1. Faz hoje trinta anos que deixei formalmente o PCP, culminando um processo de dissidência que vinha desde muito antes.
Nunca tendo sido um militante ortodoxo e tendo recusado duas vezes integrar o Comité Central (o que Cunhal considerava uma falta imperdoável), já tinha deixado a militância ativa em 1982, quando me demiti do cargo de deputado à AR, no seguimento da rejeição pelo Partido da revisão constitucional de 1982, em cuja preparação eu tinha tido uma intervenção ativa. Em 1987 veio a público a notícia do primeiro documento do chamado "Grupo dos Seis", que eu integrava com outros militantes "retirados", todos oriundos da AR (Veiga de Oliveira, Vítor Louro, Silva Graça, Sousa Marques e Dulce Martins), a que se seguiram outros documentos nos anos seguintes, criticando a tradicional doutrina "marxista-leninista" e propondo uma "reorganização geral" do Partido, incluindo o abandono do chamado "centralismo democrático".
A rejeição oficial de qualquer debate político no Partido e a queda do "muro de Berlim" em 1989 levaram a formalizar a saída que a efetiva rutura política há muito anunciava.
2. Antes da saída, ainda tive oportunidade de coligir em livro, Reflexões sobre o PCP, os meus textos relativos a esse processo entretanto publicados, alguns sob pseudónimo.
Na nota de apresentação escrevia: «Com certas batalhas sucede que o mérito já está em travá-las, mesmo que seja mais do que problemático vencê-las. O conformismo e a desistência sem luta é que amesquinham, não o insucesso final. Pelo menos ficamos de contas saldadas com as nossas convicções e com a nossa história pessoal».
Era de facto um ajuste de contas com a minha história política pessoal. Ao contrário de alguns outros dissidentes, não voltei a ter outra filiação partidária, embora tenha regressado ocasionalmente à vida política como candidato independente e simpatizante do PS, primeiro como deputado à Assembleia da República (1996-97) e depois como deputado ao Parlamento Europeu (2009-2014). E assim encerrei a minha passagem pela esfera política
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
quinta-feira, 21 de maio de 2020
Presidenciais 2021 (1): Intempestivamente
1. Intempestivamente, no meio da pandemia, o tema das eleições presidenciais do ano que vem foi colocada na agenda pública pelas inoportunas declarações de António Costa na Autoeuropa, há uma semana. E, surpreendentemente, apesar da pandemia, o tema veio para ficar, com reações è esquerda e à direita, pelo que importa não ignorar o assunto.
Antes de mais, não é preciso ser apoiante do atual PR ou ter intenção de votar nele em janeiro de 2021, para prever a sua reeleição por folgada margem, sejam quem forem os seus adversários eleitorais (aliás, na tradição política desde a origem do atual quadro constitucional em 1976). Nem a expressão pública desse fácil prognóstico equivale a um pré-anúncio de apoio eleitoral. Trata-se de uma simples constatação política.
2. Por isso, apesar da sua infeliz formulação, não atribuí à já célebre declaração de Costa nenhum compromisso, expresso ou implícito, de apoio socialista à recandidatura do atual inquilino no Palácio Belém, como foi entendido por tanta gente.
Primeiro, uma tal decisão não poderia ser "anunciada" daquela maneira nem tomada à margem das instituições do PS, onde a questão pode ser longe de consensual, sobretudo de houver uma candidatura na área socialista. Segundo, a esta distância não vejo que vantagem teria o PS em apoiar explicitamente um candidato de outra área política (por menos discordância que possa ter em relação ao seu desempenho presidencial no primeiro mandato), que poderia ser lida como oportunismo político ou como uma tentativa canhestra de condicionar o desempenho do atual PR no segundo mandato presidencial.
De resto, nada obriga o PS a apoiar oficialmente um candidato presidencial, só para não ficar de fora da liça eleitoral. Sendo obviamente cedo para definir posições, a posição mais inteligente do PS, face às previsíveis opiniões desencontradas dentro do Partido, pode ser mesmo não adotar candidato próprio e dar liberdade de voto aos seus militantes e simpatizantes.
Antes de mais, não é preciso ser apoiante do atual PR ou ter intenção de votar nele em janeiro de 2021, para prever a sua reeleição por folgada margem, sejam quem forem os seus adversários eleitorais (aliás, na tradição política desde a origem do atual quadro constitucional em 1976). Nem a expressão pública desse fácil prognóstico equivale a um pré-anúncio de apoio eleitoral. Trata-se de uma simples constatação política.
2. Por isso, apesar da sua infeliz formulação, não atribuí à já célebre declaração de Costa nenhum compromisso, expresso ou implícito, de apoio socialista à recandidatura do atual inquilino no Palácio Belém, como foi entendido por tanta gente.
Primeiro, uma tal decisão não poderia ser "anunciada" daquela maneira nem tomada à margem das instituições do PS, onde a questão pode ser longe de consensual, sobretudo de houver uma candidatura na área socialista. Segundo, a esta distância não vejo que vantagem teria o PS em apoiar explicitamente um candidato de outra área política (por menos discordância que possa ter em relação ao seu desempenho presidencial no primeiro mandato), que poderia ser lida como oportunismo político ou como uma tentativa canhestra de condicionar o desempenho do atual PR no segundo mandato presidencial.
De resto, nada obriga o PS a apoiar oficialmente um candidato presidencial, só para não ficar de fora da liça eleitoral. Sendo obviamente cedo para definir posições, a posição mais inteligente do PS, face às previsíveis opiniões desencontradas dentro do Partido, pode ser mesmo não adotar candidato próprio e dar liberdade de voto aos seus militantes e simpatizantes.
quarta-feira, 20 de maio de 2020
+Europa (28): O problema do endividamento da União
1. Como escrevi anteriormente a propósito do projetado "fundo de recuperação" da União Europeia, há um problema constitucional quanto à admissibilidade de recurso ao endividamento para financiar o orçamento da União.
É certo que já há vários fundos especiais da UE, à margem do orçamento, que são financiados através da emissão de obrigações de dívida, incluindo o Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira (MEEF) e o recente SURE, para financiar o impacto negativo da pandemia sobre o trabalho. Todavia, todos eles se destinam a conceder empréstimos aos Estados-membros, que estes têm de pagar, incluindo os juros e o reembolso aos credores. A União limita-se a "emprestar" o seu rating AAA para obter o dinheiro nos mercados da dívida a taxas de juro muito baixas, permitindo aos Estados-membros ser financiados com menores custos do que se tivessem eles de ir ao mercado da dívida.
2. Mas até agora não existe nenhuma situação de financiamento de despesas orçamentais da própria União por meio de dívida. Tal como se lê no site da própria União, «EU borrowing is only permitted to finance loans to countries. The EU cannot borrow to finance its budget.». De resto, os Tratados da UE impõem que orçamento da União seja equilibrado e não incluem o recurso à dívida entre as receitas orçamentais.
Ora, no caso da proposta de Merkel / Macron, o recurso à dívida, no montante de meio bilião de euros, não se destina a emprestar dinheiro aos Estados-membros, mas sim a reforçar o orçamento da União, a fim de subvencionar programas de investimento dos Estados-membros, ficando a cargo do orçamento da União a pesada responsabilidade financeira do endividamento, ou seja, os juros e o futuro reembolso (para o que tem de reunir os necessários recursos orçamentais...).
3. Não tendo enquadramento jurídico na "Constituição orçamental" da União, esta medida de financiamento pela dívida poderá vir a ser fundadamente acusada de ser "ultra vires", ou seja, de ir para além das competências da União.
Por isso, não fica excluído o risco de, por exemplo na Alemanha, ser impugnada junto do respetivo Tribunal Constitucional a contribuição alemã para pagar os custos deste empréstimo da União. Se tal sucedesse, e o TC alemão suscitasse uma "questão prejudicial" junto do Tribunal de Justiça da União sobre o assunto, não vejo como é que este, apesar da sua tradicional visão integracionista, conseguiria enquadrar convincentemente tal endividamento no atual quadro constitucional do orçamento da União.
É certo que já há vários fundos especiais da UE, à margem do orçamento, que são financiados através da emissão de obrigações de dívida, incluindo o Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira (MEEF) e o recente SURE, para financiar o impacto negativo da pandemia sobre o trabalho. Todavia, todos eles se destinam a conceder empréstimos aos Estados-membros, que estes têm de pagar, incluindo os juros e o reembolso aos credores. A União limita-se a "emprestar" o seu rating AAA para obter o dinheiro nos mercados da dívida a taxas de juro muito baixas, permitindo aos Estados-membros ser financiados com menores custos do que se tivessem eles de ir ao mercado da dívida.
2. Mas até agora não existe nenhuma situação de financiamento de despesas orçamentais da própria União por meio de dívida. Tal como se lê no site da própria União, «EU borrowing is only permitted to finance loans to countries. The EU cannot borrow to finance its budget.». De resto, os Tratados da UE impõem que orçamento da União seja equilibrado e não incluem o recurso à dívida entre as receitas orçamentais.
Ora, no caso da proposta de Merkel / Macron, o recurso à dívida, no montante de meio bilião de euros, não se destina a emprestar dinheiro aos Estados-membros, mas sim a reforçar o orçamento da União, a fim de subvencionar programas de investimento dos Estados-membros, ficando a cargo do orçamento da União a pesada responsabilidade financeira do endividamento, ou seja, os juros e o futuro reembolso (para o que tem de reunir os necessários recursos orçamentais...).
3. Não tendo enquadramento jurídico na "Constituição orçamental" da União, esta medida de financiamento pela dívida poderá vir a ser fundadamente acusada de ser "ultra vires", ou seja, de ir para além das competências da União.
Por isso, não fica excluído o risco de, por exemplo na Alemanha, ser impugnada junto do respetivo Tribunal Constitucional a contribuição alemã para pagar os custos deste empréstimo da União. Se tal sucedesse, e o TC alemão suscitasse uma "questão prejudicial" junto do Tribunal de Justiça da União sobre o assunto, não vejo como é que este, apesar da sua tradicional visão integracionista, conseguiria enquadrar convincentemente tal endividamento no atual quadro constitucional do orçamento da União.
sábado, 16 de maio de 2020
Pandemia (25): Inconstitucionalíssimo
Aplauso para esta decisão de um tribunal açoriano que decidiu conceder habeas corpus a um dos muitos cidadãos que estavam sujeitos a quarentena obrigatória de 14 dias num hotel, à sua chegada aos Açores.
De facto, como bem se argumenta, tal medida, tomada ao abrigo da lei regional de proteção civil, traduz-se numa violação grosseira da liberdade pessoal, pelo que só poderia ser excecionalmente tomada em regime de estado de sítio ou de estado de emergência, que só pode se declarado pelo PR, com aprovação da AR, como aqui defendi.
O que é surpreendente é que esta e outras medidas sem base constitucional tenham sido tomadas e se tenham mantido em prática dias e dias sem impugnação dos interessados (ou do Ministério Público, que dispõe de um poder geral de impugnação de atos administrativos ilegais).
Adenda
O Governo regional dos Açores já decidiu criar alternativas, mantendo a quarentena somente como alternativa voluntária, o que torna evidente que aquele medida drástica nem sequer era necessária.
De facto, como bem se argumenta, tal medida, tomada ao abrigo da lei regional de proteção civil, traduz-se numa violação grosseira da liberdade pessoal, pelo que só poderia ser excecionalmente tomada em regime de estado de sítio ou de estado de emergência, que só pode se declarado pelo PR, com aprovação da AR, como aqui defendi.
O que é surpreendente é que esta e outras medidas sem base constitucional tenham sido tomadas e se tenham mantido em prática dias e dias sem impugnação dos interessados (ou do Ministério Público, que dispõe de um poder geral de impugnação de atos administrativos ilegais).
