terça-feira, 30 de novembro de 2021

Não concordo (27): Sobre o veto presidencial da despenalização da eutanásia

1. Embora lamentando o veto presidencial do novo diploma da despenalização da morte medicamente assistida (abreviadamente conhecida como eutanásia), não consigo acompanhar os protestos contra ele. Na verdade, ainda que se possa discutir se as razões invocadas pelo PR (aliás, nem todas pertinentes) bastam para justificar o veto legislativo, ele tem, porém, razão quanto à inconsistência conceptual do diploma

De facto, apesar de o art. 2º conter supostamente a definição das noções depois utilizadas, assim não sucede, todavia. O preceito-chave do diploma, que é o art. 3º, despenaliza a morte medicamente assistida, a pedido do interessado quando «em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença incurável e fatal» [negrito acrescentado]. Ora, o conceito de "doença incurável e fatal" não consta do art. 2º  (que define o conceito de "doença grave ou incurável", o que não é a mesma coisa). Acima de tudo, não faz sentido na intenção do diploma o requisito de "doença fatal", quando tal não se requere no caso de "lesão definitiva de gravidade extrema"; de resto, no nº 3 do mesmo artigo já se prescinde do requisito da "doença fatal". Em que ficamos?

Não dá para entender esta falha de rigor num diploma destes, já em segunda edição.

2. É certo que estas incongruências conceptuais poderiam não resistir a uma cuidada tarefa de interpretação jurídica e judiciária, pelo que o PR as utilizou como pretexto para um veto político, de fundo claramente ideológico, indo ao encontro da direita mais conservadora e travando a despenalização da eutanásia durante mais algum tempo.

Mas não deixa de ser igualmente evidente que os deputados que reformularam o diploma depois do juízo de inconstitucionalidade do TC deveriam saber que não podiam deixar margem ou pretexto a Belém para se prevalecer ostentatoriamente do poder de veto (que o atual Presidente tem exercido de forma assaz discricionária). Pouco cuidadosos foram e só de si mesmos se podem queixar.

Adenda
Um leitor pergunta o que vai a AR fazer do veto. Embora teoricamente o parlamento pudesse superar o veto, confirmando a lei por maioria absoluta, entendo que, dadas as razões do veto, se impõe a correção do diploma, aprovando uma terceira versão. Tudo depende evidentemente de se manter uma maioria favorável às despenalização da eutanásia no próximo parlamento -, o que nada faz temer que não aconteça.

Adenda 2
Saúde-se a reação da bancada parlamentar do PS, a dar a mão à palmatória presidencial.

Adenda 3 (1/12)
No seu editorial do Público de hoje, Manuel Carvalho destaca no veto a "astúcia" do PR; eu preferiria destacar a imperdoável incúria dos deputados.

Lisbon first (26): Circuito fechado

Todos os membros da direção agora nomeada para a CReSAP (o presidente e os três vogais permanentes) provêm da universidades de Lisboa (2 do ISCTE e 2 da FDUL), apesar de se tratar de uma resolução do Conselho de Ministros e de ter havido uma audição da AR. 

É fatal como o destino, esta tendência para as nomeações governamentais em circuito fechado dentro do universo universitário de Lisboa, como se houvesse "universidades do regime" com exclusivo de acesso a cargos públicos de nomeação. É somente mais uma vertente da atávica concentração do poder em Lisboa, como se o resto do País não existisse.

É tempo de começar a pensar em estabelecer quotas territoriais para as nomeações governamentais!

Eleições parlamentares 2022 (5): Os objetivos de Rio

1. Em relação ao último post, um leitor, que se declara do PSD, entende que Rui Rio ganhou por dizer ter melhores condições para ser primeiro-ministro e que, por isso, se terá de demitir, se não conseguir chegar ao poder, perdendo as eleições parlamentares em janeiro. Com o partido dividido quase a meio, só a vitória eleitoral o resguardará da revolta interna. 

