segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Pobre Língua

Transcrevendo uma notícia da Lusa, o Público de hoje diz que Jerónimo de Sousa acusou o PSD de só querer "encasinar" a questão da CGD, ao apresentar propostas sobre as remunerações e o dever de transparência dos gestores do banco público.
Ora, o que o líder do PCP disse, na sua habitual linguagem com laivos populares, foi que o PSD só queria "encanzinar" a questão da Caixa, ou seja, como dizem os dicionários, "criar dificuldades", "emperrar".
Mas o facto de jornalistas diplomados da agência pública de noticias e de um jornal de referência terem usado uma palavra inexistente e incompreensível - falsamente atribuída a um líder partidário que não costuma atropelar o Português - mostra bem os maus tratos a que se encontra sujeita a Língua. Enquanto umas dúzias de fundamentalistas - com o próprio Público à frente ! - continuam a gastar energias a contestar ingloriamente o Acordo Ortográfico, os órgãos de comunicação vão sujeitando tranquilamente a língua a "tratos de polé", sem protestos visíveis.
O mínimo que se exige é a criação de um Provedor da Língua, com poderes para monitorizar e denunciar publicamente tais atropelos.

Adenda
O referido erro continua patente no texto constante da edição eletrónica do Público, que se limitou a mudar o título da notícia da edição impressa, onde se lia em letras gordas o tal "encasinar".

Adenda 2
Parece que todos os demais órgãos de comunicação que fizeram eco do despacho da Lusa engoliram acriticamente o tal "encasinar", como por exemplo a SIC, o Expresso, a Rádio Renascença, etc. Uma hecatombe!

Fundações no plural

O Presidente do Conselho Consultivo das Fundações veio defender que só devem existir dois tipos de fundações, públicas e privadas.
Todavia, tal como sucede em relação a outras entidades, há dois critérios a ter em conta na tipologia das fundações: (i) o critério da natureza da entidade instituidora, pública ou privada (no caso das fundações de instituição mista, público-privada, deve contar a entidade dominante) e, (ii) no caso das fundações de titularidade pública, o critério do regime jurídico aplicável, de direito público ou de direito privado. Ora, a infeliz lei-quadro das fundações de 2012, que assenta nessa dupla distinção, decidiu extinguir as fundações públicas de direito privado (com exceção das universidades-fundação), submetendo as existentes ao regime de direito público!
Não existe nenhuma razão para afastar as fundações públicas de direito privado, pelo contrário, tanto mais que as fundações de direito público não passam de uma modalidade de institutos públicos. Se há empresas e associações públicas de direito privado, porque é que não há-de haver fundações públicas de direito privado, aproveitando a flexibilidade de gestão inerente?

domingo, 30 de outubro de 2016

Tiro pela culatra

1. Não participei na discussão sobre as remunerações dos novos gestores da CGD, porque a considerei um tanto ociosa e, em geral, assaz demagógica.
Se o Estado quer ter bancos públicos, que têm de participar num mercado concorrencial, tem de aceitar que também há um mercado de gestores, em que o Estado só pode participar se cumprir as respetivas regras, incluindo quanto às remunerações.
Ora, o limite constante do estatuto legal dos gestores públicos - o vencimento do Primeiro-Ministro - não permite ao Estado entrar nesse mercado.

2. Diferente é o caso da obrigação de declaração pública de património, de rendimentos e de interesses, que hoje se aplica a todos os gestores públicos, e que poderia continuar a ser legalmente exigida (ou contratualmente imposta) aos gestores da CGD.
Importa, no entanto, salientar, que tal obrigação não decorre da Constituição, nem direta nem indiretamente. Aliás, a Constituição só se refere às obrigações e incompatibilidades especiais dos titulares de "cargos políticos", em cuja categoria não se integram os gestores de empresas públicas (que devem primar pela neutralidade e isenção política).
Mal ou bem, o Governo decidiu retirar inteiramente os gestores da CGD do âmbito do estatuto legal especifico dos gestores públicos -, o que parece implicar a revogação de todas obrigações legais ligadas a esse estatuto, incluindo a referida acima, sob pena de incongruência legislativa. As eventuais dúvidas sobre este ponto só podem ser superadas pelo Tribunal Constitucional.
Seja como for,  não creio que essa eventual isenção seja inconstitucional por violação do princípio da igualdade, por causa de um alegado privilégio ilegítimo dos gestores da Caixa. Na verdade, o princípio da igualdade só pode comparar situações iguais, o que não é o caso, visto que, ao contrário de outras empresas públicas, a CGD participa num mercado tão concorrencial quanto regulado (pelo BdP) quanto à idoneidade e conflito de interesses dos gestores bancários.

3. Pode a AR vir a alterar esta situação por via legislativa, repondo explicitamente essa obrigação para os gestores da CGD?
Sem dúvida que sim, mas em princípio essa alteração só poderá valer para o futuro, não podendo alterar as situações profissionais criadas, tituladas por um contrato em vigor, sob pena de violação unilateral flagrante (aqui, sim!) da proteção das situações jurídicas contratualmente estabelecidas, dando à parte lesada o direito de resolver o contrato e pedir a competente indemnização do Estado. Além disso, há o princípio constitucional de que a criação (ou o restabelecimento) de obrigações públicas, como seria o caso, não pode ter efeitos retroativos para os particulares.
Nestes termos, e independentemente do juízo político de todo o processo, cabe perguntar se há alguma razão para a precipitação da aprovação da lei - que muito provavelmente seria vetada pelo Presidente da República, se dotada de eficácia retroativa -, para além do risco de reativar uma crise de dimensões imprevisíveis da CGD. Para os defensores da natureza pública da Caixa, a iniciativa legislativa que patrocinam pode ser um terrível tiro pela culatra...

Adenda
Porque é que os partidos que contestam a retirada dos gestores da Caixa do estatuto do gestor público não chamaram a apreciação parlamentar, para efeito de revogação ou de alteração, o respetivo diploma governamental - o Decreto-Lei nº 39/2016, de 28 de julho - logo na retoma dos trabalhos parlamentares em 15 de setembro, tendo mesmo deixado passar o prazo de o fazer?

Adenda 2
Perguntam-me se a não aplicação retroativa vale também para a questão das remunerações. A resposta é sim, por maioria de razão. Mesmo os contratos públicos, que admitem a sua modificação unilateral pelo Estado, impõem a "manutenção do equilíbrio contratual".

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Nos 40 anos da Constituição


Amanhã e sexta-feira, vou estar aqui, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no colóquio dedicado aos 40 anos da CRP.

UE e Afeganistão: "joint way forward" para o descrédito

"A política externa da UE está a gangrenar, de acordo de readmissão em acordo.

Fazer depender a ajuda ao desenvolvimento do número de repatriações aceites pelo país é obsceno.

É a própria Comissão que classifica a situação no Afeganistão como estando a piorar, em documentos que se recusa a comentar. 

Como pode o Afeganistão, com mais de um milhão de pessoas deslocadas internamente e milhões de refugiados na vizinhança, receber estas pessoas supostamente não elegíveis para asilo na Europa? O círculo vicioso não quebrará: os retornados à força só se não puderem, ficarão no Afeganistão. Pois, se fogem para salvar as próprias vidas? 

Alimentamos o negócio dos traficantes, ameaçamos a nossa própria segurança e descredibilizamos totalmente a Europa: como se pode sequer pensar em usar fundos de ajuda ao desenvolvimento para construir um terminal no aeroporto de Kabul especialmente para “lidar com os retornados?"

(Minha intervenção em plenário do PE, hoje, sobre o recente acordo UE-Afeganistão, dito de "joint way forward"...)

UE pode e deve fazer mais por Mosul


"Há um ano visitei os valentes Peshmerga na linha da frente junto a Mosul e percebi bem como libertar esta cidade é decisivo para arrasar o Daesh globalmente.

Mas é imperativo que as forças libertadoras respeitem o Direito Internacional, durante e após as operações militares, e abram corredores humanitários sob monitorização internacional.