Adenda
O Governo regional dos Açores já decidiu criar alternativas, mantendo a quarentena somente como alternativa voluntária, o que torna evidente que aquele medida drástica nem sequer era necessária.
Pandemia (24): Menos letal do que aparenta
1. Tal como detetado em outros países, também entre nós, como revela um estudo agora divulgado, é muito elevado o número de pessoas infetadas pelo vírus que não apresentam sintomas e que nem sequer dão pela infeção.
Isto quer dizer que o número de infetados até agora é muito maior do que os números oficiais e que, portanto, a percentagem de mortos é também menor do que resulta das estatísticas. Por conseguinte, é também muito maior o número de infetados recuperados, que em princípio ficam imunizados.
Do mal o menos!
2. Todavia, como os assintomáticos também contaminam outras pessoas - tanto mais quanto não têm razões para isolamento -, só a despistagem por testes sistemáticos e a manutenção de regras de proteção e distanciamento podem controlar a expansão da pandemia.
Estamos, portanto, condenados a manter este novo modo de vida até haver vacina ou tratamento, ou até haver uma percentagem suficientemente elevada de recuperados que garanta uma "imunidade comunitária".
Adenda
Um leitor comenta: «menos letal, mas também mais furtiva». Tem razão.
Isto quer dizer que o número de infetados até agora é muito maior do que os números oficiais e que, portanto, a percentagem de mortos é também menor do que resulta das estatísticas. Por conseguinte, é também muito maior o número de infetados recuperados, que em princípio ficam imunizados.
Do mal o menos!
2. Todavia, como os assintomáticos também contaminam outras pessoas - tanto mais quanto não têm razões para isolamento -, só a despistagem por testes sistemáticos e a manutenção de regras de proteção e distanciamento podem controlar a expansão da pandemia.
Estamos, portanto, condenados a manter este novo modo de vida até haver vacina ou tratamento, ou até haver uma percentagem suficientemente elevada de recuperados que garanta uma "imunidade comunitária".
Adenda
Um leitor comenta: «menos letal, mas também mais furtiva». Tem razão.
sexta-feira, 15 de maio de 2020
Free & fair trade (14): Homenagem
1. A saída antecipada de Roberto Azevêdo (Brasil) do cargo de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC/WTO) constitui uma perda para a Organização, num momento em que o sistema multilateral de comércio internacional é alvo da ofensiva nacionalista dos Estados Unidos e vítima colateral da guerra comercial sino-americana e quando a pandemia do Covid-19 ameaça lançar o comércio internacional numa profunda crise, por causa da súbita retração dos fluxos comerciais e da pulsão protecionista que por aí vai, que nem a UE poupa.
Sete décadas depois do GATT e um quarto de século depois da criação da OMC, o sistema global de comercio internacional baseado em regras - que enquadrou um aumento consistente das trocas internacionais - pode estar à beira do colapso.
2. Conheci pessoalmente Roberto Azevêdo nos meus tempos de presidente da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu (INTA), tendo tido oportunidade de ajudar à sua eleição em 2013, tendo-o posteriormente encontrado em várias ocasiões em Bruxelas, Genebra e Lisboa. Penso que desempenhou o cargo com sabedoria e equilíbrio, em prol da integridade e efetividade da OMC. Lastimando a sua saída prematura, tanto mais que no estado atual não vai ser fácil encontrar substituto à altura, aqui fica a minha homenagem.
Sete décadas depois do GATT e um quarto de século depois da criação da OMC, o sistema global de comercio internacional baseado em regras - que enquadrou um aumento consistente das trocas internacionais - pode estar à beira do colapso.
2. Conheci pessoalmente Roberto Azevêdo nos meus tempos de presidente da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu (INTA), tendo tido oportunidade de ajudar à sua eleição em 2013, tendo-o posteriormente encontrado em várias ocasiões em Bruxelas, Genebra e Lisboa. Penso que desempenhou o cargo com sabedoria e equilíbrio, em prol da integridade e efetividade da OMC. Lastimando a sua saída prematura, tanto mais que no estado atual não vai ser fácil encontrar substituto à altura, aqui fica a minha homenagem.
quinta-feira, 14 de maio de 2020
Pandemia (27): Hecatombe
Neste gráfico, retirado da Folha de São Paulo, Portugal é um dos países da União em que o turismo tem mais peso no PIB nacional (mais de 8%) e em que os turistas estrangeiros representam maior fatia (quase 70%).
Nesta situação, se não houver, como é de temer, restabelecimento dos fluxos turísticos internacionais até junho, pelo menos dentro da União, Portugal pode ser um dos países mais duramente atingidos pela crise do turismo.
Neste outro mapa abaixo, colhido no Jornal de Notícias, calcula-se que, se o turismo só for reaberto em julho, as perdas no ano turístico podem ir até quase 60%. Uma hecatombe!
Nesta situação, se não houver, como é de temer, restabelecimento dos fluxos turísticos internacionais até junho, pelo menos dentro da União, Portugal pode ser um dos países mais duramente atingidos pela crise do turismo.
Neste outro mapa abaixo, colhido no Jornal de Notícias, calcula-se que, se o turismo só for reaberto em julho, as perdas no ano turístico podem ir até quase 60%. Uma hecatombe!
quarta-feira, 13 de maio de 2020
Praça da República (31): Tiro no porta-aviões
1. Mesmo que permaneça no Governo, parece evidente que Mário Centeno vai sair muito enfraquecido deste quiproquo do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução do BES/Novo Banco, que ele efetuou em cumprimento de uma estrita obrigação contratual do Estado, sem, porém, informar o Primeiro-Ministro, ocasionando o lamentável embaraço deste no debate parlamentar com o Governo.
Não se trata somente do pedido de demissão de Rui Rio - tirando partido da situação delicada do Ministro - nem da despropositada tomada de posição do Presidente da República num assunto governativo, mas sim da ostensiva omissão de socorro político do Ministro face ao ataque das oposições, quer por parte da bancada parlamentar socialista quer do Primeiro-Ministro.
2. A eventual saída ou o debilitamento político de Centeno vai enfraquecer politicamente o próprio Governo, ao qual ele emprestou a credibilidade e a autoridade da sua gestão financeira, quer no plano nacional, quer no plano europeu.
Se o Governo socialista pôde ufanar-se e tirar partido eleitoral das "boas contas sem austeridade", deve-o antes de mais ao Ministro das Finanças, que, embora com algumas cedências que limitaram e atrasaram a consolidação orçamental (como fui assinalando várias vezes), conseguiu travar a habitual deriva orçamental da esquerda. Se mais não tivesse a seu crédito, bastaria lembrar o seu finca-pé no decisivo braço de ferro com os sindicatos e as oposições na questão da recuperação retroativa da progressão dos professores, que salvou a autoridade política do Governo e as contas públicas e encostou as oposições à parede.
Mesmo que Centeno estivesse para sair do Governo por decisão própria, a caminho do governo do Banco de Portugal, uma coisa é sair pelo próprio pé e "em grande", outra é ser "empurrado" para fora em situação de perda ou ver questionada a sua autoridade no Governo e no País...
Adenda
Uma "saída" airosa da situação poderia ser uma expressa reiteração de confiança política do chefe do Governo no Ministro, em resposta à "provocação" de Rui Rio.
Adenda (2)
Num comunicado disponibilizado na SIC Notícias há pouco, emitido no final de uma reunião entre Costa e Centeno (ainda não disponível no site oficial do Governo), o primeiro reitera a sua «confiança pessoal e política» no segundo. Do mal, o menos. Mesmo que não ponham termo a guerras, os armistícios terminam as hostilidades.
Não se trata somente do pedido de demissão de Rui Rio - tirando partido da situação delicada do Ministro - nem da despropositada tomada de posição do Presidente da República num assunto governativo, mas sim da ostensiva omissão de socorro político do Ministro face ao ataque das oposições, quer por parte da bancada parlamentar socialista quer do Primeiro-Ministro.
2. A eventual saída ou o debilitamento político de Centeno vai enfraquecer politicamente o próprio Governo, ao qual ele emprestou a credibilidade e a autoridade da sua gestão financeira, quer no plano nacional, quer no plano europeu.
Se o Governo socialista pôde ufanar-se e tirar partido eleitoral das "boas contas sem austeridade", deve-o antes de mais ao Ministro das Finanças, que, embora com algumas cedências que limitaram e atrasaram a consolidação orçamental (como fui assinalando várias vezes), conseguiu travar a habitual deriva orçamental da esquerda. Se mais não tivesse a seu crédito, bastaria lembrar o seu finca-pé no decisivo braço de ferro com os sindicatos e as oposições na questão da recuperação retroativa da progressão dos professores, que salvou a autoridade política do Governo e as contas públicas e encostou as oposições à parede.
Mesmo que Centeno estivesse para sair do Governo por decisão própria, a caminho do governo do Banco de Portugal, uma coisa é sair pelo próprio pé e "em grande", outra é ser "empurrado" para fora em situação de perda ou ver questionada a sua autoridade no Governo e no País...
Adenda
Uma "saída" airosa da situação poderia ser uma expressa reiteração de confiança política do chefe do Governo no Ministro, em resposta à "provocação" de Rui Rio.
Adenda (2)
Num comunicado disponibilizado na SIC Notícias há pouco, emitido no final de uma reunião entre Costa e Centeno (ainda não disponível no site oficial do Governo), o primeiro reitera a sua «confiança pessoal e política» no segundo. Do mal, o menos. Mesmo que não ponham termo a guerras, os armistícios terminam as hostilidades.
E depois da pandemia? (6): Fosso mais fundo
1. Este gráfico, retirado do Financial Times de hoje, mostra a curva do investimento nas principais economias europeias. E o que anuncia não é agradável.
Primeiro, prevê-se uma acentuada queda do investimento em todas elas no 2º trimestre, que se deve provavelmente à redução de todas a suas componentes: investimento privado, investimento público e investimento direto estrangeiro. A confirmar-se este corte abrupto do investimento, a acompanhar igual queda do consumo (salvo do consumo público), então é de temer que a recessão económica europeia venha ser mais acentuada do que o previsto até agora.
2. O gráfico revela outro dado preocupante, que é a queda muito superior do investimento nos países do sul, ou seja, Itália, Espanha, e também França, em comparação com a Alemanha.
Sabendo-se que os países do sul já padeciam de insuficiente investimento antes da pandemia - nunca tendo recuperado os níveis anteriores à crise de 2009-2014 - e que, dada a sua situação orçamental mais frágil, têm menos condições do que a Alemanha para subvencionar maciçamente as suas economias, então torna-se óbvio que esta recessão vai agravar mais uma vez o fosso económico entre a Alemanha e os países do Sul. Como é evidente, Portugal compartilha das dificuldades e das ameaças dos demais países do sul.
3. É por isso que a anunciado Fundo de Recuperação da União, destinado a financiar a retoma, é tão decisivo para a sorte económica da Europa, em geral, e dos países do sul, em especial, no pós-crise pandémica.
A demora no desenho da sua arquitetura financeira e na definição do acesso aos seus fundos não ajuda a contrariar o clima depressivo instalado.
Primeiro, prevê-se uma acentuada queda do investimento em todas elas no 2º trimestre, que se deve provavelmente à redução de todas a suas componentes: investimento privado, investimento público e investimento direto estrangeiro. A confirmar-se este corte abrupto do investimento, a acompanhar igual queda do consumo (salvo do consumo público), então é de temer que a recessão económica europeia venha ser mais acentuada do que o previsto até agora.
2. O gráfico revela outro dado preocupante, que é a queda muito superior do investimento nos países do sul, ou seja, Itália, Espanha, e também França, em comparação com a Alemanha.