Discordo deste argumento. Deixando de lado a questão de saber o que é que esteve por detrás da surpreendente vitória de Rio, penso ele está em melhores condições políticas do que Rangel para atingir dois objetivos importantes para o PSD: (i) impedir uma maioria absoluta do PS e (ii) apresentar uma alternativa política à reconstituição da aliança do PS com a esquerda radical.

Não é pouca coisa!

2. Penso que Rangel se desacreditou ao apontar um objetivo completamente irrealista (vitória nas próximas eleições parlamentares com maioria absoluta), recusando-se a dizer o que faria no caso de isso não se verificar e rejeitando liminarmente qualquer entendimento com o PS, enquanto Rio foi mais sério, ao admitir acordos com o PS (salvo coligação governamental), no caso de vitória de qualquer dos partidos sem maioria absoluta, assegurando a governação minoritária de qualquer deles sem ficarem reféns da extrema-esquerda ou da extrema-direita, respetivamente. 

Portanto, mesmo que o PS ganhe as eleições, como é mais provável, Rio atingirá um dos seus objetivos, se conseguir um acordo que afaste Costa da dependência em relação à extrema-esquerda e que abra caminho para algumas das reformas por ele defendidas (sistema eleitoral, justiça, SNS, etc.).

domingo, 28 de novembro de 2021

Eleições parlamentares 2022 (4): Combate ao centro

Com a surpreendente reeleição de Rui Rio à frente do PSD - o que lhe permite arrancar com mais força para as eleições de finais de janeiro -, o objetivo eleitoral do partido deixa de ser marcado pela polarização eleitoral da direita contra o PS (como seria com Rangel), para ser a conquista do centro, disputando-o ao PS. 

Este desfecho não é sem consequências quanto ao resultado eleitoral. Por um lado, a improvável hipótese de maioria absoluta do PS torna-se ainda mais distante. Por outro lado, a insistência do PS em privilegiar à partida uma aliança pós-eleitoral com o Bloco e/ou o PCP, ressuscitando a solução governativa a que o chumbo do orçamento pela esquerda radical parecia ter posto fim, dá um bom argumento político ao PSD nesse combate ao centro em que as eleições se vão tornar.

domingo, 21 de novembro de 2021

Eleiçoes parlamentares 2022 (3): Voltar ao mesmo?

1. Não dá compreender a ideia de que, se o PS ganhar as eleições sem maioria parlamentar, dará prioridade a um entendimento à sua esquerda, ou seja, com o BE e/ou o PCP.

Há dois argumentos contra essa opção de partida para as próximas eleições:

        - primeiro, depois das fundas divergências que motivaram o "chumbo" do orçamento que levou a esta crise política, não é sério admitir que um acordo de legislatura com esses dois partidos seria possível, sem cedências suscetíveis de pôr em causa o crescimento económico e a consolidação das finanças públicas;

        - em segundo lugar, uma aliança parlamentar com a extrema-esquerda implica necessariamente, como estes seis anos testemunharam, o seu veto a imprescindíveis reformas institucionais e políticas, desde a lei eleitoral ao SNS, passando pela justiça e pela economia, cujo adiamento penaliza o futuro do País.

Ou seja, mesmo que não fosse politicamente impossível, uma nova "geringonça" seria politicamente nociva.

2. Acresce que essa estratégia antecipadamente anunciada em favor de uma aliança pós-eleitoral à esquerda só prejudica as perspetivas eleitorais do PS, quer porque o priva do argumento do voto útil em relação ao eleitorado de esquerda, quer porque o pré-anúncio dessa preferência afasta o eleitorado de centro - que decide as eleições! -, que associa uma reedição da "Geringonça" a aumento contínuo da despesa pública corrente, carga fiscal elevada, medíocre crescimento económico, salário médio  baixo e congelamento das necessárias reformas.

Com uma mensagem destas, ao mesmo tempo que desiste implicitamente da luta pela maioria absoluta, o PS arrisca-se a dar sentido ao voto na extrema-esquerda e a alienar para a abstenção ou, mesmo, para o PSD muitos votos suscetíveis de serem atraídos por uma aposta convicta numa vitória robusta capaz de assegurar a estabilidade governativa de que o País precisa para a superação sustentada dos estragos da crise pandémica.

sábado, 20 de novembro de 2021

Corporativismo (22): Captura do Estado


Por larga maioria, incluindo os votos do PS e do PSD, a Assembleia da República rejeitou um projeto de integração da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores (CPAS) no sistema geral de segurança social.

