingidos.
Seriam ajudas da União como as outras ao investimento nacional, sem contar no défice e na dívidas nacionais. Só que, desta vez, com objetivos específicos e de um valor sem precedentes e, sobretudo, com recurso a dívida pública.
2. Ora, para além dos problemas políticos envolvidos e do possível veto de algum ou alguns Estados-membros mais recalcitrantes à ideia dos Eurobonds, tal fundo suscita algumas questões complicadas na sua configuração:
- um problema constitucional, sobre a possibilidade de endividamento da União, que não tem cobertura segura nos Tratados, dada a insuficiência do art. 122º-2, normalmente invocado;
- que recursos orçamentais novos da União para financiar o serviço dessa avultada dívida (desde logo, os juros), o qual, mesmo com rating AAA da União, não ficaria barato;
- que critérios objetivos para selecionar os projetos dos Estados-membros elegíveis para financiamento do Fundo, assim como a competência para os aprovar;
- que obrigações dos Estados-membros (por exemplo, cofinanciamento nacional nos investimentos financiados pelo Fundo e outras "condicionalidades");
- e que mecanismos de controlo da aplicação desses investimentos ao nível da União.
Parece evidente, que mesmo que não seja vetado à partida, ainda há um longo caminho a percorrer para pôr o Fundo de pé.
Adenda
Angela Merkel anunciou ontem mesmo o apoio da Alemanha à emissão de dívida pública ao nível da União para financiar a retoma económica dos Estados-membros, mas não resulta claro da notícia se esse apoio aos Estados-membros é feito por meio de empréstimos em condições favoráveis ou através de financiamento da União sem reembolso. Note-se que o fundo da Comissão Europeia, recentemente criado para apoio aos Estados-membros na luta contra o desemprego resultante da epidemia (SURE), consiste em empréstimos.
Tratar-se-ia de um fundo no valor de 1 bilião e meio de euros, alimentado por dívida perpétua da União e destinado a financiar - a fundo perdido, e não a título de empréstimo -, investimentos nos Estados-membros, em função de necessidades e indicadores relevantes. A ser aprovado este plano, seria um enorme "boost" financeiro para os Estados-membros mais atingidos.
Seriam ajudas da União como as outras ao investimento nacional, sem contar no défice e na dívidas nacionais. Só que, desta vez, com objetivos específicos e de um valor sem precedentes e, sobretudo, com recurso a dívida pública.
2. Ora, para além dos problemas políticos envolvidos e do possível veto de algum ou alguns Estados-membros mais recalcitrantes à ideia dos Eurobonds, tal fundo suscita algumas questões complicadas na sua configuração:
- um problema constitucional, sobre a possibilidade de endividamento da União, que não tem cobertura segura nos Tratados, dada a insuficiência do art. 122º-2, normalmente invocado;
- que recursos orçamentais novos da União para financiar o serviço dessa avultada dívida (desde logo, os juros), o qual, mesmo com rating AAA da União, não ficaria barato;
- que critérios objetivos para selecionar os projetos dos Estados-membros elegíveis para financiamento do Fundo, assim como a competência para os aprovar;
- que obrigações dos Estados-membros (por exemplo, cofinanciamento nacional nos investimentos financiados pelo Fundo e outras "condicionalidades");
- e que mecanismos de controlo da aplicação desses investimentos ao nível da União.
Parece evidente, que mesmo que não seja vetado à partida, ainda há um longo caminho a percorrer para pôr o Fundo de pé.
Adenda
Angela Merkel anunciou ontem mesmo o apoio da Alemanha à emissão de dívida pública ao nível da União para financiar a retoma económica dos Estados-membros, mas não resulta claro da notícia se esse apoio aos Estados-membros é feito por meio de empréstimos em condições favoráveis ou através de financiamento da União sem reembolso. Note-se que o fundo da Comissão Europeia, recentemente criado para apoio aos Estados-membros na luta contra o desemprego resultante da epidemia (SURE), consiste em empréstimos.
segunda-feira, 20 de abril de 2020
Pandemia (10): Demasiado cedo para o desconfinamento?
1. Continuando a crescer significativamente o número de infetados (apesar de a taxa de contágio já ser inferior a 1), assim como o número de mortos (que continua superior ao número de recuperados), não será prematuro pôr termo ao confinamento social em princípio de maio, como anunciado, se a situação não melhorar significativamente? Não existe o risco de a situação descrita suscitar amplo receio de contágio por quem vai sair à rua?
Eu não queria estar na difícil posição de quem vai ter de assumir a responsabilidade por esta decisão!
Sei que o desconfinamento é reversível, caso se torne necessário voltar atrás, mas uma política de stop and go vai sujeitar as autoridades sanitárias a críticas nocivas para a confiança que elas devem inspirar e pode gerar demasiada insegurança e ansiedade nas pessoas.
2. Mas, se eu fosse responsável, seguramente não depositaria muitas esperanças na autocontrole individual, como parece ser o caso do Governo.
Infelizmente, a pandemia não mudou a natureza dos portugueses quando à tradicional falta de sentido de responsabilidade individual, quando estão em causa interesses coletivos. Quando vejo os colaboradores da Uber Eats agrupados descuidadamente em frente a restaurantes, sem máscara nem distância uns dos outros, à espera da comida para entregar aos seus clientes, temo bem que não vão faltar os free riders...
[revisto]
Eu não queria estar na difícil posição de quem vai ter de assumir a responsabilidade por esta decisão!
Sei que o desconfinamento é reversível, caso se torne necessário voltar atrás, mas uma política de stop and go vai sujeitar as autoridades sanitárias a críticas nocivas para a confiança que elas devem inspirar e pode gerar demasiada insegurança e ansiedade nas pessoas.
2. Mas, se eu fosse responsável, seguramente não depositaria muitas esperanças na autocontrole individual, como parece ser o caso do Governo.
Infelizmente, a pandemia não mudou a natureza dos portugueses quando à tradicional falta de sentido de responsabilidade individual, quando estão em causa interesses coletivos. Quando vejo os colaboradores da Uber Eats agrupados descuidadamente em frente a restaurantes, sem máscara nem distância uns dos outros, à espera da comida para entregar aos seus clientes, temo bem que não vão faltar os free riders...
[revisto]
Pandemia (9): Democracia celebratória
O "mantra" justificativo dos adeptos da cerimónia de celebração do 25 de abril na AR, em formato de clube seleto, é que o estado de emergência "não suspendeu a democracia". Trata-se, porém, de desconversar, levianamente.
Em primeiro lugar, ninguém imagina que se mantivesse, por exemplo, a realização de eleições que estivessem marcadas para este período; é óbvio que teriam de ser suspensas e adiadas, como já sucedeu em vários países. Em segundo lugar, a emergência suspendeu direitos individuais e coletivos que impedem os cidadãos comuns de celebrar publicamente o 25 de abril e que se deviam aplicar aos deputados, fora das reuniões de trabalho estritamente necessárias. Por último, pobre da democracia, se ela se reduzisse a gestos vazios de "democracia celebratória" da elite oficial, à margem dos cidadãos.
Adenda
A mais que previsível ausência de Jorge Sampaio da cerimónia e a provável ausência de outros eminentes convidados pela mesma razão mostra, só por si, a imprevidência da iniciativa em plena crise de Covid. Resta aos promotores o comentário darwinisticamente "macho" de que "vem quem pode" e sobre quem não pode, "azar deles". A "democracia celebratória" passa bem sem velhos e doentes... Disgusting, digo eu!
Adenda (2)
«E não aceito que um ritual seja transformado na verdadeira linha vermelha que separa os democratas dos outros. Não aceito que discordar de uma festa faça de mim uma hipócrita ou pessoa de mau gosto, como diria Manuel Alegre, sem respeito pela democracia.» (Sónia Sapage, hoje no Público). Nem mais!
Adenda (3)
Tal como a AR, também muitos municípios faziam questão de organizar cerimónias públicas no 25 de abril. Felizmente, que eu saiba, nenhum deles achou que a democracia ficaria em falta, se este ano não houvesse tais cerimónias e, pelo contrário, terão pensado que seria uma provocação aos seus munícipes, fechados em casa. E também não me consta que tenha havido zelosos abaixo-assinados de democratas-mais-democratas-do-que-outros a reivindicá-las.
Em primeiro lugar, ninguém imagina que se mantivesse, por exemplo, a realização de eleições que estivessem marcadas para este período; é óbvio que teriam de ser suspensas e adiadas, como já sucedeu em vários países. Em segundo lugar, a emergência suspendeu direitos individuais e coletivos que impedem os cidadãos comuns de celebrar publicamente o 25 de abril e que se deviam aplicar aos deputados, fora das reuniões de trabalho estritamente necessárias. Por último, pobre da democracia, se ela se reduzisse a gestos vazios de "democracia celebratória" da elite oficial, à margem dos cidadãos.
Adenda
A mais que previsível ausência de Jorge Sampaio da cerimónia e a provável ausência de outros eminentes convidados pela mesma razão mostra, só por si, a imprevidência da iniciativa em plena crise de Covid. Resta aos promotores o comentário darwinisticamente "macho" de que "vem quem pode" e sobre quem não pode, "azar deles". A "democracia celebratória" passa bem sem velhos e doentes... Disgusting, digo eu!