Sabendo-se que os países do sul já padeciam de insuficiente investimento antes da pandemia - nunca tendo recuperado os níveis anteriores à crise de 2009-2014 - e que, dada a sua situação orçamental mais frágil, têm menos condições do que a Alemanha para subvencionar maciçamente as suas economias, então torna-se óbvio que esta recessão vai agravar mais uma vez o fosso económico entre a Alemanha e os países do Sul. Como é evidente, Portugal compartilha das dificuldades e das ameaças dos demais países do sul.
3. É por isso que a anunciado Fundo de Recuperação da União, destinado a financiar a retoma, é tão decisivo para a sorte económica da Europa, em geral, e dos países do sul, em especial, no pós-crise pandémica.
A demora no desenho da sua arquitetura financeira e na definição do acesso aos seus fundos não ajuda a contrariar o clima depressivo instalado.
terça-feira, 12 de maio de 2020
E depois da pandemia? (5) E a União Europeia?
1. Apanhada ainda a digerir o choque traumático da saída o Reino Unido, a União Europeia foi surpreendida pela rápida expansão da pandemia do Covid-19 pela consequente crise sanitária e financeira
Desprovida de competência própria no domínio da saúde pública - onde a sua intervenção se limita a apoiar a ação dos Estados-membros -, a União demorou algum tempo a reagir, na assistência aos países mais atingidos (a Itália, em primeiro lugar), na coordenação das medidas de restrição à mobilidade interna, no abastecimento de meios necessários para combater a pandemia (máscaras, ventiladores, etc.). Já foi mais lesta no apoio financeiro, quer por via do programa de compra de dívida pública pelo BCE, quer pelo aumento da capacidade de financiamento do BEI, quer pela criação do fundo da União de apoio ao financiamento de despesas de saúde (SURE).
A União foi, mais uma vez, a rede de segurança dos Estados-membros, sobretudo dos países mais vulneráveis, numa situação particularmente difícil.
2. Os desafios da União colocam-se agora na coordenação da reabertura de fronteiras e dos transportes aéreos dentro do mercado interno e no apoio à retoma económica.
Neste aspeto, importa especialmente a operacionalização do imponente fundo de recuperação já decidido pelo Conselho Europeu, mas ainda à espera do seu desenho instrumental, incluindo a sua relação com o orçamento da União e os critérios de financiamento dos projetos de investimento. Recentemente foi lançadas a ideia de uma nova ferramenta, um fundo de recapitalização de empresas europeias de valor estratégico, através de participação no seu capital.
Tudo indica, portanto, que, mercê da União, por mais profunda que venha a ser a crise deste ano, ela não será nem tão prolongada como a crise de 2009-2014, nem terá os seus efeitos devastadores no plano financeiro e orçamental.
3. Foi Jean Monet, o grande arquiteto da integração europeia, que uma vez disse: «L'Europe se fera dans les crises et elle sera la somme des solutions apportées à ces crises» [«A Europa far-se-á nas crises e será a soma das soluções dadas às crises«].
A crise financeira e depois económica de há uma década comprovou, mais uma vez, o acerto dessa tese. Não há razões para duvidar que também desta vez a União sairá mais integrada e mais coesa desta nova provação.
Desprovida de competência própria no domínio da saúde pública - onde a sua intervenção se limita a apoiar a ação dos Estados-membros -, a União demorou algum tempo a reagir, na assistência aos países mais atingidos (a Itália, em primeiro lugar), na coordenação das medidas de restrição à mobilidade interna, no abastecimento de meios necessários para combater a pandemia (máscaras, ventiladores, etc.). Já foi mais lesta no apoio financeiro, quer por via do programa de compra de dívida pública pelo BCE, quer pelo aumento da capacidade de financiamento do BEI, quer pela criação do fundo da União de apoio ao financiamento de despesas de saúde (SURE).
A União foi, mais uma vez, a rede de segurança dos Estados-membros, sobretudo dos países mais vulneráveis, numa situação particularmente difícil.
2. Os desafios da União colocam-se agora na coordenação da reabertura de fronteiras e dos transportes aéreos dentro do mercado interno e no apoio à retoma económica.
Neste aspeto, importa especialmente a operacionalização do imponente fundo de recuperação já decidido pelo Conselho Europeu, mas ainda à espera do seu desenho instrumental, incluindo a sua relação com o orçamento da União e os critérios de financiamento dos projetos de investimento. Recentemente foi lançadas a ideia de uma nova ferramenta, um fundo de recapitalização de empresas europeias de valor estratégico, através de participação no seu capital.
Tudo indica, portanto, que, mercê da União, por mais profunda que venha a ser a crise deste ano, ela não será nem tão prolongada como a crise de 2009-2014, nem terá os seus efeitos devastadores no plano financeiro e orçamental.
3. Foi Jean Monet, o grande arquiteto da integração europeia, que uma vez disse: «L'Europe se fera dans les crises et elle sera la somme des solutions apportées à ces crises» [«A Europa far-se-á nas crises e será a soma das soluções dadas às crises«].
A crise financeira e depois económica de há uma década comprovou, mais uma vez, o acerto dessa tese. Não há razões para duvidar que também desta vez a União sairá mais integrada e mais coesa desta nova provação.
segunda-feira, 11 de maio de 2020
+Europa (27): A imaginação mobilizada pela crise
Falta saber como vai ser financiado o fundo e como vão ser selecionadas as empresas a serem financiadas. No entanto, esta nova ferramenta afigura-se uma enorme mais-valia não somente para a retoma económica pós-crise, mas também para reduzir o risco de empresas europeias, sobretudo nos Estados-membros mais vulneráveis, virem a ser alvo de aquisição a "preços de saldo" por empresas ou fundos externos (chineses, árabes, etc.).
2. Não se torna necessário sublinhar a importância de mais este passo na integração económica europeia.
Aparentemente com origem numa sugestão francesa, esta ideia vai ao encontro do conceito de "soberania económica europeia" do Presidente Macron, visando combater o controlo de empresas estratégicas europeias por capital estrangeiro, com a vantagem de recorrer à mobilização de instrumentos financeiros e não ao arsenal de medidas de controlo político preventivo de take-overs exteriores à União, que sempre podem ser acusadas de protecionismo, o que é dificilmente compatível com as normas dos Tratados da União sobre a liberalização do investimento direto estrangeiro, que foi uma das grandes inovações do Tratado de Lisboa (2007).
Nada melhor do que uma crise inesperada para espevitar a imaginação criadora em Bruxelas.
domingo, 10 de maio de 2020
E depois da pandemia ? (4): A hegemonia económica da China
1. Uma das consequências da crise económica provocada pela pandemia vai ser a consolidação da liderança económica mundial da China, culminando décadas de crescimento muito acima das economias mais avançadas, como mostra o gráfico.
Por ter controlado rapidamente a pandemia, mercê de estritas medidas de confinamento e de rastreio eletrónico de potenciais contaminados, delimitando-a a algumas áreas do País, a China vai sofrer um impacto económico menos negativo do que a Europa ou os Estados Unidos. Provavelmente, tal como em 2008, embora vá sofrer redução significativa do crescimento económico, nem sequer vai entrar em recessão, enquanto a Europa e os EUA vão passar por uma recessão superior à de há uma década.
País originário da pandemia, que "exportou" para o resto do mundo, a China parece vir a ser o País que menos sofre com ela, em termos económicos e sociais.
2. O triunfo económico da China vem abalar definitivamente a benévola convicção ocidental de há três décadas, de que a queda do muro de Berlim e o desmoronamento da União Soviética marcavam o triunfo definitivo da economia de mercado e da democracia liberal. O "fim da história", na famosa caraterização de Fukuyama.
De facto, sem ser uma verdadeira economia de mercado - dado o estrito controlo político do Estado sobre a economia - e muito menos algo de parecido com uma democracia liberal, o modelo chinês tornou-se um formidável desafio tanto para economia de mercado como para a democracia liberal
Por ter controlado rapidamente a pandemia, mercê de estritas medidas de confinamento e de rastreio eletrónico de potenciais contaminados, delimitando-a a algumas áreas do País, a China vai sofrer um impacto económico menos negativo do que a Europa ou os Estados Unidos. Provavelmente, tal como em 2008, embora vá sofrer redução significativa do crescimento económico, nem sequer vai entrar em recessão, enquanto a Europa e os EUA vão passar por uma recessão superior à de há uma década.
País originário da pandemia, que "exportou" para o resto do mundo, a China parece vir a ser o País que menos sofre com ela, em termos económicos e sociais.
2. O triunfo económico da China vem abalar definitivamente a benévola convicção ocidental de há três décadas, de que a queda do muro de Berlim e o desmoronamento da União Soviética marcavam o triunfo definitivo da economia de mercado e da democracia liberal. O "fim da história", na famosa caraterização de Fukuyama.
De facto, sem ser uma verdadeira economia de mercado - dado o estrito controlo político do Estado sobre a economia - e muito menos algo de parecido com uma democracia liberal, o modelo chinês tornou-se um formidável desafio tanto para economia de mercado como para a democracia liberal
sábado, 9 de maio de 2020
Concordo (14): Pandemia não suspende a Constituição
Concordo com a ideia de impugnar a lei em vias de ser aprovada na AR sobre sobre apoio financeiro aos sócios-gerentes, por incompatibilidade com a chamada norma-travão orçamental.
De facto, pela sua razão de ser, essa norma impede que a AR aprove, salvo sob proposta do Governo, aumento da despesa pública autorizada na lei do orçamento do respetivo ano, seja por criação de novas dotações, seja pelo reforço de dotações existentes no orçamento, norma essa que é essencial para os governos minoritários, sob pena de a sua política orçamental ser vítima fácil da convergência oportunista das oposições para aumentar a despesa pública.
A pandemia não suspende a Constituição e a norma-travão não se torna menos importante, pelo contrárrio, quando o concurso de demagogia entre as oposições pode levar a uma deriva da despesa pública. Admitir uma derrogação a essa norma-chave da "constituição orçamental", sob pretexto da pandemia, é abrir um precedente perigoso, que nem o Governo nem o Presidente da República o podem consentir.
De facto, pela sua razão de ser, essa norma impede que a AR aprove, salvo sob proposta do Governo, aumento da despesa pública autorizada na lei do orçamento do respetivo ano, seja por criação de novas dotações, seja pelo reforço de dotações existentes no orçamento, norma essa que é essencial para os governos minoritários, sob pena de a sua política orçamental ser vítima fácil da convergência oportunista das oposições para aumentar a despesa pública.
A pandemia não suspende a Constituição e a norma-travão não se torna menos importante, pelo contrárrio, quando o concurso de demagogia entre as oposições pode levar a uma deriva da despesa pública. Admitir uma derrogação a essa norma-chave da "constituição orçamental", sob pretexto da pandemia, é abrir um precedente perigoso, que nem o Governo nem o Presidente da República o podem consentir.
sexta-feira, 8 de maio de 2020
Pandemia (23): Mais uma derrogação de favor?
No programa de desconfinamento gradual do País o Governo determinou a interdição de festivais de música até ao fim de setembro. Mas o PCP veio apressar-se a dizer que a Festa do Avante, que se realiza usualmente no primeiro fim de semana de setembro, não é somente um festival, mas sim uma mais ampla "manifestação político-cultural".
Não brinquemos com os conceitos. Sendo mais do que isso (comício, exposições, debates, tec.), a Festa do Avante é acima de tudo um festival de música, que junta milhares de espectadores, que é aquilo que a interdição governamental visa justamente impedir. Será que o PCP vai prescindir dessa vertente central da sua Festa, ou vai conseguir obter mais uma derrogação de favor, como sucedeu no 1º de Maio, de novo com o beneplácito de Belém?
