terça-feira, 30 de abril de 2019

Free & fair trade (9): Um nova era na justiça internacional sobre o investimento estrangeiro

1. O Tribunal de Justiça da União Europeia acaba de decidir que o tribunal internacional de litígios de investimento previsto no acordo comercial com o Canadá (conhecido pela sigla CETA) não é incompatível com o direito constitucional da União, pelo que pode avançar a sua criação.
Trata-se de um importante triunfo da Comissão Europeia, que investiu muito capital técnico e político nesta solução, e dos que, como eu, apostaram nela.
Com esta decisão fica também aberto o caminho para a ratificação dos acordos com Singapura e com o Vietname, que consagram igual solução judicial. Foi igualmente validada a opção da Comissão Europeia (e da União) para criar ulteriormente um tribunal multilateral de investimento, de jurisdição obrigatória, que abranja todos os países que o desejem.
Do que se trata, portanto, é de submeter os litígios internacionais de investimento, por alegada violação de acordos internacionais de investimento, a uma verdadeira justiça internacional.

2. Lembremos que este sistema de tribunal internacional de investimento (investment court system, ICS) foi a solução encontrada para substituir o sistema tradicional da arbitragem internacional ad hoc dos litígios entre investidores estrangeiros e os Estados de investimento (conhecida pela sigla ISDS - investor to state dispute settlement), que não resistiu à forte contestação pela opinião pública, tendo sido afastada pelo Parlamento Europeu.
 Ao contrário desta - em que o investidor tem direito a nomear um dos árbitros e a acordar no terceiro árbitro -, o novo sistema consiste na criação de um tribunal permanente, constituído por juízes independentes, nomeados de comum acordo pelos Estados envolvidos, sem nenhuma intervenção dos investidores interessados. Além disso, o novo sistema prevê um tribunal de recurso, o que não existe no ISDS. Por último, a nova solução salvaguarda explicitamente o "direito a regular" (right to regulate) dos Estados (ou da União, sendo caso disso) em defesa do ambiente, da saúde, etc. - o que prevalece sobre os direitos dos investidores.
Além de inovador, trata-se também de um regime assaz equilibrado!

"Dinheiro Vivo" (13): O "capital humano" também deve ter direito aos lucros das empresas?

Aqui está o cabeçalho do meu habitual artigo de sábado passado no Dinheiro Vivo (suplemento de economia do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias), desta vez sobre a prática de algumas empresas de distribuírem uma parte dos seus lucros pelos seus trabalhadores.
Sendo uma prática relativamente frequente em diversos países, ela não tem muitos exemplos entre nós, apesar dos fortes argumentos a seu favor.

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Terra brasilis (6): Quando o Governo "compra" os deputados

1. No Brasil, o Governo de Bolsonaro acaba de prometer um bónus orçamental de 10 milhões de reais por ano (2,3 milhões de euros), durante os próximos quatro anos, aos deputados que aprovem a reforma previdenciária (segurança social), a somar à verba orçamental normal de mais de 15 milhões de reais anuais a que já têm direito os parlamentares (através de "emendas" orçamentais), para investimento nos seus territórios eleitorais.
Na verdade, essas verbas orçamentais cativas a favor dos deputados e senadores constituem uma das razões para o verdadeiro "mercado parlamentar" existente em Brasília, quer para atrair partidos para o lado "governista" da câmara, quer para atrair os próprios deputados para as bancadas "governistas", mudando de partido (visto que no Brasil é admitida a mudança de partido por "justa causa", definida em termos assaz imprecisos). Pelos vistos, no Brasil o "mandato livre" dos parlamentares vai ao ponto de o transformar em mercadoria política!

2. Em Portugal ficou célebre o episódio do "orçamento limiano" (ou "orçamento do queijo limiano"), em que o segundo Governo minoritário de Guterres (1999-2002) "comprou" o voto de um deputado da oposição (CDS) para aprovar os orçamentos do Estado de 2000 e 2002, a troco de investimentos públicos no seu município (Ponte de Lima). Essa insólita experiência parlamentar conta-se, porém, como um momento menos feliz na nossa história política, não tendo voltado a ocorrer.
De resto, em Portugal o transfuguismo parlamentar é proibido pela própria Constituição (os deputados podem deixar o partido por que foram eleitos, mas não podem inscrever-se noutro partido nem juntar-se a outro grupo parlamentar, sob pena de perda do mandato) e a prática política é caracterizada pela estrita disciplina de voto na votação do orçamento (e noutras votações que possam pôr em causa a subsistência do Governo), como é norma num sistema de governo de natureza parlamentar. No caso do "orçamento limiano" o deputado em causa foi suspenso pelo CDS.
Por conseguinte, embora livre de qualquer mandato vinculado em relação aos eleitores (como é próprio de uma democracia representativa), o mandato dos deputados é essencialmente (embora não absolutamente) vinculado às orientações partidárias. De resto, ao contrário do que sucede no Brasil, em Portugal os cidadãos votam primariamente em partidos, não nos candidatos individualmente considerados.

domingo, 28 de abril de 2019

Puerta del Sol (5): Não vai ser fácil

1. Marcadas pela folgada vitória eleitoral dos socialistas espanhóis e pelo desastre eleitoral do PP - como se vê neste quadro tirado do El Pais -, estas eleições parlamentares espanholas revelam também um país mais profundamente dividido, como se mostra pela surpreendente irrupção dos nacionalistas do Vox e pela vitória, pela primeira vez, das forças independentistas da Catalunha numas eleições nacionais, mercê do excelentes resultados da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), que ganhou claramente o prélio catalão.
Apesar da destacada liderança eleitoral do PSOE e da derrota da direita dividida, a cena política espanhola tornou-se mais fragmentada e mais extremada.

2. Para complicar tudo, não se afigura nada fácil para o PSOE a negociação da solução governativa.
Longe da maioria absoluta, com os seus 29% e 123 deputados em 350, e afastada uma coligação com o Ciudadanos, por causa da recusa deste em aliar-se aos socialistas, resta a Sánchez uma coligação de esquerda com o Unidas Podemos (que entra no Governo, apesar do seu revés eleitoral), o que todavia não chega para uma maioria parlamentar, necessitando por isso do apoio de outros partidos. Ora, se tiver de depender dos independentistas catalães (como sucedeu no Governo cessante), o reforço eleitoral destes vai tornar mais exigente o seu apoio.
Fácil é antecipar que pode não haver novo Governo tão depressa na Moncloa

Memórias acidentais (6): A crise académica de 1969


1. A foto à esquerda, já aqui evocada anteriormente, testemunha o apoio de um grupo de docentes  da Faculdade de Direito, entre os quais me conto (primeiro a contar da esquerda), à luta académica de Coimbra em 1969, há meio século.
Se volto a publicá-la é porque ela e outra semelhante foram incluídas no livro de José Veloso, A Crise Académica de 1969: Uma reportagem fotográfica, que acaba de de sair (publicadas na p. 46), mas onde aparecem mal referenciadas quanto à data e à circunstância, sendo erradamente referidas a 17 de abril, dia do desencadeamento da crise, quando elas foram efetivamente tiradas cinco dias depois, quando o grupo se dirigia Assembleia Magna de 22 de abril, no ginásio da AAC, que decretou o luto académico e a greve às aulas (e onde intervieram os Professores Paulo Quintela e Orlando de Carvalho).
Na verdade, apesar de tiradas ao fundo das escadas monumentais, as referidas fotos retratam a nossa curta deslocação desde a Clepsidra, situada pouco atrás (que tinha sido inaugurada pouco tempo antes, em março), até à entrada superior das instalações da AAC, por onde se acedia ao amplo ginásio.