Os governos da União Europeia têm o dever de apoiar mais e mais eficazmente as autoridades do Iraque, e do Governo Regional Curdo, concertando-se entre si na ajuda humanitária e também na militar, incluindo no apoio à reconstrução e protecção de áreas libertadas e das minorias, na dissuasão das ambições territoriais da Turquia, na promoção do diálogo shiita-sunita essencial para a reconciliação e governação democrática. Além de tudo fazer para que os crimes de guerra e contra a humanidades cometidos pelo Daesh e outras forças sejam referidos ao Tribunal Penal Internacional, numa estratégia de combate global à violência extremista e terrorista e seus mandantes e financiadores."


(Minha intervenção sobre a operação de libertação de Mosul/ Norte do Iraque, em debate plenário no PE, esta tarde)

Mais Europa desnaturada: crianças refugiadas desaparecidas

"Relatos ouvidos em Lesbos, Atenas, Idomeni, Roma, Calais, Malmö e outros locais de chegada de refugiados e migrantes, são desoladores, revoltantes, incómodos. Principalmente quando vêm de crianças, a quem falta tudo, incluindo acesso ao ensino, aconselhamento legal especializado, apoio psicológico, tantas vezes pais e familiares. Com os riscos que “gerações perdidas” representam, quer para os países de origem, quer para a Europa.

Há ainda os mais vulneráveis entre os vulneráveis. Crianças desacompanhadas, portadoras de deficiência, de minorias. E tantas, milhares delas, dadas como desaparecidas pela Europol.

Em Malmö, polícias disseram-nos que se uma criança sueca desaparecesse, revolviam o país à procura dela e dos responsáveis pelo desaparecimento; mas se fosse migrante ou refugiada, não havia meios suficientes...

 E governos europeus têm o desplante de invocar razões de segurança quando entregam, assim, crianças a predadores de todo o tipo, associados às redes de traficantes e criminalidade organizada conexa, que deixam impunes e cujo negócio, de facto, alimentam!

Comecemos por algum lado contra esta Europa desnaturada e desumanizada. Senhor Comissário, olhemos ao menos pelas crianças!"


(Minha intervenção em debate no plenário do PE sobre a protecção de crianças refugiados e migrantes)

Conselho Europeu: a Europa desnaturada

"Como se explica que o Conselho Europeu reúna sobre a crise migratória e produza conclusões que não incluam uma única referência a refugiados, asilo, direitos fundamentais, vias legais e seguras para não continuar a entregar a gestão da crise aos traficantes?

Que Europa desnaturada é esta, obcecada pela protecção de fronteiras, que vê gente a pedir protecção como ameaça, que mede o sucesso político em função do número de retornos forçados e defende o ilegal e imoral pacto UE-Turquia; que enaltece como parceiros regimes repressiva como o etíope, de cuja opressão e miséria fogem refugiados e migrantes; 

Alturas houve em que critiquei o Conselho por inacção. Mas hoje estou verdadeiramente assustada: esta via anti-europeia, por Brastislava, da Fortaleza Europa, é um ataque directo à nossa segurança, actual e de gerações a vir.

Urge, de facto, a Europa da Defesa, mas iluminada por estratégia política centrada nos valores e objectivos da UE. Que tem faltado até para fazer ver à Rússia que a continuada agressão à Ucrânia e os bombardeamentos impiedosos em Alepo não ficarão impunes."


(Minha intervenção em debate no plenário do PE sobre as conclusões do Conselho Europeu de 20/21 Outubro)

IRC com matéria colectável mínima e harmonizada

"Felicito-o, Comissário Moscovici, por esta proposta que o Senhor diz ser diferente e melhor mas ressuscita uma de 2011, sobre determinação de Matéria Colectável Comum Consolidada do Imposto sobre Sociedades na UE - então enterrada pelo Reino Unido e Irlanda.

Como os escândalos Luxleaks, Panama Papers e outros demonstram, a transferência de lucros das multinacionais para jurisdições onde praticamente não pagam impostos priva Estados-Membros de importantes receitas fiscais. Como o meu, Portugal, com grandes empresas a deslocalizar "holdings" para Holanda, Luxemburgo e outros paraísos fiscais para evitar pagar impostos.

Uma pseudo "soberania fiscal"  no mercado interno da livre circulação tem agravado a  divergência económica na Zona Euro e tornado insuportável a injustiça fiscal e social.

Os Estados Membros não podem mais bloquear um acordo nesta matéria, que deve incluir o C de Consolidação e a determinação de uma taxa mínima aplicável em toda a UE.

O Parlamento está consigo, Comissário! Adiante!"


(Minha intervenção em debate plenário no PE, ontem, sobre impostos sobre sociedades)

 

terça-feira, 25 de outubro de 2016

União da Segurança?

"Este primeiro 'Relatório Mensal sobre o Progresso no sentido de uma União da Segurança Real e Efetiva' pode ser uma boa iniciativa, para darmos respostas eficazes ao imperativo da segurança dos nossos cidadãos - que não pode ser alcançado sem cooperação europeia.

Nesse sentido, estamos a negociar a Diretiva de Combate ao Terrorismo, para harmonizar respostas das leis penais dos nossos Estados-Membros; a quarta revisão da Diretiva sobre Branqueamento de Capitais, para atacar velhas e novas formas de financiamento ao terrorismo. Reforçamos agências como a Europol e a Guarda Costeira e de Fronteiras. Criamos o Centro RAN (Rede de Sensibilização para a Radicalização), o Internet Forum da EU. 

Mas nada disso substitui o investimento que Comissão e Estados Membros, estrangulados por auto-infligidas politicas austeritárias, NÃO têm feito em programas inteligentes e de proximidade para prevenção da radicalização. 

Eu também já visitei Mechelen, Comissário King, e vi o que os Estados Membros podiam fazer e NÃo fazem. De facto, quanto mais destroiem emprego jovem e políticas sociais inclusivas, mais recrutas estão os Estados Membros da UE a oferecer a grupos extremistas violentos.  Bem pode o Conselho preocupar-se com o retorno de "foreign fighters" ou com a sua infiltração entre migrantes: os terroristas que nos golpearam em Paris e Bruxelas eram de fabrico europeu.

Acresce que alimentar o negócio das redes de traficantes e de criminalidade organizada associada, pela falta de abertura de vias legais e seguras de acesso para refugiados e migrantes, a que se juntam graves violações de direitos humanos que deixamos que experimentem em solo europeu, incluindo milhares de menores não acompanhados desaparecidos - só demonstram a incoerência e inépcia das políticas ditas anti-terroristas dos Estados Membros.

Outros problemas fundamentais persistem:

Os Estados-Membros continuam a resistir a partilhar informação e inteligência e a interoperacionalizar serviços. A Diretiva PNR (relativa ao Registo de Identificação de Passageiros, tantas vezes apresentada como sucesso, é, na realidade, um exemplo de falta de cooperação sistemática, e não apenas por demora de aplicação pelos Estados Membros,  como assinalou o Comissário King:  a partilha dos dados recolhidos nem sequer é obrigatória e o controlo de voos privados não é também mandatório.

E depois há toda a dimensão da política externa, já notada por outros colegas. (A Comissão bem diz, no Relatório que nos apresentou, que “a segurança interna de um Estado-Membro é a segurança de todos”. Mas por aí se fica. Ora, não há estratégia efetiva sobre União da Segurança sem integrar coerentemente uma fortíssima  dimensão de acção  externa - da política de ajuda ao desenvolvimento, à segurança energética e à ciber-segurança. A segurança dos nossos vizinhos, a resolução dos conflitos às nossas portas – é aí  também que começa o combate pela nossa própria segurança)."


Minha intervenção em debate plenário do PE sobre "Uma União de Segurança Real e Efectiva". A parte final, entre parêntesis, teve de ficar por dizer, por exceder o tempo. Mas aqui fica registada.