Ora, sabendo-se que a CPAS constitui uma sobrevivência corporativista do Estado Novo (como desde há muito tenho mostrado, por exemplo AQUI) e tendo as demais caixas profissionais e sindicais do antigo regime sido integradas no sistema geral de segurança social estabelecido na Constituição - que, aliás, estipula que se trata de um sistema «único» -, o que é que justifica que os advogados mantenham, à margem da Constituição, o privilégio exclusivo de uma caixa de pensões própria, 45 anos depois da CRP e do fim do corporativismo?

A resposta é simples: porque, como é notório, se trata de um grupo profissional politicamente muito influente, com forte presença nos partidos políticos, no Governo e no parlamento, influenciando por dentro, pese embora o manifesto conflito de interesses, as decisões políticas que os afetam.  

Um caso manifesto de captura do Estado por um grupo profissional poderoso!

Adenda
Numa entrevista no recente nº 31 da revista Sollicitare da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, o antigo ministro da Segurança Social, Paulo Pedroso, afirma, com toda a razão, que «a CPAS é um entorse corporativo no sistema de segurança social português». Pelos vistos, porém, os principais partidos e as instituições da República convivem bem com esse entorse corporativo no sistema democrático vigente...

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Praça da República (59): Enriquecimento injustificado

Com a aprovação parlamentar, por unanimidade, da lei que pune a falta de declaração e de justificação de acréscimos patrimonais significativos por parte dos titulares de cargos públicos, termina bem a longa novela política da punição do chamado "enriquecimento ilícito" , na qual a direita e a extrema-esquerda parlamentar insistiram durante muito tempo na punição penal direta do enriquecimento injustificado, liminarmente presumido de ilícito, solução que acabou por ser declarada inconstitucional, como não podia deixar de ser.

A solução agora adotada, desta vez sem atropelo do princípios do Estado de direito, segue a linha que defendi AQUI há uma década: 

«Tal como propôs o PS, o que se pode considerar como crime é a falta de declaração oficial do património, quando obrigatória (titulares de cargos políticos). Mas também pode criar-se para os servidores públicos uma obrigação de indicar a fonte de qualquer acréscimo patrimonial significativo, cuja justificação pode e deve ser exigida pelo menos a todos os titulares de cargos políticos, durante o exercício do cargo e após o seu final, durante um ou dois anos. Depois, se houver incumprimento dessa obrigação, ele pode ser criminalizado e punido. Mas primeiro têm de ser criada a obrigação de justificação. Nesse caso não é o suposto enriquecimento ilícito que é crime, mas sim a violação de um dever legal de justificar os acréscimos patrimoniais - o que é muito diferente[negrito acrescentado]

Foi pena terem-se desperdiçado 10 anos de debate fútil, com muita tralha populista à mistura.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Outras causas (8): Muito a desejar


Se é verdade que, no que se refere às energias renováveis no seu conjunto (hídrica, eólica, solar, etc.), Portugal não faz má figura a nível europeu, como se pode ver AQUI, já no que respeita à energia solar em particular a posição de Portugal, segundo o quadro acima (extraído DAQUI) é surpreendentemente modesta, limitando-se a ficar em 33º lugar no ranking mundial da produção de energia per capita, ficando muito abaixo de outros países com condições bem menos favoráveis do que nós.

Na exigente corrida relativa à "transição climática" e à neutralidade carbónica, esse handicap quanto à energia solar é muito penalizador do desempenho do País. 

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Praça da República (58): Estado de emergência sem convocação da AR dissolvida?

1. Suscita-se a questão de saber se, na pendência da dissolução parlamentar (que vai ser decretada daqui a duas semanas), seria possível o PR decretar o estado de emergência apenas com a autorização da Comissão Permanente da AR, sem necessidade de convocar uma reunião plenária da própria AR para confirmar essa autorização, como a Constituição ordena.

