1. É quase certo que o partido que vencer as próximas eleições antecipadas, previsivelmente o PS, não vai obter maioria parlamentar por si só ("maioria absoluta"). Até agora, um partido sozinho só conseguiu maioria parlamentar em três das quinze eleições parlamentares (1987, 1991 e 2005).
Ora, sendo claro que a extrema-esquerda não aceita os compromissos necessários para assegurar finanças públicas e economia sãs (como mostrou a sua rejeição do orçamento e a interrupção da legislatura) e sendo igualmente claro o afastamento de uma "grande coligação" com o PSD, parece que estamos condenados a um novo governo minoritário do PS.
O mesmo se poderia dizer de uma eventual vitória do PSD, com maioria relativa - visto que uma maioria absoluta se apresenta ainda mais longínqua do que no caso do PS -, igualmente sem possilidade de alianças para um goveno maioritário, agora que o CDS está em vias de desaparecimento, a IL ainda é pequeno e o Chega não é aliado recomendável.
São más, portanto, as perspetivas sobre estabilidade governamental, fator importante da estabilidade das finanças públicas e do desempenho da economia. Podemos estar em risco de um novo período de governos de curta duração e de escassa capacidade governativa.
2. De facto, o fado dos governos minoritários sem acordos de apoio parlamentar consistentes é o de serem incapazes de realizar o seu programa, serem forçados a cumprir leis aprovadas contra a sua vontade, de acordo com a agenda política das oposições e correrem o risco de verem rejeitado o principal instrumento de governação (o orçamento) ou vê-lo estropeado pelas oposições reunidas, para não falar da hipótese extrema de moção de censura.
Que reformas do sistema político poderiam favorecer a estabilidade governativa, permitindo que os governos cumpram os seus programas e submetendo-os, sem desculpas, ao julgamento eleitoral no final do mandato?
3. A primeira reforma deveria consistir em tornar menos rara a possibilidade de maiorias absolutas, baixando o seu limiar eleitoral para cerca de 40% (em vez dos atuais 44-45%), através da divisão dos atuais megacírculos eleitorais (Lisboa, Braga, Porto, Aveiro, Setúbal), de tal modo que nenhum círculo pudesse eleger mais do que uma dezena de deputados. Um círculo eleitoral nacional de um décimo dos deputados (23) permitiria dar utilidade aos votos nos partidos menores em qualquer parte do território nacional (o que hoje não sucede) e assegurar-lhes um mínimo de representatividade parlamentar.
É tempo de acabar com uma situação em que os dois maiores círculos eleitorais elegem muito mais de um terço dos deputados e que no maior deles (Lisboa), baste menos de 2% para eleger um deputado, mesmo sem indêntica votação a nível nacional. Dada a tentência de aumento dos deputados desses dois círculos, por causa da deslocação populacional, é um convite para uma crescente fragmentação parlamentar
4. Não bastando essa refoma, obviamente, para garantir governos de maioria, importa também conferir aos governos minoritários melhores condições de governabilidade e durabilidade do que as que dispõem hoje, reduzindo a possibilidade de serem vítimas de alianças oportunísticas das oposições ("coligações negativas").
Par esse fim, poderiam ser pensadas as seguintes soluções:
- moção de censura "construtiva", afastando moções de censura que não apresentem uma alternativa quanto ao novo governo e ao seu programa, destinadas somente a derrubar o governo em funções, mediante aliança das oposições sem nada em comum entre si;
- necesidade de assentimento governamental para aprovação das propostas de alteração parlamentar do orçamento que aumentem a despesa pública prevista no proposta de lei do orçamento (ou seja, extensão da atual "lei-travão" à própria aprovação do orçamento);
- admissão de moção de confiança governamental sobre a votação do orçamento, implicando a sua aprovação a ratificação do orçamento e a sua rejeição, a demissão do Governo, dando assim ao orçamento a importância fulcral que ele tem na condução da política governamental.
5. Todas estas reformas carecem de maioria especialmente qualificada (2/3) e, salvo a primeira, exigem revisão constitucional. Por enquanto, os dois maiores partidos (PS e PSD) ainda somam mais de 2/3 no parlamento - o que não é comum nos demais países da União -, mas a tendência para a fragmentação parlamentar pode pôr em causa essa situação, dificultanto a possibilidade de tais reformas, se adiadas.
Era conveniente que os dois principais partidos refletissem sobre o assunto, em prol da estabilidade e da responsablidade política no País, cada vez mais um "bem público" de elevado valor.
As atuais circunstâncias são propícias a essa reflexão, dado não se saber que solução governativa vai sair das próximas eleições e não havendo possibilidade de veto político dos partidos menores, como condição de entendimento governativo com um dos dois partidos centrais (como tem sucedido até agora com a reforma do sistema eleitoral).