Não brinquemos com os conceitos. Sendo mais do que isso (comício, exposições, debates, tec.), a Festa do Avante é acima de tudo um festival de música, que junta milhares de espectadores, que é aquilo que a interdição governamental visa justamente impedir. Será que o PCP vai prescindir dessa vertente central da sua Festa, ou vai conseguir obter mais uma derrogação de favor, como sucedeu no 1º de Maio, de novo com o beneplácito de Belém?
quinta-feira, 7 de maio de 2020
E depois da pandemia? (3) A globalização em causa
1. Tudo indica que a pandemia vai fazer retroceder a globalização de modo acentuado.
Não se trata somente das atuais medidas de fecho de fronteiras e outras restrições à mobilidade internacional, que são transitórias, até ao controlo da pandemia. Há, porém, os efeitos económicos da própria pandemia: só por si, a quebra do turismo internacional vai reduzir consideravelmente a balança comercial dos países de maior procura turística, como os do sul da Europa. Depois há assinalar a onda de restrições estabelecidas às importações e exportações e os limites ao investimento estrangeiro.
Seguramente, o comércio internacional vai sofrer um impacto negativo superior ao da crise económica de 2008, o que vai refletir-se mais negativamente nas economias mais dependentes do comércio externo, como é o caso da União Europeia, incluindo Portugal.
2. Se até à atual crise eram os Estados Unidos, sob o governo de Trump, que lideravam a ofensiva protecionista nas relações económicas internacionais, hoje em dia muitos outros países são agora sensíveis a tentações restricionistas.
A própria UE, apesar de estar constitucionalmente vinculada a uma política de comércio externo apostada na remoção de barreiras ao comércio internacional e ao investimento direto estrangeiro, dá sinais de mudar de agulha, designadamente no sentido de relocalizar cadeias de produção entretanto externalizadas (sobretudo para a China) e de proteger os setores estratégicos contra a tomada der controlo por capital estrangeiro (e não somente chinês).
Os tempos não vão propícios para uma ordem económica liberal global.
3. Infelizmente, o retrocesso na globalização não se vai verificar somente no que respeita às relações económicas internacionais.
Mais grave é retrocesso na globalização da regulação internacional através de instituições multilaterais como a Organização Mundial do Comércio ou a Organização Mundial da Saúde, que vão ser duas das vítimas da retração nacionalista e protecionista em curso.
E no entanto, se há alguma coisa que a pandemia mostra é que os mais graves problemas da humanidade hoje em dia (ambiente, migrações, tráfico de seres humanos, saúde pública, etc.) não têm solução nacional, mas somente transnacional, através da cooperação internacional.
Como tenho defendido noutras ocasiões, o problema da globalização não é ser excessiva, como pretendem os seus críticos, mas sim ser insuficiente, no que respeita ao estabelecimento de uma ordem internacional sujeita a regras.
Adenda
Título de um ensaio de hoje no Le Monde: «Nenhuma soberania de Estado no mundo pode prevenir as pandemias». Subscrevo e acrescento: E, tal como outros problemas da humanidade, a prevenção de novas pandemias só pode ter uma solução global. Precisamos de mais OMS, e não de menos.
Não se trata somente das atuais medidas de fecho de fronteiras e outras restrições à mobilidade internacional, que são transitórias, até ao controlo da pandemia. Há, porém, os efeitos económicos da própria pandemia: só por si, a quebra do turismo internacional vai reduzir consideravelmente a balança comercial dos países de maior procura turística, como os do sul da Europa. Depois há assinalar a onda de restrições estabelecidas às importações e exportações e os limites ao investimento estrangeiro.
Seguramente, o comércio internacional vai sofrer um impacto negativo superior ao da crise económica de 2008, o que vai refletir-se mais negativamente nas economias mais dependentes do comércio externo, como é o caso da União Europeia, incluindo Portugal.
2. Se até à atual crise eram os Estados Unidos, sob o governo de Trump, que lideravam a ofensiva protecionista nas relações económicas internacionais, hoje em dia muitos outros países são agora sensíveis a tentações restricionistas.
A própria UE, apesar de estar constitucionalmente vinculada a uma política de comércio externo apostada na remoção de barreiras ao comércio internacional e ao investimento direto estrangeiro, dá sinais de mudar de agulha, designadamente no sentido de relocalizar cadeias de produção entretanto externalizadas (sobretudo para a China) e de proteger os setores estratégicos contra a tomada der controlo por capital estrangeiro (e não somente chinês).
Os tempos não vão propícios para uma ordem económica liberal global.
3. Infelizmente, o retrocesso na globalização não se vai verificar somente no que respeita às relações económicas internacionais.
Mais grave é retrocesso na globalização da regulação internacional através de instituições multilaterais como a Organização Mundial do Comércio ou a Organização Mundial da Saúde, que vão ser duas das vítimas da retração nacionalista e protecionista em curso.
E no entanto, se há alguma coisa que a pandemia mostra é que os mais graves problemas da humanidade hoje em dia (ambiente, migrações, tráfico de seres humanos, saúde pública, etc.) não têm solução nacional, mas somente transnacional, através da cooperação internacional.
Como tenho defendido noutras ocasiões, o problema da globalização não é ser excessiva, como pretendem os seus críticos, mas sim ser insuficiente, no que respeita ao estabelecimento de uma ordem internacional sujeita a regras.
Adenda
Título de um ensaio de hoje no Le Monde: «Nenhuma soberania de Estado no mundo pode prevenir as pandemias». Subscrevo e acrescento: E, tal como outros problemas da humanidade, a prevenção de novas pandemias só pode ter uma solução global. Precisamos de mais OMS, e não de menos.
quarta-feira, 6 de maio de 2020
Economia social de mercado (4): Direito a dividendos
1. Penso que o PS faz bem em chumbar a proposta dos grupos políticos anticapitalistas de proibir a distribuição de dividendos na banca, grandes empresas e grupos económicos, tanto mais que já existe tal proibição, justificadamente, em relação às empresas que recebem ajudas do Estado e uma recomendação do Banco de Portugal em relação à banca.
De facto, numa economia de mercado, os acionistas têm direito à remuneração do seu investimento - aliás como condição do próprio investimento -, e não se vê razão para restringir genericamente tal direito por causa da crise pandémica.
2. Mas sempre encarei com muitas reservas o facto de haver empresas a distribuir dividendos acima dos lucros registados ou até quanto têm prejuízos, à custa das suas reservas ou de endividamento, sacrificando a sua capacidade autoinvestimento.
Ora, na situação de crise económica em que vamos entrar e em que a retoma vai exigir avultado investimento empresarial, conderaria plenamente justificado suspender a distribuição de dividendos sem lucros, até porque tudo indica que o custo do crédito vai aumentar.
Se o Estado vai ter de investir na salvação de muitas empresas, justifica-se começar por impedir outras de pôr em risco a sua sustentabilidade.
De facto, numa economia de mercado, os acionistas têm direito à remuneração do seu investimento - aliás como condição do próprio investimento -, e não se vê razão para restringir genericamente tal direito por causa da crise pandémica.
2. Mas sempre encarei com muitas reservas o facto de haver empresas a distribuir dividendos acima dos lucros registados ou até quanto têm prejuízos, à custa das suas reservas ou de endividamento, sacrificando a sua capacidade autoinvestimento.
Ora, na situação de crise económica em que vamos entrar e em que a retoma vai exigir avultado investimento empresarial, conderaria plenamente justificado suspender a distribuição de dividendos sem lucros, até porque tudo indica que o custo do crédito vai aumentar.
Se o Estado vai ter de investir na salvação de muitas empresas, justifica-se começar por impedir outras de pôr em risco a sua sustentabilidade.
+Europa (26): Um problema alemão
1. A decisão do Tribunal Constitucional alemão requerendo ao BCE que justifique o seu programa de compra de dívida pública dos Estados-membros, em termos de necessidade e de proporcionalidade da sua política monetária, vem levantar um grave problema constitucional para a UE.
De facto, simplificando, a questão é a seguinte:
a) o TC alemão entende que esse programa de compras de dívida pública não encaixa bem no mandato "primordial" do BCE, que é a manutenção da estabilidade dos preços na União;
b) o TC alemão sustenta, desde sempre, que, uma vez que a União não tem poder para definir as próprias competências - que lhe são conferidas pelos Estados-membros -, compete aos tribunais constitucionais nacionais verificar até que ponto é que eles as transferiram para a União;
c) constitucionalmente, a Alemanha só pode estar sujeita aos poderes da União que consentiu transferir, com aprovação do parlamento alemão, cabendo ao TC verificar se assim é;
d) nesse entendimento, cabe também ao TC alemão a verificação do princípio da proporcionalidade previsto no art. 5º do Tratado da União, quanto ao exercício dos poderes atribuídos a União.
No jargão jurídico-constitucional, tudo consiste em saber quem é que tem competência para decidir sobre o âmbito e o exercício das competência da União e sobre saber se esta atuou ultra vires, ou seja, sem mandato: é a própria União ou são os Estados-membros? O TC alemão sempre entendeu, desde a "sentença Maastricht", de 1993, que a decisão dessas questões cabe aos próprios Estados-membros, ou seja, aos seus tribunais constitucionais.
2. Porém, do ponto de vista do Tribunal de Justiça da União (Luxemburgo), a lógica é totalmente diferente:
a) as competências da União, incluindo as do BCE, estão definidas nos tratados da União;
b) os Tratados conferem exclusivamente ao TJUE a competência para interpretar e aplicar o direito da União, a começar pelos Tratados, incluindo quanto ao âmbito dos poderes da União e quanto à observância do referido princípio da proporcionalidade;
c) o Direito da União, tal como interpretado pelo TJUE, prevalece sobre os direitos nacionais;
d) no caso de um Estado-membro não acatar uma decisão da União, mesmo que com alegado fundamento na sua Constituição, fica sujeito a sanções da União.
Acresce que, se fosse de admitir a posição unilateral alemã, então qualquer outro Estado-membro podia também recusar-se a cumprir as suas obrigações perante a União pretextando que elas vão além do mandato conferido à União. A Polónia, por exemplo, que tem estado a ser alvo de decisões condenatórias do TJUE por violação dos princípios do Estado de Direito, podia seguir a mesma via, impugnando a sua proporcionalidade. Estaria a via aberta para a desagregação da União.
3. Por isso, a única solução razoável consiste em reconhecer ao TJUE - aliás, composto por juízes indicados por todos os Estados-membros - a competência para decidir os litígios acerca do mandato da União, por serem questões que interessam a todos eles e não somente a um deles. Como se diz muitas vezes, os Estados-membros continuam a ser os "donos dos Tratados", mas só o são em conjunto, não isoladamente.
Virando o argumento do TC alemão ao contrário, há que aceitar que numa união de Estados nenhum Estado-membro pode reivindicar um poder unilateral para decidir sobre os poderes conferidos por todos à União. O que respeita a todos, não pode ser decidido isoladamente por cada um deles, sobretudo se, como acontece no caso da UE, todos conferiram tais questões à competência de um órgão jurisdicional da própria União.
A posição "soberanista" do TC alemão não pode prevalecer!
[revisto]
Adenda
Um leitor observa, pertinentemente, que quem pode aplaudir esta decisão do TC alemão entre nós é o PCP e os demais adversários da integração europeia, em nome da "soberania constitucional nacional". Les beaux esprits...
Adenda 2 (7/5)
O BCE ficou colocado numa posição delicada. Por um lado, não pode satisfazer diretamente a injunção do TC alemão, porque isso seria reconhecer a sua jurisdição - o que seria inadmissível; mas, por outro lado, não responder poderia ser qualificado pelos juízes da Karlsruhe como contempt of court ou confissão da acusação da sentença alemã. Christine Lagard vai precisar de uma grande dose de imaginação e de prudência.