Considerando o disposto na Constituição, tenho por certas duas coisas: (i) que o estado de emergência, que aliás ninguém antecipa, pode ser decretado pelo AR com a AR dissolvida, mas que (ii) não basta a autorização inicial da Comissão Permanente, devendo ser imediatamente convocada uma reunião da própria AR, apesar de dissolvida, para confirmar a autorização. 

Tal é a opinião desde há muito sustentada na CRP Anotada de que sou coautor, junto com J. J. Gomes Canotilho.

2. As razões para esta solução são duas:

   - primeiro, a dissolução parlamentar não extingue o mandato dos deputados, que por isso podem ser convocados em situações excecionais, quando a Constituição imponha a reunião da AR, visto que a Comissão Permanente só substitui o plenário no exercício dos poderes expressamente enunciados na Constituição e nos termos nela previstos;

   - segundo, e mais importante, o estado de emergência só se justifica quando seja necessário suspender o exercício de direitos, liberdades e garantias constitucionais; ora, se para restringir o seu exercício se exige sempre uma decisão ou autorização legislativa da AR, por maioria de razão ela se impõe no caso, muito mais grave, de suspensão de direitos.

Por isso, mesmo que a Comissão Permanente da AR não convocasse tal reunião, caberia ao PR fazê-lo, aliás no uso de uma faculdade constitucional.

domingo, 14 de novembro de 2021

Eleições parlamentares 2022 (2): Fundamentalismo

Sem prejuízo dos limites próprios dos "governos cessantes" com orçamento rejeitado (AQUI referidos), não concordo com a tese de que, uma vez marcadas eleições parlamentares - e mesmo antes de iniciada a campanha eleitoral - o Governo em funções, apesar de não estar demitido, fica impedido de fazer inaugurações de obras ou dar notícia das medidas tomadas para resolver as questões que se lhe deparem. Parece que o Governo se prepara para tal autorrestrição.  Mas a norma legal sobre neutralidade e imparcialidade eleitoral das entidades públicas não pode ser interpretada do modo radical com que tem sido pela Comissão Nacional de Eleições.

O que essa norma quer dizer é que o Governo e os seus membros, enquanto tais, não podem intervir no debate eleitoral nem tomar posição pública sobre as eleições ou sobre as candidaturas. Quando muito, além disso, se forem candidatos a deputados, os membros do Governo também devem suspender a sua atividade governativa pública. Tudo o mais é, a meu ver, uma limitação ilegítima da atividade governativa. Salvo se demitido, a convocação de eleições não manda o Governo para um convento...

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Ai Portugal (8): Assim não vamos lá

1. Este gráfico, colhido AQUI, evidencia uma das razões pelas quais Portugal vai perdendo posições no ranking do PIB dos países da União -, que é o baixo nível do investimento público.

É certo que segundo o rejeitado orçamento para 2022 se previa um aumento significativo do investimento público em relação a 2019, não somente do que é financiado por fundos da UE (nomeadamente o FRR), mas também do que é financiado com recursos nacionais. Mas, mesmo que o investimento projetado venha a ter lugar apesar da rejeição do orçamento, Portugal, embora deixando a posição de "lanterna vermelha" que tinha em 2019, apenas passará a ser o quarto País com menor investimento público em percentagem do PIB, muito abaixo da média da União, e muitíssmo abaixo da generalidade dos países do Leste europeu, que assim vão continuar a ultrapassar-nos na corrida da convergência dentro da UE

2. Ora, sendo notório que Portugal não tem uma carga fiscal propriamente baixa e tem um nível comparativamente alto de despesa pública, o défice de investimento público só pode dever-se ao facto de haver uma proporção demasiado elevada de despesa corrente (salários, pensões e outras tranferências, etc.). O que se gasta a mais em despesa corrente não sobra para investimento.

Assim não vamos lá. Nem o FRR nos vale...

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Praça da República (57): Reformas em prol da estabilidade governamental

1. É quase certo que o partido que vencer as próximas eleições antecipadas, previsivelmente o PS, não vai obter maioria parlamentar por si só ("maioria absoluta"). Até agora, um partido sozinho só conseguiu maioria parlamentar em três das quinze eleições parlamentares (1987, 1991 e 2005).