2. Não foi esse, aliás, o primeiro passo do nosso envolvimento direto na luta académica. Logo no dia 18 de abril, havíamos aprovado uma moção coletiva de apoio à luta estudantil numa reunião de assistentes da Faculdade de Direito, tendo-me cabido anunciá-la publicamente, desde o topo das escadas centrais de acesso à Via Latina, aos muitos estudantes nessa manhã reunidos no pátio dos Gerais (em reação à prisão do Presidente da AAC nessa madrugada), no que foi a minha primeira intervenção pública na luta contra a ditadura.
Esses e outros episódios haveriam de fundamentar a minha exoneração sumária em setembro (junto com J. M. Correia Pinto) pelo Ministro da Educação, Hermano Saraiva, na ressaca da crise académica. (Voltaria a ser recontratado meio ano depois pelo novo Ministro, Veiga Simão, que viria a substituir, em janeiro de 1970, o exonerado ministro salazarista, que acabou vítima da sua intransigência "ultra" na repressão da luta de Coimbra.)

Conferências & colóquios (2): Cidadania europeia

No próximo dia 16 de maio, na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, vou intervir neste colóquio sobre o que significa ser cidadão da UE (e, correspondentemente, o que singnifica deixar de o ser ...), um debate assaz oportuno, tendo em conta o Brexit e os movimentos nacionalistas em vários outros Estados-membros da União, que contestam a dimensão política da integração europeia, cujo fundamento é justamente a cidadania da União.

sábado, 27 de abril de 2019

Campos Elísios (3): As reformas democráticas de Macron

1. Na sua conferência de imprensa de anteontem, o Presidente Macron deu a conhecer as suas propostas de reforma política em várias áreas, incluindo das instituições democráticas francesas, sendo de salientar os seguintes pontos:
   - redução do número de deputados em 20-30% (a Assembleia Nacional tem 577 deputados, a que há a acrescentar os 348 membros do Senado);
   - introdução de uma quota de proporcionalidade na eleição dos deputados (cerca de 20%), instituindo, portanto um sistema eleitoral misto;
   - proibição da acumulação do mandato parlamentar com outros cargos públicos;
   - introdução da iniciativa popular de legislação e de referendo junto do parlamento, mediante petição de um milhão de cidadãos;
   - criação de um "conselho de participação cívica", junto do Conselho Económico e Social, composto por 150 cidadãos tirados à sorte, com poder de debate e de recomendação de medidas (a assumir depois em projeto de lei ou de referendo).
Em contrapartida, o Presidente rejeitou algumas reivindicações emblemáticas da agenda política do "coletes amarelos", nomeadamente as seguintes:
   - o referendo de iniciativa popular vinculativa (dispensando resolução parlamentar);
   - a revogação de mandatos políticos por votação popular (recall);
   - o reconhecimento da relevância do voto em branco;
   - o voto obrigatório.

2. Vistas de Portugal, nenhuma das propostas defendidas por Macron é especialmente inovadora, salvo a do "conselho de participação cívica" (ver o meu post anterior sobre este tema), E quanto às propostas rejeitadas, elas também não existem em Portugal (nem estão na agenda política).
Todavia, no caso da França as propostas constituem uma significativa reforma da democracia representativa - que vai implicar uma revisão cosntitucional -, tanto pela instituição do sistema eleitoral misto como pelas medidas de democracia participativa introduzidas.
A França entra assim no movimento geral de resposta aos desafios colocados hoje em dia à democracia representativa. Mas, rejeitando o referendo de iniciativa popular vinculativa e o reconhecimento do voto em branco, Macron resiste, e bem, às sereias populistas que ameaçam a democracia representativa. Uma coisa é reformar a democracia representativa para a reforçar, outra coisa é claudicar perante a vaga populista contra ela.

sexta-feira, 26 de abril de 2019

"Dinheiro Vivo" (12): Um acordo de conveniência?

Eis o cabeçalho da minha habitual coluna de sábado passado no "Dinheiro Vivo" - o suplemento de economia do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias -, que versa sobre a abertura de negociações para um acordo comercial entre a União Europeia e os Estados Unidos, que em muitos aspetos foge à norma dos acordos comerciais da União, desde logo quanto ao facto de Bruxelas se dispor a negociar com Washington na pendência de tarifas aduaneiras abusivamente impostas por Trump contra a UE e contra outros países, a pretexto de razões de "segurança nacional"!

Euro-eleiçoes 2019 (12): Os portugueses e a UE

1. É francamente animadora a atitude dos portugueses perante a União, tal como decorre dos resultados da sondagem da agência Pitagórica, hoje trazida a público pela TSF e pelo JN (de onde foi tirada a gravura junta).
Assim:
    - quase 90% são favoráveis à permanência de Portugal na União, com apenas 7% a favor da saída (que corresponde essencialmente ao eleitorado do PCP na mesma sondagem);
    - quase 80% são favoráveis à manutenção de Portugal no euro, com apenas 17% contra (o que corresponde ao eleitorado do PCP e do BE).
Tendo Portugal sido poupado até agora à afirmação de movimentos nacionalistas, a oposição à UE e ao euro continua confinada maioritariamente à esquerda do PS (aliás com maior expressão do que na generalidade dos países da União).

2. É também muito expressivo o apoio às posições mais integracionistas em relação à generalidade dos temas da agenda europeia, nomeadamente os seguintes:
    - 90% a favor da diminuição da dívida pública;
    - 80% a favor do cumprimento das metas do défice;
    - 72% a favor da harmonização fiscal;
    - 65% a favor de maior investimento em defesa;
    - 64% a favor de um exército europeu.
Se estas posições fossem compartilhadas pelos demais cidadãos europeus, as próximas eleiçõs europeias dariam uma confortável maioria aos partidos mais europeístas e a vida da União estaria bem mais facilitada do que está.

Vontade popular (2): Uma inovação democrática

1. São conhecidas várias experiências de envolvimento de "assembleias de cidadãos" convocadas ad hoc para o debate de certas questões políticas, como recentemente na Irlanda, no debate sobre a despenalização do aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
A comunidade belga de língua alemã (no Leste da Bélgica, junto à fronteira alemã) - que é dotada de autogoverno no âmbito do federalismo belga -, acaba de dar um passo em frente nesta experiência de democracia participativa, instituindo por lei uma estrutura permanente, constituída por um Conselho de Cidadãos, de 24 membros, o qual, por sua vez, convoca assembleias de cidadãos temáticas, de 50 membros. Num e noutro caso, os membros são escolhidos por sorteio, de acordo com determinadas regras de representação (território, género, grupo etário, minorias, etc.).
As recomendações das assembleias são obrigatoriamente consideradas pelo parlamento da Comunidade.

2. Quando, por toda a parte, o populismo explora a alienação política dos cidadãos e a suas desconfiança em relação às elites políticas, este experiência de institucionalização de formas não eletivas de democracia, envolvendo cidadãos comuns, selecionados por sorteio, na governação da coletividade podem ser uma parte da reposta, contornando também  o risco da "seletividade ativista" da intervenção das formas inorgânicas de democracia participativa (consultas populares, petições, iniciativa legislativa popular, etc.).
Tal como a experiência do orçamento participativo, também esta nova experiência começa a institucionalizar-se a nível local, como convém.