Adenda (2)
«E não aceito que um ritual seja transformado na verdadeira linha vermelha que separa os democratas dos outros. Não aceito que discordar de uma festa faça de mim uma hipócrita ou pessoa de mau gosto, como diria Manuel Alegre, sem respeito pela democracia.» (Sónia Sapage, hoje no Público). Nem mais!
Adenda (3)
Tal como a AR, também muitos municípios faziam questão de organizar cerimónias públicas no 25 de abril. Felizmente, que eu saiba, nenhum deles achou que a democracia ficaria em falta, se este ano não houvesse tais cerimónias e, pelo contrário, terão pensado que seria uma provocação aos seus munícipes, fechados em casa. E também não me consta que tenha havido zelosos abaixo-assinados de democratas-mais-democratas-do-que-outros a reivindicá-las.
Pandemia (8): O impacto orçamental
1. Há que começar a equacionar as soluções para os problemas orçamentais que a pandemia gera, de resto inseparáveis do impacto negativo sobre o emprego e a economia.
Não são somente os efeito automáticos de qualquer recessão económica, a nível da perda de receita pública e do aumento da despesa (subsídios de desemprego e outras prestações sociais). São também as novas despesas necessárias para gerir a crise, tanto as já decididas (financiamiento adicional do SNS, subsídio aos trabalhadores em lay-off e aos pais com crianças pequenas em casa, etc.), como as que vão ser precisas para reanimar a economia, salvar empresas (como a TAP) e o emprego, .
É indubitável que a despesa vai ter de aumentar muito, enquanto a receita vai baixar muito. A questão é: como encontrar espaço para isso, sem agravar desmesuradamente o défice orçamental e o endividamento público, cujos custos também vão subir?
2. Neste seu artigo, Paulo Trigo Pereira, deputado independente do PS na anterior legislatura, vem defender que o Estado não deve recorrer a medidas de austeridade orçamental (cortes nos rendimentos e aumentos de impostos), mas sim adotar uma política de contenção orçamental (congelamento de salários e pensões no setor público), e defende também a instituição daquilo a que chama "certificados Covid", mediante a renúncia voluntária ao pagamento de metade dos subsídios de férias e de natal em dinheiro e pela aquisição do valor equivalente de títulos de dívida pública.
Ora, sendo certo que os portugueses se fartaram de endividar-se com crédito ao consumo ao longo destes anos de alívio económico e orçamental - para o que aqui alertei várias vezes -, não é de crer que estejam disponíveis em grande proporção para aderir a uma poupança voluntária, a não ser que a remuneração seja realmente atrativa (mas cara para o Estado).
Além disso, por maior que fosse a receita de tal empréstimo - que é dívida pública -, parece evidente que essa contribuição seria uma pequena parcela das necessidades de financiamento que o Estado vai precisar.
Não são somente os efeito automáticos de qualquer recessão económica, a nível da perda de receita pública e do aumento da despesa (subsídios de desemprego e outras prestações sociais). São também as novas despesas necessárias para gerir a crise, tanto as já decididas (financiamiento adicional do SNS, subsídio aos trabalhadores em lay-off e aos pais com crianças pequenas em casa, etc.), como as que vão ser precisas para reanimar a economia, salvar empresas (como a TAP) e o emprego, .
É indubitável que a despesa vai ter de aumentar muito, enquanto a receita vai baixar muito. A questão é: como encontrar espaço para isso, sem agravar desmesuradamente o défice orçamental e o endividamento público, cujos custos também vão subir?
2. Neste seu artigo, Paulo Trigo Pereira, deputado independente do PS na anterior legislatura, vem defender que o Estado não deve recorrer a medidas de austeridade orçamental (cortes nos rendimentos e aumentos de impostos), mas sim adotar uma política de contenção orçamental (congelamento de salários e pensões no setor público), e defende também a instituição daquilo a que chama "certificados Covid", mediante a renúncia voluntária ao pagamento de metade dos subsídios de férias e de natal em dinheiro e pela aquisição do valor equivalente de títulos de dívida pública.
Ora, sendo certo que os portugueses se fartaram de endividar-se com crédito ao consumo ao longo destes anos de alívio económico e orçamental - para o que aqui alertei várias vezes -, não é de crer que estejam disponíveis em grande proporção para aderir a uma poupança voluntária, a não ser que a remuneração seja realmente atrativa (mas cara para o Estado).
Além disso, por maior que fosse a receita de tal empréstimo - que é dívida pública -, parece evidente que essa contribuição seria uma pequena parcela das necessidades de financiamento que o Estado vai precisar.
domingo, 19 de abril de 2020
Pandemia (7): O 25 de Abril é de todos!
1. Não, Manuel Alegre, suscitar objeções à celebração do 25 de Abril na AR nas atuais condições de emergência e confinamento geral não significa estar «contra a celebração do 25 de abril» -, o que constitui uma acusação sumamente injusta para muitos dos que as têm suscitado (entre os quais me conto).
2. Basta ver os jornais e as redes sociais e falar telefonicamente com pessoas, para ver que há muita gente, cujas convicções democráticas não podem ser postas em causa, que todavia pensa que haveria outras maneiras de celebrar condignamente o 25 de Abril "à distância" e que não vêem bem que a data que deveria ser de todos seja publicamente festejada apenas por uns poucos no parlamento, aliás com exclusão de muitos deputados, enquanto os portugueses em geral estão impedidos de o fazer publicamente, por efeito da regra do confinamento, salvo caso de necessidade (trabalho, abastecimento, etc.), e da proibição geral de ajuntamentos (o que inclui situações sensíveis, como funerais e cerimónias religiosas).
Eu também gostaria de estar na rua a celebrar!
3. Trata-se, antes de mais, de uma questão de igualdade e de solidariedade cívica. Ao menos em situação de emergência, não deveria haver cidadãos mais cidadãos do que outros. O 25 de Abril é de todos e a sua comemoração deveria ser poupada a divisões desta natureza!
Adenda
João Soares também discorda publicamente da infeliz iniciativa da AR - aliás, em termos bem expressivos - e não admite obviamente que lhe lhe chamem «facho». Também era o que faltava! Mas nestes tempos ominosos de guardiões da ortodoxia democrática em cada comentário nas redes sociais e de pouco respeito por opiniões discordantes, mesmo se fundamentadas e de boa fé, nunca se sabe...
Adenda 2
Não sao afirmações irresponsáveis, como esta de Vasco Lourenço, acusando de «oportunismo disfarçado» os que discordam da celebração do 25 de Abril no parlamento e metendo todos no mesmo saco, que me vão fazer perder o sentido de gratidão que tenho em relação as "capitães de Abril". Mas quero dizer ao autor desta provocação que cheguei um pouco mais cedo à luta contra a Ditadura e que não lhe admito que questione as minhas convicções democráticas e o compromisso com o 25 de Abril.
2. Basta ver os jornais e as redes sociais e falar telefonicamente com pessoas, para ver que há muita gente, cujas convicções democráticas não podem ser postas em causa, que todavia pensa que haveria outras maneiras de celebrar condignamente o 25 de Abril "à distância" e que não vêem bem que a data que deveria ser de todos seja publicamente festejada apenas por uns poucos no parlamento, aliás com exclusão de muitos deputados, enquanto os portugueses em geral estão impedidos de o fazer publicamente, por efeito da regra do confinamento, salvo caso de necessidade (trabalho, abastecimento, etc.), e da proibição geral de ajuntamentos (o que inclui situações sensíveis, como funerais e cerimónias religiosas).
Eu também gostaria de estar na rua a celebrar!
3. Trata-se, antes de mais, de uma questão de igualdade e de solidariedade cívica. Ao menos em situação de emergência, não deveria haver cidadãos mais cidadãos do que outros. O 25 de Abril é de todos e a sua comemoração deveria ser poupada a divisões desta natureza!
Adenda
João Soares também discorda publicamente da infeliz iniciativa da AR - aliás, em termos bem expressivos - e não admite obviamente que lhe lhe chamem «facho». Também era o que faltava! Mas nestes tempos ominosos de guardiões da ortodoxia democrática em cada comentário nas redes sociais e de pouco respeito por opiniões discordantes, mesmo se fundamentadas e de boa fé, nunca se sabe...
Adenda 2
Não sao afirmações irresponsáveis, como esta de Vasco Lourenço, acusando de «oportunismo disfarçado» os que discordam da celebração do 25 de Abril no parlamento e metendo todos no mesmo saco, que me vão fazer perder o sentido de gratidão que tenho em relação as "capitães de Abril". Mas quero dizer ao autor desta provocação que cheguei um pouco mais cedo à luta contra a Ditadura e que não lhe admito que questione as minhas convicções democráticas e o compromisso com o 25 de Abril.
Lisbon first (23): O outro país
1. A crise da pandemia revelou um outro país, cuja existência tendemos a ignorar em condições normais, ou seja, o país das famílias em que não há um computador para permitir às crianças em idade escolar seguirem estudos à distância no período de encerramento das escolas ou em que existem freguesias do interior onde não existe internet de banda larga para o mesmo efeito.
Ora, para que esses dois instrumentos de trabalho essenciais nos dias de hoje possam estar disponíveis universalmente em Portugal torna-se necessário assumi-los como prioridade de investimento público, em vez de o Estado, por exemplo, gastar centenas de milhões de euros na construção do metropolitano de Lisboa e do Porto (o que devia ser encargo municipal ou intermunicipal) ou no apoio financeiro a rendas mais acessíveis para a média burguesia urbana no centro de Lisboa, por mais rentáveis que tais investimentos sejam, como são, eleitoralmente falando.
