sábado, 25 de fevereiro de 2023

Lisbon first (28): O Governo da capital

 

Benificiando de cerca de 2300 milhões de euros de fundos, o PRR é um maná para Lisboa.

Como se não bastasse ter as vantagens de alojar as instituições centrais do Estado - ministérios, tribunais centrais, institutos públicos, empresas públicas, museus, teatro nacional, ópera, etc. -, a capital beneficia também da generosidade do Estado no que respeita a despesas que, segundo normais regras de descentralização territorial, não lhe deviam caber, como o metropolitano, as ajudas aos transportes públicos urbanos, a habitação, etc. etc. Por isso, já não surpreende mais este privilégio na repartição do PRR.

Visto de longe, o Governo da República parece ser, antes de mais, o Governo da capital.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Não dá para entender (30): Deriva corporativista

1. Depois de, ao longo destas décadas, ter sido campeão na proliferação e banalização das ordens profissionais (até há uma Ordem dos Economistas!), o PS vai mais longe, propondo de novo ressuscitar a Casa do Douro como "associação pública", ou seja, como entidade de representação profissional oficial, unicitária e obrigatória da viticultura da região demarcada do Douro, regressando a 1932, nos primórdios do corporativismo do Estado Novo, e ao arrepio do modelo de autorregulação interprofissioal vigente, com base em associações profissionais livres, aliás comum a todas as regiões demarcadas.

É evidente que, para ser congruente e respeitar o princípio da igualdade, o PS deveria propor também a recriação do antigo Grémio dos Exportadores e restaurar o modelo corporativo nas demais regiões vinícolas. Como o não faz, torna-se evidente que a recriação da Casa do Douro como organismo oficial obedece a uma motivação puramente regionalista e oportunista.

2. Aprofundando a minha posição anticorporativista, venho defendendo nos últimos anos (por exempo, AQUI e AQUI) que a representação oficial de certas profissões não é compatível com a democracia liberal, baseada na liberdade e no pluralismo de associação, na separação entre interesse público e interesses privados e na exclusiva dedicação da Administração pública à defesa do interesse público.

Mesmo não indo tão longe, creio ser consensual a ideia de que o monopólio de representação profissonal oficial só se pode justificar, caso ela seja imprescindível ou pelo menos necessária para o desempenho das tarefas públicas confiadas pelo Estado às entidades profissionais, no quadro da autorregulação e autodisciplina profissional, como se tem entendido, até agora, ser o caso das ordens profissionais.

É certo que, para tentar contornar o chumbo do Tribunal Constitucional a uma anterior tentativa de  recriação da Casa do Douro como entidade pública associativa, a projeto do PS entrega-lhe agora o desempenho de algumas tarefas públicas, como o registo oficial dos viticultores e o respetivo cadastro predial, expropriadas ao Instituto dos Vinhos do Porto e do Douro (IVDP), mas não se vê em que é a execução de tais tarefas puramente burocráticas exige a representação oficial, unicitária e obrigatória dos viticultores do Douro. Não existe nenhuma correlação orgânica entre as duas coisas.

A suposta causa não justifica a consequência.

3. Independentemente da questão constitucional, não vejo como é que politicamente esta deriva corporativista do PS pode ser compatível com as suas próprias fontes doutrinárias como partido social-democrata, designadamente o liberalismo, o republicanismo, a democracia e os direitos sociais. 

Nenhuma dessas fontes legitima a opção corporativista e várias delas a contrariam. Numa democracia liberal e republicana, a representação profissional releva da liberdade de associação e o Estado cuida exclusivamente do interesse público e não de interesses de grupo, por mais politicamente relevantes que estes sejam.


terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Não concordo (42): O Estado senhorio

1. Um aspeto negativo no pacote governamental de medidas para a habitação, que não tem merecido a devida atenção, consiste em fazer impender sobre o Estado central - e não sobre os municípios, como deveria ser -, as dimensões "prestacionais" do direito à habitação, incluindo a disponibilização de terrenos para construção, a oferta pública de casas para arrendamento, ou a tomada de arrendamento de casas privadas para subarrendamento. 

Com tais medidas, além de regulador do setor e da utilização de instrumentos fiscais e financeiros, o Estado torna-se também um grande senhorio nacional, arrendando, reparando casas, exigindo a cobrança de rendas, entrando em litígios judiciais, etc., etc.