Adenda
Entre as medidas de reforma democrática agora lançadas pelo Presidente Macron em França conta-se justamente a criação de um conselho nacional de partipação cívica, composto por 150 cidadãos tirados à sorte, para funcionar junto do Conselho Económico e Social, com a missão de debater e fazer recomendações sobre as principais questões sociais, começando pela questão ambiental.

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Comemorando o 25 de abril, hoje como sempre

Mexendo em velhas fotografias, encontrei esta de um desfile comemorativo do 25 de abril, descendo a Avenida da Liberdade em Lisboa, em 1981.
Das pessoas que identifico na primeira fila, conto, da esquerda para direita, Pezarat Correia, Maria de Lurdes Pintasilgo, Sá Borges, Alda Nogueira, Henrique de Barros, Jose Magalhães Godinho e Vasco Lourenço.

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Bloquices (8): "Ir à lã..."

1. Num golpe a que já nos habituou, o Bloco tinha-se precipitado a anunciar publicamente, em conferência de imprensa e tudo, um alegado acordo com o PS, no âmbito da lei-quadro do SNS, para a abolição da possibilidade de concessão privada da gestão de hospitais públicos (em regime de PPP), tendo o PS imediatamente desmentido qualquer acordo firme nessa questão.
Além de não confirmada, a alegada cedência do PS era acima de tudo insensata, como aqui se mostrou (e como o PR também assinalou publicamente).
Tudo se esclarece agora, quando o grupo parlamentar do PS apresentou as suas propostas de alteração à  proposta de lei governamental, em que se mantém a possibilidade de recorrer a PPP em relação a estabelecimentos do SNS a título subsidiário, acrescentando somente um requisito de fundamentação caso a caso.
Resultado da operação: Sensatez política - 1, radicalismo político - 0. O Bloco foi à lã e ficou tosquiado.

2. Resta saber agora se, por causa dessa frustrada tentativa de forçar a mão do PS, o BE retira o seu apoio à lei, pondo em perigo a aprovação desta, apesar do óbvio progresso que ela trás em relação à lei-quadro existente, incluindo quanto à afirmação da natureza essencialmente pública do SNS, revogando a norma que obriga o Estado a apoiar o setor privado em concorrência com o setor público, como se aquele também integrasse o serviço público de saúde.
Sabendo-se o que a casa gasta, bem capazes disso são eles...

Adenda
O Governo nunca desmentiu a existência de um "documento de trabalho", a admitir a abolição das PPP (que agora veio a público); o que desmentiu imediatamente foi que tivesse sido firmado um acordo com o BE nessa base, derrogando a sua própria proposta de lei nesse ponto crucial. Mas é evidente agora que tal "documento de trabalho" nunca devia ter existido e que o PS devia ter-se mantido fiel à proposta de lei do Governo. A tentação de cedência à agenda bloquista só pode dar maus resultados...

Conferências & colóquios (1): O impacto do Brexit na UE

Na próxima semana vou participar neste colóquio da Universidade Lusíada Norte (Porto) sobre o impacto do Brexit nas políticas da União Europeia. Vou abordar em especial o caso da política de comércio externo da União.

Terra brasilis (5): Condenar primeiro e julgar depois

De visita a Portugal para um evento académico, o  ministro da justiça brasileiro, Sérgio Moro, permitiu-se reagir a um comentário desprimoroso de José Sócrates, retorquindo que não responde a "criminosos". Ora, se existe algo que um antigo juiz e atual ministro da justiça não pode fazer é acoimar diretamente de "criminoso" alguém que ainda está para ser julgado, estando portanto protegido pelo princípio constitucional da presunção de inocência até condenação definitiva.
A imprensa tablóide e a opinião pública podem, mas um antigo juiz e ministro da justiça não pode dar alguém por condenado antes do julgamento (por mais fortes que possam ser os indícios). Pelo menos, em Portugal!

Adenda
A nossa Ministra da Justiça faria bem em fazer notar discretamente ao desbocado visitante que Portugal é um Estado de direito, onde um ministro da justiça NUNCA se permitiria falar assim...

Adenda (2) (26/4)
Revejo-me nesta análise de Daniel Oliveira e subscrevo este texto de Manuel Carvalho.

"Economia social de mercado" (2): O quinhão dos trabalhadores

Merecem ser aplaudidas as empresas que compartilham com os seus trabalhadores uma parte do seus lucros anuais, tornando claro que eles também são parte do bom desempenho empresarial, para além de esse prémio constituir uma alavanca para reter e atrair os melhores trabalhadores.
Por essa Europa fora, a distribuição de lucros, a atribuição de ações da empresa e a própria participação laboral na gestão da empresa (como a Mitbestimung alemã) constituem outras tantas modalidades de envolvimento e de interessamento dos trabalhadores na vida das suas empresas.
Sem muita tradição entre nós - dada a prevalência de uma cultura adversarial das relações entre empresas e trabalhadores -, tais mecanismos poderiam e deveriam ser objeto de incentivos públicos.

terça-feira, 23 de abril de 2019

Ha 50 anos, em Coimbra (IV): Peço a Palavra

Entre os livros agora publicados a propósito dos 50 anos da luta académica de Coimbra de 1969 avulta naturalmente o de Alberto Marins, Peço a Palavra, hoje lançado na mesma sala do Departamento de Matemáticas onde tudo começou (e que há muito tem o nome de "sala 17 de abril").
Presidente da AAC na altura, AM foi naturalmente um dos principais protagonistas dessas jornadas. Além de um testemunho pessoal, o livro traz também contributos documentais inéditos, colhidos nos arquivos do Ministério da Educação e do Ministério da Defesa de então. Por isso, esta obra vai ficar com um elemento de estudo imprescindível desses entusiasmantes meses de 1969, juntando-se aos já clássicos depoimentos de Celso Cruzeiro e de Rui Namorado, que também eles os viveram por dentro.

"Free and fair trade" (8): Comércio internacional e direitos humanos

A Comissão Europeia decidiu abrir um procedimento tendente a uma possível suspensão das preferências comerciais concedidas ao Camboja, por causa da má situação dos direitos humanos naquele País.
Sendo um dos 49 países mais pobres do mundo que beneficiam dessas vantagens comerciais (entrada de todas as suas exportações no mercado da União sem pagamento de direitos aduaneiros), o Camboja está, porém, obrigado a respeitar os princípios subjacentes a um grande número de convenções internacionais de direitos humanos e de direitos dos trabalhadores, sob pena de perder aquele estatuto.
Concebido como um mecanismo de ajuda ao desenvolvimento, o sistema de preferências comerciais unilaterais da União - de uma dimensão sem paralelo noutros países desenvolvidos - é também um poderoso mecanismo de salvaguarda de um nível mínimo de respeito pelos direitos humanos.

[Nota: Esta nova rubrica, "Free and fair trade", substitui e continua a anterior rubrica "Observatório do comércio internacional"]

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Há 50 anos, em Coimbra (III): Apoio docente à luta académica

22 de abril de 1969, um grupo de docentes, todos da Faculdade de Direito, dirige-se à AAC, em apoio aos estudantes suspensos; a assembleia magna subsequente decretaria a greve às aulas.
Da esquerda para a direita: eu, J. M. Correia Pinto, António Manuel Hespanha, A. J.  Avelãs Nunes e Orlando de Carvalho; encoberto está Aníbal Almeida. Com exceção de Orlando de Carvalho, todos os demais eram jovens assistentes.