O "dividendo eleitoral" não deve ser o primeiro critério do investimento público, como é usual.
2. Num "Estado social", como o nosso, a repartição do investimento público não é somente uma questão de prioridades económicas mas também uma questão de prioridades sociais. No final da segunda década do séc. XXI, na Europa, não é admissível que haja crianças em idade escolar sem computador, nem comunidades locais sem internet de banda larga.
Num país com as disparidades descritas, a integração social e territorial - que, aliás, constitui uma obrigação constitucional do Estado entre nós - tem de estar à cabeça das prioridades políticas do investimento público. Sobretudo, quando se trata de um Governo de esquerda!
Ora, para que esses dois instrumentos de trabalho essenciais nos dias de hoje possam estar disponíveis universalmente em Portugal torna-se necessário assumi-los como prioridade de investimento público, em vez de o Estado, por exemplo, gastar centenas de milhões de euros na construção do metropolitano de Lisboa e do Porto (o que devia ser encargo municipal ou intermunicipal) ou no apoio financeiro a rendas mais acessíveis para a média burguesia urbana no centro de Lisboa, por mais rentáveis que tais investimentos sejam, como são, eleitoralmente falando.
O "dividendo eleitoral" não deve ser o primeiro critério do investimento público, como é usual.
2. Num "Estado social", como o nosso, a repartição do investimento público não é somente uma questão de prioridades económicas mas também uma questão de prioridades sociais. No final da segunda década do séc. XXI, na Europa, não é admissível que haja crianças em idade escolar sem computador, nem comunidades locais sem internet de banda larga.
Num país com as disparidades descritas, a integração social e territorial - que, aliás, constitui uma obrigação constitucional do Estado entre nós - tem de estar à cabeça das prioridades políticas do investimento público. Sobretudo, quando se trata de um Governo de esquerda!
Stars & Stripes (5): O "poder absoluto"
1. Entre as suas declarações desatinadas, o Presidente Trump afirmou há dias: «Quando alguém é o Presidente dos Estados Unidos, a autoridade é total. E é assim que tem de ser».
Mas nem é assim, nem pode ser assim, salvo num regime autocrático. Numa República federal democrática, porém, mesmo quando de regime presidencialista, o Presidente não tem autoridade total nem sequer quando ao poder executivo que ele dirige (dados os poderes de veto do Senado sobre nomeações presidenciais). Quanto ao mais, o Presidente está limitado pelos poderes legislativos e orçamentais do Congresso, pelos poderes próprios dos estados federados, pelo controlo de constitucionalidade e legalidade do Supremo Tribunal e pelo "quarto poder", ou seja, o poder da imprensa livre e da opinião pública.
São demasiados obstáculos para a "autoridade presidencial total".
2. Até agora, em quase 250 anos de história, nunca um Presidente dos Estados Unidos conseguiu tomar conta de todo o poder ou abusar dele em termos antidemocráticos, quando as circunstâncias de guerra obrigaram a uma centralização do poder sem precedentes (como no caso do Presidente Roosevelt).
É certo que também não há registo de um Presidente dos Estados Unidos se ter reclamado de uma "autoridade total", em nenhuma circunstância. Todavia, por mais que as perspetivas sejam negras, não é de prever que Trump consiga duradouramente o que ninguém conseguiu na Casa Branca, mesmo que o queira, como parece ser o caso.
Mas nem é assim, nem pode ser assim, salvo num regime autocrático. Numa República federal democrática, porém, mesmo quando de regime presidencialista, o Presidente não tem autoridade total nem sequer quando ao poder executivo que ele dirige (dados os poderes de veto do Senado sobre nomeações presidenciais). Quanto ao mais, o Presidente está limitado pelos poderes legislativos e orçamentais do Congresso, pelos poderes próprios dos estados federados, pelo controlo de constitucionalidade e legalidade do Supremo Tribunal e pelo "quarto poder", ou seja, o poder da imprensa livre e da opinião pública.
São demasiados obstáculos para a "autoridade presidencial total".
2. Até agora, em quase 250 anos de história, nunca um Presidente dos Estados Unidos conseguiu tomar conta de todo o poder ou abusar dele em termos antidemocráticos, quando as circunstâncias de guerra obrigaram a uma centralização do poder sem precedentes (como no caso do Presidente Roosevelt).
É certo que também não há registo de um Presidente dos Estados Unidos se ter reclamado de uma "autoridade total", em nenhuma circunstância. Todavia, por mais que as perspetivas sejam negras, não é de prever que Trump consiga duradouramente o que ninguém conseguiu na Casa Branca, mesmo que o queira, como parece ser o caso.
sábado, 18 de abril de 2020
Pandemia (6): Queremos proporções!
No seu boletim diário sobre a pandemia, a DGS disponibiliza números absolutos nacionais para infetados, mortos e recuperados, números que também apresenta desagregados para regiões e municípios, mas somente quanto a alguns dos referidos indicadores.
Ora, os números absolutos têm pouco significado, quer para comparações internacionais com outros países, quer para comparações intranacionais. Não sei porque é que não são indicadas as proporções em relação à respetiva população a nível nacional, regional e concelhia, para cada um desses indicadores, a saber: casos suspeitos, infetados, mortos e recuperados.
Que sentido faz saber que uma região tem mais infetados do que outra, se em termos de população a proporção é mais elevada na segunda? Mais importante ainda é a relação entre infetados e mortos, porque uma proporção mais elevada pode revelar menores condições no terreno para detetar e tratar a tempo os infetados (como tenho referido aqui e aqui).
Adenda
Aqui vai uma tabela com as referidas proporções (cortesia Rosalvo Almeida), que mostram a região Centro em segundo lugar na relação mortos / população e num preocupante primeiríssimo lugar na relação mortos / infetados (o dobro de Lisboa). É assim desde o início, como tenho assinalado. Há algo que tem de ser devidamente explicado!
Ora, os números absolutos têm pouco significado, quer para comparações internacionais com outros países, quer para comparações intranacionais. Não sei porque é que não são indicadas as proporções em relação à respetiva população a nível nacional, regional e concelhia, para cada um desses indicadores, a saber: casos suspeitos, infetados, mortos e recuperados.
Que sentido faz saber que uma região tem mais infetados do que outra, se em termos de população a proporção é mais elevada na segunda? Mais importante ainda é a relação entre infetados e mortos, porque uma proporção mais elevada pode revelar menores condições no terreno para detetar e tratar a tempo os infetados (como tenho referido aqui e aqui).
Adenda
Aqui vai uma tabela com as referidas proporções (cortesia Rosalvo Almeida), que mostram a região Centro em segundo lugar na relação mortos / população e num preocupante primeiríssimo lugar na relação mortos / infetados (o dobro de Lisboa). É assim desde o início, como tenho assinalado. Há algo que tem de ser devidamente explicado!
Adenda 2 (20/4)
O caso da maior taxa de mortalidade na região Centro é objeto de uma boa investigação jornalística AQUI, que aponta vários fatores. Continua, porém, a faltar o necessário relatório oficial.
Pandemia (5): Relaxamento
O Expresso de hoje noticia que a CGTP vai celebrar o 1º de Maio com "ações de rua", acrescentando que a central sindical não recebeu nenhuma manifestação de oposição do Governo.
Ora, "ações de rua" significam necessariamente concentrações de pessoas, pelo que, embora as regras do estado de emergência - que ainda estará em vigor nessa data - possam ser derrogadas por razões de conveniência política, parece evidente que o simples bom senso desaconselha fortemente tais concentrações, pelo risco qualificado de contágio que elas implicam e pelo péssimo sinal de relaxamento que é enviado ao País.
Não dá para perceber porque é que o Governo resolveu ser complacente com tal ideia...
Adenda
Um dirigente sindical assegura-me que vão ser respeitadas as regras de "distanciamento social" estabelecidas e que, portanto, não vai haver grandes ajuntamentos. Mas não é convincente essa explicação.
Em primeiro lugar, com o cansaço de tanta gente de estar confinado em casa há semanas, nada como um bom pretexto e um bom dia de primavera para sair de casa e ir festejar com outros. Por isso, não sei como se poderá respeitar o distanciamento social se aparecer muita gente. Em segundo lugar, sejam muitos ou poucos os que saem para festejar, resta o problema da desigualdade entre os que têm o privilégio de celebrar na rua o 1º de maio e os que não o têm. O confinamento é para todos, salvo por razões de trabalho. Os dirigentes sindicais deveriam dar o exemplo.
Além disso, o 1º de Maio não precisa de "ações de rua" para ser condignamente celebrado. Basta imaginação criativa.
Adenda 2
De um leitor: «Se basta cumprir as regras de distanciamento social para poder haver ajuntamentos, porque é que que estão proibidos os funerais públicos e as missas e procissões? Onde é que está a coerência da soluções? Ou é por a CGTP ter o poder que tem?» Com efeito!
Ora, "ações de rua" significam necessariamente concentrações de pessoas, pelo que, embora as regras do estado de emergência - que ainda estará em vigor nessa data - possam ser derrogadas por razões de conveniência política, parece evidente que o simples bom senso desaconselha fortemente tais concentrações, pelo risco qualificado de contágio que elas implicam e pelo péssimo sinal de relaxamento que é enviado ao País.