Concurso de demagogia

Segundo o Jornal de Negócios de hoje, o corte nos vencimentos dos políticos, que foi a primeira "medida de austeridade" antes da dita (estabelecida em 2010), não vai ser reposto, porque nem o Governo o propôs no orçamento (provavelmente para não irritar os parceiros da maioria parlamentar...) nem ninguém parece disponível para o fazer.
Pelos vistos, a recuperação de rendimentos, que é a bandeira da atual coligação de Governo - e que vai beneficiar inclusive as chamadas "pensões milionárias" (via eliminação da CES) e os mais altos rendimentos privados (via eliminação da sobretaxa de IRS) -, não contempla todos os rendimentos que foram vitimas da austeridade. Recorde-se que o corte do pessoal dos gabinetes ministeriais, que tinha acompanhado o dos membros do Governo, já foi reposto em 2014.
É evidente que ninguém tem a coragem de arcar com a gritaria demagógica que provavelmente receberia um tal "aumento dos políticos", apesar da modéstia relativa de tais remunerações e da incoerência da exclusão. Mas é evidente que a discriminação é injustificável e que a cedência à demagogia também é uma forma de demagogia política...

"Bullying" Portugal e "blind eye" s/ Hungria e Polónia...

"A Europa que faz "bullying" a Portugal, Grécia ou Espanha por décimas orçamentais e fecha os olhos diante da ofensiva contra direitos fundamentais de cidadãos e migrantes na Hungria ou na Polónia, falha clamorosamente.

Um Pacto Interinstitucional para a Democracia, Estado de Direito e os Direitos Fundamentais, como proposto pela relatora Sophie Int'Veld, é necessário.

O Estado de Direito, pedra-base da legitimidade do projeto europeu, precisa de ser defendido com mecanismos robustos de supervisão e controlo para intervir e sancionar governos violadores. 

Só assim conseguiremos reconquistar a confiança dos cidadãos na Europa.

Espero que Comissão e Conselho não bloqueiem esta proposta do Parlamento."


(Minha intervenção hoje, em debate no plenário do PE, sobre o tema "Mecanismo da UE sobre democracia, Estado de direito e direitos fundamentais")

Nonsense

Depois de no ano passado ter decidido subsidiar as empresas (com descontos na TSU) para poderem pagar a subida excessiva do salário mínimo (em vez de subsidiar os próprios trabalhadores),  o PS vai agora propor subsidiar os senhorios que fiquem em situação de pobreza por efeito do adiamento da atualização de rendas de certas categorias de inquilinos, em vez de subsidiar estes para poderem pagar as rendas atualizadas.
Ora, se o direito à habitação constitucionalmente garantido pode exigir a subsidiação pública dos inquilinos pobres, já não faz sentido manter as rendas abaixo do preço do mercado, obrigando os proprietários a financiar o direito à habitação dos seus inquilinos (que só pode ser tarefa do Estado) e depois sujeitar os senhorios prejudicados ao ónus indevido de solicitarem um subsídio de pobreza, a qual só existe porque o Estado os impede de perceber o valor das rendas que lhes seriam devidas e prefere não subsidiar os próprios inquilinos para pagarem essas rendas.
Mesmo que forçar senhorios à pobreza para aliviar a pobreza dos seus inquilinos não fosse incompatível com a Constituição (ponto que aqui se deixa em aberto), não deixa de ser uma bizarra opção política. Ínvios caminhos pode percorrer a justiça social!

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

UE: combate à criminalidade organizada e à corrupção

"Agradeço à relatora Laura Ferrara este seguimento da Resolução CRIM de 2013, reiterando o apelo urgente à adoção de um plano de ação europeu de combate à criminalidade organizada, corrupção e branqueamento de capitais. 
Não basta adotar legislação e ratificar tratados. Precisamos de um plano concertado entre Comissão e Estados Membros, de caráter multidisplinar e holístico, que envolva as várias agências de combate ao crime, mas também as administrações dos Estados membros, Parlamentos e sociedade civil. É preciso fomentar confiança mútua e agilizar procedimentos de cooperação transfronteiriça.
Exigimos a publicação do segundo relatório UE Anti-Corrupção, ainda sem data prevista. O acompanhamento das recomendações do relatório deve ser integrado nas recomendações do Semestre Europeu. Por outro lado, as próprias instituições da UE devem submeter-se à avaliação de integridade, pelo que a adesão da UE ao Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO) deve avançar quanto antes".

(MInha intervenção esta noite em debate plenário do PE)

Relações UE-Irão

"O acordo nuclear com o Irão é decisivo, todos o esperamos,  para a segurança e não proliferação a nível regional e global, resultado de negociações históricas em que as diplomacias europeia e americana se empenharam. 
Abriu-se assim uma nova página nas relações UE-Irão. Que não pode secundarizar a necessidade de diálogo numa área em que europeus e autoridades iranianas mantêm substanciais divergências: quanto ao respeito pelos direitos humanos, incluindo os direitos das mulheres o uso e abuso da pena de morte e de outros tratamentos degradantes. Esse diálogo não é inútil, tem de ser franco,vigoroso, criativo: não cai em saco roto junto de um governo que está pressionado internamente por uma sociedade jovem, educada e desejosa de reintegração na comunidade internacional.
 Oportunidades económicas e de comércio são potenciadoras também de maior intercâmbio entre os povos europeus e o iraniano. O levantamento das sanções  abre o mercado iraniano às empresas e investimentos europeus. Mas é ainda preciso que o Irão se comprometa e invista em cumprir as recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional para criar um ambiente económico transparente e responsável.
Sejamos claros - restringir o relacionamento a objetivos económicos e comerciais, é falhar estrategicamente. O Irão é potência regional que deve ser encorajada a desempenhar um papel na resolução de conflitos e não a agravá-los. O Irão pode ajudar a por fim à guerra na vizinha Síria, mas hoje combate ao lado da Rússia para preservar o tirano Assad, à custa do massacrado povo sírio. A União Europeia devia utilizar o relacionamento com o Irão e com outros actores regionais no sentido de dissuadir o confronto sectário sunita-shiita, sobretudo alimentado pela  Arábia Saudita, Qatar e a Turquia de Erdogan. Uma solução que dê paz e futuro aos sírios e a todos os povos da região é a única forma de a Europa e o Irão protegerem a sua própria segurança".

(Intervenção que fiz hoje no plenário do PE em debate sobre as relações UE-Irão)

Intrigante

A consistente descida do desemprego oficial, aliás acompanhada de uma subida do emprego, é tão bem-vinda quanto intrigante, tendo em conta o baixo crescimento económico corrente (entre 1% e 1,2%, conforme as estimativas). A descida contínua do desemprego costuma exigir maior crescimento do que o atual.
É certo que depois de uma crise económica prolongada (2011-2014), em que as empresas tiveram de reduzir os custos e o pessoal ao mínimo, qualquer aumento da atividade económica tende a gerar emprego. Mas duvido que esse argumento explique inteiramente a evolução em curso.
Então, de duas, uma: ou os valores conhecidos do crescimento e/ou do desemprego estão subavaliados, ou a verificação de uma significativa redução do desemprego numa situação de baixo crescimento da atividade económica contraria o "conventional wisdom" sobre o assunto.

Ai a dívida!

1. Ainda não esmorecera o justo contentamento pela decisão da DBRS, aliás esperada, de manter sem alteração a notação e a perspetiva da dívida portuguesa, e já o PCP vinha propor uma "moratória" sobre o serviço da dívida, ou seja, uma suspensão do pagamento de juros.
Sabendo-se que propostas destas - mesmo se destinadas apenas à "plateia" partidária - não podem deixar de causar algum alarme nos mercados, dado serem oriundas de um dos partidos da maioria parlamentar de apoio ao Governo, é caso para perguntar se se trata de inadvertido "tiro no pé" ou de deliberado "fogo amigo".
Venha o diabo e escolha, mas aliados destes podem causar mais estragos do que os adversários.