Adenda
O facto de sermos assistentes no início de carreira tornava-nos mais vulneráveis à repressão governamental, o que não tardou a verificar-se, quando, logo em setembro, na ressaca da crise, dois de nós (Correia Pinto e eu próprio) fomos sumariamente exonerados pelo Ministro da Educação, com base em informações da PIDE (aliás, verdadeiras) sobre o nosso envolvimento direto na luta académica. Felizmente, poucos meses depois, foi a vez de ele próprio ser demitido - uma vitória póstuma do 17 de abril.

+Europa (17): As vantagens do mercado único europeu

Sem surpresa, estes números sobre a maior produtividade e mais altos salários das empresas estrangeiras entre nós mostram as vantagens do mercado interno da UE para Portugal, para atrair investimento tanto de outros países da União como de fora. O mesmo se pode dizer no que respeita à capacidade exportadora dessas empresas.
Sem essa contribuição do investimento externo que a integração europeia potencia, Portugal seria em economia com menor produtividade, mais baixos salários e menos capacidade exportadora, com todas as implicações em matéria social e fiscal. E ainda há quem milite contra a integração europeia por razões de "soberania económica"!

SNS, 40 anos (17): Um erro político

1. Mais uma vez, o Bloco de Esquerda veio trazer a público um alegado acordo no campo da Geringonça no sentido da abolição das PPP na nova lei-quadro do SNS, reivindicando para si os louros dessa solução e embaraçando politicamente tanto o PS como o PCP. Independentemente de mais esta "bloquice", penso que, a confirmar-se essa cedência do PS (que não constava da proposta de lei governamental), ela não merece aplauso.
Primeiro, como já aqui escrevi várias vezes (por exemplo, AQUI), os hospitais PPP: (i) têm sido um assinalável êxito em termos de eficiência e de qualidade dos cuidados de saúde prestados; (ii) não são contrários à lógica do SNS, continuando plenamente integrados nele durante o período do contrato; (iii) introduzem um saudável elemento de competição dentro do SNS entre diferentes modelos de gestão; e, (iv) no caso das parcerias para a instalação de novos hospitais, constituem uma alternativa de financimento vantajosa em relação a um vultuoso investimento do Estado para a sua construção (com o inerente impacto orçamental).
Como já procurei mostrar anteriomente (por exemplo, AQUI), as PPP não se contam entre os motivos que justificam as atuais dificuldades do SNS. Pelo contrário!

2. Além disso, uma coisa é um governo dispensar as PPP, se assim o entender por razões políticas ou ideológicas, outra coisa é proibi-las por lei, obrigando um futuro governo que as queira restaurar a alterar a lei. Ora, uma lei-quadro, por definição, não deveria proibir soluções, que, sem serem incompatíveis com o desenho constitucional do SNS, representam alternativas políticas diferenciadas. Tal como a lei atual também as não impõe, limitando-se a permiti-las, também a nova lei as não devia proibir, deixando a cada governo a sua opção nesta matéria.
O SNS vingou estes 40 anos, apesar da oposição inicial da direita, por se ter tornado um património institucional transversal ao espetro político, justamente através de alguns ajustamentos, como as taxas moderadoras, a "empresarialização" da gestão dos hospitais públicos e as PPP, aliás todos introduzidos por governos do PS.
Uma lei-quadro não é o instrumento mais apropriado para voltar atrás e tentar reclamar o SNS como ativo político exclusivo da esquerda. Não é o SNS que vai ganhar com o seu acantonamento político-ideológico.

domingo, 21 de abril de 2019

+Europa (16): Desafios dos direitos fundamentais da União

1. Acaba de ser tornado público um importante informe do Parlamento Europeu (PE) sobre a sua atividade na legislatura que agora termina (2015-2019) em relação aos direitos fundamentais na União e nos Estados-membros.
Entre as múltiplas ações avulta a determinação do PE na denúncia das ameaças ao Estado de direito na Hungria e na Polónia, em violação do art. 2º do Tratado da União, que conduziram, pela primeira vez, a propostas de acionamento da 1ª fase do processo de advertência e de sanção do art. 7º (1) do Tratado da União contra aqueles dois países, propostas que, porém, continuam à espera de decisão do Conselho dos Estados-membros.
Entre os pontos negativos registados pelo PE conta-se o prolongado impasse quanto à adesão da União à Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH), que constitui uma obrigação constitucional desde 2009 (entrada em vigor do Tratado de Lisboa), mas que está pendente da revisão do acordo entre a União e o Conselho da Europa, rejeitado pelo TJUE.

2. É evidente que o receado reforço dos partidos soberanistas (na extrema-esquerda) e nacionalistas (na extrema-direita) nas próximas eleições europeias pode debilitar muito a capacidade do PE para prosseguir a sua tradicional ação de liderança na luta pelos direitos fundamentais na União e nos Estados-membros.
Daí, mais uma vez, a importância singular destas eleições europeias e a responsabilidade dos cidadãos europeus nas suas escolhas nestas eleições.

sábado, 20 de abril de 2019

Dinheiro Vivo (11): A questão da Casa do Douro

Eis o cabeçalho da minha coluna no Dinheiro Vivo (suplemento de economia do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias) da semana passada, desta vez sobre a controvérsia criada pela reconversão da Casa do Douro como instituição de direito público
Neste artigo suscito duas questões: (i) Pode ser instituída uma "associação pública" (de inscrição e quotização obrigatória) sem ser para o exercício de poderes públicos? (ii) Pode uma associação pública ser dotada de poderes de representação profissional nas relações de trabalho (incluindo a negociação de convenções coletivas de trabalho)? Defendo que não.

Adenda
Num texto no suplemento "Fugas" do Público de hoje (acesso condicionado) - em que protesta contra a reatribuição de natureza pública à Casa do Douro -, Pedro Gracias, vitivinicultor do Douro, comete uma incorreção, ao escrever que a Casa do Douro, mesmo depois de transformada em entidade privada (2014), manteve o monopólio da representação da produção no Conselho Interprofissional da RDD. Não é assim, porém, pois o regime transitório adotado em 2015 só reserva à CdD 60% dos representantes no primeiro mandato, quota reduzida a 20% no segundo mandato. Os restantes representantes cabem a outras associações representativas dos vitivinicultores, de acordo com a quota de produção dos seus associados.

quinta-feira, 18 de abril de 2019

Praça da República (20): Direito à greve

A greve do transporte de combustíveis, convocada por um pequeno sindicato de formação recente, vem colocar mais uma vez a necessidade de rever a lei da greve, a fim de evitar danos desproporcionados à economia e aos serviços públicos.
Estando constitucionalmente fora de causa restringir os objetivos ou os titulares do direito à greve, ressalvadas as exceções constitucionais, há porém margem para regular o modo e as condições do seu exercício, por exemplo: (i) limitar a validade da greve aos trabalhadores filiados nos sindicatos convocantes e às empresas onde os demais trabalhadores assim o decidam por maioria; (ii) excluir greves por tempo indeterminado (que não permitem às empresas e serviços públicos planear a sua atividade) e estabelecer um período máximo de greve, sem prejuízo da sua renovação; (iii) não permitir greves contra convenções coletivas de trabalho em vigor, sem proposta prévia da sua renegociação.

Adenda
Um leitor objeta que as referidas limitações à greve constituem uma violação da liberdade sindical, mas sem razão. Nos termos da Constituição, os titulares do direito à greve são os próprios trabalhadores, não diretamente os sindicatos, e estes só representam os seus filiados, não os trabalhadores da respetiva categoria, em geral.

Adenda (2)
Não faz sentido, nem constitucional nem politicamente, a ideia de Francisco George (antigo DG de Saúde) de que médicos e enfermeiros não deveriam ter direito à greve. De resto, o argumento de essas greves lesam sobretudo os utentes e não o empregador (o Estado) vale para todas as greves nos serviços públicos (escolas, trasnportes, etc.).