Não dá para perceber porque é que o Governo resolveu ser complacente com tal ideia...
Adenda
Um dirigente sindical assegura-me que vão ser respeitadas as regras de "distanciamento social" estabelecidas e que, portanto, não vai haver grandes ajuntamentos. Mas não é convincente essa explicação.
Em primeiro lugar, com o cansaço de tanta gente de estar confinado em casa há semanas, nada como um bom pretexto e um bom dia de primavera para sair de casa e ir festejar com outros. Por isso, não sei como se poderá respeitar o distanciamento social se aparecer muita gente. Em segundo lugar, sejam muitos ou poucos os que saem para festejar, resta o problema da desigualdade entre os que têm o privilégio de celebrar na rua o 1º de maio e os que não o têm. O confinamento é para todos, salvo por razões de trabalho. Os dirigentes sindicais deveriam dar o exemplo.
Além disso, o 1º de Maio não precisa de "ações de rua" para ser condignamente celebrado. Basta imaginação criativa.
Adenda 2
De um leitor: «Se basta cumprir as regras de distanciamento social para poder haver ajuntamentos, porque é que que estão proibidos os funerais públicos e as missas e procissões? Onde é que está a coerência da soluções? Ou é por a CGTP ter o poder que tem?» Com efeito!
Praça da República (28): Corrigir um erro
1. Em boa hora o Governo decidiu nomear cinco secretários de Estado como coordenadores regionais da resposta do Estado à pandemia, assim colmatando o vazio criado com a mal avisada (e inconstitucional) extinção dos governadores civis em 2011 (Governo de Passo Coelho). Já há dois anos a sua falta se tinha manifestado na deficiente coordenação territorial do combate à vaga de incêndios florestais
Na verdade, a extinção dos governadores civis veio criar uma lacuna da nossa arquitetura institucional, que é a inexistência de um órgão de coordenação territorialmente desconcentrado da acção governativa, de deteção e de alerta de situações de défice de resposta governamental a nível regional e de elo de ligação entre o Governo e as autoridades locais, mediando as ligações setorias de cada ministério.
2. A Constituição é expressa no sentido de que a extinção dos governadores civis deve ser suprida por representantes governamentais regionais, junto de cada uma das futuras autarquias regionais.
Apesar de estas não terem sido ainda criadas, o Governo goza do poder de estabelecer essas "antenas governamentais regionais" na área de cada uma atuais cinco circunscrições administrativas regionais (NUTS II), sobretudo na perspetiva da reforma anunciada, de confiar a gestão das CCDR a órgãos eleitos pelos municípios abrangidos (embora mantendo-se na esfera do Estado).
Por isso, defendo que a solução agora adotada em situação de emergência seja institucionalizada como solução permanente, abandonando, porém, a ocupação desse cargo político por membros do Governo, em acumulação, como sucede agora.
sexta-feira, 17 de abril de 2020
Um pouco mais de jornalismo sff (14): O país para além de Lisboa
1. Porque é que a imprensa continua a reproduzir maquinalmente o boletim diário da pandemia, incluindo as percentagens nacionais do aumento de infetados, de falecidos e de recuperados, sem comparar os números regionais?
Se o fizessem, procurariam, por exemplo, saber a razão por que a taxa de mortalidade na Região Centro continua a mais alta do que média nacional e muito mais alta do que na região de Lisboa. Já suscitei essa questão anteriormente, em termos deliberadamente provocativos, mas sem eco.
2. Se fosse ao contrário, aposto que a imprensa já estava a exigir explicações e a clamar contra a provável discriminação na repartição territorial dos meios de ataque à pandemia. Assim, como é noutra galáxia, a coisa passa propositadamente despercebida.
Para a imprensa nacional, o País não existe para além do horizonte de Lisboa...
Se o fizessem, procurariam, por exemplo, saber a razão por que a taxa de mortalidade na Região Centro continua a mais alta do que média nacional e muito mais alta do que na região de Lisboa. Já suscitei essa questão anteriormente, em termos deliberadamente provocativos, mas sem eco.
2. Se fosse ao contrário, aposto que a imprensa já estava a exigir explicações e a clamar contra a provável discriminação na repartição territorial dos meios de ataque à pandemia. Assim, como é noutra galáxia, a coisa passa propositadamente despercebida.
Para a imprensa nacional, o País não existe para além do horizonte de Lisboa...
Pobre Língua (15): Sebastianismo ortográfico
1. Confesso que não deixo de admirar a pequena tribo de opositores ao Acordo Ortográfico, os quais, passados mais de dez anos sobre a sua vigência e a sua aplicação generalizada - o que o torna irreversivel -, continuam a pugnar pelo regresso à antiga ortografia, com a mesma convicção com que os sebastianistas esperavam o regresso de D. Sebastião.
O caso é tanto mais de admirar, quanto eles insistem sem desfalecimento num pequeno menu de argumentos, em geral de uma enorme fragilidade, como se deduz de mais uma peça de um dos seus mais empenhados ativistas, Nuno Pacheco, ontem no Público, um dos poucos periódicos que se mantém fiel à antiga ortografia.
2. O argumento tem a ver desta vez com a grafia dos termos infetar e derivados (infeção, infetado, etc.) no Português europeu, depois do Acordo, quando no Brasil - que também subscreveu o Acordo (e noutros países de Língua Portuguesa que o não ratificaram ainda) - os mesmos termos se escrevem com um c adicional (infectar, infecção, etc.).
O que o autor não diz, propositadamente para criar a confusão, é que no Brasil essas palavras se escrevem com o tal c porque assim se pronunciam, sendo esse um dos vários casos da diferença de pronúncia das mesmas palavras nos dois lados do Atlântico (facto e fato, contacto e contato, perceção e percepção, etc.).
Ora, uma das mais-valias do Acordo Ortográfico, sem prejuízo da tendencial uniformização da ortografia, consiste justamente em assinalar essas diferenças incontornáveis entre as duas versões da Língua. A ortografia não deve servir para esconder artificialmente reais diferenças de dicção, nem a Língua comum ganha nada com isso.
3. O mesmo se diga do facto de várias outras línguas (Castelhano, Francês, Inglês, etc.) usarem igualmente o dito c nas palavras correspondentes: só que também em todas elas o c é pronunciado. Curiosamente, o autor regista o caso italiano, que não usa o dito c, escrevendo-se infezione, infettare, infetto, justamente porque é assim que se pronunciam. Ou seja, nos exemplos do autor, o tal c escreve-se lá onde se pronuncia, mas não onde não se pronuncia - o que, portanto, não abona a sua tese...
Outra das vantagens do Acordo está justamente em registar para os estudantes estrangeiros as diferenças fonéticas e gráficas entre Português europeu e outras línguas próximas. Já se imaginou o problema de um aluno estrangeiro de Português, em Portugal, ao pronunciar a palavra infetar, se ela se escrevesse com c, como querem os sebastianistas ortográficos? Ou, já agora, as palavras ativo, respetivo, efetivo, etc., se escritas com c, à moda antiga, julgando que elas se leem da mesma maneira que na sua própria língua?
Na verdade, ao eliminar esse e outros arcaísmos da ortografia portuguesa, o Acordo Ortográfico também veio facilitar a aprendizagem do português europeu pelos estrangeiros que estudam a nossa Língua.
[revisto]
O caso é tanto mais de admirar, quanto eles insistem sem desfalecimento num pequeno menu de argumentos, em geral de uma enorme fragilidade, como se deduz de mais uma peça de um dos seus mais empenhados ativistas, Nuno Pacheco, ontem no Público, um dos poucos periódicos que se mantém fiel à antiga ortografia.
2. O argumento tem a ver desta vez com a grafia dos termos infetar e derivados (infeção, infetado, etc.) no Português europeu, depois do Acordo, quando no Brasil - que também subscreveu o Acordo (e noutros países de Língua Portuguesa que o não ratificaram ainda) - os mesmos termos se escrevem com um c adicional (infectar, infecção, etc.).
O que o autor não diz, propositadamente para criar a confusão, é que no Brasil essas palavras se escrevem com o tal c porque assim se pronunciam, sendo esse um dos vários casos da diferença de pronúncia das mesmas palavras nos dois lados do Atlântico (facto e fato, contacto e contato, perceção e percepção, etc.).
Ora, uma das mais-valias do Acordo Ortográfico, sem prejuízo da tendencial uniformização da ortografia, consiste justamente em assinalar essas diferenças incontornáveis entre as duas versões da Língua. A ortografia não deve servir para esconder artificialmente reais diferenças de dicção, nem a Língua comum ganha nada com isso.
3. O mesmo se diga do facto de várias outras línguas (Castelhano, Francês, Inglês, etc.) usarem igualmente o dito c nas palavras correspondentes: só que também em todas elas o c é pronunciado. Curiosamente, o autor regista o caso italiano, que não usa o dito c, escrevendo-se infezione, infettare, infetto, justamente porque é assim que se pronunciam. Ou seja, nos exemplos do autor, o tal c escreve-se lá onde se pronuncia, mas não onde não se pronuncia - o que, portanto, não abona a sua tese...