2. O caminho só pode ser outro, porém.
Quando se verifica que, passados dois anos sobre a saída do programa de assistência externa e o regresso ao mercados financeiros, continuamos sem nenhuma melhoria na classificação do risco da divida externa, sendo a referida agência de rating canadiana a única a conferir-nos a nota mínima acima de "lixo", cumpre sair definitivamente da zona de risco - em que a dívida continua próxima dos 130% do PIB e os juros dos títulos a 10 anos teimam em manter-se acima dos 3%, muito mais do que outros países - e dar prioridade à redução relativa do endividamento, tendo em vista uma subida consistente do rating externo, sem a qual não haverá redução sustentada dos encargos da dívida.

Adenda
Em vez de diminuir, como prometido, o rácio da dívida pública continuou a aumentar no corrente ano, sendo o terceiro mais elevado na zona euro, quarenta pontos percentuais acima da média destes (91% contra 130%)! Sem correção desta trajetória, que só a consolidação orçamental e o crescimento económico podem assegurar, nem o rating da DBRS nos salva do pagamento de juros bem mais elevados do que os outros países.

domingo, 23 de outubro de 2016

Corbyn em Lisboa?

1. Não compartilho desta tese de que o PS está "mais próximo" da visão de sociedade do BE e do PCP do que da do PSD e do CDS.
Para além de ser pouco consentânea com a história e a prática política do PS desde 1974, marcadas por um afastamento de princípio em relação à extrema-esquerda, não vejo como é que essa tese resiste a uma análise comparada das principais diferenças.
Não se podem desvalorizar evidentemente as profundas diferenças entre o PS e os partidos à sua direita, nem no terreno estritamente político (nomeadamente nas políticas social e fiscal, de educação e de saúde) nem na visão de sociedade propriamente dita (defesa dos direitos laborais e sociais e da igualdade de oportunidades, contra a tendencial visão da direita de uma "sociedade de mercado", em que cada um trata de si mesmo, temperada por políticas assistencialistas para os mais vulneráveis).
Mas também não se podem ignorar as enormes diferenças sistémicas do PS em relação à extrema-esquerda, tanto no plano político (democracia liberal, economia de mercado, integração europeia, responsabilidade orçamental, política de defesa e relações internacionais) como quanto à visão de sociedade (liberdade e responsabilidade individual, autonomia da sociedade civil face ao Estado, prémio ao mérito e à responsabilidade social, cosmopolitismo e abertura ao exterior, contra a visão estatista e protecionista das esquerdas radicais).
Francamente, é patente que a visão de sociedade do PS não está mais distante das sociedades caraterizadas pela economia social de mercado e pela democracia liberal do que de modelos coletivistas ou populistas como os de Cuba ou da Bolívia.

2. A história da social-democracia, desde as suas origens anticapitalistas no século XIX, é a história da progressiva coabitação pacifica com a democracia liberal e com a economia de mercado, sem prejuízo da luta pela reforma e pela "domesticação" do capitalismo através dos direitos sociais e da regulação do mercado, num processo que os críticos de esquerda sempre foram denunciando como "revisionismo de direita".
O Congresso de Bad-Godesberg do SPD alemão de 1959 selou essa transição político-ideológica da social-democracia europeia, mais tarde seguida pelos demais partidos da mesma tradição. Todavia, a ter em conta a recente evolução do Labour britânico sob a liderança de Corbyn, essa herança parece estar em vias de ser revertida, recolocando na agenda a identidade política dos partidos social-democratas. Pelos vistos, o novo "revisionismo de esquerda" tem ecos em Lisboa e até pode ter condições propícias para prosperar na atual situação política.
É óbvio que o PS pode revisitar a todo o tempo o seu posicionamento político-ideológico e ensaiar agora uma "viragem à esquerda", como alguns pretendem. Mas é de duvidar que o eleitorado de centro-esquerda e de centro que costuma alimentar as vitórias eleitorais do PS e lhe permite governar e pôr em execução as suas políticas reformistas moderadas sufrague tranquilamente uma inopinada aproximação à extrema-esquerda...

sábado, 22 de outubro de 2016

Filhos e enteados

1. Desde há muitos anos que defendo (por exemplo, aqui e aqui) que a responsabilidade dos transportes urbanos, incluindo o metro, deve pertencer aos municípios ou às áreas metropolitanas interessadas e não ao Estado, tanto por uma questão de respeito pelos princípios constitucionais da descentralização territorial e da subsidiaridade do Estado como porque entendo que não existe nenhuma razão para serem os contribuintes de todo o País a pagar os serviços públicos locais de Lisboa e do Porto.
É positivo investir em voluntariosos programas de coesão territorial e de apoio ao interior; mas seria melhor e mais congruente começar por libertar o resto do país do pesado encargo de participar no financiamento dos transportes locais de Lisboa e do Porto. É o contrário da "discriminação territorial positiva" que se impõe.

2. Claramente que não é essa a decisão governamental sobre os transportes urbanos das duas principais cidades, tendo havido somente a entrega da gestão dos transportes em autocarro aos respetivos municipais, mantendo-os, porém, sob a responsabilidade do Estado, com os inerentes encargos financeiros. Nesse contexto, o Governo tem programado um investimento de 400 milhões para a ampliação das redes de metro de Lisboa e do Porto, para além dos encargos com a exploração e custos das respetivas dívidas, como, por exemplo, vinte milhões para obras de qualificação do metro de Lisboa.
Mas se os sistemas de metro urbano constituem uma responsabilidade do Estado, o Governo devia ser congruente com essa opção em todo o País. Ora, não pode deixar de se considerar-se escandaloso que no caso do metro de Coimbra, que continua adiado há mais de vinte anos, o Governo tenha agora anunciado uma verba minúscula de dois milhões para... estudos. É simplesmente humilhante.
Decididamente, nesta matéria (como muitas outras, infelizmente), quando se trata de equidade territorial, há filhos diletos e enteados tolerados do Governo da República. Depende da influência e do número de votos...

Constitucionalite vulgar

Não tem nenhum fundamento a ideia de que pode ser inconstitucional o adiamento da extinção da sobretaxa do IRS ao longo do próximo ano, por contrariar uma decisão legislativa tomada no ano passado que mandava extingui-la logo no início do ano. Manifestamente, a tentação da "constitucionalite vulgar" continua bem viva entre nós.
Com efeito, mesmo quando legalmente fundada, a expetativa de redução de impostos não goza de proteção constitucional, pelo menos antes de aquela se concretizar. Não pode ser invocada a este respeito a decisão do Tribunal Constitucional sobre o corte das pensões durante o período de assistência financeira externa (com a qual, aliás, não concordei), por nessa altura estarem em causa as pensões já atribuídas e em pagamento (e portanto já entradas na titularidade individual de cada pensionista), o que é o caso agora.
De resto, não pode haver nenhuma expetativa constitucionalmente protegida sobre impostos, pois o Estado pode sempre aumentá-los, desde que sem efeitos retroativos. Por definição, as promessas e compromissos sobre redução de impostos nunca devem ter-se por seguros nem definitivos antes de postos em prática. Nem sequer como irreversíveis depois de efetivados...

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Um pouco mais de rigor, sff

Esta notícia de que «Receitas aumentaram em três autoestradas após descontos nas portagens» é grosseiramente enganadora, na medida em que dá a entender que foi a redução das portagens que produziu o aumento de receita, pela atração de mais utentes.
Ora, esse argumento só faria sentido se os resultados tivessem sido menos favoráveis nas autoestradas que não tiveram redução. Mas não foi isso que se verificou, pelo contrário. A cobrança de portagens em todas as autoestradas teve um aumento médio de 9% - em consequência de um acréscimo generalizado de utentes -, enquanto nas que tiveram redução de portagens cresceu somente 2,2% em média (tendo mesmo havido quebra de receita numa delas). Portanto, a tal redução das portagens resultou numa perda de receita, o que aliás era fácil de antecipar.
Parece que os antigos defensores das SCUTs - a maior leviandade financeira cometida nos últimos 20 anos - ainda não desistiram de voltar a pôr a cargo dos contribuintes (mesmo os que não têm automóvel) o pagamento das autoestradas, em substituição da regra utente-pagador.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Declaração de guerra

Nos últimos dias, o Governo deu mostras de recuperar duas das propostas eleitorais do PS que não foram acolhidas no acordo de governo com o BE e o PCP, nomeadamente a "condição de recursos" nas prestações sociais não contributivas e o suplemento de rendimento para os trabalhadores com salários mais baixos, dando a entender que as não considera definitivamente perdidas.
Mas logo da banda do BE Francisco Louçã veio ripostar que a recuperação dessas propostas põe em causa o acordo e equivale a abrir uma "guerra política na maioria parlamentar".
Não podia ser mais clara a declaração bélica. Vai o PS insistir nessas propostas, enfrentando o ultimato aliado, ou vai "meter a viola no saco", assim tonando evidente o preço político da "geringonça"?