Lisbon first (18): O resto do país não existe

Merece todo o aplauso o desempenho do Governo na greve do transporte de combustíveis, ao decretar prontamente a requisição civil, os serviços míninos e o racionamento e ao presssionar um acordo entre grevistas e entidade patronal, assim poupando o País a uma devastadora paralisação da economia e dos serviços públicos.
Só é pena que este excelente registo tenha sido manchado inicialmente pela incrível restrição dos serviços mínimos às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, esquecendo o resto do País, como se fosse irrelevante. É atávico: visto de Lisboa, o mapa do País, com exceção de Porto, é um indefinido deserto...

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Há 50 anos, em Coimbra (II): O sítio da coragem

Desta vez, meio século depois, na mesma sala (agora chamada "17 de abril") do Departmento de Matemática da UC, Alberto Martins não precisou, como outrora, de pedir ousadamente a palavra para evocar eloquentemente os dias desse abril pioneiro, tão longe no tempo e tão perto nas emoções compartilhadas por tantos que quiseram vir rememorar esses dias de corajoso desafio à ordem estabelecida da Ditadura.

Há 50 anos, em Coimbra


Iniciam-se hoje as comemorações dos cinquenta anos da grande luta académica de Coimbra de 1969, que teve início justamente a 17 de abril, com uma manifestação na inauguração do edifício das Matemáticas, a apoiar a tentativa do Presidente da AAC, Alberto Martins, de falar na cerimónia.
Nessa mesma noite ele seria detido pela PIDE, com repressão violenta de uma manifestação espontânea de estudantes em frente às instalações da polícia política. A luta iria culminar numa greve aos exames, com uma dimensão inédita nos anais das lutas estudantis.
Pela sua repercussão nacional, apesar da censura, a luta académica de Coimbra abalou a frustre tentativa de reforma da ditadura do Estado Novo, ensaiada por Marcelo Caetano. Cinco anos depois, noutro dia de abril, o regime acabava.

+Europa (15): Proteção dos denunciantes de atos ilícitos

[Fonte da imagem: aqui]
1. No seu último plenário desta legislatura, o Parlamento Europeu acaba de ratificar o acordo alcançado com o Conselho da União sobre a diretiva legisaltiva para a proteção dos que dentro de organizações ou instituições denunciam infrações da legislação da União, quando se traduzam nomeadamente em fraude, corrupção, evasão fiscal das empresas ou lesão da saúde ou do ambiente.
A proteção dos denunciantes contra a retaliação dos visados (sanções, despedimentos, etc.) constitui uma importante condição para superar os receios na denúncia dessas situações, proporcionando a respetiva investigação e punição.

2. Sendo o âmbito da nova legislação limitado à denúncia de infrações da legislação da União, importa que na sua transposição para a ordem jurídica interna o legislador nacional alargue o seu âmbito também às infrações à legislação nacional.
Num País onde é costume fechar os olhos às infrações contra o Estado ou os interesses coletivos, urge tomar medidas para encorajar a sua denúncia, quer dentro das próprias organizações, quer às competentes autoridades externas (incluindo o Ministério Público, quando se trate de crimes), sem excluir a denúncia pública, em última instância.

Euroeleições (11): Fingimento para eleitor ver

1. Os mais importantes partidos da direita nacionalista europeus - como em França ou na Itália -deixaram de sublinhar os seus tradicionais objetivos de saída do Euro e da União, dada a fraca adesão popular dessas bandeiras. Mas é só fingimento!
No seu programa eleitoral para as próximas eleições europeias, a União Nacional de Marine Le Pen vai direito aos fundamentos da integração europeia, colocando em causa o próprio mercado interno, através de uma regra geral de "preferência nacional", que é absolutamente incompatível com as liberdades de circulação de produtos e serviços e de trabalho e capital e com a regra da não discriminação por razões de nacionalidade.
Afinal, o seu alvo não é somente o tratado de de Maastricht (1992) e a união monetária e a integração política. É mesmo o Tratado de Roma (1957), que fundou a Comunidade Económica Europeia!

2. Neste contexto, o aparente recuo dos "soberanistas" quando à saída do euro é um simples estratagema para enganar incautos. É evidente que não faz o mínimo sentido uma união monetária sem um mercado integrado.
A direita nacionalista apenas mudou de tática, substituindo o radicalismo anti-UE pelo "entrismo" institucional, ou seja, pela entrada nas instituições da União para as destruir por dentro. Aparentando ceder quanto ao euro, mantém integralmente o mesmo objetivo de o destruir, socavando os próprios alicerces da União.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Não concordo (10): Legislar sobre "casos políticos"

Discordo desta crítica sobre uma alegada corrida a "fazer leis à medida de casos políticos", desde o caso das viagens oferecidas a governantes para ir ao futebol até ao recente caso do "nepotismo" nas nomeações para os gabinetes ministeriais.
Pelo contrário: o que não se compreenderia era que, verificadas falhas de previsão regulamentar, não se tomassem medidas para as suprir, de modo a evitar a repetição desses casos. Não se trata de "legislar para o caso concreto", aliás já ocorrido, mas sim para prevenir casos idênticos no futuro (e puni-los, caso ocorram). Ora. em todas as precedentes situações referidas, as normas adotadas revelam-se equilibradas e prudentes e o mesmo se espera agora da regulação do "nepotismo", sendo já conhecidas as propostas do PS sobre o assunto.
Tal como na vida privada, os políticos não podem ser acusados por não terem cão e por o adquirirem, depois de um assalto.

Vontade popular (1): Fragmentação política

1. Nas eleições parlamentares finlandesas, a vitória do Partido Social-Democrata foi conseguida com menos de 18% dos votos e cerca de 1/5 dos mandatos!
Este resultado testemunha a fragmentação da paisagem política na Europa e a perda de apoio eleitoral das duas famílias políticas tradicionais, nomeadamente o centro-direita e o centro-esquerda, em consequência da emergência de novas forças políticas à esquerda e à direita, incluindo uma direita xenófoba, anti-imigração. O sistema eleitoral proporcional ajuda essa fragmentação.

2. Sendo de saudar a vitória à justa da social-democracia, que estava afastada do poder há muitos anos, é de registar, porém, o segund lugar da direita nacionalista dos "Verdadeiros Finlandeses", somente com um deputado a menos.
Complicada vai ser a formação do Governo, que vai necessitar de uma coligação de vários partidos para assegurar uma maioria parlamentar. Assim vai, com vida complicada, a democracia parlamentar europeia.

Euroeleições 2019 (10): O mesmo do costume?

Tinha a ilusão de que, por causa do Brexit e dos demais problemas com que a UE se defronta, o debate político nesta eleições europeias poderia centrar-se, pela primeira vez, justamente sobre temas europeus e sobre os projetos e as políticas europeias defendidas por cada partido concorrente.
Tenho de admitir que o começo na pré-campanha não é muito animador a esse respeito, pelo contrário. Quando a oposição pede um cartão vermelho ao Governo e este reage com o pedido de uma moção de confiança ao eleitorado, há, de novo, o risco de "nacionalização" das eleições europeias, travadas em torno de questões políticas nacionais. Enquanto isso, as forças antieuropeístas sentem-se livres para a sua luta contra a União...