Outra das vantagens do Acordo está justamente em registar para os estudantes estrangeiros as diferenças fonéticas e gráficas entre Português europeu e outras línguas próximas. Já se imaginou o problema de um aluno estrangeiro de Português, em Portugal, ao pronunciar a palavra infetar, se ela se escrevesse com c, como querem os sebastianistas ortográficos? Ou, já agora, as palavras ativo, respetivo, efetivo, etc., se escritas com c, à moda antiga, julgando que elas se leem da mesma maneira que na sua própria língua?
Na verdade, ao eliminar esse e outros arcaísmos da ortografia portuguesa, o Acordo Ortográfico também veio facilitar a aprendizagem do português europeu pelos estrangeiros que estudam a nossa Língua.
[revisto]
quinta-feira, 16 de abril de 2020
Pandemia (4): Responsabilidade social empresarial
Segundo notícia de hoje, o Grupo Porto Editora vai oferecer a diferentes entidades públicas e sociais, devidamente identificadas, da região norte do país - a mais afetada pela Covid-19 -, uma quantidade considerável de Equipamento de Proteção Individual (EPI), que adquiriu na China, e que inclui milhares de máscaras médicas descartáveis, máscaras modelo FFP2, viseiras, fatos de isolamento e fatos de proteção de líquidos. A mesma empresa já antes tinha anunciado uma outra iniciativa social relacionada com a pandemia.
Aplauso para esta demonstração de responsabilidade social empresarial de uma empresa relevante no seu setor de atividade no nosso País. A "economia social de mercado", que caracteriza a constituição económica da União Europeia também passa pela consciência social espontânea das empresas.
Aplauso para esta demonstração de responsabilidade social empresarial de uma empresa relevante no seu setor de atividade no nosso País. A "economia social de mercado", que caracteriza a constituição económica da União Europeia também passa pela consciência social espontânea das empresas.
Não é bem assim (11): Contradição
1. O Público de hoje diz que o Presidente da República e o Primeiro-Ministro afastam a possibilidade de seguir eletronicamente as pessoa infetadas, via telemóvel, por isso ser inconstitucional. Mas não é bem assim.
É óbvio que tal medida seria inconstitucional em condições normais (fora de processo penal), tal como seriam inconstitucionais quase todas as restrições de direitos fundamentais em vigor desde a declaração do estado de emergência, tais como a liberdade de circulação (confinamento, proibição de sair do concelho, etc.), as liberdades de reunião e de manifestação, o direito à greve, a liberdade de culto, etc..
Essa nova restrição deixaria de ser inconstitucional, se prevista na próxima declaração do estado de emergência, como sucedeu com os demais direitos afetados, pois o direito em causa não consta do elenco constitucional dos dos "direitos absolutos", que não podem ser restringidos nem em estado de exceção constitucional (como o direito à vida ou a liberdade de consciência e de religião).
2. De resto, dada a sua eficácia, comprovada noutros países, na despistagem e prevenção de contágios, essa medida não seria excessiva, passando, portanto, o teste constitucional da proporcionalidade.
Não se compreende, aliás, que se decretem estritas medidas de isolamento de infetados e depois se prescinda do único modo eficaz de assegurar que eles não andaram a espalhar e continuam a espalhar o vírus à sua volta. O esperado alívio das restrições à liberdade de circulação apenas reforça a necessidade de medidas alternativas de controlo do contágio. Além do mais, uma tal medida daria mais confiança às pessoas contra possíveis contágios.
Mas, pelos vistos, mesmo na luta contra uma pandemia tão perigosa como esta, parece que há outros limites ao estado de emergência além dos previstos na Constituição, por razões de conveniência política.
É óbvio que tal medida seria inconstitucional em condições normais (fora de processo penal), tal como seriam inconstitucionais quase todas as restrições de direitos fundamentais em vigor desde a declaração do estado de emergência, tais como a liberdade de circulação (confinamento, proibição de sair do concelho, etc.), as liberdades de reunião e de manifestação, o direito à greve, a liberdade de culto, etc..
Essa nova restrição deixaria de ser inconstitucional, se prevista na próxima declaração do estado de emergência, como sucedeu com os demais direitos afetados, pois o direito em causa não consta do elenco constitucional dos dos "direitos absolutos", que não podem ser restringidos nem em estado de exceção constitucional (como o direito à vida ou a liberdade de consciência e de religião).
2. De resto, dada a sua eficácia, comprovada noutros países, na despistagem e prevenção de contágios, essa medida não seria excessiva, passando, portanto, o teste constitucional da proporcionalidade.
Não se compreende, aliás, que se decretem estritas medidas de isolamento de infetados e depois se prescinda do único modo eficaz de assegurar que eles não andaram a espalhar e continuam a espalhar o vírus à sua volta. O esperado alívio das restrições à liberdade de circulação apenas reforça a necessidade de medidas alternativas de controlo do contágio. Além do mais, uma tal medida daria mais confiança às pessoas contra possíveis contágios.
Mas, pelos vistos, mesmo na luta contra uma pandemia tão perigosa como esta, parece que há outros limites ao estado de emergência além dos previstos na Constituição, por razões de conveniência política.
Pandemia (3): Os que trabalham e os outros
1. Entre as atividades que devem ser retomadas quanto antes, com a estabilização da pandemia, conta-se a da Administração Pública.
De facto, enquanto mais de 80% das empresas nacionais estão a laborar, embora muitas delas em ritmo reduzido, assim não sucede na Administração Pública, onde - fora a notável exceção dos serviços de saúde e de segurança e de outros em prestação de serviços à distância (como as escolas) -, houve muitos outros que cessaram a sua atividade, sem manter prestação eletrónica de serviços aos interessados, nem sequer serviços de atendimento.
Como exemplo, há dias um colaborador meu contactou um museu e arquivo público, a pedir a disponibilização de um documento para uma investigação conjunta. Depois de um email sem resposta, resolvemos telefonar, ficando a saber que os serviços estavam encerrados (não apenas o museu). E nas vezes seguintes, nem o telefone foi atendido!
Não pode ser!
2. Penso que o Governo deveria inquirir sobre a situação existente e emitir instruções sobre esta matéria. O País, que suporta financeiramente o Estado, tem direito a essa informação.
Não existe nenhuma razão para manter encerrados tantos serviços públicos, numa espécie de férias adicionais antecipadas, mesmo que tenham de reduzir a sua atividade e o contacto com o público, para atenuar o risco de contágio do Covid-19.
Se o País não pode permitir a paralisação geral da economia, muito menos pode passar muito tempo sem uma Administração Pública em funcionamento. É em períodos de crise coletiva que o Estado é mais necessário.
De facto, enquanto mais de 80% das empresas nacionais estão a laborar, embora muitas delas em ritmo reduzido, assim não sucede na Administração Pública, onde - fora a notável exceção dos serviços de saúde e de segurança e de outros em prestação de serviços à distância (como as escolas) -, houve muitos outros que cessaram a sua atividade, sem manter prestação eletrónica de serviços aos interessados, nem sequer serviços de atendimento.
Como exemplo, há dias um colaborador meu contactou um museu e arquivo público, a pedir a disponibilização de um documento para uma investigação conjunta. Depois de um email sem resposta, resolvemos telefonar, ficando a saber que os serviços estavam encerrados (não apenas o museu). E nas vezes seguintes, nem o telefone foi atendido!
Não pode ser!
2. Penso que o Governo deveria inquirir sobre a situação existente e emitir instruções sobre esta matéria. O País, que suporta financeiramente o Estado, tem direito a essa informação.
Não existe nenhuma razão para manter encerrados tantos serviços públicos, numa espécie de férias adicionais antecipadas, mesmo que tenham de reduzir a sua atividade e o contacto com o público, para atenuar o risco de contágio do Covid-19.
Se o País não pode permitir a paralisação geral da economia, muito menos pode passar muito tempo sem uma Administração Pública em funcionamento. É em períodos de crise coletiva que o Estado é mais necessário.
quarta-feira, 15 de abril de 2020
+Europa (23): "Eppur si mouve"!
1. Além de ser uma mensagem forte para a Comissão e o Conselho sobre a resposta da União à pandemia e às necessidades da subsequente retoma económica, a resolução política que vai ser aprovada amanhã no Parlamento Europeu (reunido à distância, por via de plataforma eletrónica) tem a caraterística importante de agregar não somente os três partidos tradicionais do "arco da governação europeia" (PPE, S&D e liberais), mas também os Verdes, o que constitui uma notável demonstração de unidade política da maioria parlamentar europeísta no PE num momento crítico.
Não sucede todos os dias!
2. De fora ficam, sem surpresa, não somente as várias direitas nacionalistas, mas também a extrema-esquerda "soberanista" da Esquerda Unida Europeia (que agrega o PCP e o BE), para quem todo o reforço da capacidade de resposta da União constitui uma má notícia. Eles nem querem ouvir falar em avanço da integração europeia,.
Ora, a proposta de resolução conjunta aposta decididamente, entre outras medidas, na conclusão da União Económica e Monetária (UEM) - espécie de "capelas imperfeitas" da integração europeia - e no reforço dos poderes orçamentais da Comissão Europeia. De notar também a defesa da criação de um fundo de investimento alimentado por obrigações de dívida garantidas pelo orçamento da União (uma possível versão de eurobonds).