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Oportunismo político no seu melhor

Só para tentar embaraçar a extrema-esquerda na votação do orçamento, o CDS decidiu retomar a proposta do PCP (que o PS só aceitou parcialmente) de subir todas as pensões em 10 euros, sabendo que não existe nenhuma margem orçamental para financiar essa proposta e sendo óbvio que, se estivesse no Governo, o CDS nunca apoiaria tal solução.
Quando o oportunismo político atinge este nível, não temos argumentos para contrariar o alheamento dos cidadãos em relação à política e aos partidos...

Bandeira da esquerda

«Porque tem de ser bandeira da esquerda não apenas assegurar reformas e prestações sociais no ano que vem, mas reformas e prestações sociais daqui a dez, 20 e 30 anos. E isso só se faz com finanças públicas sustentáveis. Portanto, a necessidade de consolidação orçamental não é uma bandeira da direita. Tem de ser uma bandeira da esquerda.»
(Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, hoje no Diário de Notícias)
Nem mais! Não tenho dito outra coisa desde há muitos anos. Tenho repetido vezes sem conta que a disciplina orçamental não é uma bandeira da direita mais sim uma questão de boa gestão financeira e de sustentabilidade das contas públicas, que é crucial para sustentabilidade do Estado social, e que por isso tem de ser assegurada pela esquerda.
Infelizmente, para outras esquerdas, falar em "consolidação orçamental" e "sustentabilidade financeira do Estado social" é "paleio neoliberal" ou prelúdio de "políticas austeritárias".

De vez em quando a direita tem boas ideias...


Conheço boa parte dela e concordo! O país turístico não é somente Lisboa e o Algarve.

Amanhã vou estar aqui


terça-feira, 18 de outubro de 2016

"Orçamento de esquerda"

A líder do BE diz que este "não é um orçamento de esquerda".
Felizmente, não é o orçamento do BE. Apesar das concessões feitas, o PS não ensandeceu politicamente nem se enamorou das sereias da irresponsabilidade orçamental.
Um orçamento de um Governo BE aumentaria o rendimento de toda a gente, salvo dos "grandes capitalistas", que seriam objeto de tributação expropriatória. Apesar desse aumento de impostos, o défice duplicaria, à conta de um ainda maior aumento da despesa. A denúncia do Tratado Orçamental e o anúncio de uma reestruturação unilateral da dívida - os dois grandes objetivos políticos do BE - fariam disparar os juros desta. O País começaria a ter rapidamente dificuldade em financiar os gastos públicos. O investimento estrangeiro fugiria, os capitais emigrariam, a economia entraria em recessão, o desemprego aumentaria.
Colocado perante a iminência do colapso orçamental, o Governo BE ver-se-ia forçado a pedir assistência externa, mas, ao contrário de Tsipras na Grécia - que o BE considera ter traído a esquerda -, recusaria as duras condições de austeridade orçamental postas pela União e pelo FMI para um novo resgate e convocaria Varoufakis para preparar num fim de semana a saída do Euro e o regresso do escudo. Cortado o acesso aos fundos europeus (por violação das regras orçamentais) e aos empréstimos externos (por incumprimento de pagamentos), Portugal entraria em autarcia financeira. Seguir-se-ia a desvalorização maciça da nova moeda e a subsequente inflação de dois dígitos, que reduziria rapidamente o rendimento de toda a gente. Em poucos meses o país seria uma Venezuela sem petróleo, no meio do empobrecimento generalizado e na iminência do caos social e político...
É este o cenário idílico do tal "orçamento de esquerda" à moda do BE. Nem toda a ficção é irreal...

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Preocupante


De acordo com estes dados da OCDE, Portugal encima a lista dos países com mais elevada proporção de pessoas que declaram não ter "nenhum interesse na política", com 40%, o dobro da média dos países da organização (coluna a vermelho) e a léguas de países como a Dinamarca ou a Alemanha. Os dados comparativos são menos maus quanto à juventude, com alguns países ainda pior do que Portugal.
Sem verdadeira educação cívica nas escolas, com partidos em geral desacreditados, com um debate público pobre e confrontacional, com um sistema eleitoral que não atrai o envolvimento dos cidadãos, com desempenhos governativos em geral bem distantes dos compromissos eleitorais, a alienação política das pessoas entre nós é menos difícil de compreender.

O diabo está nos pormenores

O Governo diz que que no orçamento para 2017 a despesa pública calculada em percentagem do PIB diminui, embora marginalmente, o que depende naturalmente de a despesa respeitar o limite orçamental e de o crescimento da economia atingir os 1,5% previstos.
Num pais em processo de consolidação orçamental, a redução do peso da despesa pública é de saudar. Todavia, se isso é sobretudo devido a corte no investimento público, enquanto aumenta a despesa com pessoal e com pensões, então o alívio do peso orçamental da despesa pública é bem menos virtuoso...

Mesmo assim

O PS resistiu em parte à proposta da extrema-esquerda parlamentar de aumento extraordinário das pensões no próximo ano, aqui criticado. Restringiu o universo de beneficiários às pensões abaixo de 628 euros e adiou esse aumento extra para agosto do ano que vem, assim reduzindo o custo orçamental em 2017 para menos de metade (menos de 200 milhões de euros em vez de cerca de 500 milhões de euros).
Todavia, mesmo assim, o PS derrogou, sem justificação bastante, o prudente modelo de atualização automática das pensões em vigor, que o próprio Governo PS tinha aprovado em 2007 (tendo em conta o crescimento económico e a taxa de inflação), e faz pesar sobre os orçamentos dos anos futuros mais uma substancial despesa permanente e irreversível, antes de estar concluído o processo de consolidação orçamental em curso.

domingo, 16 de outubro de 2016

Onde quem governa ganha

1. Como se esperava, o PS ganhou as eleições regionais de hoje nos Açores, repetindo a maioria absoluta que já tinha no parlamento regional cessante (embora menos folgada agora do que antes).
Com este novo mandato, prolonga-se por mais quatro anos a hegemonia política socialista, que já vem desde 1996, mesmo assim aquém do contínuo predomínio político do PSD na Madeira, desde 1976.

2. É relativamente fácil explicar a continuidade política nas regiões autónomas - só interrompida nos Açores há vinte anos, com a saída de Mota Amaral - e que tem a ver sobretudo com o generoso regime financeiro das regiões, que ficam com todas as receitas fiscais aí geradas, sem terem de contribuir para as despesas gerais da República (que ficam a cargo dos contribuintes do Continente) e que ainda gozam de avultadas transferências do orçamento do Estado. Em igualdade de circunstâncias, os açorianos têm mais rendimento do que no Continente: salário mínimo mais elevado, pensões mais altas, impostos menos elevados.
Nestas circunstâncias, seria preciso governar muito mal para perder eleições, o que não tem sido o caso nos últimos vinte anos, para bem dos açorianos.

Impostos virtuosos

1. Há muitos comentadores de direita a condenar, em nome da liberdade individual e contra um alegado "paternalismo de Estado", o novo imposto sobre os produtos com excesso de açúcar, bem como o aumento dos impostos sobre bebidas alcoólicas e sobre o tabaco.
Não têm razão, porém. Esses impostos não visam diretamente defender as pessoas dos "vícios", mas sim contribuir para poupar ao SNS aos custos adicionais provocados pelas doenças resultantes do consumo daqueles produtos. Trata-se, portanto, de defender um relevante interesse público e não propriamente de forçar as pessoas a adotar hábitos virtuosos.