Trata-se de uma visão hipercentralista e governamentalista, que contraria a solução municipalista que é adotada em geral noutros países.

2. Sucede, porém, que a Constituição não se limita a consagrar o princípio da descentralização territorial do poder público, mas também o princípio da subsidiariedade, segundo o qual o Estado só deve assumir as tarefas públicas que não possam ser bem desempenhadas pelas coletividades infraestaduais, designadamnte os municípios.

Ora, não existe nenhuma razão para pensar - aliás, tendo em conta os exemplos alheios - que os municípios, se dotados dos meios financeiros apropriados, não estariam em melhores condições, desde logo, a proximidade, para inventariar e responder às carências habitacionais nos seus munícipes.

Aparentemente, o Governo quis tirar rápido partido da "cornucópia" do PRR para fazer um "brilharete político", cooptando essa tarefa em susbtituição dos municípios. Além do princípio constitucional da subsidiariedade, escandalosamente ignorado, a outra vítima é a consistência do discurso do Governo e do PS em prol da descentralização

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Guerra na Ucrânia (53): A guerra também é nossa

Nesta entrevista de hoje ao Público sobre a Guerra da Ucrânia, em que se mostrou inteiramente alinhado com o discurso bélico ocidental, o Primeiro-Ministro subscreveu também a posição de que só Kiev «tem legitimidade para definir qual é o momento e quais são os termos e as condições para negociar a paz», pelo que os aliados devem abster-se de interferir nesse processo.

Permito-me discordar desssa posição. Um ano depois de iniciado, o conflito é, cada vez mais, uma guerra também dos Estados Unidos e, especialmente, da UE: no fornecimento de armas e no treino da sua utilização, no acolhimento dos refugiados, no financiamento maciço do orçamento e da economia da Ucrânia, sem falar no custo astronómico da sua reconstrução pós-bélica. Quanto mais a guerra se prolonga, mais esses custos se elevam, à custa dos orçamentos e dos contribuintes europeus.

Ora, se a guerra também é nossa, porque a pagamos, não podemos deixar de ter uma palavra sobre o momento e as condições para lhe tentar pôr termo.

Adenda
Um leitor entende que a Europa está "tramada", porque o Presidente dos EUA «vai querer prolongar a guerra até às eleições presidenciais do próximo ano», utilizando-a como trunfo eleitoral; desta vez na guerra de Washington contra o velho inimigo do século passado, «não há soldados americanos a morrer» e os Estados Unidos até estão a ganhar economicamente com ela. Penso que tem razão.

Não concordo (41): O caso do arrendamento compulsivo

1. Independentemente da questão da sua desconformidade constitucional (sobre que me pronuncio abaixo), considero um erro político a proposta de arrendamento compulsivo das habitações "devolutas" ao Estado no novo "pacote" de políticas de habitação.

Por um lado, os custos da sua implementação - dificuldades práticas de aplicação e, previsivelmente, um elevado contencioso entre proprietários e Estado - podem vir a superar as suas discutíveis vantagens. Por outro lado, sendo a falta de confiança no Estado por parte de investidores e proprietários um dos principais fatores do défice de construção e de oferta no mercado de arrendamento, uma medida tão intrusiva e tão "ideológica" como esta só pode agravar essa desconfiança. Desde há muito se sabe que a insegurança e a imprevisibilidade quanto aos direitos de propriedade são fatais para o investimento.

Um provável tiro pela culatra, portanto.

2. Quanto à questão constitucional, não concordo nem com quem entende que se trata de uma «medida equiparada à expropriação» (e, logo, inconstitucional à partida, por falta de previsão na CRP), nem com quem defende, inversamente, que não há nenhum problema, em virtude da «função social da propriedade».

Não tenha dúvidas de que, embora o direito à habitação (tal como os demais direitos sociais) seja exigível apenas ao Estado (em sentido amplo) e não aos proprietários privados, a sua realização por aquele pode, porém, justificar a restrição de direitos, liberdades e garantias de terceiros, como é o direito de propriedade e a liberdade contratual. Ponto é que se preencham os requisitos cosntitucionais da necessidade e da proporcionalidade das restrições em causa.