Adenda 3 (7/5)
Um leitor pergunta: «e se o TC alemão tiver razão quanto ao fundo da questão, ou seja , quanto à violação do princípio da proporcionalidade, como se poderia impugnar o programa da BCE?». Segundo o direito constitucional da União, só o TJUE pode apreciar a conformidade da ação do BCE com os Tratados, nos termos do art. 263º TFUE, mediante recurso das instituições políticas da União e/ou dos Estados-membros. Por conseguinte, o mais que o TC alemão poderia fazer era ordenar ao Governo alemão que impugnasse o referido programa do BCE junto do TJUE.
De facto, simplificando, a questão é a seguinte:
a) o TC alemão entende que esse programa de compras de dívida pública não encaixa bem no mandato "primordial" do BCE, que é a manutenção da estabilidade dos preços na União;
b) o TC alemão sustenta, desde sempre, que, uma vez que a União não tem poder para definir as próprias competências - que lhe são conferidas pelos Estados-membros -, compete aos tribunais constitucionais nacionais verificar até que ponto é que eles as transferiram para a União;
c) constitucionalmente, a Alemanha só pode estar sujeita aos poderes da União que consentiu transferir, com aprovação do parlamento alemão, cabendo ao TC verificar se assim é;
d) nesse entendimento, cabe também ao TC alemão a verificação do princípio da proporcionalidade previsto no art. 5º do Tratado da União, quanto ao exercício dos poderes atribuídos a União.
No jargão jurídico-constitucional, tudo consiste em saber quem é que tem competência para decidir sobre o âmbito e o exercício das competência da União e sobre saber se esta atuou ultra vires, ou seja, sem mandato: é a própria União ou são os Estados-membros? O TC alemão sempre entendeu, desde a "sentença Maastricht", de 1993, que a decisão dessas questões cabe aos próprios Estados-membros, ou seja, aos seus tribunais constitucionais.
2. Porém, do ponto de vista do Tribunal de Justiça da União (Luxemburgo), a lógica é totalmente diferente:
a) as competências da União, incluindo as do BCE, estão definidas nos tratados da União;
b) os Tratados conferem exclusivamente ao TJUE a competência para interpretar e aplicar o direito da União, a começar pelos Tratados, incluindo quanto ao âmbito dos poderes da União e quanto à observância do referido princípio da proporcionalidade;
c) o Direito da União, tal como interpretado pelo TJUE, prevalece sobre os direitos nacionais;
d) no caso de um Estado-membro não acatar uma decisão da União, mesmo que com alegado fundamento na sua Constituição, fica sujeito a sanções da União.
Acresce que, se fosse de admitir a posição unilateral alemã, então qualquer outro Estado-membro podia também recusar-se a cumprir as suas obrigações perante a União pretextando que elas vão além do mandato conferido à União. A Polónia, por exemplo, que tem estado a ser alvo de decisões condenatórias do TJUE por violação dos princípios do Estado de Direito, podia seguir a mesma via, impugnando a sua proporcionalidade. Estaria a via aberta para a desagregação da União.
3. Por isso, a única solução razoável consiste em reconhecer ao TJUE - aliás, composto por juízes indicados por todos os Estados-membros - a competência para decidir os litígios acerca do mandato da União, por serem questões que interessam a todos eles e não somente a um deles. Como se diz muitas vezes, os Estados-membros continuam a ser os "donos dos Tratados", mas só o são em conjunto, não isoladamente.
Virando o argumento do TC alemão ao contrário, há que aceitar que numa união de Estados nenhum Estado-membro pode reivindicar um poder unilateral para decidir sobre os poderes conferidos por todos à União. O que respeita a todos, não pode ser decidido isoladamente por cada um deles, sobretudo se, como acontece no caso da UE, todos conferiram tais questões à competência de um órgão jurisdicional da própria União.
A posição "soberanista" do TC alemão não pode prevalecer!
[revisto]
Adenda
Um leitor observa, pertinentemente, que quem pode aplaudir esta decisão do TC alemão entre nós é o PCP e os demais adversários da integração europeia, em nome da "soberania constitucional nacional". Les beaux esprits...
Adenda 2 (7/5)
O BCE ficou colocado numa posição delicada. Por um lado, não pode satisfazer diretamente a injunção do TC alemão, porque isso seria reconhecer a sua jurisdição - o que seria inadmissível; mas, por outro lado, não responder poderia ser qualificado pelos juízes da Karlsruhe como contempt of court ou confissão da acusação da sentença alemã. Christine Lagard vai precisar de uma grande dose de imaginação e de prudência.
Adenda 3 (7/5)
Um leitor pergunta: «e se o TC alemão tiver razão quanto ao fundo da questão, ou seja , quanto à violação do princípio da proporcionalidade, como se poderia impugnar o programa da BCE?». Segundo o direito constitucional da União, só o TJUE pode apreciar a conformidade da ação do BCE com os Tratados, nos termos do art. 263º TFUE, mediante recurso das instituições políticas da União e/ou dos Estados-membros. Por conseguinte, o mais que o TC alemão poderia fazer era ordenar ao Governo alemão que impugnasse o referido programa do BCE junto do TJUE.
Pobre Língua (18): Às armas, pela tradição ortográfica nacional!
[Fonte da imagem AQUI]
1. Apesar da total discordância com os opositores do Acordo Ortográfico de 1990, sempre respeitei a sua posição, que atribuo a respeitáveis argumentos doutrinários e não a atávico comodismo face à mudança de regras (que, aliás, também compreendo). Todavia, quando sou confrontado com textos como este, começo a perder tal respeito. Há argumentos que "não lembram ao careca", como diria o nosso Presidente!Penso que, à medida que o tempo passa e a nova ortografia se vai tornado norma geralmente observada no espaço público e não somente na esfera oficial, tornando cada vez mais longínqua a polémica do AO, os seus opositores vão recorrendo, em desespero de causa, a qualquer argumento "à mão", depois de exauridos os iniciais.
2. O principal desígnio da autora é rejeitar a «grafia imposta em Portugal», como se o AO tivesse sido produto de um ultimato ou de uma invasão estrangeira (supõe-se que do Brasil, bem entendido) ou fosse criatura de um diktat ditatorial.
O argumento nacionalista, em geral, e antibrasileiro, em particular, sempre foi um dos temas eletivos da campanha contra o AO, como se a nova ortografia importasse uma capitulação perante a ortografia bárbara da antiga colónia, suprema humilhação dos criadores da Língua neste canto da Europa.
Se o argumento nacionalista é infundado e demagógico, mais o é o argumento de "ortografia imposta", sabendo-se que o Acordo foi longamente negociado, por iniciativa portuguesa, entre especialistas dos vários países de Língua Portuguesa (salvo Timor, nessa altura ainda sob domínio indonésio) e que foi aprovado pela Assembleia da República por larga maioria, depois de longo debate público.
Portanto, o AO é tão ditatorialmente "imposto" como qualquer outra lei da AR.
Um pouco mais de respeito pela democracia representativa não faria mal nenhum.
3. De resto, a nova ortografia não é "imposta" pessoalmente a ninguém, salvo às publicações oficiais e aos serviços públicos, e nem todos, já que as universidades, em geral, prescindiram de o tornar obrigatório nas teses de mestrado e de doutoramento.
A autora pode, portanto, continuar a usar a antiga ortografia no Público ou noutro lugar qualquer, sem ter de invocar "objeção de consciência ortográfica", com alguns chegaram a sugerir. De resto, eu penso que para respeitar o "património ortográfico" do Língua, ela não deveria escrever segundo a norma ortográfica anterior a 2010, mas sim segundo a norma anterior à grande reforma ortográfica de 1911, decretada unilateralmente pelo Governo da República.
Quando a autora passar a escrever, por exemplo, orthographia, pharmacia, prohibido, collocar, phosphoro, lagryma, lyrio, exhausto, estylo, prompto, diphthongo, psalmo, contracto, etc. -, aí sim, aplaudirei a sua fidelidade à "tradição ortográfica" nacional.
terça-feira, 5 de maio de 2020
O que o Presidente não deve fazer (20): Sacudir a água do capote
1. Com surpresa geral, o Presidente da República veio demarcar-se da celebração do 1º de Maio da CGTP em Lisboa, dizendo que não contava com a dimensão que a manifestação tomou. Ora, foi o Presidente que estabeleceu essa derrogação singular das regras de proibição de manifestações no decreto presidencial sobre o estado de emergência; que assinou o decreto governamental que o fez aplicar; e que esteve em contacto diretamente com a CGTP para se inteirar dos pormenores da manifestação.
Por isso, não lhe fica bem vir agora criticar o evento, face à sua condenação generalizada. O mal esteve sempre na admissão da derrogação - como aqui assinalei - , cuja expressão a CGTP nunca escondeu.
2. O Presidente tem andado muito bem em toda esta emergência nacional, com determinação e equilíbrio, até na contenção da sua habitual hiperatividade mediática. Foi uma contribuição decisiva, pela sua ação pessoal e pela cobertura que deu ao Governo, para a necessária confiança dos portugueses nas instituições e na sua capacidade para enfrentar a crise.
É pena, por isso, que o Presidente tenha decidido pontuar menos bem o seu desempenho com o discurso autojustificativo na insólita comemoração privativa do 25 de Abril na AR e agora neste declinar de responsabilidades políticas em relação à manifestação do 1º de Maio, que desde o início abraçou.
Não havia necessidade.
Por isso, não lhe fica bem vir agora criticar o evento, face à sua condenação generalizada. O mal esteve sempre na admissão da derrogação - como aqui assinalei - , cuja expressão a CGTP nunca escondeu.
2. O Presidente tem andado muito bem em toda esta emergência nacional, com determinação e equilíbrio, até na contenção da sua habitual hiperatividade mediática. Foi uma contribuição decisiva, pela sua ação pessoal e pela cobertura que deu ao Governo, para a necessária confiança dos portugueses nas instituições e na sua capacidade para enfrentar a crise.
É pena, por isso, que o Presidente tenha decidido pontuar menos bem o seu desempenho com o discurso autojustificativo na insólita comemoração privativa do 25 de Abril na AR e agora neste declinar de responsabilidades políticas em relação à manifestação do 1º de Maio, que desde o início abraçou.
Não havia necessidade.
Outras causas (2): Arqueologia industrial
1. À descoberta dos vestígios de uma velha mina de chumbo na margem esquerda do Mondego, a montante de Coimbra.
Em cima, as imponentes instalações (mina e fundição) junto ao Rio, há mais de um século, tal como representadas num postal ilustrado da época. Abaixo, imagens do que resta hoje, perdido no meio de uma densa mata de acácias mimosas. Não tarda muito, tudo vai ser invadido pela vegetação infestante.
2. Pesquisando na Internet, descobri que a mina e a fundição estiveram ativas entre 1888 e 1908. De resto, nem sequer o registo de uma tese de mestrado de história ou arqueologia industrial.
Assim se vai perdendo a memória, aliás escassa, da nossa história industrial.
E depois da pandemia? (2): As finanças públicas de novo em maus lençóis
1. Quando Portugal parecia bem encaminhado para superar as sequelas da crise financeira de 2011-2014, alcançando finalmente um saldo orçamental positivo em 2019 e tendo reduzido o peso da dívida pública para cerca de 115% do PIB, eis que a pandemia e a consequente crise económica nos vão recolocar numa complicada situação orçamental, com défice enorme e um aumento da dívida pública sem precedentes (calcula-se que para cerca de 135%), por efeito do acréscimo substancial da despesa pública (saúde, ajuda ao emprego e às empresas) e de um corte dramático na receita (impostos e contribuições para a segurança social).
É evidente que o impacto seria menos severo, se nos últimos cinco anos se tivesse seguido uma política de consolidação orçamental mais exigente, como aqui se defendeu várias vezes, em vez de aumentar anualmente a despesa corrente permanente em centenas de milhões de euros, que agora pesam sobre o orçamento. Mas isso não foi feito, nem se pode voltar atrás.