Estado social (6): Empurrar com a barriga

1. Sem grande surpresa, um estudo académico vem mostrar que o sistema de pensões nacional vai entrar em défice daqui a 10 anos, essencialmente por causa de demografia desfavorável. Das três soluções teoricamente possíveis para repor o equilíbrio financeiro do sistema de pensões - reduzir o valor das pensões, aumentar as contribuições ou aumentar a idade da aposentação - , o referido estudo prefere a terceira.
Mesmo sem colocarem em causa as conclusões do estudo quanto ao previsto desequilíbrio financeiro do sistema de pensões, a solução aventada foi imediatamente rejeitada tanto pelo Governo como pelos partidos de esquerda e pelas centrais sindicais, sendo, aliás, evidente que a reação negativa ainda seria maior se o estudo tivesse manifestado preferência por qualquer das outras duas soluções.

2. Levantada esta questão num ano eleitoral, não existem obvimente condições neste momento para um debate minimamente sereno e desapaixonado. Todavia, é de recear que o estudo fique rapidamente esquecido e que prevaleça a atitude, na boa tradição política nacional, de esquecer o assunto numa gaveta enquanto os riscos não se concretrizarem.
Estando a economia a crescer desde há cinco anos, com a inerente subida das receitas contributivas, a tendência vai ser esperar que a economia continue a crescer indefinidamente até que uma recessão venha exigir o recurso a transferências orçamentais, colocando os impostos de todos a subvencionar as pensões.

Não dá para entender (12): Oportunismo político

Não dá para entender como é que o PSD converge com a extrema-esquerda parlamentar no que respeita à recuperação integral do congelamento da carreira do professores durante a crise, sabendo que isso implicará um enorme esforço orçmental (mais de 600 milhões por ano!) e que (mais importante) se trata de uma vantagem injusta, quando comparada com outras carreiras na função pública.
Ora, mesmo com eleições à vista, não pode valer tudo para conquistar votos, sob pena de pedestre oportunismo político. Além disso, ao aprovar um medida de tão grande impacto orçamental (direto e indireto), mesmo que não concentrado num único ano, o PSD deixa entender que não conta ganhar as eleições de outubro nem vir a governar nos próximos anos, preferindo dificultar desde já a vida do próximo Governo do PS...

domingo, 14 de abril de 2019

O que o Presidente não deve fazer (19): Ingerência no poder legislativo

1. Ao entregar ao Governo um anteprojeto de diploma sobre a proibição do "nepotismo" (nomeação de familiares) em Belém, o Presidente da República foi mais longe do que antes na interferência presidencial no poder legislativo, exercendo de facto um poder de iniciativa legislativa que lhe não compete.
Constitucionalmente, o PR só intervém no poder legislativo a posteriori, através da promulgação, ou recusa da mesma, uma vez terminado o procedimento e tomada a decisão pelos órgãos legislativos competentes. Não faz sentido que o PR intervenha a montante, seja para desencadear um procedimento legislativo, seja para influenciar concretamente a formação das leis.

2. Acresce que no caso concreto o Presidente já tinha sinalizado o seu apoio público à posição do Governo sobre a necessidade de uma intervenção legislativa a regular a matéria, bem como o seu interesse em nela abranger a presidência da República (como, aliás, sempre deveria ser). Não era necessário nem se justificava ir mais além, incluindo um projeto normativo de pormenor, condicionando o parlamento sobre o assunto.
O princípio constitucional da separação de poderes exige que cada um dos "órgãos de soberania" respeite a autonomia e as atribuições próprias dos outros.

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Dinheiro Vivo (10): Advogados deputados

Aqui está o cabeçalho da minha coluna do fim de semana passado no Dinheiro Vivo, o suplemento de economia do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias, desta vez sobre a controversa questão da forte presença de advogados de negócios no parlamento, glosando posts anteriormente publicados aqui e aqui no Causa Nossa.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Euroeleições (10): Em tempo de Brexit

1. Depois de amanhã, sexta-feira, pelas 11:00 na FDUC, vou participar neste colóquio sobre as eleições europeias no final de maio, inicialmente marcadas para ocorrerem já sem a participação do Reino Unido, mas que ainda podem ter de se realizar na Grã-Bretanha, se o incrível e inesperado novelo político do Brexit em Londres não tiver um desenlace nas próximas semanas - o que ninguém pode antecipar.
Ora, não é a mesma coisa!

2. Por mim, que lamento a saída britânica, que constitui uma perda para a União Europeia (e uma perda ainda maior para o próprio Reino Unido), preferia que ainda organizassem as eleições europeias, em que os partidos britânicos e os candidatos teriam de assumir claramente as suas posições definitivas sobre o próprio Brexit, podendo levar a um novo referendo para reverter o primeiro.
Não sendo, em princípio, favorável ao recurso a referendos, em geral, o caso do Brexit - em, que se votou a saída sem haver a mínima ideia sobre o modo de a efetuar! - só reforça a minha posição de crescente reserva referendária, desde logo em matérias à partida complexas.

Laicidade (7): Basta de farisaísmo!

1. A encomenda de missas por parte de escolas públicas constitui sempre uma violação qualificada da laicidade constitucional do Estado.
Aliás, duplamente:
   - porque, existindo separação entre o Estado e as religiões, as entidades públicas não podem obviamente convocar cerimónias religiosas, por estarem fora do seu objeto;
    - porque, conferindo essas iniciativas um privilégio à religião católica, existe violação da igualdade religiosa dos cidadãos em geral e dos crentes de outras religiões em especial.
Custa a crer que isto possa ser ignorado de boa-fé.

2. É lamentável, e inaceitável, que o Ministério da Educação (de um Governo do PS!) manifeste complacência com a celebração das missas por iniciativa das escolas, com a invocação de que isso cabe na sua autonomia de gestão e desde que as missas não sejam obrigatórias (também era o que faltava!).
Mas não é nada assim. As escolas não podem ter liberdade nem autonomia para cometer atos ilícitos, infringindo princípios constitucionais fundamentais, que vinculam diretamente a Administração pública, por mais autonomia de que goze. As escolas não podem mandar celebrar missas, pela mesma razão de que não podem mandar instalar crucifixos nas paredes das escolas nem mandar rezar uma oração nas aulas.

3. Estas cerimónias religiosas por iniciativa de escolas públicas (e outras entidades públicas) são tanto mais indesculpáveis, quando é certo que aquelas podem realizar-se na mesma, por iniciativa de grupos de crentes (no caso, por associações de pais ou de alunos), não havendo nenhuma infração na simples cedência do recinto das instalações da escola, desde que em condições de igualdade em relação a outras religiões.
É mesmo a vontade de afrontar deliberadamente a laicidade constitucional.

4. Perante a sucessão de casos destes não é menos indesculpável a inércia do Ministério Público, que, tendo a incumbência constitucional e legal de defender a legalidade democrática, tem a obrigação de utilizar os meios que a justiça administrativa coloca ao seu alcance para fazer cessar tais atropelos constitucionais.
A sua ostensiva passividade perante casos de flagrante infração, como estes, envolve uma implícita corresponsabilidade institucional passiva.

