sexta-feira, 28 de maio de 2004

Conveniente e sustentável

Vital Moreira (VM), num post de ontem no Causa Nossa (ver abaixo), intitulado Ilegal, inconveniente e insustentável, critica duramente as condições de recrutamento de Paulo Macedo, quadro do BCP, para Director Geral dos Impostos. Sobre o mesmo tema, eu havia produzido opinião contrária numa peça - O preço da ética (ver abaixo) - publicada no Jornal de Negócios de ontem. Ora vamos então a mais uma das nossas boas polémicas (ainda haverá quem considere a esquerda mais igual que a direita?):

1 Não tento sequer rebater a argumentação jurídica de VM quanto à provável ilegalidade do recrutamento nas condições divulgadas. Concedo de imediato que o processo esteja eivado de anomalias jurídicas. Não me bato nesse terreno. Como simples economista que sou, não tenho grandes preocupações estéticas quanto às matrizes legais, não as vejo como fado ou como cinto de castidade. Se há boas razões para mudar uma norma, muda-se. É isso a política.

2 Não me passa sequer pela cabeça (se calhar, erradamente) que o Ministério das Finanças se dispusesse a aceitar o pagamento de uma parte do salário de Paulo Macedo pelo BCP e a permitir, em contrapartida, que o Director-Geral dos Impostos fosse dar uma perninha, depois das seis e meia da tarde, ao escritório do engº Jardim Gonçalves. Tanto quanto conheço do presidente do BCP, nem ele próprio aceitaria uma tal situação. Se a realidade, tal como sugeria o Jornal de Negócios, me vier a contradizer, cá estarei para a denunciar.

3 VM sustenta que "o recurso a pessoal do sector privado, mesmo se excepcional como se viu, cria sempre uma perturbação das regras da função pública. Primeiro, porque significa que o Governo entendeu não existir ninguém capaz nos quadros da administração pública ou entre profissionais independentes; depois, porque cria situações de "dois senhores" e de possível conflito de interesses, visto que o requisitado continua vinculado à sua empresa, de quem pode estar a receber uma parte considerável do seu vencimento". Mais à frente acrescenta que "mesmo que não houvesse nada em troca, é evidente que a administração fiscal tenderia a ser mais leniente com essa empresa, tendo em conta o favor [da cedência de um dos seus quadros] que esta lhe está a prestar."

Ora, não me parece que seja motivo de inquietação o recurso a quadros exteriores à administração pública. Pelo contrário, é um imperativo de rejuvenescimento e de revitalização dos serviços. Se assim não for, prevalecerá a lógica castradora do carreirismo público e da fuga dos melhores quadros para o domínio privado (a preços não muito distantes dos cobrados por Paulo Macedo), como tem vindo a acontecer na esfera da administração fiscal.

Nada me leva a supor que o BCP passaria, em sede tributária, a ser tratado de modo mais leniente que os demais contribuintes, até pelo escrutínio a que a sua situação fiscal passará a estar sujeita. Muitas vezes, a preocupação de independência leva os agentes a serem particularmente cuidadosos e exigentes para com as suas casas de origem. Quero pensar que será o caso de Paulo Macedo. Se não for, não tem perdão.

PS - As entidades reguladoras não fazem parte do "sector público administrativo"? E, se fazem, não se lhes deveria igualmente aplicar a famosa (tanto quanto absurda) regra dos 75 por cento do ordenado do Presidente da República como limite máximo?

Luís Nazaré