2. Esses fatores do desequilíbrio orçamental não vão desaparecer logo que a pandemia seja dominada, dada a demora na recuperação económica e do emprego. Acresce que há despesas públicas que a pandemia vai fazer aumentar em termos estruturais, como a de saúde. O financiamento da TAP e porventura de outras empresas, pode fazer elevar substancialmente a fatura financeira da pandemia.
Mesmo que o programa de compra de dívida pública do BCE e o anunciado fundo de recuperação económica da União venham a cobrir a maior parte das necessidades de financiamento público, o inevitável aumento da dívida pública vai degradar o rating da República e fazer subir o custo de financiamento e o spread em relação à Alemanha, degradando a competitividade da economia nacional.
Por isso, mesmo que a UE não venha a repor em vigor a curto prazo as normas do Pacto de Estabilidade e do Tratado orçamental sobre limites ao défice e ao endividamento público, a pressão da dívida e do seu custo vai tornar necessária novamente uma política credível de consolidação orçamental.
3. Ora, mesmo recusando medidas de austeridade em sentido próprio (corte de salários, pensões e prestações sociais ou aumento substantivo da carga fiscal), a consolidação orçamental vai exigir medidas de fundo tendentes à redução da despesa pública, preferivelmente sem pôr em causa o investimento público.
Entre elas ocorrem as seguintes:
- submissão das prestações sociais sem base contributiva a "teste de meios", de modo a beneficiarem somente quem delas precisa;
- introdução da avaliação e da progressão por mérito nas carreiras especiais da função pública, terminando a atual progressão pelo decurso do tempo, que não é orçamentalmente sustentável;
- fim do financiamento pelo Estado da ampliação do metropolitano de Lisboa e do Porto, transferindo esses serviços públicos para a esfera municipal ou intermunicipal, como deveria ser desde sempre;
- pôr fim à isenção das Regiões autónomas de contribuição para as despesas gerais da República, acabando com a iniquidade de estas serem financiadas só pelos contribuintes do Continente, tanto mais que, hoje em dia, os Açores e a Madeira já têm um nível de desenvolvimento bem acima de várias regiões do Continente.
O problema, como é óbvio, está na dificuldade em congregar uma base política para apoiar um tal programa. É mais fácil subir impostos do que cortar na despesa...
Adenda (7/5)
Segundo estas previsões da Comissão Europeia, entretanto publicadas (e retiradas do El País), Portugal terá um défice orçamental de cerca de -6,5% no corrente ano e a dívida pública subirá até cerca de 131% do PIB. Embora sejam menos pessimistas do que as do FMI, invocados no texto acima, estes números não deixam de ser inquietantes.
É evidente que o impacto seria menos severo, se nos últimos cinco anos se tivesse seguido uma política de consolidação orçamental mais exigente, como aqui se defendeu várias vezes, em vez de aumentar anualmente a despesa corrente permanente em centenas de milhões de euros, que agora pesam sobre o orçamento. Mas isso não foi feito, nem se pode voltar atrás.
2. Esses fatores do desequilíbrio orçamental não vão desaparecer logo que a pandemia seja dominada, dada a demora na recuperação económica e do emprego. Acresce que há despesas públicas que a pandemia vai fazer aumentar em termos estruturais, como a de saúde. O financiamento da TAP e porventura de outras empresas, pode fazer elevar substancialmente a fatura financeira da pandemia.
Mesmo que o programa de compra de dívida pública do BCE e o anunciado fundo de recuperação económica da União venham a cobrir a maior parte das necessidades de financiamento público, o inevitável aumento da dívida pública vai degradar o rating da República e fazer subir o custo de financiamento e o spread em relação à Alemanha, degradando a competitividade da economia nacional.
Por isso, mesmo que a UE não venha a repor em vigor a curto prazo as normas do Pacto de Estabilidade e do Tratado orçamental sobre limites ao défice e ao endividamento público, a pressão da dívida e do seu custo vai tornar necessária novamente uma política credível de consolidação orçamental.
3. Ora, mesmo recusando medidas de austeridade em sentido próprio (corte de salários, pensões e prestações sociais ou aumento substantivo da carga fiscal), a consolidação orçamental vai exigir medidas de fundo tendentes à redução da despesa pública, preferivelmente sem pôr em causa o investimento público.
Entre elas ocorrem as seguintes:
- submissão das prestações sociais sem base contributiva a "teste de meios", de modo a beneficiarem somente quem delas precisa;
- introdução da avaliação e da progressão por mérito nas carreiras especiais da função pública, terminando a atual progressão pelo decurso do tempo, que não é orçamentalmente sustentável;
- fim do financiamento pelo Estado da ampliação do metropolitano de Lisboa e do Porto, transferindo esses serviços públicos para a esfera municipal ou intermunicipal, como deveria ser desde sempre;
- pôr fim à isenção das Regiões autónomas de contribuição para as despesas gerais da República, acabando com a iniquidade de estas serem financiadas só pelos contribuintes do Continente, tanto mais que, hoje em dia, os Açores e a Madeira já têm um nível de desenvolvimento bem acima de várias regiões do Continente.
O problema, como é óbvio, está na dificuldade em congregar uma base política para apoiar um tal programa. É mais fácil subir impostos do que cortar na despesa...
Adenda (7/5)
Segundo estas previsões da Comissão Europeia, entretanto publicadas (e retiradas do El País), Portugal terá um défice orçamental de cerca de -6,5% no corrente ano e a dívida pública subirá até cerca de 131% do PIB. Embora sejam menos pessimistas do que as do FMI, invocados no texto acima, estes números não deixam de ser inquietantes.
segunda-feira, 4 de maio de 2020
Vontade popular (10): Efeitos políticos da crise
1. O bom desempenho Governo na resposta à pandemia e o desaparecimento de outras questões da agenda política levaram à subida do PS nas sondagens eleitorais, como nesta do Jornal de Notícias de ontem, à custa de quase todos os partidos da oposição, a começar pelo PSD, forçado a secundar o Governo no que respeita à crise.
Particularmente preocupante é a posição do PCP e do CDS no raking eleitoral, o primeiro com menos de 6% de intenções de voto e o segundo com menos de 3% , em 5º e 7º lugar, respetivamente. A subida do Chega, bem acima do PCP, testemunha a significativa mudança do panorama da representação partidária em Portugal desde as eleições passadas.
2. Resta saber se o alívio da pressão política da crise vai permitir mais espaço à oposição e parar a ascensão do PS. Mas na correlação política que esta sondagem revela, nenhum partido da oposição, à esquerda ou à direita, está em condições de criar dificuldades ao Governo minoritário do PS que possam gerar uma crise política.
A questão da aprovação do orçamento suplementar de julho e das importantes opções financeiras que ele implica está, portanto, antecipadamente decidida.
Particularmente preocupante é a posição do PCP e do CDS no raking eleitoral, o primeiro com menos de 6% de intenções de voto e o segundo com menos de 3% , em 5º e 7º lugar, respetivamente. A subida do Chega, bem acima do PCP, testemunha a significativa mudança do panorama da representação partidária em Portugal desde as eleições passadas.
2. Resta saber se o alívio da pressão política da crise vai permitir mais espaço à oposição e parar a ascensão do PS. Mas na correlação política que esta sondagem revela, nenhum partido da oposição, à esquerda ou à direita, está em condições de criar dificuldades ao Governo minoritário do PS que possam gerar uma crise política.
A questão da aprovação do orçamento suplementar de julho e das importantes opções financeiras que ele implica está, portanto, antecipadamente decidida.
E depois da pandemia? (1): A crise económica
1. Quão profunda e duradoura pode vir a ser a crise económica decorrente da pandemia?
São ainda incertas as estimativas da possível queda do PIB, mas ninguém tem dúvidas de que vai ser de uma profundidade sem precedentes desde a Grande Depressão de há nove décadas. São menos pessimistas as previsões da retoma, havendo um relativo consenso em que ela se iniciará já fortemente no próximo ano, podendo o PIB de 2019 ser recuperado em dois ou três anos.
Penso que há razões para não ser tão otimista.
2. Mesmo que haja um generoso programa de ajudas públicas à economia - que a UE não vai travar -, muitas empresas vão sair da crise sobreendividadas, o que limita a sua capacidade de investimento; como é tradicional em crises anteriores, os consumidores não vão retomar imediatamente a dinâmica de consumo (sobretudo de bens de consumo duradouro); o emprego vai demorar mais do que o PIB a recuperar, o que também afeta o consumo interno; o turismo vai demorar a reanimar, por causa do receio dos viajantes e da crise da transporte aéreo; as exportações vão ser duradouramente afetadas pela crise nos países importadores e pelo novo protecionismo em curso.
E o Estado, de novo constrangido por um enorme défice orçamental e um endividamento público record, vai ter pouco espaço de manobra para aumentar o gasto público, quer em despesa corrente quer em investimento, mesmo que não tenha de seguir uma política de consolidação orçamental dura (vulgo "austeridade").
Não vai ser tarefa fácil, portanto.
3. De positivo parece só haver a anotar dois fatores: (i) a baixa do preço do petróleo, que reduz a fatura energética das empresas e da economia em geral (mas com o downside de travar a aposta na mobilidade elétrica e na descarbonização da economia em geral) e (ii) o aumento do teletrabalho e da automação, que a crise forçou a crescer, o que pode poupar a fatura laboral das empresas (à custa, porém, do emprego).
Em suma, a não ser que a pandemia seja dominada antes do previsto, receio bem que não seja num par de anos que vamos superar o seu profundo impacto económico e social negativo.
São ainda incertas as estimativas da possível queda do PIB, mas ninguém tem dúvidas de que vai ser de uma profundidade sem precedentes desde a Grande Depressão de há nove décadas. São menos pessimistas as previsões da retoma, havendo um relativo consenso em que ela se iniciará já fortemente no próximo ano, podendo o PIB de 2019 ser recuperado em dois ou três anos.
Penso que há razões para não ser tão otimista.
2. Mesmo que haja um generoso programa de ajudas públicas à economia - que a UE não vai travar -, muitas empresas vão sair da crise sobreendividadas, o que limita a sua capacidade de investimento; como é tradicional em crises anteriores, os consumidores não vão retomar imediatamente a dinâmica de consumo (sobretudo de bens de consumo duradouro); o emprego vai demorar mais do que o PIB a recuperar, o que também afeta o consumo interno; o turismo vai demorar a reanimar, por causa do receio dos viajantes e da crise da transporte aéreo; as exportações vão ser duradouramente afetadas pela crise nos países importadores e pelo novo protecionismo em curso.
E o Estado, de novo constrangido por um enorme défice orçamental e um endividamento público record, vai ter pouco espaço de manobra para aumentar o gasto público, quer em despesa corrente quer em investimento, mesmo que não tenha de seguir uma política de consolidação orçamental dura (vulgo "austeridade").
Não vai ser tarefa fácil, portanto.
3. De positivo parece só haver a anotar dois fatores: (i) a baixa do preço do petróleo, que reduz a fatura energética das empresas e da economia em geral (mas com o downside de travar a aposta na mobilidade elétrica e na descarbonização da economia em geral) e (ii) o aumento do teletrabalho e da automação, que a crise forçou a crescer, o que pode poupar a fatura laboral das empresas (à custa, porém, do emprego).
Em suma, a não ser que a pandemia seja dominada antes do previsto, receio bem que não seja num par de anos que vamos superar o seu profundo impacto económico e social negativo.
domingo, 3 de maio de 2020
Praça da República (30): Incompatibilidades parlamentares
1. Concordo com esta opinião de que os deputados não devem poder acumular com posições de responsabilidade em entes públicos ou com poderes públicos, mesmo quando independentes do Governo (salvo quando em representação da própria AR, prevista em lei).
