quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Não dá para entender (16): A honra perdida de Rui Rio

1. O líder do PSD apostou decididamente em desbaratar a sua antiga aura de rigor nas finanças públicas, em aras à prodigalidade orçamental. Depois do tristemente célebre episódio da recuperação do tempo de serviço dos professores, Rui Rio avança agora, no debate sobre o orçamento do Estado para este ano, com um conjunto de propostas de aumento da despesa e de corte na receita, incluindo uma irresponsável descida do IVA na energia, que poriam em causa o equilíbrio das contas públicas.
Num e noutro caso o PSD coloca-se em convergência com a extrema-esquerda parlamentar, que, porém, nunca sacrificou nada à disciplina orçamental. Além disso, esses partidos não defendem a descida de impostos, como o PSD faz, pelo que são menos incoerentes quando propõem aumento da despesa..

2. Sempre considerei que, mesmo na oposição, os partidos de vocação governamental devem comportar-se como se estivessem a governar, sob pena de incoerência e oportunismo político, que os eleitores tendem, justamente, a penalizar.
Ora, é óbvio que, se estivesse no Governo, o PSD não tomaria tais posições; pelo contrário, denunciá-las-ia como irresponsáveis -, que efetivamente são...

Concordo (12): Defesa da saúde pública

Estou de acordo com esta proposta de Frederico George, hoje no Público, de permitir constitucionalmente o internamento obrigatório de pessoas por imperiosas razões de saúde pública (e obviamente com prévio controlo judicial, ou imediato, em caso de urgência), o que hoje não está contemplado na lei, por impedimento constitucional.
Há muito tempo que defendo essa posição, entre outras necessárias microalterações da Constituição (como, por exemplo, o acesso dos serviços de segurança aos "metadados" de comunicações pessoais, a participação dos militares em operações de segurança interna).

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Concordo (12): As 35 horas na função pública

Não podia concordar mais com a afirmação do Presidente da Confederação do Comércio, quando defende que «as 35 horas (na função pública) rebentaram com muitos serviços públicos».
Como tive ocasião de escrever aqui várias vezes, essa redução de tempo de trabalho não acarretou  somente um grande défice de trabalhadores em certos setores (especialmente na saúde) mas também obrigou a um substancial gasto suplementar em recrutamento de novo pessoal para colmatar as brechas. Portanto, o resultado foi pior serviço público e mais despesa pública, que vamos continuar a suportar a título permanente, sem esquecer o maior espaço para acumulação de funções no setor público e no privado.
Além disso, mas não menos importante, essa redução criou (mais) uma óbvia divergência com as relações de trabalho no setor privado, quanto a tempo de trabalho e remuneração, reforçando a ideia de privilégios da função pública.

Conferências & colóquios (7): Sobre o interesse público

Amanhã vou estar aqui, nesta conferência organizada pelo Conselho Económico-Social (CES) sobre a Administração Pública, cabendo-me versar o tema da Administração e interesse público. 
Vou abordar em especial as situações em que a Administração pública deixa de prosseguir o interesse público definido na lei, seja por ação, seja, as mais das vezes, por omissão.

sábado, 18 de janeiro de 2020

Não concordo (14): Ideia insensata

Parece-me assaz insensata, política e financeiramente, a ideia de do Ministério de Educação, ontem anunciada no Público (reservado a assinantes), de permitir que os professores do ensino básico e secundário deixem de dar aulas aos 60 anos, passando a desempenhar outras tarefas nas escolas até à aposentação, mais de seis anos depois.
Primeiro, uma tal medida não deixaria de desencadear a reivindicação de solução idêntica para outras profissões, tanto ou mais exigentes (enfermeiros e auxiliares de saúde, cuidadores de instituições sociais, etc.). Segundo, ela criaria mais uma regalia em relação aos professores do setor privado, cujos empregadores não estão seguramente disponíveis para seguir o mesmo caminho.
Por outro lado, a não ser que se anteveja uma situação de excesso de professores, a dispensa das tarefas letivas depois dos 60 anos teria de ser compensada com o recrutamento de mais professores, com o consequente aumento de despesa. Tendo em conta o inevitável aumento de encargos resultante da retoma das progressões, cabe perguntar como é que vai haver orçamento para isso mais uma despesa dessas.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Lisbon first (21): "Preço de amigo"