Ora, o que pode justamente questionar-se é saber se o mesmo objetivo - ou seja, a mobilização de habitações devolutas para o mercado de arrendamento - não poderia ser atingido por meios menos lesivos dos referidos direitos do que o arrendamento compulsivo ao Estado, designadamente através da penalização fiscal dessas situações e de incentivos fiscais ao arrendamento.

Tendo a pensar que sim.


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Economia social de mercado (5): Cogestão, porque não?

1. Estive hoje no lançamento deste livro em Coimbra por duas boas razões: porque prezo muito o autor e porque o tema me interessa, académica e politicamente.

Trata-se de uma abordagem acessível de um tema pouco debatido entre nós, a saber, a representação dos vários stakeholders, e não somente dos stockholders (acionistas), no conselho de administração das grandes sociedades. A questão tem a ver sobretudo com a participação de representantes dos trabalhadores da empresa, como sucede há muitas décadas na Alemanha ("cogestão"), solução que entretanto se estendeu a outros países europeus, a começar nos países escandinavos.

Em Portugal, porém, apesar de a própria Constituição impor a participação dos trabalhadores no governo das empresas públicas - o que, aliás, não é, em geral, cumprido -, o tema não tem entrado na agenda política nem sindical.

2. Desde há muito que defendo a participação dos trabalhadores no governo das sociedades acima de determinada dimensão (por exemplo, AQUI, AQUI, AQUI e AQUI), considerando que essa solução faz todo o sentido no âmbito de uma "economia social de mercado", onde as empresas não podem limitar-se a "criar valor" para os acionistas. 
Tenho de constatar, porém, que o partido político que deveria lutar por essa reforma, que é o PS, não tem pegado nessa bandeira da social-democracia europeia - sendo essa uma das falhas que apontei no programa eleitoral do PS de 2022 -, e nem sequer a tem incluído nos temas de debate político-doutrinário promovidos pelo partido ou a submeter à consideração do Conselho Económico e Social.
O facto é que não vejo explicação para tal opção política!

Adenda
Verifico que no seu projeto de revisão constitucional o PS propõe o alargamento do direito à representação dos trabalhadores aos órgãos sociais das empresas privadas, nos termos a definir por lei, embora sem adiantar nenhuma explicação para esta pequena revolução político-doutrinária. Resta saber se esta importante inovação vai merecer o investimento político necessário para recolher o apoio do PSD.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Este país não tem emenda (34): Puro egoismo proprietário

Não deixa de ser estranha a convocação de um referendo sobre o alargamento do estacionamento pago - apesar de a Constituiação, por razões óbvias, proibir os referendos sobre matéria tributária (em que se incluem as taxas) -, quando era evidente que a rejeição venceria por larga margem, como se verificou.

Em Portugal, a generalidade das pessoas continua a entender que não tem de incluir os custos de estacionamento no custo do automóvel, por achar que tem direito a estacionamento gratuito. Ora, (i) não existe nenhum direito privado a ocupar livremente o espaço público e (ii) e enquanto houver estacimento gratuito, as cidades vão continuar a ser invadidas por automóveis, tornando a vida urbana num inferno.

O referendo de Benfica é uma manifestação de puro egoismo proprietário e de completa insensibilidade perante a degradação da qualidade de vida urbana.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Não concordo (40): Confessionalismo escondido com o gato de fora

1. É fácil vencer um argumento contra um adversário inventado, como neste texto sobre a polémica do "palco-altar" da JMJ projetado pela CML.

Com efeito, que eu saiba, nenhum constitucionalista acusou de inconstitucionalidade «emprego de dinheiros públicos na Jornada Mundial da Juventude de Lisboa», porque isso seria tonto. Mas uma coisa é Estado "cooperar" na realização da JMJ - como, aliás, apoia outras iniciativas sociais e culturais da Igreja Católica -, outra coisa é, como assinalei aqui, substituir-se à Igreja Católica (ou a qualquer outra) na planificação e construção de equipamentos especificamente religiosos (neste caso um altar, com cruz e tudo, e uma capela), o que só pode ser exclusivo delas.

2. Se, em nome de um oximoro conceptual, como "laicismo cooperativo" (e já agora, seletivo), se considerasse admissível tal transferência de responsabilidades religiosas para Estado, então teríamos de admitir, aliás ao abrigo do princípio da igualdade e não discriminação, que ele assumisse iguais incumbências em relação a outras religiões, dedicando-se, por exemplo, à planificação, financiamento e execução de sinagogas, mesquitas, templos evangélicos, etc.