Há duas duas razões contra tal acumulação: (i) porque o desempenho desses cargos externos pode limitar ou condicionar a liberdade de ação dos deputados; (ii) e porque o exercício de tais cargos públicos ou parapúblicos por deputados acaba por politizar o ser desempenho, pondo em causa a confiança na sua imparcialidade política.
É tempo, portanto, de interditar tais acumulações no Estatuto dos Deputados. Entretanto, seria bom que os partidos não apoiassem tais soluções.
2. No entanto, recordo que já houve outras situações de acumulação, incluindo uma deputada que era também bastonária de uma ordem profissional, a Ordem dos Arquitetos (que é uma entidade pública), sem que ninguém, salvo eu mesmo, tenha suscitado objeções.
Saúdo a mudança de sensibilidade política em relação a tais situações.
Há duas duas razões contra tal acumulação: (i) porque o desempenho desses cargos externos pode limitar ou condicionar a liberdade de ação dos deputados; (ii) e porque o exercício de tais cargos públicos ou parapúblicos por deputados acaba por politizar o ser desempenho, pondo em causa a confiança na sua imparcialidade política.
É tempo, portanto, de interditar tais acumulações no Estatuto dos Deputados. Entretanto, seria bom que os partidos não apoiassem tais soluções.
2. No entanto, recordo que já houve outras situações de acumulação, incluindo uma deputada que era também bastonária de uma ordem profissional, a Ordem dos Arquitetos (que é uma entidade pública), sem que ninguém, salvo eu mesmo, tenha suscitado objeções.
Saúdo a mudança de sensibilidade política em relação a tais situações.
Pandemia (22): Uma perspetiva menos pessimista sobre o controlo da pandemia
Importante a entrevista desta epidemiologista que defende que a Covid 19 pode ser parada, mesmo sem vacina, quando a percentagem de imunizados pela infeção tiver atingido 10% a 15% da população, em vez dos 60-70% de que se tem falado até agora.
O seu argumento é o de que há uma significativa percentagem da população que não é vulnerável ao vírus, sendo, portanto, naturalmente imune, pelo que basta aquele acréscimo de imunizados por via de contágio dos mais vulneráveis, para alcançar a "imunidade de grupo".
Oxalá se confirmem as suas teses!
O seu argumento é o de que há uma significativa percentagem da população que não é vulnerável ao vírus, sendo, portanto, naturalmente imune, pelo que basta aquele acréscimo de imunizados por via de contágio dos mais vulneráveis, para alcançar a "imunidade de grupo".
Oxalá se confirmem as suas teses!
Pandemia (21): As derrogações de favor
[Fonte da imagem AQUI]
Ao mesmo tempo que restringia justificadamente a liberdade de reunião, incluindo em cerimónias religiosas ou em funerais, mesmo se cumprindo normas de proteção e de distanciamento pessoal, o Governo autorizou a manifestação da CGTP do 1º de Maio, que decorreu ainda na vigência do estado de emergência.Todavia, depois dessa derrogação de favor - que critiquei desde o início -, como é que o Governo vai negar, por exemplo, à Igreja Católica não somente a realização de ações de culto em espaço aberto mas também a tradicional peregrinação de 13 de maio em Fátima, nas mesmas condições que a da CGTP, tanto mais que o estado de emergência já cessou? E se for concedida a derrogação à Igreja Católica, então para que vale a restrição da liberdade de reunião em geral?
O pior que pode suceder quando se trata de restringir liberdades individuais e coletivas é não ser consistente nos critérios, violando o princípio da igualdade. O favoritismo político custa caro nestas circunstâncias.
Adenda
A Igreja Católica não quis aproveitar a oportunidade e tirar partido de uma idêntica derrogação, que legitimaria a concedida à CGTP. Fez bem. Uma bofetada de luva branca!
sábado, 2 de maio de 2020
Pandemia (20): O risco da insegurança jurídica
1. Está aberta a discussão pública quanto à legitimidade das medidas restritivas das liberdade individual que se mantêm em vigor depois do fim do estado de emergência (que é hoje), por força da Resolução do Conselho de MInistros nº 33-A/2020, de 30 de abril.
À partida, importa dizer que a referida RCM, sendo um diploma governamental de natureza administrativa, não pode, só por si, restringir direitos fundamentais, só podendo aplicar restrições já estabelecidas em lei anterior, como é caso da Lei de Bases da Proteção Civil, que prevê a declaração da situação de calamidade, a qual compreende a restrição a várias liberdades, nomeadamente da liberdade de circulação, incluindo "cercas sanitárias". Todavia, a referida Resolaução, apesar do seu título, não se limita a aplicar essas restrições, abarcando outras, cuja base legal nem sempre é indicada, como sucede com as da liberdade de reunião ou da liberdade de culto.
Teria sido conveniente que a Resolução incluísse uma tabela com o elenco de todas as restrições nela estabelecidas e da base legal de cada uma delas. Evitar-se-ia assim alguma incerteza e insegurança jurídica, que neste momento não é nada aconselhável. A intromissão administrativa especial nas liberdades individuais precisa sempre de ter fundamentos jurídicos "à prova de bala".
2. Recordando as regras constitucionais, a lesão administrativa de direitos fundamentais não é constitucionalmente possível, fora de estado de sítio ou de emergência, nos seguintes termos:
a) quando estiver excluída pela própria Constituição (por exemplo, censura à imprensa, entrada sem autorização no domicílio alheio, intromissão nas comunicações privadas);
b) quando se traduzir na privação e não somente na restrição de direitos, ou seja, quando lesar o conteúdo essencial de um direito (como, por exemplo, o confinamento domiciliário compulsivo);
c) quando não for devidamente justificada por motivo de interesse público ou quando for desnecessária ou desproporcionada;
d) quando não for determinada ou autorizada por lei da AR ou por decreto-lei autorizado pela AR;
e) quando a decisão administrativa não indicar o fundamento legal, mesmo que este exista.
Basta uma dessas situações para faltar a necessária base constitucional.
3. Note-se que que entre os fundamentos legais da restrição de direitos não pode contar-se o Decreto-Lei no 200/2020, de 1 de maio, que «altera as medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da doença COVID-19», porque não foi emitido sob autorização da AR.
Por isso, ou as restrições nele estabelecidas (obrigação de uso de máscaras ou medição obrigatória de temperatura corporal) estão previstas em leis anteriores, que não são indicadas, ou também não têm fundamento constitucional.
À partida, importa dizer que a referida RCM, sendo um diploma governamental de natureza administrativa, não pode, só por si, restringir direitos fundamentais, só podendo aplicar restrições já estabelecidas em lei anterior, como é caso da Lei de Bases da Proteção Civil, que prevê a declaração da situação de calamidade, a qual compreende a restrição a várias liberdades, nomeadamente da liberdade de circulação, incluindo "cercas sanitárias". Todavia, a referida Resolaução, apesar do seu título, não se limita a aplicar essas restrições, abarcando outras, cuja base legal nem sempre é indicada, como sucede com as da liberdade de reunião ou da liberdade de culto.
Teria sido conveniente que a Resolução incluísse uma tabela com o elenco de todas as restrições nela estabelecidas e da base legal de cada uma delas. Evitar-se-ia assim alguma incerteza e insegurança jurídica, que neste momento não é nada aconselhável. A intromissão administrativa especial nas liberdades individuais precisa sempre de ter fundamentos jurídicos "à prova de bala".
2. Recordando as regras constitucionais, a lesão administrativa de direitos fundamentais não é constitucionalmente possível, fora de estado de sítio ou de emergência, nos seguintes termos:
a) quando estiver excluída pela própria Constituição (por exemplo, censura à imprensa, entrada sem autorização no domicílio alheio, intromissão nas comunicações privadas);
b) quando se traduzir na privação e não somente na restrição de direitos, ou seja, quando lesar o conteúdo essencial de um direito (como, por exemplo, o confinamento domiciliário compulsivo);
c) quando não for devidamente justificada por motivo de interesse público ou quando for desnecessária ou desproporcionada;
d) quando não for determinada ou autorizada por lei da AR ou por decreto-lei autorizado pela AR;
e) quando a decisão administrativa não indicar o fundamento legal, mesmo que este exista.
Basta uma dessas situações para faltar a necessária base constitucional.
3. Note-se que que entre os fundamentos legais da restrição de direitos não pode contar-se o Decreto-Lei no 200/2020, de 1 de maio, que «altera as medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da doença COVID-19», porque não foi emitido sob autorização da AR.
Por isso, ou as restrições nele estabelecidas (obrigação de uso de máscaras ou medição obrigatória de temperatura corporal) estão previstas em leis anteriores, que não são indicadas, ou também não têm fundamento constitucional.
Pandemia (19): Faz sentido invocar deveres cívicos entre nós?
1. A Resolução do Conselho de Ministros de 30 de abril, que declara a "situação de calamidade pública", ao abrigo da Lei de Bases da Proteção Civil (mas não só), procede também à enunciação do "dever cívico" de cumprimento de uma regra geral de recolhimento e de distanciamento social para ajudar a travar a pandemia.
Contrariamente a outros comentadores, não ridicularizo nem desvalorizo os deveres cívicos. Há países onde a "cultura cívica" (título de um célebre livro dos politólogos Almond & Verba, de 1989) constitui uma base sólida da coesão política e integração política dos cidadãos. A própria Constituição usa, entre nós, a noção de dever cívico em relação ao dever de voto.
2. É evidente, porém, que não criando obrigações jurídicas, a inobservância de um dever cívico não pode ser sancionada. Apesar disso, não são normas de conduta social irrelevantes. Apelam para a responsabilidade cívica individual e coletiva e permitem chamar cada cidadão à "prestação de contas" perante os outros. Entre outras coisas, permitem o naming and shaming público dos prevaricadores.
A minha dúvida tem a ver com a eficácia de tais normas numa cultura política como a nossa, caracterizada, em regra, por um generalizado défice de responsabilidade cívica. Como mostra o lamentável exemplo do dever cívico de voto, os portugueses, por norma, ligam pouco a tais apelos. E embora nesta crise tenha havido um elevado grau de adesão voluntária aos constrangimentos definidos (em que o medo não terá sido irrelevante...), o verdadeiro teste está para vir, agora que a taxa de contágio diminuiu, que as medidas impositivas vão ser relativamente relaxadas e que... o verão não tarda aí.
Oxalá me engane, mas cético estou.
Adenda
Um leitor pergunta porque é que temos um baixo nível de responsabilidade cívica, em comparação com os países nórdicos, por exemplo. A meu ver, há duas razões principais para essa diferença: porque não compartilhamos da ética protestante, como eles, e porque, fora o pequeno período da I República, nunca fizemos da educação cívica uma prioridade, nem escolar nem política. Dois exemplos comprometedores: o vandalismo nos espaços e equipamentos públicos e a banalização dos atestados de doença.
Contrariamente a outros comentadores, não ridicularizo nem desvalorizo os deveres cívicos. Há países onde a "cultura cívica" (título de um célebre livro dos politólogos Almond & Verba, de 1989) constitui uma base sólida da coesão política e integração política dos cidadãos. A própria Constituição usa, entre nós, a noção de dever cívico em relação ao dever de voto.
2. É evidente, porém, que não criando obrigações jurídicas, a inobservância de um dever cívico não pode ser sancionada. Apesar disso, não são normas de conduta social irrelevantes. Apelam para a responsabilidade cívica individual e coletiva e permitem chamar cada cidadão à "prestação de contas" perante os outros. Entre outras coisas, permitem o naming and shaming público dos prevaricadores.
A minha dúvida tem a ver com a eficácia de tais normas numa cultura política como a nossa, caracterizada, em regra, por um generalizado défice de responsabilidade cívica. Como mostra o lamentável exemplo do dever cívico de voto, os portugueses, por norma, ligam pouco a tais apelos. E embora nesta crise tenha havido um elevado grau de adesão voluntária aos constrangimentos definidos (em que o medo não terá sido irrelevante...), o verdadeiro teste está para vir, agora que a taxa de contágio diminuiu, que as medidas impositivas vão ser relativamente relaxadas e que... o verão não tarda aí.