Ora, sendo claro que a extrema-esquerda não aceita os compromissos necessários para assegurar finanças públicas e economia sãs (como mostrou a sua rejeição do orçamento e a interrupção da legislatura) e sendo igualmente claro o afastamento de uma "grande coligação" com o PSD, parece que estamos condenados a um novo governo minoritário do PS. 

O mesmo se poderia dizer de uma eventual vitória do PSD, com maioria relativa - visto que uma maioria absoluta se apresenta ainda mais longínqua do que no caso do PS -, igualmente sem possilidade de alianças para um goveno maioritário, agora que o CDS está em vias de desaparecimento, a IL ainda é pequeno e o Chega não é aliado recomendável.

São más, portanto, as perspetivas sobre estabilidade governamental, fator importante da estabilidade das finanças públicas e do desempenho da economia. Podemos estar em risco de um novo período de governos de curta duração e de escassa capacidade governativa.

2. De facto, o fado dos governos minoritários sem acordos de apoio parlamentar consistentes é o de serem incapazes de realizar o seu programa, serem forçados a cumprir leis aprovadas contra a sua vontade, de acordo com a agenda política das oposições e correrem o risco de verem rejeitado o principal instrumento de governação (o orçamento) ou vê-lo estropeado pelas oposições reunidas, para não falar da hipótese extrema de moção de censura.

Que reformas do sistema político poderiam favorecer a estabilidade governativa, permitindo que os governos cumpram os seus programas e submetendo-os, sem desculpas, ao julgamento eleitoral no final do mandato?

3. A primeira reforma deveria consistir em tornar menos rara a possibilidade de maiorias absolutas, baixando o seu limiar eleitoral para cerca de 40% (em vez dos atuais 44-45%), através da divisão dos atuais megacírculos eleitorais (Lisboa, Braga, Porto, Aveiro, Setúbal), de tal modo que nenhum círculo pudesse eleger mais do que uma dezena de deputados. Um círculo eleitoral nacional de um décimo dos deputados (23) permitiria dar utilidade aos votos nos partidos menores em qualquer parte do território nacional (o que hoje não sucede) e assegurar-lhes um mínimo de representatividade parlamentar.

É tempo de acabar com uma situação em que os dois maiores círculos eleitorais elegem muito mais de um terço dos deputados e que no maior deles (Lisboa), baste menos de 2% para eleger um deputado, mesmo sem indêntica votação a nível nacional. Dada a tentência de aumento dos deputados desses dois círculos, por causa da deslocação populacional, é um convite para uma crescente fragmentação parlamentar

4. Não bastando essa refoma, obviamente, para garantir governos de maioria, importa também conferir aos governos minoritários melhores condições de governabilidade e durabilidade do que as que dispõem hoje, reduzindo a possibilidade de serem vítimas de alianças oportunísticas das oposições ("coligações negativas").

Par esse fim, poderiam ser pensadas as seguintes soluções:

    - moção de censura "construtiva", afastando moções de censura que não apresentem uma alternativa quanto ao novo governo e ao seu programa, destinadas somente a derrubar o governo em funções, mediante aliança das oposições sem nada em comum entre si;

    - necesidade de assentimento governamental para aprovação das propostas de alteração parlamentar do orçamento que aumentem a despesa pública prevista no proposta de lei do orçamento (ou seja, extensão da atual "lei-travão" à própria aprovação do orçamento);

    - admissão de moção de confiança governamental sobre a votação do orçamento, implicando a sua aprovação a ratificação do orçamento e a sua rejeição, a demissão do Governo, dando assim ao orçamento a importância fulcral que ele tem na condução da política governamental.

5. Todas estas reformas carecem de maioria especialmente qualificada (2/3) e, salvo a primeira, exigem revisão constitucional. Por enquanto, os dois maiores partidos (PS e PSD) ainda somam mais de 2/3 no parlamento - o que não é comum nos demais países da União -, mas a tendência para a fragmentação parlamentar pode pôr em causa essa situação, dificultanto a possibilidade de tais reformas, se adiadas. 

