domingo, 18 de junho de 2017

Privilégios custam dinheiro

Não existe nenhuma razão para concordar com esta proposta da Ordem dos Advogados para restaurar a subvenção externa da Caixa de Previdência dos advogados (e dos solicitadores), através de afetação de uma parte das taxas de justiça.
As taxas judiciais são tributos bilaterais pagos pelos particulares em contrapartida da prestação do serviço público de justiça e, consequentemente, destinam-se a (co)financiar esse serviço, não podendo ter outro destino. Além disso, se os advogados querem manter e gerir autonomamente um fundo de pensões próprio, e com um regime mais generoso do que o regime geral, não podem pedir ao Estado que o subsidie
É como a própria autorregulação profissional, realizada através da Ordem dos Advogados, que também é financiada por eles próprios, através de uma contribuição parafiscal (as "quotas"), sem subvenções do Estado. Autogoverno profissional implica autofinanciamento profissional.

Adenda
O que pode questionar-se é a própria admissibilidade da instituição e do regime de pensões privativo dos advogados, que vem da era corporativa (1947!), quando não havia sistema público geral de segurança social, havendo somente regimes setoriais de previdência, de base profissional. A CPAS é a única sobrevivente desse regime, não tendo hoje paralelo na nossa ordem jurídico-administrativa.
Ora, a Constituição é enfática em estipular um sistema público único e universal de segurança social, que constitui o instrumento de realização do direito universal (e igual) à segurança social, e que obviamente não contempla a sua substituição por fundos públicos de pensões de base profissional, separados daquele. Não se vê porque é que os advogados (e solicitadores) hão de ser uma exceção, nem quanto ao regime privativo, nem quanto à autogestão.
Além disso, o regime de segurança social da CPAS não cobre todas as eventualidades previstas no art. 63º-2 da CRP, pelo que não realiza integralmente o direito à segurança social constitucionalmente previsto.
Mas parece que ainda está para vir um Governo que tenha a coragem política de acabar com essa anomalia constitucional.

Adenda 2
Este parecer do Provedor de Justiça aborda algumas questões pertinentes da recente revisão do regime da CPAS mas não suscita a questão fundamental da violação dos princípios constitucionais da unidade e universalidade do sistema público de segurança social nem do princípio da igualdade, o que é de lamentar, visto que o PdJ tem o poder de requerer a fiscalização da constitucionalidade do referido regime.