segunda-feira, 23 de junho de 2025

Coimbra (des)encantada (5): Salatinas

1. Foi impressionante ver centenas de pesssoas acorrerem ontem à noite ao largo da Porta Férrea na Universidade, para apresentação pública do documentário "Salatinas", que conta a história da destruição da velha "Alta" de Coimbra, iniciada nos anos 40 do século passado, para dar lugar à expansão da cidade universitária, e da deslocação forçada da sua população - conhecida por "Salatinas" - para vários bairros periféricos apressadamente construídos para o efeito.

O que há de novo e de tocante no filme - onde não faltam impressionantes imagens da antiga cidade desaparecida - é justamente focar-se na rememoração da vida social na antiga cidade e no trauma da diáspora, com base em testemunhos e memórias de vários sobreviventes

2. Se até agora eram conhecidos vários livros e coletâneas de fotografias sobre essa lamentável intervenção urbanística, de amplitude sem paralelo em Portugal desde o terramoto de 1755 - para dar lugar ao maior concentrado de arquitetura monumentalista do Estado Novo, com inequívocos laivos fascistas -, faltava, porém, um olhar informado sobre os milhares de pessoas que se viram compulsoriamente privados das suas casas, locais de trabalho e lugares comunitários, para serem dispersos por pequenos aglomerados distantes da cidade e entre si. 

Só por isso, o filme constitui um valioso contributo para a história humana e social da cidade.

Adenda
Um leitor comenta que «a intervenção do Estado Novo foi em última instância errada, já que a Universidade acabou por ter que ser em boa parte transferida, já no século 21, para um novo campus nos arredores da cidade». Tem razão: poucas décadas depois, mesmo antes do termo das obras projetadas, mostrou-se que a Universidade, a começar pelos HUC, não cabia nos edifícios previstos, estando hoje espalhada  por  meia dúzia de espaços distintos. Portanto, um projeto falhado e um sacrifício patrimonial e humano inglório.