3. Trata-se indubitavelmente de uma boa clarificação da paisagem política ao nível da UE, o que é especialmente importante na presente situação de crise europeia, que desta vez não pode ser imputada a ninguém. E bem precisa era tal clarificação, face à inicial falta de prontidão e de clareza na reação à crise.
A ter resultados palpáveis este impulso parlamentar, parece cumprir-se o fado histórico da União. Ela só avança em resposta a crises, sobretudo as que questionam a sua capacidade de resposta. E como se afirma na Resolução, este é um «moment of truth for the European Union that will determine its future»
Não sucede todos os dias!
2. De fora ficam, sem surpresa, não somente as várias direitas nacionalistas, mas também a extrema-esquerda "soberanista" da Esquerda Unida Europeia (que agrega o PCP e o BE), para quem todo o reforço da capacidade de resposta da União constitui uma má notícia. Eles nem querem ouvir falar em avanço da integração europeia,.
Ora, a proposta de resolução conjunta aposta decididamente, entre outras medidas, na conclusão da União Económica e Monetária (UEM) - espécie de "capelas imperfeitas" da integração europeia - e no reforço dos poderes orçamentais da Comissão Europeia. De notar também a defesa da criação de um fundo de investimento alimentado por obrigações de dívida garantidas pelo orçamento da União (uma possível versão de eurobonds).
3. Trata-se indubitavelmente de uma boa clarificação da paisagem política ao nível da UE, o que é especialmente importante na presente situação de crise europeia, que desta vez não pode ser imputada a ninguém. E bem precisa era tal clarificação, face à inicial falta de prontidão e de clareza na reação à crise.
A ter resultados palpáveis este impulso parlamentar, parece cumprir-se o fado histórico da União. Ela só avança em resposta a crises, sobretudo as que questionam a sua capacidade de resposta. E como se afirma na Resolução, este é um «moment of truth for the European Union that will determine its future»
Stars & Stripes (4): Desgraças do Mundo
1. Nestes tempos de inquietação global, as desgraças do Mundo não se reduzem à pandemia. Advêm também, por exemplo, do facto de a mais poderosa nação do Mundo ter a comandá-la uma criatura que se move pelo ressentimento e pela vingança na política interna e externa e que atropela todo o empenho de décadas dos Estados Unidos numa "ordem mundial sujeita a regras" (rules-based world order), assente na cooperação multilateral, no quadro de organizações internacionais, sob a égide das Nações Unidas
A decisão de cortar o financiamento estadunidense à Organização Mundial de Saúde (OMS), por alegado alinhamento desta com Pequim, constitui uma tentativa indecente de arranjar um "bode expiatório" externo para a sua própria leviandade e irresponsabilidade na condução da deficiente resposta de Washington à pandemia, com os infelizes resultados que os números de infetados e de mortos mostram, apesar de ela ter chegado mais tarde aos Estados Unidos.
2. É óbvio que, mesmo lamentando a reação inicial tardia e soft da OMS à pandemia, a solução não consiste em cortar-lhe as pernas, asfixiando o seu financiamento. O preconceito nacionalista de Trump contra as organizações internacionais multilaterais e o recurso a ruturas unilaterais não pode prevalecer.
O mundo precisa de mais OMS e não de menos! E precisa cada vez menos de Trump...
Adenda
O diretor da prestigiada revistas médica Lancet, considera que a decisão de Trump constitui um "crime contra a humanidade".
A decisão de cortar o financiamento estadunidense à Organização Mundial de Saúde (OMS), por alegado alinhamento desta com Pequim, constitui uma tentativa indecente de arranjar um "bode expiatório" externo para a sua própria leviandade e irresponsabilidade na condução da deficiente resposta de Washington à pandemia, com os infelizes resultados que os números de infetados e de mortos mostram, apesar de ela ter chegado mais tarde aos Estados Unidos.
2. É óbvio que, mesmo lamentando a reação inicial tardia e soft da OMS à pandemia, a solução não consiste em cortar-lhe as pernas, asfixiando o seu financiamento. O preconceito nacionalista de Trump contra as organizações internacionais multilaterais e o recurso a ruturas unilaterais não pode prevalecer.
O mundo precisa de mais OMS e não de menos! E precisa cada vez menos de Trump...
Adenda
O diretor da prestigiada revistas médica Lancet, considera que a decisão de Trump constitui um "crime contra a humanidade".
Privilégios (14): As vítimas da recessão e as outras
1. Segundo o Público de hoje, a extrema esquerda parlamentar defende que deve manter-se o aumento de remunerações da função pública para o próximo ano, apesar da profunda recessão que aí vem este ano, por causa da epidemia, e do seu enorme impacto orçamental negativo.
Ora, seria um escândalo que, face a esta dramática mudança de circunstâncias, o Estado procedesse ao referido aumento. E a questão não é somente o seu elevado custo orçamental. Trata-se, antes de mais, de uma questão de igualdade nos sacrifícios. Quem vai pagar a crise, como sempre, são sobretudo os trabalhadores do setor privado, vítimas dos despedimentos e dos lay-offs, assim como os trabalhadores autónomos, que ficam sem clientes, e os empresários, que vêm as suas empresas falir ou reduzir atividade.
Seguramente que não vai haver aumento de salários na economia privada no próximo ano. A maior parte dos portugueses vai perder rendimentos.
2. Neste quadro, que sentido faz, em termos de justiça social, aumentar os funcionários públicos, à custa dos contribuintes ou de mais dívida, quando eles não perdem o emprego nem as progressões, aliás automáticas em várias carreiras? Torna-se evidente que a extrema esquerda parlamentar não quer saber de questões de justiça, quando se trata de beneficiar uma constituency eleitoral numerosa. Mas se os privilégios da função pública já são um problema em condições normais, aumentá-los em situações de crise, quando toda a gente é potencialmente afetada por ela, torna-se politicamente intolerável.
Há dias defendi aqui que seria uma «irresponsável ilusão» pensar que se poderia contar com a colaboração política da "esquerda da esquerda" fora de situações de "vacas gordas" orçamentais. Aí está mais uma prova. QED!
Adenda (18/4)
No mesmo sentido condenatório ver este artigo de São José Almeida no Público, que obviamente subscrevo.
Ora, seria um escândalo que, face a esta dramática mudança de circunstâncias, o Estado procedesse ao referido aumento. E a questão não é somente o seu elevado custo orçamental. Trata-se, antes de mais, de uma questão de igualdade nos sacrifícios. Quem vai pagar a crise, como sempre, são sobretudo os trabalhadores do setor privado, vítimas dos despedimentos e dos lay-offs, assim como os trabalhadores autónomos, que ficam sem clientes, e os empresários, que vêm as suas empresas falir ou reduzir atividade.
Seguramente que não vai haver aumento de salários na economia privada no próximo ano. A maior parte dos portugueses vai perder rendimentos.
2. Neste quadro, que sentido faz, em termos de justiça social, aumentar os funcionários públicos, à custa dos contribuintes ou de mais dívida, quando eles não perdem o emprego nem as progressões, aliás automáticas em várias carreiras? Torna-se evidente que a extrema esquerda parlamentar não quer saber de questões de justiça, quando se trata de beneficiar uma constituency eleitoral numerosa. Mas se os privilégios da função pública já são um problema em condições normais, aumentá-los em situações de crise, quando toda a gente é potencialmente afetada por ela, torna-se politicamente intolerável.
Há dias defendi aqui que seria uma «irresponsável ilusão» pensar que se poderia contar com a colaboração política da "esquerda da esquerda" fora de situações de "vacas gordas" orçamentais. Aí está mais uma prova. QED!
Adenda (18/4)
No mesmo sentido condenatório ver este artigo de São José Almeida no Público, que obviamente subscrevo.
terça-feira, 14 de abril de 2020
Pandemia (2): Às avessas
1. No meio da tensão criada pela pandemia, há o risco de medidas precipitadas, insuficientemente justificadas e debatidas, só para corresponder a queixas de grupo.
Tal me parece ser o caso da recente lei do perdão genérico de penas de prisão (e outras medidas de saída da prisão). Não tendo a lei um preâmbulo justificativo, que devia ter, temos de nos basear na justificação dada pelos proponentes da lei, que invocam a necessidade de poupar os presos ao risco de contágio da pandemia.
2. Ora, para além das dúvidas não especificadas do Presidente da República quanto a algumas soluções concretas, ao promulgar a lei, a minha dúvida tem a ver com a própria lógica da lei.
A questão é a seguinte, ecoando um bem argumentado artigo de opinião: não era mais fácil defender os presos da pandemia dentro da prisão, mediante testes generalizados e pronto isolamento e tratamento dos eventuais casos de contágio, do que enviá-los para fora, aliás sem testes prévios, sujeitando-os ao risco do contágio familiar ou comunitário, sendo certo que alguns deles nem sequer têm família para onde regressar?
3. Parece-me haver um incongruência de base, entre sujeitar o país a confinamento domiciliário generalizado, e depois "desconfinar" justamente aqueles que estão mais confinados, enviando-os para ambientes muito menos restritivos, onde correm mais riscos do que na prisão.
Era preciso uma justificação mais sólida para afastar as possíveis acusações malévolas daqueles que podem argumentar que esta medida foi sobretudo uma boa ocasião de aliviar a sobrelotação das prisões entre nós...
