sexta-feira, 20 de junho de 2025

Como era de temer (14): A "cheguização" do PSD

1. As notícias postas a circular pelo Governo quanto a restringir o acesso dos imigrantes à nacionalidade portuguesa e quanto à sua possível perda - nomeadamente dificultar a aquisição da nacionalidade por naturalização e criar uma nova pena de privação da nacionalidade para certos tipos de crimes - mostra que o processo de "cheguização" do PSD foi posto em marcha, preparando-se o Governo da AD para adotar iniciativas anti-imigração típicas do Chega, e que seguramente vão ter o seu apoio.

Motivadas por mesquinhos posições ideológicas, elas só vão alimentar os preconceitos anti-imigrantes  que a extrema-direita populista nutre sem escrúpulos.

2. Qanto à naturalização, considero que quem vive e trabalha em Portugal há mais de cinco anos, paga  impostos e contribuições para a segurança social, fala português e cumpre as leis e muito provavelmente tem família constutuída e os filhos na escola, têm tanto ou mais direito a adquirir a nacionalidade portuguesa - e por extensão a cidadania europeia - e passar a ter direitos políticos, do que os filhos de portugueses que nasceram e sempre moraram no estrangeiro, cujos pais já não nasceram em Portugal, que não pagam impostos cá nem estão sujeitos às leis nacionais, que muitas vezes já nem falam português e que só querem a nacionalidade para obter o passaporte nacional e a cidadania da UE.

Sim, há muitos nacionais fictícios, sem nenhuma relação de afeto ou de interesse com a coletividade nacional, mas entre eles não se conta seguramente a generalidade dos naturalizados residentes em Portugal. O aumento de que se fala dos anos de residência necessários (de 5 para 10 anos) para a naturalização de imigrantes apenas irá retardar injustamente a sua plena integração na comunidade nacional.

3. Quanto à criação de uma pena suplementar de perda da nacionalidade por certos crimes cometidos por naturalizados - privando-os, portanto, de direitos políticos e tornando-os suscetíveis de expulsão ou de extradição, como estrangeiros que voltam a ser -, o que cabe perguntar à partida é se, à luz dos princípios da proporcionalidade e da não discriminação das penas criminais, próprios de um Estado de direito, faz sentido a criação de uma pena adicional dessa enorme gravidade, tendo como alvo especificamente uma certa categoria de pessoas, e punindo mais gravemente o mesmo crime, só por ter sido cometido por cidadãos com origem imigrante.

Independentemente da questão da sua constitucionalidade, essa medida é politicamente chocante, por vir ao arrepio da nossa tradição penal humanista desde a instauração do regime democrático. Nem tudo o que não é inconstitucional é politicamente aceitável num Estado democrático.

Adenda
Lembrando que Portugal está vinculado a uma obrigação internacional de não gerar apátridas e que, portanto, a perda de nacionalidade só poderia ser aplicada a quem também tenha outra nacionalidade, um leitor pergunta: «Será que o facto de se ter uma outra nacionalidade qualquer (...) é uma agravante de um qualquer crime que se cometa, de tal forma que mereça a tal sanção adicional? A que propósito é que um indivíduo que tenha dupla nacionalidade será penalizado mais severamente [pelo mesmo crime] do que um outro que somente tenha a nacionalidade portuguesa?» A pergunta faz todo o sentido.

Adenda 2
Um leitor pergunta se defendo «a restrição da aquisição de nacionalidade por descendentes de portugueses nascidos no estrangeiro». Sim, sou contra a aquisição da nacionalidade "em cadeia", defendendo que só adquiram a nacionalidade os filhos de portugueses nascidos no estrangeiro, se um dos progenitores tiver nascido em Portugal (salvo aqueles que venham estabelecer residência duradoura no País).