2. Para além do incentivo ao contrabando que constituem, a única objeção séria destes impostos - que é comum a todos os impostos indiretos - está no facto de eles serem socialmente discriminatórios, por serem "cegos ao rendimento", afetando sobretudo quem menos rendimento tem. Decididamente, os pobres não podem ter vícios, se não à custa de outros consumos essenciais, enquanto os ricos podem pagá-los. Mas a verdade é que não incumbe ao Estado assegurar a igualdade no acesso a produtos nocivos à saúde. Eis uma reivindicação de que nem o Bloco de Esquerda ainda se lembrou...
Dito isto, só é de lamentar a limitada incidência do imposto sobre produtos com excesso de açúcar (que só abrange as bebidas, e nem todas) e as exceções do imposto sobre as bebidas alcoólicas (que deixam de fora o vinho, cujo teor alcoólico, aliás, não cessa de aumentar).

sábado, 15 de outubro de 2016

Quando (quase) tudo corre bem

1. Os "idos de outubro" estão a revelar-se bem-sucedidos para o Governo na frente orçamental.
O défice de 2,4%  previsto para o corrente ano vai ficar abaixo do máximo permitido pela UE (embora acima do que estava no orçamento, que era 2,2%), ainda que à custa de um corte drástico no investimento público e da entrada adicional de receita fiscal proporcionada pelo "perdão fiscal" recentemente anunciado. E o orçamento para 2017 está praticamente aprovado, com metas consistentes com os compromissos da UE, ainda que inteiramente à custa de novas receitas fiscais e dos efeitos orçamentais esperados do crescimento económico antecipado.
Só falta a Comissão Europeia validar os pressupostos e as previsões orçamentais, nomeadamente a relativa ao crescimento económico, cuja previsão governamental fica acima da indicada por algumas agências internacionais, e as relativas ao investimento e às exportações.

2. O primeiro "ano fiscal" do Governo fica, porém, negativamente marcado no campo económico pela queda do investimento, a quebra da retoma económica e a baixa das exportações. Esperemos que estas tendências se invertam no ano que vem.
No campo financeiro, 2016 ficou também marcado pelo aumento da dívida pública e dos respetivos juros, que é talvez o aspeto mais preocupante da atual situação, tanto mais que os juros da dívida estão a ser suportados essencialmente pela intervenção do BCE na compra de obrigações no mercado secundário, que não vai durar sempre. Esperemos que a provável manutenção do rating da DBRS, apesar desse desenvolvimento negativo, contribua para estabilizar esta frente e que o ano que vem traga também o início, há muito aguardado, de uma efetiva redução do peso da dívida pública.

Adenda
É claro que a própria estimativa governamental do défice de 2016 está calculada para um crescimento do PIB de 1,2%, tal como agora prevê o Governo. Se este for inferior, como prevêem algumas instituições, então o défice pode vir a ser superior ao agora previsto. O mesmo raciocícnio vale para o cálculo da carga fiscal e do peso da dívida pública, que também são rácios do PIB.

Adenda 2
Saber se a proposta de orçamento para 2017 cumpre os requisitos da UE depende essencialmente da redução em 0,6% do "défice estrutural" (que é o défice nominal descontado dos efeitos do ciclo económico e das medidas one off, ou seja, não repetíveis). Ora, uma parte importante da prevista redução do défice orçamental assenta em lucros excecionais do Banco de Portugal e na recuperação de uma garantia que tinha sido dada ao BPP, que não é obviamente repetível...

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Blowin' in the wind


A Academia sueca surpreendeu mais uma vez com a atribuição do prémio Nobel da Literatura o Bob Dylan, o grande trovador norte-americano.
Saúdo a escolha, como admirador do homenageado, desde sempre. Há cerca de uma década já tinha celebrado aqui a atribuição de outro prémio ao autor de Blowin' in the Wind.

Supermerecido

O prémio dos direitos humanos atribuído pelo AR a António Guterres é mais do que merecido, pelo seu impressionante papel à frente da agência das Nações Unidas para os refugiados.
Mais um incentivo para que não deixe de honrar esses créditos na sua nova função de SG das Nações Unidas.

Liberais, o tanas!

Os historiadores hão de ter dificuldade em explicar como é que uma sobrevivência corporativista como o regime dos táxis, oriundo dos anos 40 do século passado, conseguiu resistir incólume desde 1974 até ao presente, apesar dos vários governos que tivemos defensores da economia de mercado e da concorrência.
O mais estranho é que, perante a meritória iniciativa do atual Governo de reconhecer as novas plataformas eletrónicas de mobilidade urbana paralelas aos táxis, mantendo porém em vigor o regime tradicional destes, os mesmos partidos supostamente liberais em matéria económica venham tergiversar publicamente sobre essa iniciativa, em vez de reclamarem, como deviam, a abertura do negócio dos táxis ao mercado e à concorrência, até para estes poderem competir mais facilmente com as referidas plataformas.
Quando importa defender interesses corporativos, por puro oportunismo político, a direita liberal manda os princípios às urtigas. Com pseudoliberais destes o habitual protecionismo económico da esquerda pode bem e a referida herança corporativista do Estado Novo vai mesmo continuar um "cadáver adiado"!

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Golos na própria baliza


Não há nenhuma notícia relativa aos taxistas que não redunde em argumento contra eles e a favor dos seus competidores das plataformas eletrónicas. Mesmo que não seja surpreendente, esta notícia referente à fuga fiscal dos taxistas impressiona pelo sua dimensão.

Manifestódromo presidencial

Parece-me evidente que Marcelo Rebelo de Sousa não deve receber as associações representativas dos táxis no contexto da manifestação marcada para Belém para a próxima semana, com o propósito explícito de "envolver o Presidente da República" no seu conflito com o Governo.
O Presidente não se deve imiscuir numa questão que respeita exclusivamente ao Governo nem dar a impressão de que apoia os taxistas na sua oposição ao executivo. De resto, se o fizesse, corria o risco de desencadear uma peregrinação a Belém de todos os grupos de interesse em conflito com o Governo e de transformar a praça fronteira ao Palácio de Belém num manifestódromo antigovernamental.

Adenda
Parece que a manifestação vai ser desconvocada. Ainda bem! Espero que Belém tenha enviado uma apropriada advertência aos promotores...

Demasiado elevado

É má a ideia de acrescentar mais umas centenas de milhões de euros à despesa pública com um aumento extra de pensões, num país que ainda está em laborioso processo de consolidação orçamental, que já tem uma das mais elevadas faturas de pensões no orçamento e que tem insistentes recomendações internacionais para reduzir essa fatura.
É também uma medida duplamente injusta: primeiro, não se vê razão para as pensões subirem quando os salários em geral continuam congelados; segundo, o adicional das pensões vai incidir sobre os contribuintes no ativo que, quando chegar a sua vez, não vão beneficiar das pensões que agora são chamados a financiar.
O facto de os pensionistas serem uma apetecível constituency eleitoral não justifica nem o ónus orçamental nem os desrespeito das regras da equidade horizontal e intergeracional.
Se este é um preço a pagar pela "geringonça" (ver post anterior), então é um preço demasiado elevado.
[revisto]

Adenda
Um leitor pergunta se eu próprio não sou pensionista. Assim é. Mas isso não me força a apoiar uma proposta que pode agravar as condições de sustentabilidade financeira do sistema público de pensões. Primeiro, quem me lê há muito sabe que não pauto as minhas posições políticas pelos meus interesses pessoais; segundo, não desejo que um aumento das nossas pensões possa pôr ainda mais em causa a pensão dos nossos filhos (sabendo que ceteris paribus já vão ter uma pensão inferior...).

Adenda 2
Mais uma vez, os que propõem aumentos extra generalizados das pensões são incapazes de propor o fim dos iníquos regimes privilegiados de pensões de certas categorias do setor público.