Era conveniente que os dois principais partidos refletissem sobre o assunto, em prol da estabilidade e da responsablidade política no País, cada vez mais um "bem público" de elevado valor.

As atuais circunstâncias são propícias a essa reflexão, dado não se saber que solução governativa vai sair das próximas eleições e não havendo possibilidade de veto político dos partidos menores, como condição de entendimento governativo com um dos dois partidos centrais (como tem sucedido até agora com a reforma do sistema eleitoral). 

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Bicentenário da Revolução Liberal (35): Apresentação de resultados

1. Assinalando a recente publicação do III volume da série de monografias sobre a Revolução Liberal, de Vital Moreira e José Domingues, sobre a vida e obra de José Ferreira Borges (Porto Editora), a Universidade Lusíada / Porto, em cujo programa de investigação a obra se integra (com apoio da C. M. Porto), vai proceder à apresentação conjunta da trilogia no próximo dia 11, quinta-feira, pelas 11:30, no novo campus da Universidade (Rua de Moçambique, Aldoar).

Além dos autores, vão intervir na sessão o Prof . J. Adelino Maltez (Universidade de Lisboa), apresentando a referida obra sobre Ferreira Borges, o diretor da revista JN /História, Pedro Olavo Simões, o Reitor da Universidade Lusíada, A. de Oliveira Martins, e o presidente da Comissão Nacional para as Comemorações do Bicentenário do Constitucionalismo, Guilherme de Oliveira Martins.

A entrada é livre. 

2. Não se limitou a esta trilogia bibliográfica a nossa contribuição para o bicentenário da Revolução Liberal, a qual passou também - como se pode ver nos cartazes abaixo - pela organização de dois colóquios no âmbito das comemorações municipais do Porto em 2020 - cujas atas já foram (num caso) ou vão ser (noutro caso) publicadas - e pela publicação de vários estudos em revistas especializadas (na Espanha e no Brasil) e de outros artigos de divulgação na revista História do Jornal de Notíciais, tarefa que, aliás, contamos prosseguir.

Apraz-nos apresentar os resultados do compromisso de honrar, pela investigação, a Revolução Liberal de há 2o0 anos, em que desde 2017 nos empenhámos, como académicos e como cidadãos.


sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Eleições parlamentares 2022 (1): O dilema eleitoral do PS

1. A principal questão a que o PS vai ter de responder nos próximos quatro meses, até às eleições - e quanto mais cedo, melhor -, é a seguinte: depois do falhanço da "Geringonça" como fórmula de governo - pois foram os próprios "aliados" que deliberada e friamente derrubaram o Governo -, e caso as eleições não alterem substancialmente o atual quadro parlamentar (como as primeiras sondagens deixam entender), vai o PS insistir nessa fórmula, tornando-se de novo refém do BE e do PCP quanto à duração do mandato, ou vai optar por alianças de geometria variável com outros partidos, conforme os temas em causa, incluindo quanto ao orçamento, como era tradicional nos governos minoritários do PS? 
A resposta antecipada a esta questão pode ser importante para os próprios resultados eleitorais do PS, pois a opção de muitos eleitores vai depender da perspetiva de recondução, ou não, da aliança privilegiada à esquerda e do consequente "afunilamento" ou abertura das opções governamentais
 