Adenda
Há quem invoque a "liberdade" das escolas para legitimar as missas, mas trata-se de um equívoco elementar. Não é preciso estudar direito constitucional para perceber que num Estado laico as instituições públicas não gozam de liberdade religiosa, o que seria uma contradição nos termos. Como é bom de ver, só as pessoas e as próprias instituições religiosas são titulares da liberdade religiosa.

terça-feira, 9 de abril de 2019

Concordo (8): Recenseamento étnico

Estou inteiramente de acordo com a inclusão de uma questão sobre a identidade étnico-racial no próximo recenseamento geral da população, em 2021, como elemento de informação essencial ao conhecimento sociológico do País e ao desenho de políticas públicas de combate ao racismo e à discriminação ética.
Nem sequer dá para perceber a oposição de algumas associações representativas das principais minorias étnicas entre nós. Com resposta anónima e facultativa, não se vê que perigo é que essa questão pode oferecer, para além de as respostas poderem ajudar a rever os esteriótipos dominantes acerca das condições de vida dessas minorias e da visão que elas têm de si mesmas na sociedade portuguesa.

Aplauso (10 ): Dá gosto ouvir

Um forte aplauso para o novo programa de Gabriela Canavilhas na Antena 2, O Ar do Tempo, que veio enriquecer a oferta da rádio pública de música "clássica". Uma bem-sucedida combinação de saber, sensibilidade, versatilidade e comunicabilidade (incluindo uma dicção rigorosa, quase isenta dos tropos fonéticos do "dialeto lisboês", o que vai sendo raro, mesmo na comunicação erudita...)
Para além do muito que se aprende, dá imenso gosto ouvir. É caso para dizer que valeu a pena deixar a atividade política...

Ai, Portugal ! (1): Dualismo territorial aprofunda-se


1. Enquanto nas áreas metropolitanas e no litoral em geral, os preços das casas dispararam nos últimos anos, mercê da pressão da procura nacional e estrangeira, em muitos concelhos do interior os preços do imobiliário continuam estagnados ou mesmo a descer, como informa o JN de ontem.
Não poderia haver melhor prova do dualismo económico e sociológico do País, apesar do discurso político e das estratégias de "coesão territorial" e de "dinamização do interior".

2. Desde que, há meio século, A. Sedas Nunes analisou Portugal em termos de "sociedade dualista" - entre o litoral desenvolvido e o interior deprimido -, os indicadores económicos e sociais nacionais mudaram muito, para muito melhor, mas não a estrutura territorial assimétrica que eles revelam -, que, aliás, só se aprofundou.
As políticas públicas continuam a favorecer sistematicamente os grandes centros urbanos, e em especial as duas áreas metropolitanas, como ainda recentemente sucedeu com os programas nacionais de subvenção dos transportes urbanos e de construção de residências universitárias.
Sediado no litoral, sobretudo nas duas áreas metropolitanas, o poder económico, político e mediático autorreproduz-se territorialmente, fagocitando tudo à volta. Na ausência de medidas de discriminação territorial positiva eficazes, trata-se de um verdadeiro círculo vicioso.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Praça da República (20): Família e política - é preciso distinguir

[A família Kennedy em 1938; fonte: aqui]
1. Continua a reinar uma enorme confusão de conceitos no que respeita às relações familiares no âmbito do Governo e nas nomeações governamentais, misturando o que não deve ser confundido.
Importa, em primeiro lugar, distinguir entre (i) "endogamia" (que tem a ver com o critério de seleção dos cargos políticos) e (ii) "nepotismo" (que consiste na nomeação de familiares do próprio titular de cargos políticos). Em segundo lugar, quanto ao segundo, há que separar (i) as nomeações para cargos políticos (como os ministros e outros membros do Governo) e outros cargos públicos de confiança política e (ii) as nomeações de funcionários ou equiparados (como os membros de gabinetes ministeriais e outros). Por último, cumpre distinguir entre (i) o que deve ser proibido como ilícito por via de lei (incompatibilidades e impedimentos) e (ii) o que deve ser autorregulado por via de códigos deontológicos.
Como tenho insistido, o pior que pode suceder é deixar estas matérias sem regulação, ao critério do "bom senso" de cada um, que é o terreno mais fértil para a demagogia política e populismo mediático.

2. Quanto à chamada "endogamia política" - que tem a ver com o relativo "fechamento" do círculo de recrutamento dos titulares de cargos políticos (dirigentes partidários, governantes, deputados, autarcas, etc.) -, isso deve ser deixado ao livre jogo político, ao livre juízo da opinião pública e à responsabilidade política. O facto de haver familiares na vida política (cônjuges, pais e filhos, irmãos, etc.) não é suscetível de condenação, salvo, obviamente, se se nomearem uns aos outros.
O burburinho condenatório que se tem feito a esse propósito não tem nenhum fundamento, sendo um subproduto demagógico da anomia legal e deontológica acima referida.

3. Quanto ao nepotismo na nomeação para os próprios cargos políticos e outros cargos públicos equiparados, a Constituição prevê incompatibilidades, mas remete para lei a sua enunciação, a qual, porém, não proíbe explicitamente a nomeação de familiares.
Ora, ainda que não seja usual tal tipo de nomeações entre nós, era conveniente que a lei proibisse expressamente a nomeação de familiares próximos (a definir), com as respetivas sanções (nulidade da nomeação e sanções pecuniárias, ou mesmo a demissão, para o nomeante), aplicadas pela autoridade da transparência que agora se prevê criar junto do Tribunal Constitucional.

4. Quanto ao nepotismo na nomeação de colaboradores ou de outros funcionários por parte dos titulares de cargos públicos, ela está coberta pelo princípio constitucional da imparcialidade da Administração pública e já existe a norma dos impedimentos do art. 69º Código de Procedimento Administrativo, interpretada extensivamente, que exclui os cônjuges (ou equiparados), os ascendentes e descendentes e os irmãos, bem como os afins correspondentes (sogros e enteados, cunhados, genros e noras).
Como já escrevi anteriormente, penso que esta cobertura é hoje exígua e que devia ser ampliada aos parentes e afins até ao terceiro grau de parentesco (tios, sobrinhos).

5. Como também já escrevi, para além das incompatibilidades e impedimentos mínimos estabelecidos por lei, a ética política pode ser mais exigente, abrangendo um círculo de familiares maior, bem como os familiares próximos de outros membros do mesmo órgão político (por ex. de outros membros do Governo), ou até de outro, de que aquele dependa (por ex. de deputados).
O lugar apropriado para enunciar e punir estes impedimentos deontológicos não é, porém, a lei, mas sim os códigos de conduta internos de cada órgão (governos, câmaras municipais, Assembleia da República, etc.),a títulço de "responsabilidade ética".

Adenda
Não acompanho o Presidente da República, quando este defende que basta mexer na referida norma do CPA. Primeiro, os impedimentos legais nunca podem ir além do mínimo necessário; segundo, na atual situação todos os partidos de oposição preferem explorar a indefinição legal para zurzir no Governo. Por isso, defendo que, independemente de proposta legislativa, o Governo deveria - quanto antes, melhor -, "matar" a questão por via de uma aditamento ao seu próprio código de conduta.

domingo, 7 de abril de 2019

Geringonça (18): Voltar atrás

1. Sem que tal medida estivesse no programa do Governo, o PS e os demais partidos da esquerda parlamentar aprovaram o retorno da Casa do Douro ao estatuto de associação de direito público, como instituição de representação oficial e defesa dos interesses da vitivinicultura duriense, com inscrição e quotização obrigatória de toda a classe, revertendo a reconversão institucional determinada pelo anterior Governo.
Embora possa ser um exagero dizer que se voltou à "organização salazarista" do vinho do Porto, como afirma Manuel Carvalho no editorial do Público de ontem, e não seja de excluir à partida o regresso ao estatuto da Casa do Douro anterior a 2014, isso suscita duas questões complicadas:
   - primeiro, o estatuto de associação pública profissional supõe o desempenho de atribuições públicas suficientemente relevantes para justificar a criação legal de uma "corporação pública" e o afastamento da liberdade de associação, o que não parece ser o caso, pois a nova Casa do Douro não dispõe de nenhum poder de autoridade;
    - a representação da vitivinicultura por uma associação oficial unicitária e obrigatória, sem paralelo em nenhuma outra região demarcada, introduz uma óbvia assimetria em relação à representação profissional  dos comerciantes/exportadores no conselho interprofissional de representação paritária de corregulação dos vinhos do Porto e do Douro.