Tal me parece ser o caso da recente lei do perdão genérico de penas de prisão (e outras medidas de saída da prisão). Não tendo a lei um preâmbulo justificativo, que devia ter, temos de nos basear na justificação dada pelos proponentes da lei, que invocam a necessidade de poupar os presos ao risco de contágio da pandemia.
2. Ora, para além das dúvidas não especificadas do Presidente da República quanto a algumas soluções concretas, ao promulgar a lei, a minha dúvida tem a ver com a própria lógica da lei.
A questão é a seguinte, ecoando um bem argumentado artigo de opinião: não era mais fácil defender os presos da pandemia dentro da prisão, mediante testes generalizados e pronto isolamento e tratamento dos eventuais casos de contágio, do que enviá-los para fora, aliás sem testes prévios, sujeitando-os ao risco do contágio familiar ou comunitário, sendo certo que alguns deles nem sequer têm família para onde regressar?
3. Parece-me haver um incongruência de base, entre sujeitar o país a confinamento domiciliário generalizado, e depois "desconfinar" justamente aqueles que estão mais confinados, enviando-os para ambientes muito menos restritivos, onde correm mais riscos do que na prisão.
Era preciso uma justificação mais sólida para afastar as possíveis acusações malévolas daqueles que podem argumentar que esta medida foi sobretudo uma boa ocasião de aliviar a sobrelotação das prisões entre nós...
Não concordo (15): Excessos
1. Não alinho na campanha pública que por aí vai contra a UE em geral, por alegada insuficiência de medidas de financiamento do combate à pandemia e aos seus efeitos económicos e sociais, nem na diabolização de certos Estados-membros, apontados como especiais culpados por essa insuficiência, nomeadamente a rejeição dos chamados eurobonds (obrigações de dívida mutualizada).
Mesmo se a UE devesse fazer mais, como penso, não se justificam os excessos críticos, com alguma pulsão populista pelo meio. E quanto aos referidos alvos especiais, Países Baixos à cabeça, provavelmente faríamos o mesmo, se tivéssemos os constrangimentos políticos, sociais e culturais que eles têm. Em todo o caso, numa união política, baseada na confiança recíproca, as campanhas públicas condenatórias de uns contra os outros fazem mais mal do que bem. As reuniões das instituições da União são o local apropriado para terçar armas.
2. Se achamos que a União nos está a desamparar, experimentemos só pensar como seria a nossa situação, se estivéssemos fora da União e da zona euro.
Estando dentro, beneficiamos do enorme programa de compra de dívida pública do BCE e dos empréstimos a baixo juro e com condicionalidade limitada do Mecanismo Europeu de Estabilidade financeira, assim como de financiamento suplementar do Banco Europeu de Investimentos, instrumentos que, somados, devem cobrir a maior parte das necessidades de financiamento adicionais resultantes da crise pandémica. Se a isto juntarmos os programas da Comissão Europeia, financiados pelo orçamento da União, é assaz desproporcionado o aranzel crítico que por aí vai.
Se Portugal estivesse fora da União e da zona euro, neste momento os seus custos de acesso ao mercado da dívida já teriam disparado e o País poderia ver-se na emergência de ter de recorrer ao FMI, como está a suceder com vários países, com juros elevados e condicionalidade intensa.
3. Penso que a pandemia poderia ser uma ocasião oportuna para lançar, a título experimental e em escala reduzida, um fundo de dívida mutualizada ao nível da União, para financiar diretamente programas de resposta dos Estados-membros, sem passar pelo seu orçamento nem pela sua dívida.
Mas não posso deixar de compreender a oposição de princípio dos países que entendem que, não sendo a UE uma união orçamental nem tendo recursos fiscais próprios, as obrigações europeias seriam um instrumento de "transferência financeira" transfronteiriça, com elevado "risco moral", o que seria "invendável" ao seus contribuintes. E não me impressiona a aparente mudança de posição da Alemanha a este respeito, provavelmente mais cínica do que sincera, contando com o eventual chumbo do Tribunal Constitucional Alemão.
Adenda (15/4)
Revejo-me em geral neste artigo no Público de hoje.
Mesmo se a UE devesse fazer mais, como penso, não se justificam os excessos críticos, com alguma pulsão populista pelo meio. E quanto aos referidos alvos especiais, Países Baixos à cabeça, provavelmente faríamos o mesmo, se tivéssemos os constrangimentos políticos, sociais e culturais que eles têm. Em todo o caso, numa união política, baseada na confiança recíproca, as campanhas públicas condenatórias de uns contra os outros fazem mais mal do que bem. As reuniões das instituições da União são o local apropriado para terçar armas.
2. Se achamos que a União nos está a desamparar, experimentemos só pensar como seria a nossa situação, se estivéssemos fora da União e da zona euro.
Estando dentro, beneficiamos do enorme programa de compra de dívida pública do BCE e dos empréstimos a baixo juro e com condicionalidade limitada do Mecanismo Europeu de Estabilidade financeira, assim como de financiamento suplementar do Banco Europeu de Investimentos, instrumentos que, somados, devem cobrir a maior parte das necessidades de financiamento adicionais resultantes da crise pandémica. Se a isto juntarmos os programas da Comissão Europeia, financiados pelo orçamento da União, é assaz desproporcionado o aranzel crítico que por aí vai.
Se Portugal estivesse fora da União e da zona euro, neste momento os seus custos de acesso ao mercado da dívida já teriam disparado e o País poderia ver-se na emergência de ter de recorrer ao FMI, como está a suceder com vários países, com juros elevados e condicionalidade intensa.
3. Penso que a pandemia poderia ser uma ocasião oportuna para lançar, a título experimental e em escala reduzida, um fundo de dívida mutualizada ao nível da União, para financiar diretamente programas de resposta dos Estados-membros, sem passar pelo seu orçamento nem pela sua dívida.
Mas não posso deixar de compreender a oposição de princípio dos países que entendem que, não sendo a UE uma união orçamental nem tendo recursos fiscais próprios, as obrigações europeias seriam um instrumento de "transferência financeira" transfronteiriça, com elevado "risco moral", o que seria "invendável" ao seus contribuintes. E não me impressiona a aparente mudança de posição da Alemanha a este respeito, provavelmente mais cínica do que sincera, contando com o eventual chumbo do Tribunal Constitucional Alemão.
Adenda (15/4)
Revejo-me em geral neste artigo no Público de hoje.
"We, the People": Prémio merecido
1. Portugal subiu ao sétimo lugar no ranking global da qualidade das democracias liberais, publicado anualmente pelo prestigiado instituto V-Democracy da Universidade Gotemburgo na Suécia, tendo em conta as cinco variáveis consideradas por esse índice (eleições, liberdades, igualdade, participação e debate democrático).
Num índice em que nos primeiros dez lugares aparecem oito países europeus, à frente de Portugal só estão, por esta ordem, a Dinamarca, a Letónia, a Suécia, a Suíça, a Noruega e a Bélgica. É o justo prémio por uma consolidação democrática bem conseguida, no quadro da CRP de 1976. E é um orgulho para todos quantos deram o seu melhor para este resultado ao longo destas quatro décadas e meia.
2. Dos países da União Europeia, vários deles mal colocados, pela primeira vez aparece um país, a Hungria, que surge classificado como autocracia, fora portanto da família das democracias, o que compromete toda a União e vem reforçar a posição daqueles que têm exigido a sujeição desse país ao procedimento do art. 7º do Tratado da União.
Cabo Verde é o mais bem classificado dos membros da CPLP, ficando entre os primeiros trinta países, o que merece o devido reconhecimento, enquanto o Brasil surge num pobre 60º lugar. Sem surpresa, a Guiné Equatorial aparece no fundo da tabela, entre as piores autocracias do mundo, o que é uma vergonha para a organização.
Com a autoridade que lhe dá o seu elevado ranking democrático, Portugal deveria liderar a pressão da CPLP para a transiação democrática na Guiné Equatorial.
segunda-feira, 13 de abril de 2020
Lisbon first (22): Até no SNS?
Dá para perguntar porque é que a taxa de casos fatais da epidemia na Região Centro (~5%) é muito superior à média nacional (~3%) e mais do dobro da da região de Lisboa (~2,5%).
Não procede a explicação já aventada dos lares de idosos, pois não há razão para pensar que há mais no Centro do que noutras regiões. A explicação mais óbvia - que somente uma investigação oficial pode afastar - só pode estar na concentração de meios do SNS (testes, ventiladores, etc.) em Lisboa e o correspondente défice na Região Centro.
A ser assim, é caso para, mais uma vez, concluir que é uma fatalidade estar longe do poder, mesmo quando está em causa o direito à saúde individual e à segurança sanitária coletiva.
Pandemia (1): Necessariamente temporária
1. Perguntam-me o que penso sobre o confinamento obrigatório decretado desde há semanas, por causa da pandemia.
Julgo que, apesar dos enormes custos económicos, a "quarentena" se impunha quando a epidemia começou a disparar, para travar o seu crescimento, a fim de evitar o colapso do SNS, com consequências dramáticas em termos de mortes e de caos social. Além disso, não havia alternativa ao confinamento, por insuficiência de meios de teste para detetar a tempo focos de infeção e de "transmissão comunitária" e por falta de máscaras para uso em ajuntamentos pessoais.
Opção política justa e oportuna, portanto, em que felizmente convieram PR, Governo e AR, incluindo a oposição. Foi um bom teste da maturidade da nossa democracia, num momento crítico.