Adenda 3
Como se sabe, de acordo com o entendimento do Tribunal Constitucional, depois de aumentadas as pensões não se pode depois voltar atrás, mesmo em caso de crise das finanças públicas, o que vincula a gestão orçamental dos governos seguintes. Daí a necessidade de ponderar devidamente o impacto orçamental de qualquer subida extra das pensões.

Adenda 4
Entre muitos insultos e impropérios, também recebi de alguns leitores a ideia de toda a subida das pensões é justa, para reduzir a perda de rendimentos trazida pela aposentação. Lamento contrariar esse entendimento. As pensões contributivas deviam depender da carreira contributiva de cada pensionista. Ora, por esse critério, o mínimo que se pode dizer é que a maior parte das pensões, sobretudo no setor público, mas não só, são superiores ao que resultaria da carreira contributiva. Uma parte significativa da pensão é subsidio público. A subida extra das pensões só vai alargar essa "renda" indevida.

Adenda 5
O aumento extra das pensões em pagamento também vai criar uma óbvia vantagem em relação às pensões posteriores, pois o cálculo destas não vai ser revisto em alta, pelo contrário. As revisões do cálculo das pensões na última década têm sido sempre em baixa, reduzindo a chamada "taxa de substituição", ou seja, a relação pensão-remuneração.

O preço da "geringonça"

1. Numa entrevista radiofónica, em geral serena e equilibrada, o Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, normalmente identificado com ala mais à esquerda do PS, declarou que "nenhuma medida do atual Governo vai contra a matriz ideológica do PS".
Sem pôr em causa essa afirmação - felizmente, a "matriz ideológica" do PS é de largo espetro, desde uma social-democracia liberal até uma esquerda paredes-meias com as esquerdas radicais -, outra teria de ser a resposta se a questão fosse a de saber se o acordo governativo com a extrema-esquerda implicou o sacrifício de alguns pontos importantes da agenda política do PS.
Tal é o caso de propostas de reformas políticas estruturais com décadas (como a revisão da lei eleitoral para a AR ou do sistema de governo das autarquias locais) ou de outras propostas políticas que tinham lugar explícito no programa eleitoral do Partido (como o imposto sobre sucessões e doações de elevado valor, a redução da TSU para os salários mais baixos, a criação de um complemento de rendimento para os trabalhadores com rendimento abaixo do limiar da pobreza, a sujeição das pensões não contributivas a "condição de recursos", a desestatização e mutualização da ADSE, a aposta no investimento público como fator crucial de elevação do crescimento económico, etc.).
Acresce o impacto político sobre o PS, neste momento impossível de estimar, da "certificação" do BE e do PCP como partidos de governo, retirando-os da condição antissistémica de "partidos de protesto" a que estavam remetidos.

2. É evidente que todos os acordos de coligação governativa são transações que implicam cedências mútuas entre os intervenientes, tanto maiores quanto mais profundas forem as diferenças que os separam à partida, como era o caso. E é também óbvio que há reformas políticas impossíveis de acordar entre o PS e os partidos à sua esquerda, incluindo as duas acima referidas e a revisão constitucional (esta, de resto, não premente).
Embora o acordo não iniba inteiramente a realização de reformas significativas sem o apoio dos parceiros de coligação, fora das áreas negociadas, como sucede com a importante reforma do regime do serviço de transporte automóvel com condutor, a verdade é que o acordo de coligação se traduz numa enorme limitação à liberdade política do Governo, quer no que respeita à obrigação de tomar as medidas acordadas (com significativos custos orçamentais), quer sobretudo quanto à impossibilidade de tomar medidas que constituam "linhas vermelhas" para os parceiros de coligação.
No fim do dia, e abstraindo de questões de principiologia política e ideológica, tudo está em saber se as vantagens do acordo valem o preço que se tem de pagar por ele. Como se trata de um "acordo em movimento" e em permanente atualização, eis um balanço que só se vai poder fazer no final. Como dizia o outro, "prognósticos só no fim".
[revisto]

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Cadáveres adiados

1. No conflito entre os taxistas e as plataformas digitais de mobilidade (Uber, Cabify, etc.), o que está em causa é saber se as regras da economia de mercado se devem aplicar ou não aos serviços de transporte automóvel de passageiros com motorista.
Ora, as principais regras da economia de mercado são a liberdade de empresa e a concorrência: concorrência na entrada na atividade, concorrência na diversidade de oferta, concorrência nos preços, de acordo com as condições do mercado (oferta e procura).
O atual regime dos táxis contradiz ponto por ponto essas regras, cancelando toda a concorrência: contingentação na entrada, uniformidade da oferta, fixação administrativa dos preços. As plataformas eletrónicas respeitam integralmente aquelas regras.

2. Como demonstrou a Autoridade da Concorrência, não existe justificação para manter os serviços de transporte automóvel de passageiros à margem das regras do mercado, pelo que o serviço de táxis deveria ser no essencial liberalizado quanto à entrada na atividade, quanto aos preços e quanto aos tipos de serviço.
Ora, ao exigirem que as plataformas de mobilidade fiquem sujeitas a contingentação e a preços mínimos, os taxistas incorrem num contrassenso. Não devem ser aquelas a serem sujeitas ao regime dos táxis, mas sim tendencialmente o inverso. Os taxistas não querem "igualdade de armas", como alegam; querem proteger o seu negócio.
De resto, se há algo que merece objeção na proposta governamental tornada pública não é o reconhecimento expresso e a regulação mínima das plataformas de mobilidade, mas sim a manutenção intocada do regime dos táxis, que aliás é um resquício da antiga economia dirigida e protecionista do Estado Novo, tal como estabelecido nos anos 40 do século passado.
Afinal, o regime dos táxis mostra que há "cadáveres adiados" que insistem em sobreviver e mesmo em reproduzir-se!
[revisto]


Adenda
Note-se que defendo publicamente a sujeição dos táxis às regras do mercado pelo menos desde 2008, quando ainda nem se sonhava com a Uber e outras plataformas digitais de mobilidade.

Adenda 2
Pela mesma altura critiquei o "corporativismo de esquerda", que leva os partidos de esquerda a defender interesses profissionais e corporativos contra a economia, em geral, e os interesses e direitos dos consumidores, em especial.

Adenda 3
Quando me refiro a "cadáveres adiados" no final do texto, é evidente que não tenho em mente os taxistas - como, por ligeireza, se diz nesta notícia -, mas sim o atual regime dos táxis, que há muito deveria ter sido revisto no sentido de abrir essa indústria ao mercado.

domingo, 9 de outubro de 2016

Est modus in rebus

É absolutamente descabida a ideia de que o responsável governamental dos assuntos fiscais não pode tomar medidas fiscais suscetíveis de beneficiar as empresas em geral só porque entre as beneficiárias poderiam estar duas empresas em que ele detém umas centenas de ações.
Só haveria algo de censurável se a medida fosse especialmente destinada a essas empresas, o que não é o caso, ou tivesse sido tomada só  para as beneficiar, o que não faz nenhum sentido na situação em causa. Também não estamos perante nenhuma decisão administrativa concreta relativa a essas empresas, em que seriam naturalmente aplicáveis as regras da imparcialidade administrativa.
Por aquela ordem de ideias, e por maioria de razão, a Ministra da Justiça estaria impossibilitada de adotar medidas favoráveis aos magistrados, por ser um deles; o Ministro do Ensino Superior estaria impedido de beneficiar a situação dos professores universitários, por ser um deles; o Ministro da Agricultura ficaria proibido de decidir políticas favoráveis aos agricultores, por ser um deles; etc.
O argumento é, portanto, manifestamente indefensável.

sábado, 8 de outubro de 2016

Doping orçamental

É evidente que o programa de incentivo ao pagamento das dívidas em atraso ao Fisco e à Segurança Social envolve um perdão fiscal, através do perdão de juros e eventuais custas processuais (que são tudo menos leves...), que é total no caso de pagamento de toda a dívida e parcial no caso de opção pelo pagamento em prestações. E também é óbvio que esta medida visa ajudar o saldo orçamental do corrente ano, em risco de exceder os limites acordados, pois o deadline foi cirurgicamente marcado para 20 de dezembro.
Nada há a censurar a este doping da receita fiscal na "última milha" da execução orçamental, tanto mais que ele também foi usado anteriormente por governos de direita, a última vez em 2013. O problema está em que na altura esse expediente foi criticado por quem agora o adota. Mesmo em política os double standards não costumam ser aplaudidos...