Por mais flexibilidade que possa ser dado ao princípio da separação entre Estado e as igrejas (sem exceção), dela deve estar, porém, excluída a possibilidade de ele comportar o desempenho pelo primeiro de tarefas especificamente religiosas das segundas. Separação quer dizer, pelo menos, a cada lado a sua própria jurisdição, sem invadir a do outro (mesmo que este agradeça...).

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Praça Schuman (14): Democracia e governo da UE

No sábado que vem, dia 11 de fevereiro, vou participar neste programa de pós-graduação sobre direito da UE, com uma palestra sobre a democracia e o sistema de governo da União.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Guerra na Ucrânia (52): Uma receita para o desastre

1. A notícia de que o Chega exige que o Governo declare a Rússia como Estado terrorista permite sublinhar que há um óbvio plano em marcha para envolver diretamente a UE na Guerra da Ucrânia

Na verdade, impulsionado por Kiev e pelos "falcões da guerra" dentro da UE (Polónia, países bálticos e escandinavos), está em curso avançado um processo tendente a: (i) fazer entrar a Ucrânia rapidamente na UE, mesmo estando em guerra (o que é insano), e deixando para trás os países balcânicos, que há muito esperam a adesão, e a (ii) levar as instituições da União e todos os Estados-membros a qualificar a Rússia, não apenas como agressor, mas também como "Estado terrorista".

2. Que importância é que tem essa qualificação? Decisiva. 

Se conseguirem os seus objetivos, a primeira coisa que a Ucrânia faria como membro da União seria ativar a "cláusula de solidariedade", estabelecida no art. 222º do TFUE, segundo o qual, «em caso de ataque terrorista» contra um Estado-membro, «a União mobiliza todos os meios ao seu dispor, incluindo meios militares disponibilizados pelos Estados-membros».

Ou seja, um guerra direta entre a UE e a Rússia, preto no branco, que rapidamente poderia degenerar em III Guerra Mundial, com o possível arrastamento dos EUA e da China.

3. Que o "partido da guerra", com a conivência dos partidos da direita europeia, não recua perante essa ominosa perspetiva, assusta. Mas que a esquerda europeia em geral e os socialistas em especial possam ser cúmplices, isso ultrapassa o entendimento.

Felizmente, não parece que em Portugal nem o Governo nem o PS tenham ensandecido.

domingo, 5 de fevereiro de 2023

Um pouco mais de jornalismo, sff (18): O legado do jornal Público

Ao censurar severamente, com toda a razão, um lamentável artigo do Público sobre a questão da construção da altar da Jornada Mundial da Juventude pelo município de Lisboa - que eu tinha já assinalado AQUI, apontado a violação da separação constitucional entre o Estado e as igrejas -, o Provedor do Leitor veio resgatar o legado de jornalismo crítico e respeitador do pluralismo de opinião do diário fundado por Vicente Jorge Silva. 

Ainda bem: aquela peça de jornalismo acrítico e subserviente não podia ficar impune.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Corporativismo (40): Nova lei das ordens profissionais em questão

1. Fez bem o Presidente da República em pedir a fiscalização preventiva da constitucionalidade da nova lei das ordens profissionais, dadas as objeções suscitadas quer pelas ordens quer no debate parlamentar sobre ela. 

De resto, o PR nem sequer tem de pedir ao TC uma pronúncia de inconstitucionalidade, como sucede na fiscalização sucessiva, bastando invocar dúvidas relevantes, mesmo que as não subscreva, para obter a clarificação da questão. Tal é uma das funções da fiscalização preventiva, em prol da segurança jurídica.

2. Penso, porém, que o PR não tem razão quanto à sua principal objeção à lei, que é a de um suposto "princípio de autorregulação" das ordens profissionais.

Ora, importa dizê-lo à partida, não existe nenhum direito constitucional nem a criar ordens profissionais nem à autorregulação profissional. Trata-se sempre de decisões discricionárias do Estado, que aliás precisam de fundamentação, e que são sempre reversíveis.

