quarta-feira, 14 de julho de 2021

O que o Presidente não deve fazer (27): "Contempt of the Court"

1. O acórdão do Tribunal Constitucional de hoje que, a pedido do Governo, e como se esperava, declara a inconstitucionalidade dos célebres diplomas parlamentares que aumentaram a despesa pública em apoios sociais, à revelia do Governo, não constitui somente uma salutar reafirmação do valor da estabilidade orçamental assegurada pela chamada lei-travão, mas também se traduz numa óbvia derrota política das oposições que aprovaram tais diplomas numa oportunista coligação antigovernamental, assim como do Presidente da República, que as promulgou, com base numa abstrusa "interpretação conforme à Constituição" da sua lavra, sem nenhuma consistência, num exercício fútil de "ficção constitucional".

2. Lamentável é a despropositada reação do Presidente da República a este acórdão, que não só insiste na sua posição rotundamente "chumbada" pelo Tribunal, mas também clama uma "vitória política", com base no argumento de que, mercê da salvaguarda dos efeitos entretanto produzidos pelas referidas leis, decretada pel0 TC (como é usual), conseguiu o que desejava com a promulgação abusiva dos diplomas, ou seja, fazer realizar a referida despesa pública adicional, assim sobrepondo o seu juízo político ao do Governo em matéria de políticas públicas, à custa do atropelo da Constituição. Uma dupla falta!

Ora, no nosso sistema constitucional, quem governa é o Governo e não a AR, nem, muito menos, o PR

Adenda
Há uma questão a que o Presidente não se deveria furtar: depois desta incontornável decisão do TC, em futuros casos semelhantes vai ele suscitar a questão preventiva da constitucionalidade ou vai continuar a promulgar tais diplomas, como fez neste caso?

Adenda (2)
Pior que Belém só o BE, que diz que o "acórdão não tem efeito". Quanto a efeitos práticos, assim é, mas por causa da salvaguarda, pelo TC, dos efeitos entretanto produzidos e do facto de o Governo ter assumido a realização da despesa envolvida, como estava no seu poder. Mas a pergunta impõe-se: depois de o TC ter consolidado o entendimento constitucional de que a AR não pode aumentar a despesa pública durante a execução do orçamento, vai o Bloco continuar a propor e a aprovar medidas dessas, afrontando o TC?

segunda-feira, 12 de julho de 2021

No bicentenário da Revolução Liberal (33) - A primeira lei da liberdade de imprensa

Como anunciava o Borboleta Constitucional de 25 de julho de 1821, foi em 12 de julho desse ano, faz hoje 200 anos, que foi promulgada a primeira Lei da liberdade de imprensa entre nós (incluindo o Brasil), que tinha sido aprovada poucos dias antes pelas Cortes Constituintes, dando cumprimento ao artigo 9º das Bases da Constituição, aprovados em março.

Peça fundamental da Revolução Liberal, a liberdade de imprensa, abolindo a censura prévia das publicações, não era somente uma das liberdades individuais básicas constitucionalmente reconhecidas, mas também um esteio primacial da cidadania e da liberdade política.

Sendo desde então uma instituição essencial do Estado Constitucional, a liberdade de imprensa só foi duradouramente suspensa, com reintrodução da censura administrativa prévia e da proibição de publicações, durante a longa ditadura do chamado "Estado Novo" (1926-1974), para ser restaurada logo após o 25 de Abril, quando o País se reencontrou com a tradição liberal iniciada há dois séculos.