domingo, 1 de junho de 2025

Eleições presidenciais 2026 (17): Separação entre candidatos e partidos

1. O apoio de Rui Rio - antigo presidente da CM do Porto e ex-líder do PSD - à candidatura presidencial de Gouveia e Melo, na qualidade de mandatário nacional, não se traduz somente numa importante alavancagem do almirante no eleitorado do centro político e um sério revés para Marques Mendes, no dia seguinte ao anúncio do apoio oficial do PSD à sua candidatura.

Mais importante do que isso é o forte testemunho da separação entre as eleições presidenciais e os partidos, que resulta das seguintes circuntâncias: as candidaturas não lhes caberem (como estipula a Constituição), haver candidatos que rejeitam apoios partidários (como é o caso justamente de Gouveia e Melo), partidos que não apoiam nenhum candidato (como pode ser o caso, mais uma vez, do PS), e muitos eleitores que não seguem as consignas partidárias (como é o caso de Rui Rio e outras conhecidas personalidades do PSD e como vai ser provavelmente o caso de personalidades socialistas, se o PS não apoiar nenhum candidato ou se apoiar A. J. Seguro).

Sendo um traço há muito característico das eleições presidenciais entre nós, tudo indica, porém, que a separação em relação aos partidos vai sair reforçada das presentes eleições.

2. Trata-se de uma opção constitucional intencional da CRP de 1976, de separar as eleições parlamentares, que são expressão da pluralidade político-partidária dos cidadãos, e a eleição presidencial, que visa obter uma representação unitária, transpartidária, da República, ou seja, da coletividade política no seu conjunto (por isso, o PR é eleito sempre por maioria absoluta). 

Enquanto as eleições parlamentares - que são disputadas entre partidos, na base de programas de governação - têm por fim apurar a maioria e a(s) minoria(s) parlamentares, de onde resulta o Governo e a oposição, nada disso se passa com as eleições presidenciais, que não são disputadas entre partidos nem entre programas de governação, nem dão lugar a nenhuma "maioria presidencial" oponível ou sobreponível à maioria parlamentar. 

Daí resulta que depois de eleito, o PR é um "poder neutro", acima da dialética governo-oposição, tendo por função velar pelo cumprimento das "regras do jogo" constitucionais e afins (incluindo o respeito dos direitos da oposição) e garantir o regular funcionamento das instituições, sem compartilhar nem ser corresponsável pelo poder legislativo e pelo poder executivo, que cabem respetivamente à AR e ao Governo, na base das eleições parlamentares.

Eis uma diferença essencial, nem sempre devidamente notada, em relação à eleição presidencial nos chamados regimes "semipresidencialistas", como a França e a Roménia.

3. O risco desta superlegitimidade política do PR e da natureza transpartidária do seu mandato consiste em os cidadãos tenderem a esperar dele o que ele não pode dar, ou seja, conforme as circuntâncias, que seja um contrapoder, em caso de governos de maioria absoluta (como se exigiu, por exemplo, a Soares contra os governos de Cavaco Silva), ou que assuma uma agenda reformista, no caso de governos minoritários (como se exigiu a Sampaio contra os governos de Guterres e como decorre agora do discurso de apoio de Rio a Gouveia e Melo).

Ora, se incumbe ao PR travar os eventuais abusos de poder de governos maioritários e suscitar os alertas decorrentes da inércia reformista de governos minoritários, já não lhe compete nem impedir o cumprimento do programa eleitoral dos primeiros, nem suprir as limitações e os constrangimentos dos segundos, ambos resultantes das eleições parlamentares, que as eleições presidenciais não podem corrigir. 

Para o bem e para o mal, o PR não governa nem é corresponsável pela atividade governativa, não podendo funcionar nem como oposição ao Governo nem como seu suplemento, conforme os casos.