sexta-feira, 22 de março de 2013

Sócrates

Considero prematuro e arriscado o regresso de José Sócrates ao espaço público como comentador político. Mas considero verdadeiramente inqualificável que aqueles mesmos que desde a sua saída não fizeram mais do que o vilipendiar (perante o seu estóico silêncio) se assanhem agora para o condenar a uma espécie de "desterro cívico" perpétuo.

Censura

Nenhum partido na oposição está inibido de apresentar moções de censura. Mas, ao contrário dos partidos de protesto, como o PCP e o BE, que podem fazê-lo quando lhes dá na real gana, os partidos de governo, como o PS, só devem fazê-lo quando, além de terem uma boa justificação para censurar o Governo em funções, também tiverem uma clara alternativa à política do mesmo Governo .

terça-feira, 19 de março de 2013

Resgate europeu a Chipre


A propósito do programa de assistência financeira a Chipre acordado pelo Eurogrupo na semana passada,
enviei a seguinte pergunta escrita à Comissão e Conselho:

Na última reunião do Eurogrupo aprovou-se o programa de assistência financeira a Chipre, que inclui um acordo sobre aumento dos impostos sobre as empresas, que podem chegar aos 12,5%, e um imposto extraordinário de 9,9% sobre os depósitos acima dos 100.000 euros e de 6,7 % para os valores abaixo.


Este acordo, que impôs o congelamento dos fundos sujeitos a imposto, sem decisão do parlamento cipriota e conhecimento dos titulares das contas bancárias, penaliza os depositantes cipriotas e põe em causa a garantia europeia de protecção de depósitos bancários até 100.00 EUR – garantia à conta da qual os Estados-Membros têm justificado o investimento de milhares de milhões de euros dos contribuintes para "salvar" bancos, habilitando-os a ter provisões de capital mínimos para poder honrar os depósitos.

É de conhecimento generalizado, há bastante tempo, que grande parte dos depósitos em bancos cipriotas pertencem a oligarcas russos e evasores fiscais gregos e de outras nacionalidades, que aproveitaram o regime legal e baixas taxas tributárias para aí branquearem os capitais. As autoridades europeias, que nunca tomaram nenhuma medida para pôr fim a esta situação, vêm agora obrigar os depositantes cipriotas a pagar o descalabro do sector financeiro inflacionado em Chipre, em grande parte causado pela reestruturação da dívida grega, que custou 4,5 mil milhões de euros à banca cipriota.

Tendo atenção a estes factos,

1- Porque optou o Conselho / Comissão por não intervir para pressionar Chipre a por fim ao regime legal que lhe permite continuar a ser um centro de branqueamento de capitais e evasão fiscal?

2 - Porque optou o Conselho / Comissão por impor a taxação de todos os depositantes nos bancos cipriotas e não, por exemplo, apenas os estrangeiros, aplicando uma taxa mais elevada, e penalizado mais substancialmente assim aqueles que se aproveitaram do regime cipriota para branquear capitais e fugir ao Fisco?

3 - Porque não intervém agora o Conselho / Comissão para pôr cobro a branqueamento de capitais em outras praças financeiras europeias?

segunda-feira, 18 de março de 2013

Aposta falhada

Quando tomou o poder em 2011, Passos Coelho tinha uma estratégia clara: "ir além da troika", concentrar e aprofundar as medidas de austeridade e encurtar o tempo do programa de ajustamento, de modo a "dar volta por cima" à crise a meio da legislatura e ter tempo de aliviar a austeridade e o desemprego na parte final do mandato, assim assegurando nova vitória eleitoral em 2015.
Para mal do Governo, e sobretudo para mal dos portugueses, nada saiu como previsto. Dois anos passados, a crise continua sem fim à vista, acumulam-se novas medidas de austeridade e ninguém já vaticina com um minino de credibilidade quando cessará a recessão e quando terminará o agravamento do desemprego.
Se ilusões ainda subsistiam, a sétima avaliação da troika dissipou-as. A recessão e a austeridade estão para ficar muito para além do que o previsto --, se é que ainda há previsões dignas do nome!...
O tiro da gestão forçada da crise em função do ciclo politico saiu pela culatra.

Descalabro

A sétima avaliação da troika, com as novas projeções e medidas anunciadas, retirou o que restava da autoridade e credibilidade do programa de ajuste orçamental, bem como do Governo e da própria troika.
Um programa desta violência tem de ter metas e calendário de saída, sob pena de se tornar insuportável. Pior do que a austeridade (que é inevitável) é a incerteza quanto à sua duração e aos seus resultados. Daí só pode sair mais insegurança quanto ao futuro, mais retração do consumo e do investimento, mais recessão, mais desemprego.
 A gestão política da crise por parte do Governo é um desastre de antologia.