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O corporativismo do "Estado Novo"


No próximo dia 13/10 vou estar na FEUC, a apresentar este livro de Álvaro Garrido sobre o Estado Novo e o corporativismo. Uma das chaves da longevidade da ditadura salazarista...

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Imaginação fiscal

1. Os compromissos da "geringonça" custam dinheiro e, na falta de dinamismo da economia, é preciso aumentar impostos para financiar a despesa adicional sem agravar o défice orçamental. A julgar pelas especulações da imprensa dos últimos dias, não falta imaginação fiscal.
Além do agravamento de algumas das variáveis de cálculo do IMI (exposição solar, etc.), que já era conhecido, há mais novidades na mesa. Resta saber se o orçamento as vai acolher todas...

2. A ideia de lançar um fat tax sobre produtos alimentares com excesso de sal, açúcar e gordura faz sentido. Além da receita fiscal que pode gerar, esse imposto combate as más práticas alimentares. Os impostos também podem e devem estar ao serviço de outros objetivos de política pública.

3. O mesmo se diga da extensão do imposto especial de consumo de bebidas alcoólicas ao vinho, que goza de uma injustificada isenção. Com a criação do fat tax, a isenção do vinho da tributação agravada das bebidas alcoólicas torna-se ainda menos explicável.

4. Outro tanto não se pode dizer da ideia de o novo imposto sobre o conjunto do património imobiliário, complementar do IMI, vir a incidir sobre o património agregado dos cônjuges, independentemente do regime de bens.
Para além das objeções aqui levantadas anteriormente sobre tal imposto, a ideia de tributação conjunta não parece razoável (salvo comunhão de bens), visto que torna cada cônjuge contribuinte pelo património do outro. Além de se poder tornar num desincentivo ao casamento (ou um incentivo ao divórcio por conveniência), essa solução é discrepante com a recente possibilidade de tributação separada dos cônjuges em IRS: se há tributação separada dos rendimentos, porque é que há de haver tributação conjunta dos bens imobiliários, tornando património comum aquilo que o não é nem os cônjuges quiseram que fosse?

Magistratura presidencial

Foi talvez o melhor discurso do Presidente da República, o do 5 de outubro, ontem, nas comemorações da implantação da República, em Lisboa.
Primeiro, pela sua concisão e clareza, sem enxúndias oratórias nem ambiguidades oportunistas. Um modelo de alocução pública.
Segundo, pela exposição e defesa clara da principiologia republicana do poder político: legitimidade popular, igualdade e universalidade, primazia do interesse público sobre os interesses particulares, separação entre o poder político e o poder económico, discrição e virtude pessoal no exercício do poder.
Terceiro, porque desta vez o Presidente se cingiu inteiramente a uma magistratura de princípios, sem se envolver no comentário de circunstância da atualidade política, em que tantas vezes se enreda e em que banaliza e desgasta a autoridade do cargo.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Eu queria que o próximo Conselho Europeu...

"Eu queria que o próximo Conselho Europeu abandonasse a deriva intergovernamental, anti-europeia, de Bratislava. Começando por reagir ao terramoto financeiro que o Deutsche Bank ameaça e às últimas notícias sobre o Brexit: uma coisa é o Reino Unido querer atirar-se para o abismo, outra é deixarmos que arraste a UE.
Queria que desmantelasse a anti-europeia "Fortaleza Europa" abrindo vias legais e seguras de acesso a refugiados e migrantes, sem os condenar a entregarem-se em mãos criminosas e à morte no Mediterrâneo; parando de replicar acordos imorais e ineficazes com governos repressivos como o turco; para travar a proliferação de muros, leis e referendos à la Orbán que, de facto, alimentam o negócio dos traficantes, ameaçando a nossa própria segurança.
Há muito que a Europa da Defesa se impõe, mas não irá longe sem estratégia nem determinação política. E têm faltado para passar mensagens dissuasórias à Rússia, que da continuada agressão na Ucrânia ao bombardeamento impiedoso em Alepo não pode sair impunemente.
Eu queria que, num assomo de coragem e réstia de sanidade europeista, a UE apoiasse o Alto-Comissário da ONU para os Direitos Humanos, exigindo restrições ao veto dos P5 no Conselho de Segurança face à evidência de crimes de guerra e contra a humanidade que destroiem hoje o que resta da Síria e da credibilidade da União Europeia".

Minha intervenção em debate plenário no Parlamento Europeu, hoje, sobre o próximo Conselho Europeu (Outubro 20/21)

Calais - sobretudo não calar...

"Em Julho chefiei uma delegação da Comissão LIBE a Calais. Encontrámos  duas realidades bem diferentes: em Grande-Synthe, por acção de um Presidente da Câmara com sensibilidade humanista; em Calais, por inacção de uma Presidente com discurso hostil a refugiados e migrantes. A abordagem faz toda a diferença para encontrar soluções dignas para gerir um afluxo que põe muita pressão nesta região de fronteira.

Apesar de as autoridades francesas aceitarem pedidos de asilo, as pessoas com quem falamos na "Jungle" não perdem esperança de atravessar para o Reino Unido, onde têm família, conterrâneos e pensam ter futuro, porque sabem que as redes de traficantes continuam activas e passar é apenas uma questão de poder pagar. Incluindo para as centenas de menores desacompanhados que o Reino Unido tarda em deixar reunificar às famílias.

 Etíopes com quem falei na "Jungle" disseram-me que centenas dos seus compatriotas haviam chegado nas semanas antes, 2 a 3 meses depois de partirem das suas aldeias, em jornadas perigosas arriscando as vidas. 

Construir muros e continuar a recusar abrir vias legais e seguras para refugiados  e migrantes é continuar a dar negócio às redes traficantes: para além de imoral e violador dos direitos humanos, é ineficaz e só agrava a segurança europeia. Calais pode ser em qualquer praia da Europa..."


Minha intervenção em debate plenário no Parlamento Europeu, ontem, sobre  a situação de migrantes, refugiados e população local em Calais

 

Conflitos de Interesses

"A contratação do ex-Presidente da Comissão pela Goldman Sachs, o caso do Comissário Cañete e a ocultação de interesses offshore pela ex-Comissária Kroes alimentam o discurso populista e eurofóbico porque alimentam a justa desconfiança e a ira dos cidadãos. 

É inadmissível que Barroso continue a receber pensão paga pelos contribuintes, enquanto serve a Goldman Sachs - que visitou à socapa em 2013, quando era Presidente da Comissão Europeia. Uma comissão de ética ad hoc não basta: o caso Barroso deve ir ao Tribunal de Justiça.

 É preciso reforçar regras sobre “portas giratórias” entre sector público e privado, alargar os períodos de nojo e incompatibilidades. São precisas sanções por violação das mais elementares regras de transparência e ética. São precisos registos detalhados dos interesses financeiros de lobistas e consultores junto da Comissão, do Parlamento e do Conselho.  As medidas propostas pela Comissão são manifestamente insuficientes. 

Restabelecer a confiança dos cidadãos exige reforma firme e radical. Na Comissão de Inquérito do PE sobre os Panamá Papers e os Bahamas Leaks vamos trabalhar para isso."


Minha intervenção em debate plenário no Parlamento Europeu, ontem, sobre "Conflitos de Interesses"

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

40 anos da CRP


No próximo dia 7/10 vou participar na sessão evocativa dos 40 anos da CRP promovida pela Universidade Católica do Porto, com intervenção no painel sobre a "constituição económica".
O programa integral pode ver-se aqui.