2. Agora, porém, que a curva de crescimento da epidemia está a aplanar, mostrando o êxito do isolamento social decretado, que o número de testes está aumentar e que já há máscaras disponíveis para o público, penso que é de equacionar um retorno programado à normalidade económica, ressalvados os grupos de risco e os locais de concentração de infeção, assim como a aplicação de normas adequadas de conduta social, entre as quais a proibição de ajuntamentos e o uso obrigatório de máscara em espaços fechados.
Não se deve prolongar a paralisação da economia para além do necessário, pois os seus custos económicos, financeiros e sociais podem ser abissais.
3. Questão delicada é a proposta de controlo eletrónico, via telemóvel, do isolamento dos infetados não internados e do rastreamento dos seus contatos anteriores para despiste de contágio.
Pessolmente, sou a favor - sem ignorar a delicadeza da questão sob o ponto de vista da proteção de dados pessoais nem o fundamentalismo que vigora entre nós sobre o assunto (aliás, alimentado pela CNPD) -, desde que com as devidas cautelas, designadamente o controlo por entidade independente, o sigilo dos dados apurados e a garantia de destruição dos dados recolhidos depois de tudo passado.
Mas, tal como defendi várias vezes a possibilidade de internamento compulsivo de pessoas portadoras de doenças altamente contagiosas, a fim de defender a saúde pública e o direito à saúde de terceiros (o que carece de revisão constitucional), também me parece justo, nas mesmas circunstâncias, a vigilância eletrónica passiva dos movimentos dos infetados antes de ser detetada a sua infeção. Não há direitos absolutos, sobretudo quando afetem os direitos alheios.
Julgo que, apesar dos enormes custos económicos, a "quarentena" se impunha quando a epidemia começou a disparar, para travar o seu crescimento, a fim de evitar o colapso do SNS, com consequências dramáticas em termos de mortes e de caos social. Além disso, não havia alternativa ao confinamento, por insuficiência de meios de teste para detetar a tempo focos de infeção e de "transmissão comunitária" e por falta de máscaras para uso em ajuntamentos pessoais.
Opção política justa e oportuna, portanto, em que felizmente convieram PR, Governo e AR, incluindo a oposição. Foi um bom teste da maturidade da nossa democracia, num momento crítico.
2. Agora, porém, que a curva de crescimento da epidemia está a aplanar, mostrando o êxito do isolamento social decretado, que o número de testes está aumentar e que já há máscaras disponíveis para o público, penso que é de equacionar um retorno programado à normalidade económica, ressalvados os grupos de risco e os locais de concentração de infeção, assim como a aplicação de normas adequadas de conduta social, entre as quais a proibição de ajuntamentos e o uso obrigatório de máscara em espaços fechados.
Não se deve prolongar a paralisação da economia para além do necessário, pois os seus custos económicos, financeiros e sociais podem ser abissais.
3. Questão delicada é a proposta de controlo eletrónico, via telemóvel, do isolamento dos infetados não internados e do rastreamento dos seus contatos anteriores para despiste de contágio.
Pessolmente, sou a favor - sem ignorar a delicadeza da questão sob o ponto de vista da proteção de dados pessoais nem o fundamentalismo que vigora entre nós sobre o assunto (aliás, alimentado pela CNPD) -, desde que com as devidas cautelas, designadamente o controlo por entidade independente, o sigilo dos dados apurados e a garantia de destruição dos dados recolhidos depois de tudo passado.
Mas, tal como defendi várias vezes a possibilidade de internamento compulsivo de pessoas portadoras de doenças altamente contagiosas, a fim de defender a saúde pública e o direito à saúde de terceiros (o que carece de revisão constitucional), também me parece justo, nas mesmas circunstâncias, a vigilância eletrónica passiva dos movimentos dos infetados antes de ser detetada a sua infeção. Não há direitos absolutos, sobretudo quando afetem os direitos alheios.
Falsas boas ideias
1. Era de esperar que os tempos de crise que correm sejam propícios à proliferação de falsas boas ideias, como a que hoje defendem dois académicos no Público, propondo um "rendimento básico incondicional" universal, de caráter temporário (seis meses) e reembolsável, no valor mensal de 450 euros (reduzido a um terço no caso de crianças e jovens), a ser financiado pelo Estado e pela UE.
Pelas suas próprias contas, a medida custaria, só na parte nacional, cerca de 20 000 milhões de euros, o que revela o nível de leviandade política da proposta, pois não se vê como é que o Estado poderia financiar tal custo sem agravar seriamente o nível de endividamento público (que já vai aumentar muito por causa da crise) nem como é que a UE poderia embarcar nela.
2. Pior do que isso, não se vê que razoabilidade pode assistir a tal proposta de distribuir um subsídio a toda a gente, independentemente da sua situação financeira.
É evidente que muita gente vai perder rendimento no setor privado, designadamente os trabalhadores que vão ficar desempregados e os prestadores de serviços que perderam clientes e as empresas em geral que vão ser afetadas pela recessão económica que se vai seguir. Mas que sentido faz atribuir tal subsídio temporário aos funcionários públicos (como os próprios autores!) ou aqueles cujo rendimento em nada foi afetado, como os pensionistas e trabalhadores que mantiveram o emprego? Sucede que estes até tiveram redução de despesas durante a crise (combustível, restaurantes, viagens, etc.)!
Francamente, há ideias que não valem o tempo de as refutar!
Pelas suas próprias contas, a medida custaria, só na parte nacional, cerca de 20 000 milhões de euros, o que revela o nível de leviandade política da proposta, pois não se vê como é que o Estado poderia financiar tal custo sem agravar seriamente o nível de endividamento público (que já vai aumentar muito por causa da crise) nem como é que a UE poderia embarcar nela.
2. Pior do que isso, não se vê que razoabilidade pode assistir a tal proposta de distribuir um subsídio a toda a gente, independentemente da sua situação financeira.
É evidente que muita gente vai perder rendimento no setor privado, designadamente os trabalhadores que vão ficar desempregados e os prestadores de serviços que perderam clientes e as empresas em geral que vão ser afetadas pela recessão económica que se vai seguir. Mas que sentido faz atribuir tal subsídio temporário aos funcionários públicos (como os próprios autores!) ou aqueles cujo rendimento em nada foi afetado, como os pensionistas e trabalhadores que mantiveram o emprego? Sucede que estes até tiveram redução de despesas durante a crise (combustível, restaurantes, viagens, etc.)!
Francamente, há ideias que não valem o tempo de as refutar!
Ilusões indevidas
1. António Costa não pode ser sincero quando declara que «Ficaria muito desiludido, se tivéssemos de chegar à conclusão de que só podemos contar com o PCP e com o BE em momentos de vacas gordas».
De facto, não há nenhum motivo para desilusão, pela simples razão de que era manifestamente indevida tal ilusão. É evidente que para a extrema-esquerda, governar é aumentar a despesa - e não só a despesa social -, independentemente das conjunturas. A Geringonça só foi possível porque o robusto crescimento económico, a redução dos encargos da dívida pública (cortesia do BCE) e o corte no investimento público permitiram libertar muitos milhões de euros por ano para satisfazer as insaciáveis reivindicações orçamentais daqueles dois partidos.
2. Infelizmente, com a pandemia, o Eldorado orçamental acabou. Tal como outros países, Portugal vai sair desta crise sanitária - mesmo que ela não dure muito mais tempo - não somente com uma grave crise económica, mas também com um enorme défice orçamental e uma subida exponencial da dívida pública. Vai ser dura e prolongada a tarefa de recuperar a economia e reequilibrar as contas públicas, o que não pode deixar de passar pela frugalidade da despesa pública, tanto mais que agora não há margem para o "enorme aumento de impostos" de 2012, que não foi revertido.
Imaginar que se poderia contar com os dois partidos da "esquerda da esquerda" para cooperar nessa tarefa seria uma ilusão irresponsável. Se há algum prognóstico político relativamente fácil, é o de que vamos ver novamente o PCP e o Bloco na oposição contra a "nova política de austeridade"...
De facto, não há nenhum motivo para desilusão, pela simples razão de que era manifestamente indevida tal ilusão. É evidente que para a extrema-esquerda, governar é aumentar a despesa - e não só a despesa social -, independentemente das conjunturas. A Geringonça só foi possível porque o robusto crescimento económico, a redução dos encargos da dívida pública (cortesia do BCE) e o corte no investimento público permitiram libertar muitos milhões de euros por ano para satisfazer as insaciáveis reivindicações orçamentais daqueles dois partidos.
2. Infelizmente, com a pandemia, o Eldorado orçamental acabou. Tal como outros países, Portugal vai sair desta crise sanitária - mesmo que ela não dure muito mais tempo - não somente com uma grave crise económica, mas também com um enorme défice orçamental e uma subida exponencial da dívida pública. Vai ser dura e prolongada a tarefa de recuperar a economia e reequilibrar as contas públicas, o que não pode deixar de passar pela frugalidade da despesa pública, tanto mais que agora não há margem para o "enorme aumento de impostos" de 2012, que não foi revertido.
Imaginar que se poderia contar com os dois partidos da "esquerda da esquerda" para cooperar nessa tarefa seria uma ilusão irresponsável. Se há algum prognóstico político relativamente fácil, é o de que vamos ver novamente o PCP e o Bloco na oposição contra a "nova política de austeridade"...