O relatório do Tribunal de Contas que denuncia a venda de património da Segurança Social ao município de Lisboa, por ajuste direito, a preço de desconto, com substancial prejuízo financeiro do Estado, vem revelar mais uma vez o tratamento privilegiado que aquele recebe do Estado, como se não bastassem as enormes vantagens, de toda a ordem, que derivam do facto de Lisboa ser a capital do país (sede de órgãos de soberania e de grande parte das instituições públicas e de grandes empresas privadas, aeroporto e porto, etc.).
Decididamente, a proximidade do poder central rende...

Concordo (11): Transparência das eleições partidárias

1. Concordo com este artigo de Rui Tavares no Público de hoje (acesso reservado a assinantes) sobre a necessidade de conferir transparência e de regular o financiamento das eleições partidárias.
Se na sua ação externa e na sua participação nas eleições os partidos estão legalmente sujeitos a importantes limitações de financiamento, assim como à obrigação de prestação de contas, não se compreende que o mesmo não suceda quando se trata da eleição dos seus líderes em eleições diretas, assaz dispendiosas. Quem paga?

2. É tempo de acabar com a falta de regulação e controlo público dessa matéria.
Além de candidatos a primeiro-ministro, os líderes partidários decidem em geral as listas nas eleições parlamentares e a composição da respetiva representação parlamentar. Os partidos políticos não são organizações privadas como as outras, pelo que não tem aplicação aqui o princípio da autonomia e da autorregulação privada.

Bicentenário da Revolução Liberal (1820-2020) (9): As primeiras eleições constitucionais

1. Um dos objetivos da Revolução Liberal, há dois séculos, era o estabelecimento de um poder político representativo, baseado em Cortes permanentes, regularmente eleitas (o parlamento). E o mesmo valia para o poder local, com a eleição das câmaras municipais.
Dois anos depois, ainda antes da aprovação final da Constituição, em 23 de setembro de 1822, foram aprovadas as leis eleitorais para as Cortes ordinárias e para as câmaras municipais, estabelecendo a eleição direta das Cortes e das câmaras municipais, por sufrágio alargado; e as eleições parlamentares tiveram lugar ainda em agosto, antes do fim dos trabalhos constituintes.

2. É esta revolução política, tanto a nível nacional como a nível local, que é analisada em mais um capítulo do "folhetim" que desde há mais de dois anos tenho vindo a publicar, em coautoria com José Domingues, todos os dois meses na revista JN História (nº de dezembro passado), como mostra a ilustração acima.
Concluiremos a série no próximo número (fevereiro), justamente quando se iniciam no Porto as comemorações do bicentenário da Revolução de 1820, que a Constituição e essas eleições de 1822 fizeram cumprir.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Campos Elísios (4): Nem sustentável nem justo

1. Os sistemas públicos de pensões de natureza contributiva, sejam minimalistas, sejam super generosos, devem obedecer a duas caracteristicas: (i) serem financeiramente autossustentáveis, ou seja, financiados pelas contribuições específicas para o sistema e (ii) serem equitativos, tratando de forma igual as situações idênticas, sem grupos de pensionistas privilegiados.