2. No campo socialista há observadores que defendem que o PS integra o mesmo "campo político" que o PCP e o BE, ou seja, a esquerda, com a qual deve governar (como defende hoje Pedro Adão e Silva, no Expresso), em oposição ao campo da direita, liderado pelo PSD. 
Só que até 2015 prevalecia no PS o entendimento de haver três campos políticos: a extrema-esquerda (BE e PCP), o centro-esquerda ou esquerda moderada (PS) e a direita (PSD e CDS). O previsto crescimento substancial do Chega nas próximas eleições - provavelmente o principal beneficiário da antecipação das eleições - vai, aliás, dar lugar a um quarto campo político, a extrema-direita, tão diferenciada da direita moderada como a extrema-esquerda do PS. 
Neste quadro político, reduzir o espectro partidário à bipolarização entre Esquerda e Direita, no singular, constitui uma simplificação grosseira da realidade política. Em Portugal, a chamada Esquerda declina-se no plural (as esquerdas), e existem mais profundas diferenças políticas e programáticas entre o PS e as demais esquerdas do que entre o PS e o centro-direita. 
Se se considera má solução uma grande coligação de governo ao centro - opinião de que compartilho, pois entendo que deve haver sempre uma alternativa de governo na oposição -, com que lógica se defendem soluções que implicam coligações ou protocoligações à esquerda, onde há muito menos convergência de posições e que, aliás, põem em causa a autonomia estratégica do PS, como mostrou a experiência destes anos?

Adenda
Um leitor dá uma solução: o PS anunciar que só encara uma nova aliança política à esquerda com base num compromisso assinado - que provavelmente o próprio PR vai exigir - , segundo o qual não seria posto em causa nem o rigor das finanças públicas nem a competitividade da economia, «deixando ao Bloco e ao PCP o ónus de recusar essa fórmula governativa». Não é mal pensado...

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Assim vai a politica (9): Supina irresponsabilidade política

1. Na reunião do Conselho de Estado que deu parecer favoravel à dissolução parlamentar, só os representantes do BE e do PCP (Francisco Louçã e Domingos Abrantes, respetivamente) votaram contra. Ora, foram esses mesmos partidos que "decretaram" a dissolução, ao rejeitarem o orçamento, quando o PR tinha repetidamente advertido que a rejeição do orçamento implicava dissolução parlamentar, por abrir uma crise política sem outra saída viável. 

Esta flagrante contradição, recusando aceitar as consequências necessárias das suas opções,  revela mais uma vez a supina irresponsabilidade política da esquerda radical.

2. É certo que provavelmente (e desejavelmente!) vão ser eleitoralmente punidos, por se juntarem à direita para rejeitar o orçamento, privando muitos portugueses de menores rendimentos das vantagens que ele lhes trazia. 

Mas se forem os vencidos das eleições, ao mesmo tempo que dão chances eleitorais  à direita e à extrema-direita, a si mesmos o devem. Terão o que levianamente buscaram.

Aplauso (21): Um compromisso oportuno

1. É de saudar este enfático compromissso de António Costa sobre a política orçamental. Parafraseando (em Inglês e tudo!) a célebre proclamação de Mario Draghi, como governador do BCE, sobre a estabilidade do euro, o Primeiro-Ministro, deixou claro que o Governo fará «tudo o necessário para assegurar finanças públicas sãs».

Este compromisso é especialmente relevante quando o Governo viu rejeitado o orçamento pela extrema-esquerda parlamentar (PCP e BE), por não terem conseguido valer alterações orçamentais (e outras) que implicavam um substancial aumento da despesa corrente permanente, nomeadamente em pensões. 

O compromisso de Costa quando à robustês das finanças públicas assinala também implicitamente o esgotamento da fórmula governativa da chamada "Geringonça", pois os referidos partidos jamais poderiam subscrever esse compromisso, que consideram uma imposição "neoliberal" de Bruxelas contra a "soberania orçamental" nacional.

2. Mas as "boas contas" não são o únic0 desafio de um Governo social-democrata a fim de garantir o avanço do Estado social (saúde, pensões e outras prestações sociais, educação, etc.).  

Tão importante quanto isso é o bom desempenho da economia, em termos de criação de emprego qualificado, de melhores salários, de competividade externa, de coesão económica interna, de convergência no seio da União Europeia. Por isso, seria bom que António Costa pudesse também assumir um compromisso de fazer tudo o necessário para assegurar uma economia saudável.

Adenda
Um leitor observa que a frase do líder do PS também é indiretamnte uma resposta à opinião de Pedro Nuno Santos, segundo a qual a "Geringonça" não é uma experiência  esgotada e que a Direita (incluindo certamente o que ele considera a direita do PS...) não deve dá-la como morta. Bem observado!