A única condição constitucional é a gestão democrática (autogoverno) das ordens profissionais que sejam criadas (o que não está em causa na lei), sem prejuízo da tutela estadual, por se tratar de entidades públicas no exercício de poderes públicos delegados pelo Estado.

3. Quanto às funções de regulação e disciplina profissional, que pertencem sempre originariamente ao Estado, este só a atribui às ordens profissionais, como autorregulação e autodisciplina, na medida e nas condições estabelecidas na lei

Não existe nenhum direito natural ou constitucional a uma autorregulação e autodisciplina geral e absoluta da profissão por parte das ordens profissionais.

4. Um dos fatores essenciais da questão, que a nota presidencial ao TC omite, é que as ordens profissionais não são somente entidades reguladoras, mas também entidades de representação e defesa de interesses profissionais (um enorme privilégio das profissões "ordenadas"), o que gera o risco - que a prática frequentemente comprova -, de as ordens enviesarem o exercício dos seus poderes públicos de regulação (acesso à profissão, poder disciplinar, etc.), em função dos interesses corporativos que concomitantemente prosseguem e em prejuízo dos utentes e do interesse público. O défice de exercício do poder disciplinar é gritante entre nós. 

Este fator pode justificar perfeitamente quer a imposição de um provedor dos direitos dos clientes quer a participação de leigos nos órgãos de supervisão e de disciplina profissional, cuja nomeação, aliás, a lei confere às próprias ordens e não a entidades estranhas, salvaguardando, portanto (a meu ver, excessivamente...), a autonomia das ordens.

Adenda
Um leitor pergunta onde está o «privilégio» de as ordens representarem e defenderem os interesses profissionais dos seus membros. Primeiro, elas são unicitárias e de inscrição universal obrigatória e dispõem de recursos públicos (as quotas são contribuições tributárias), ao passo que as demais profissões têm de recorrer a associações voluntárias e, por vezes concorrentes, e dependem das quotas dos seus membros. Uma diferença abissal, violando o princípio da igualdade. Em segundo lugar,  num Estado de direito liberal, não há nenhum fundamento constitucional para que a defesa de interesses particulares caiba a entidades públicas, como são as ordens. Por isso, diferentemente do que tendia a admitir há 30 anos, hoje defendo que a função de representação e defesa profissional das ordens não tem cabimento constitucional. Eis uma questão constitucional de fundo, que não foi suscitada pelo PR. É pena!

Adenda 2
Um leitor objeta que o conselho de supervisão não é compostos somente por membros designados pelos órgãos eletivos das ordens, pois inclui membros cooptados, o que viola o princípio democrático. Discordo: o princípio democrático só vale naturalmente para os órgãos de governo das ordens (conselho, bastonário), não fazendo sentido aplicá-lo ao órgão oficial independente de regulação profissional, com poderes delegados pelo Estado. De resto, uma esmagadora maioria dos seus membros (80%) são designados pelos órgãos eletivos das ordens e somente 20% são cooptados, o que daria para preencher o requisito democrático, se se entendesse que ele era aplicável também aqui.


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

+ Europa (71): UE atrasa-se

1. Como mostra o quadro acima, sobre as previsões económicas do FMI para 2023, mais uma vez a União Europeia, embora contrariando as piores previsões anteriores, vai crescer bem menos do que os seus competidores na frente do grupo das maiores economias, atrasando-se de novo em relação aos Estados Unidos e à China.

Obviamente, a guerra da Ucrânia tem um papel nisto, dado o seu forte impacto negativo na economia europeia (energia mais cara, perda do mercado russo) e o seu impacto positivo tanto nos Estados Unidos (indústria de armamento, exportações de energia) e na China (energia russa mais barata e aumento das exportações para o mercado russo).

O problema é que essa assimetria não se afigura ser passageira...

2. Curiosamente, a economia russa também vai voltar a crescer, contornando as pesadas sanções ocidentais e desmentindo os apressados prognósticos iniciais da Comissão Europeia, de rápida derrota de Moscovo na guerra, por efeito do desmoronamento da sua economia.

A UE não somente não conseguiu os seu objetivos, mas também está a pagar um preço elevado no campeonato global do crescimento económico.

Adenda
Um leitor nota que destas grande economias, só o Reino Unido tem uma previsão de queda, e pergunta porquê. Muito provavelmente, por causa do Brexit.