Oxalá me engane, mas cético estou.
Adenda
Um leitor pergunta porque é que temos um baixo nível de responsabilidade cívica, em comparação com os países nórdicos, por exemplo. A meu ver, há duas razões principais para essa diferença: porque não compartilhamos da ética protestante, como eles, e porque, fora o pequeno período da I República, nunca fizemos da educação cívica uma prioridade, nem escolar nem política. Dois exemplos comprometedores: o vandalismo nos espaços e equipamentos públicos e a banalização dos atestados de doença.
sexta-feira, 1 de maio de 2020
Praça da República (29): As desventuras do interesse público
(Fonte da imagem AQUI)
1. Mais uma decisão judicial sobre o célebre caso do prédio Coutinho em Viana do Castelo, outra vez favorável ao município.Mas ainda não é o fim do processo, pois resta mais uma providência cautelar para ser julgada, de novo com atraso do tribunal competente na tomada de decisão. Entretanto, a realização do interesse público, tal como legitimamente decidido pelo município de Viana, continua por realizar, 15-anos-15 depois de tomada a decisão de demolição!
2. Se quisermos ilustrar as consequências perniciosas da imprevidente reforma do processo administrativo de 2002 - que reforçou generosamente os meios de tutela dos interesses privados contra a Administração - e do congestionamento do tribunais administrativos dela resultante, não precisamos de ir mais longe.
O caso do prédio Coutinho conta tudo sobre as desventuras do interesse público quando triunfa a prevalência legal dos interesses privados.
Pandemia (17): O que distingue o estado de emergência do "estado de calamidade"?
Eis as respostas por escrito que dei a um questionário do Jornal Económico, publicadas na sua edição deste fim de semana. As minhas respostas vão em itálico; acrescentei alguns esclarecimentos adicionais, entre parêntesis retos [...].
“Estado de calamidade não é uma espécie de estado de emergência ‘soft’”
Lígia Simões / 30 Abr 2020
Vital Moreira alerta que “só a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência permite a suspensão do exercício de direitos fundamentais”.
O Governo prepara-se para decretar a situação de calamidade pública quando cessar a vigência do terceiro período do estado de emergência em Portugal. Vital Moreira alertou num post no blogue “Causa Nossa" que “a hipótese está a gerar dúvidas de constitucionalidade, e não sem fundamento”, pelo que o JE foi ouvir a opinião do constitucionalista sobre o instrumento legal que o Governo poderá acionar, e se este permite impor o confinamento domiciliário ou restrição total ou parcial dos movimentos da população.
Questiona a eficácia da situação de calamidade para combater a pandemia da Covid-19?
Não. Se se entende que a situação é agora menos exigente, então o condicionamento da vida das pessoas também pode ser menor.
Se o estado de emergência não vier a ser renovado, isso significa que o Governo não pode continuar a decretar medidas de restrição excecionais, como as limitações à circulação entre concelhos ?
Não defendi isso. Disse no Causa Nossa que o “estado de calamidade” não pode “suspender” direitos (o que somente o estado emergência pode fazer), mas não disse que não pode “restringir” direitos. Não é mesma coisa, constitucionalmente falando. Independentemente do estado de emergência, a Constituição permite a restrição de vários direitos fundamentais, se justificadas e proporcionadas. Não considero ilegítimas as que refere, nas condições excecionais da epidemia.
O Governo defende que um conjunto de outros instrumentos legais permite manter normas de confinamento, restrição à circulação ou condicionamento no funcionamento de determinados estabelecimentos. Concorda?
Concordo, desde que não sejam afetadas as liberdades que, segundo a Constituição, não podem ser restringidas senão em estado de exceção constitucional (como, a meu ver, sucede com o confinamento obrigatório) e desde que respeitadas os requisitos da restrição de direitos fundamentais enunciados no art. 18.º da Constituição, designadamente a base legal, a necessidade e proporcionalidade e a salvaguarda do núcleo essencial dos direitos restringidos.
O estado de calamidade não está previsto para situações de pandemia?
O estado de calamidade, que não tem previsão constitucional, está legalmente previsto para situações de acionamento da proteção civil. A pandemia pode eventualmente configurar essa situação. Mas observo que a “calamidade pública” constitui um dos fundamentos [constitucionais] do estado de emergência, o que cria uma desnecessária confusão conceptual.
Permite limites à circulação, mas a lógica da aplicação da lei é a delimitação geográfica. Podem aplicar-se determinadas medidas a nível nacional?
Pode, desde que os fundamentos digam respeito a todo o território.
Em termos nacionais o Governo pode, por exemplo, limitar o número de pessoas presentes num restaurante, cinema ou espaço público?
A meu ver, pode.
Caso venha a ser esta a opção, antevê que o isolamento profilático de cidadãos idosos, contra sua vontade, passe a ser um problema?
É um real problema, como digo no post, porque o confinamento domiciliário obrigatório afeta o núcleo essencial da liberdade pessoal, pelo que só pode ser decretado em estado de emergência.[É mais do que uma restrição da liberdade de circulação.]
A declaração de calamidade tem força suficiente para impor que as pessoas permaneçam em casa?
A resposta é igual à anterior.
As cercas de segurança, e ao nível das fronteiras, podem aplicar-se a todo o território?
A meu ver, podem [se estritamente necessárias].
E no caso das praias, também podem ser impostos limites?
Podem.
A Lei de Bases da Saúde prevê o internamento compulsivo, ou tomar as medidas de exceção indispensáveis. Com o estado de calamidade pode ser restringido o direito da proibição de internamento compulsivo?
É outro dos casos que não tem cobertura constitucional [por anular a liberdade pessoal], salvo em estado de emergência. A Constituição define explicitamente os casos em que pode haver internamento compulsivo [no art. 27º da Constituição], sem incluir esse caso. Há muito que defendo uma alteração constitucional para permitir o internamento compulsivo em caso de doenças infeto-contagiosas, com as devidas garantias, incluindo autorização ou confirmação judicial, em caso de recusa. Mas essa alteração não foi feita.
Que outros direitos não podem ser restringidos caso venha a ser decretado o estado de calamidade?
Todos aqueles cuja restrição a Constituição não proíba e desde que respeitados os requisitos constitucionais de restrição de direitos.
O primeiro-ministro alertou que “ninguém pode ter a ideia de que o fim do estado de emergência significa o fim das regras de confinamento”. Na sua opinião, que tipo de regras se podem manter sem ser decretado o estado de emergência?
Já respondi. Mas penso que é necessário sublinhar que o “estado de calamidade”, sem base constitucional, mas somente legislativa, e decretado pelo Governo, sem intervenção do Presidente da República e da Assembleia da República, não é uma espécie de estado de emergência soft. Não é definitivamente a mesma coisa.
“Estado de calamidade não é uma espécie de estado de emergência ‘soft’”
Lígia Simões / 30 Abr 2020
Vital Moreira alerta que “só a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência permite a suspensão do exercício de direitos fundamentais”.
O Governo prepara-se para decretar a situação de calamidade pública quando cessar a vigência do terceiro período do estado de emergência em Portugal. Vital Moreira alertou num post no blogue “Causa Nossa" que “a hipótese está a gerar dúvidas de constitucionalidade, e não sem fundamento”, pelo que o JE foi ouvir a opinião do constitucionalista sobre o instrumento legal que o Governo poderá acionar, e se este permite impor o confinamento domiciliário ou restrição total ou parcial dos movimentos da população.
Questiona a eficácia da situação de calamidade para combater a pandemia da Covid-19?
Não. Se se entende que a situação é agora menos exigente, então o condicionamento da vida das pessoas também pode ser menor.
Se o estado de emergência não vier a ser renovado, isso significa que o Governo não pode continuar a decretar medidas de restrição excecionais, como as limitações à circulação entre concelhos ?
Não defendi isso. Disse no Causa Nossa que o “estado de calamidade” não pode “suspender” direitos (o que somente o estado emergência pode fazer), mas não disse que não pode “restringir” direitos. Não é mesma coisa, constitucionalmente falando. Independentemente do estado de emergência, a Constituição permite a restrição de vários direitos fundamentais, se justificadas e proporcionadas. Não considero ilegítimas as que refere, nas condições excecionais da epidemia.
O Governo defende que um conjunto de outros instrumentos legais permite manter normas de confinamento, restrição à circulação ou condicionamento no funcionamento de determinados estabelecimentos. Concorda?
Concordo, desde que não sejam afetadas as liberdades que, segundo a Constituição, não podem ser restringidas senão em estado de exceção constitucional (como, a meu ver, sucede com o confinamento obrigatório) e desde que respeitadas os requisitos da restrição de direitos fundamentais enunciados no art. 18.º da Constituição, designadamente a base legal, a necessidade e proporcionalidade e a salvaguarda do núcleo essencial dos direitos restringidos.
O estado de calamidade não está previsto para situações de pandemia?
O estado de calamidade, que não tem previsão constitucional, está legalmente previsto para situações de acionamento da proteção civil. A pandemia pode eventualmente configurar essa situação. Mas observo que a “calamidade pública” constitui um dos fundamentos [constitucionais] do estado de emergência, o que cria uma desnecessária confusão conceptual.
Permite limites à circulação, mas a lógica da aplicação da lei é a delimitação geográfica. Podem aplicar-se determinadas medidas a nível nacional?
Pode, desde que os fundamentos digam respeito a todo o território.
Em termos nacionais o Governo pode, por exemplo, limitar o número de pessoas presentes num restaurante, cinema ou espaço público?
A meu ver, pode.
Caso venha a ser esta a opção, antevê que o isolamento profilático de cidadãos idosos, contra sua vontade, passe a ser um problema?
É um real problema, como digo no post, porque o confinamento domiciliário obrigatório afeta o núcleo essencial da liberdade pessoal, pelo que só pode ser decretado em estado de emergência.[É mais do que uma restrição da liberdade de circulação.]
A declaração de calamidade tem força suficiente para impor que as pessoas permaneçam em casa?
A resposta é igual à anterior.
As cercas de segurança, e ao nível das fronteiras, podem aplicar-se a todo o território?
A meu ver, podem [se estritamente necessárias].
E no caso das praias, também podem ser impostos limites?
Podem.
A Lei de Bases da Saúde prevê o internamento compulsivo, ou tomar as medidas de exceção indispensáveis. Com o estado de calamidade pode ser restringido o direito da proibição de internamento compulsivo?
É outro dos casos que não tem cobertura constitucional [por anular a liberdade pessoal], salvo em estado de emergência. A Constituição define explicitamente os casos em que pode haver internamento compulsivo [no art. 27º da Constituição], sem incluir esse caso. Há muito que defendo uma alteração constitucional para permitir o internamento compulsivo em caso de doenças infeto-contagiosas, com as devidas garantias, incluindo autorização ou confirmação judicial, em caso de recusa. Mas essa alteração não foi feita.
Que outros direitos não podem ser restringidos caso venha a ser decretado o estado de calamidade?
Todos aqueles cuja restrição a Constituição não proíba e desde que respeitados os requisitos constitucionais de restrição de direitos.
O primeiro-ministro alertou que “ninguém pode ter a ideia de que o fim do estado de emergência significa o fim das regras de confinamento”. Na sua opinião, que tipo de regras se podem manter sem ser decretado o estado de emergência?
Já respondi. Mas penso que é necessário sublinhar que o “estado de calamidade”, sem base constitucional, mas somente legislativa, e decretado pelo Governo, sem intervenção do Presidente da República e da Assembleia da República, não é uma espécie de estado de emergência soft. Não é definitivamente a mesma coisa.