Chipre

A decisão de tributar diretamente os depósitos bancários em Chipre, como medida do pacote de assistência financeira da UE, é um erro grave, que pode ter sérias "externalidades negativas" sobre a confiança na segurança das poupanças noutros países.
Decididamente, a vertigem austeritária pode cegar a razão.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Conselho Europeu - Acordai!

A Troika está em Portugal a finalizar a 7a. avaliação do programa de resgate, confrontada com o falhanço grotesco de todas as previsōes grotescas - suas e do Governo português - apesar de muita gente ter avisado que eram grotescamente irrealistas.
E só lhe ocorre reagir com pequenos ajustamentos, mais um ano para cumprir as metas do défice, mais uns anos de extensão das maturidades...
Reflecte o discurso mole e as políticas auto-derrotadoras da UE, com uma Comissão subserviente e temerosa, agarrada às calças e ao calendário da Sra. Merkel.
Portugal, Sr. Presidente, não precisa de pequenos ajustamentos ao ajustamento para disfarçar os colossais erros da Troika - e da UE em particular.
Portugal precisa de uma reviravolta total nas políticas austericidas que a Comissão tem caninamente aplicado - como demonstra o Quadro Orçamental Plurianual, que não serve a solidariedade europeia e não faz a Europa sair da crise. E por isso o Parlamento Europeu tem o dever de o alterar.
Portugal precisa de que o Conselho Europeu amanhã acorde, tire consequências da catástrofe económica, social e política que a sua política austericida criou na Europa, antes que maiores tragédias se abatam sobre o nosso continente.

(Intervenção que fiz em debate plenário no PE hoje)

domingo, 10 de março de 2013

Magistratura presidencial (2)

Não fica bem a um Presidente da República que defende uma magistratura presidencial equilibrada e responsável dar uma versão politicamente enviesada da história recente.
No texto referido no post anterior, Cavaco Silva condena os elevados défices orçamentais de 2009 e de 2010, esquecendo-se de referir o bem sucedido processo de consolidação orçamental dos anos anteriores e sobretudo sem mencionar que aqueles défices foram o resultado directo da crise financeira externa e da crise económica que se lhe seguiu, bem como da política de estímulo à economia e de apoios sociais adoptada pelo Governo Sócrates para tentar minorar a crise, política que ninguém condenou e quase toda a gente aplaudiu.
Ao escamotear o impacto da crise externa e as responsabilidades próprias da União Europeia (complacência continuada com a indisciplina orçamental, falta de um regime adequado de supervisão bancária, passividade perante o acumular dos desequilíbrios económicos estruturais dentro da União, decisão de resgate dos bancos no início da crise, etc.), Cavaco Silva alinha inteiramente com a narrativa de Passos Coelho, de responsabilização do anterior Governo.
Todavia, o ódio a Sócrates não pode justificar tudo; e o ódio político não é bom conselheiro presidencial.

Magistratura presidencial

Como é sabido, defendo um papel próprio para o Presidente da República como "quarto poder", que consiste em assegurar a representação e a dignidade do Estado, preservar o regular funcionamento das instituições, garantir a unidade e a coesão territorial do País, favorecer a estabilidade política, moderar os excessos governamentais, defender os direitos da oposição, arbitrar conflitos políticos, promover a coesão social.
Sem competências nem responsabilidades governativas, incumbe-lhe respeitar a autonomia política do executivo em funções e proporcionar-lhe condições de governabilidade. Não cabe ao Presidente da República apadrinhar governos nem constituir-se em oposição. Por mais simpatias ou antipatias que lhe mereça o governo em funções, impõe-se ao Presidente um dever de distanciamento e de neutralidade institucional entre o Governo e a oposição.
Dotado pela Constituição de alguns poderes fortes, mas por definição excepcionais -- nomeadamente o poder de veto legislativo e o poder de antecipação de eleições parlamentares --, o poder de acção do Presidente passa essencialmente pelo seu soft power, pelo poder de conselho e de influência, pela sua autoridade e credibilidade pessoal, pelo seu sentido de Estado, pela ponderação e elevação das suas posições.
Por tudo isto, concordo globalmente com a visão de autocontenção e de recusa do intervencionismo presidencial que Cavaco Silva apresenta sobre a magistratura presidencial no prefácio à mais recente colectânea dos seus discursos.
Só é pena que Cavaco Silva nem sempre tenha respeitado esta boa cartilha da magistratura presidencial (basta lembrar o seu "assassino" discurso de tomada de posse há dois anos) e que não consiga afastar a suspeição de que outra seria a sua postura e a sua intervenção, se se não tratasse de um governo da sua própria família política...