 2. Além disso, o novo estatuto oficial da CdD recupera alguns traços dos antigos "grémios corporativos" - como a competência para "desenvolver atividade comercial no domínio dos fatores de produção ligados à agricultura" e de "representar os associados (...) em convenções coletivas de trabalho" -, manifestamente conflituantes com a ordem constitucional vigente.
Não é fácil, em geral, acomodar a existência de entidades públicas de representação profissional numa ordem constitucional liberal-democrática, como se verifica desde logo com as ordens profissionais. Mais problemáticas se tornam ainda quando elas assumem poderes que só podem caber a entidades privadas, como é o caso.

Adenda
Um leitor objeta que, se a Casa do Douro persistiu como entidade pública na atual ordem constitucional entre 1976 e 2014, não vê razão para não voltar a ter o mesmo estatuto. Há algumas importantes diferenças, porém: (i) nessa altura a CdD não deixou de exercer alguns poderes públicos de regulação, que poderiam justificar a sua existência como entidade oficial; (ii) parece manifesto que esse estatuto não proporcionou à CdD um desempenho especialmente bem-sucedido; (iii) uma coisa é manter uma instituição por inércia, apesar de problemática, e outra coisa é repristiná-la depois de extinta, num modelo ainda mais problemático.

Adenda 2
Outro leitor lamenta que a Casa do Douro, património histórico coletivo da vitivinicultura duriense, acabe nas mãos de uma associação privada de representação profissional. Mas não tem de ser assim. Por exemplo, poderia ser transformada num instituto de investigação sobre o Douro, afeto à UTAD.

Adenda 3 (9/4)
Defendendo a solução legislativa adotada, o deputado Ascenso Simões - cujo desempenho parlamentar, empenhamento cívico e frontalidade política admiro - não afasta, porém, nenhuma das reservas que acima suscitei. Para uma lei ser boa não basta ter o acordo dos interessados e beneficiários.

sábado, 6 de abril de 2019

Dinheiro Vivo (9): A ilusão do IRS

Eis o cabeçalho do meu artigo de há uma semana no Dinheiro Vivo - suplemento de economia do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias -, contestando a ideia de que uma elevada taxa marginal de IRS constitui, só por si, o principal instrumento de redução da desigualdade de rendimentos.
É de acrescentar que, sendo Portugal um dos países com mais elevado IRS para altos rendimentos na União Europeia (em paridade de poder de compra), devia apresentar menor desigualdade de rendimentos, o que está longe de ser o caso...

Praça da República (19): É preciso normas, em vez de "bom senso"

1. Não podia discordar mais desta tese, ultimamente defendida por alguns políticos e comentadores, de que em matéria de nomeações de familiares por governantes basta o bom-senso e que este "não se legisla".
O problema é que não existe nenhum consenso sobre o que constitui bom-senso neste assunto, bastando mencionar a enorme diferença de posições defendidas a este propósito nas últimas semanas. Numa matéria sujeita às paixões políticas o bom-senso mede-se pelo critério de cada um.
Ora, nesta matéria o que se exige é clareza, para se saber o que é ou não admitido.
2. De resto, a experiência comparada em muitos países mostra que os impedimentos quanto à nomeação de familiares de governantes e equiparados constam de lei e/ou de códigos de conduta, o que confere certeza e evita especulações indevidas. O que importa é que as regras sejam públicas e o seu incumprimento sancionado.
Num post anterior adiantei a minha própria proposta, conjugando um círculo de nomeações proibidas (de familiares mais próximos) e outro de nomeações suscetíveis de censura ética (de familiares menos próximos e de familiares de outros membros do Governo ou de deputados). Como é bom de ver, o primeiro círculo tanto pode constar de lei como de código de conduta, enquanto o segundo só pode ser objeto de código de conduta.

Adenda
Penso que, em vez de remeter para a AR uma solução legislativa sobre as nomeações de familiares para funções de confiança política, protelando a resolução do assunto, António Costa faria melhor em "varrer a sua testada" quanto antes melhor, através de um aditamento ao código de conduta governamental, atalhando o risco de a questão de manter na agenda política, com os exageros que a falta de clarificação normativa proporciona à demagogia reinante.

Lisbon first (17): "Buraco negro"

Não poderia caracterizar melhor a macrocefalia nacional de Lisboa, que aqui tantas vezes tenho denunciado, do que o CEO da Critical Software, Gonçalo Quadros, quando escreve que somos um país “fortemente assimétrico […] vergonhosamente centrado em Lisboa. Lisboa é um buraco negro. Tem atraído tudo e mais alguma coisa, o que tem ajudado a que uma espécie de deserto prospere numa parte importante do país”.
De facto!

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Ai, a dívida (8): Baixar impostos?

Concordo com o Primeiro-Ministro em não defender uma redução de impostos enquanto Portugal mantiver um nível demasiado elevado de dívida pública e se quiser assegurar simultaneamente os necessários excedentes orçamentais e um nível razoável de investimento público e de capacidade de resposta dos serviços públicos.
Continuo a entender, porém, que a redução da dívida pública será tanto mais rápida, ceteris paribus, quanto mais moderado for o aumento de despesa corrente do Estado, sobretudo em remunerações, pensões e prestações sociais, que tem crescido demasidamente nos últimos anos, em comparação com o investimento público, com a agravante de constituir despesa permanente, insuscetível de redução em caso de inversão do ciclo económico.
A despesa permanente criada em período de "vacas gordas" continua a ter de ser paga quando as ditas emagrecem.

Adenda
Indo além do seu programa, o Governo acaba de acrescentar 240 milhões de euros / ano em despesas com o pessoal, a título de recuperação de tempo de serviço congelado durante o período de assistência financeira, que os futuros orçamento terão de suportar. Preferiria que essa verba fosse destinada a reforçar o investimento público, que tem ficado sempre aquém do orçamentado...

Puerta del Sol (4): Impasse político em Madrid?

1. A três semanas das eleições parlamentares em Espanha, a média das sondagens eleitorais organizada pelo El País aponta para um impasse político na constituição do Governo pós-eleitoral.
Enquanto o PSOE reforça a sua liderança (agora mais de 8 pp de vantagem sobre o PP), continuando porém longe de uma maioria à esquerda com o Unidos Podermos, os três partidos de direita também não somam os deputados suficientes para obter a maioria absoluta, o que inviabiliza uma solução à andaluza. Uma coligação centrista (PSOE-Ciudadanos) poderia ter uma confortável maioria parlamentar, mas o partido de centro direita exclui à partida tal coligação com os socialistas.
Nestes termos, a chave da solução governativa em Madrid poderia estar outra vez nos partidos regionais...

2. Um dado interessante é a recuperação do protagonismo político dos dois grandes partidos políticos tradicionais (PSOE e PP), agora colocados bem à frente dos novos partidos que chegaram a ameaçar a sua liderança eleitoral nos últimos anos.
Apesar da entrada da extrema-direita do Vox na liça política espanhola, sobretudo à custa do PP, tudo indica que a fragmentação parlamentar pode vir a ser menor do que o temido anteriormente.