2. O sistema de pensões francês nem é uma coisa nem outra.
Por um lado, sendo um dos mais generosos e onerosos sistemas de pensões existente (14% do PIB, o dobro da média da OCDE), o facto de a idade de aposentação ser baixa e o nível das pensões ser elevado, torna o sistema uma "bomba orçamental" a prazo, à medida que a longevidade aumenta e que o rácio contribuintes-pensionistas se degrada; por outro lado, havendo dezenas de subsistemas setoriais de pensões com sensíveis diferenças entre eles, o sistema carece de um mínimo de consistência e de equidade.
Por isso, a reforma proposta por Macron é de todo em todo justificada, garantindo, por um lado, a igualdade de condições e a mobilidade interprofissional e assegurando, por outro lado, a solvabilidade do sistema a prazo, ainda que salvaguardando os direitos adquiridos até à data.

3. Numa democracia representativa, as políticas devem ser definidas e executadas por quem tem a legitimidade e a obrigação de defender os interesses gerais e não pelas manifestações de rua dos que defendem os seus interesses de grupo. Quem deve mandar numa democracia são os eleitores e não minorias ativistas em defesa dos seus próprios privilégios
Espero que Macron resista e que a reforma vá em frente.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Em seara alheia: A disputa pela liderança no PSD

1. Não é invejável a situação do PSD, depois de sucessivas e pesadas derrotas eleitorais desde que foi afastado do Governo em 2015, carregando a cruz do mandato da troika que em 2011 precipitadamente quis assumir, libertando o PS para a oposição. Enquanto essa memória política permanecer e a situação económica e financeira do País continuar favorável à governação socialista, o PSD não tem nenhuma chance de recuperar.
Nenhum líder pode modificar isso substancialmente, mas pode não ser indiferente para o futuro do próprio partido e para duração e penosidade da travessia no deserto. Por isso, se eu fosse do PSD apoiaria provavelmente Rui Rio, não por ele ser um líder apelativo ou inspirador (que não é, manifestamente), mas por pensar que ele tem razão quando defende que uma inflexão do Partido à direita favoreceria ainda mais o PS e que um partido de vocação governativa em Portugal só pode ganhar eleições e governar, se conseguir mobilizar o eleitorado do "centro móvel" que decide as eleições entre a esquerda e a direita e mobilizar o seu apoio político ao governo.

2. Dito isto, penso que o principal handicap da liderança de Rio é a falta de espírito agregador e congregador da unidade do Partido, tendendo, pelo contrário, a afastar conflituosamente os adversários internos, como se viu na composição das listas de deputados.
Ora, os partidos de vocação governativa são, por natureza e necessidade, partidos abrangentes (catch all parties), de largo espectro, onde têm de saber coabitar diversas sensibilidades políticas. Tal como o PS tem sabido federar desde uma ala esquerda que compete com o BE até aos defensores de uma social-democracia liberal ao centro, também o PSD deveria igualmente procurar abarcar todo o quadrante desde o centro à direita do mapa político, disputando o primeiro ao PS e o segunda ao CDS e à novel Iniciativa Liberal .
O problema, porém, é que Rui Rio não parece disponível para acomodar os que dentro do PSD se distanciam da sua visão centrista do Partido, forçando-os a um exílio interno ou a ceder à tentação de seguir outros caminhos, o que, a ocorrer, além de enfraquecer o PSD, só contribuiria para fragmentar ainda mais a paisagem política nacional e tornar o País político cada menos menos previsível.

3. Costumo dizer que os líderes de partidos de vocação governativa, depois de eleitos, mesmo sem abdicar da sua opção estratégica, se devem assumir como presidentes de todos os militantes, incluindo os vencidos na contenda eleitoral interna, devendo contar com todos sem anátemas nem exclusões sectárias. De resto, o facto de os candidatos vencidos tenderem a autoafastar-se facilita essa tarefa de reunificação partidária.
Penso, porém, que, considerando a idiossincrasia e o temperamento do seu atual e provável futuro líder, os militantes do PSD não têm grandes razões para depositar excessiva esperança numa perspetiva dessas.

Free and fair trade (12): Troca justa

1. Concordo com a candidata Democrata à presidência do Estados Unidos, Elisabeth Warren, quando ela sustenta, em declarações ao New York Times, que «The idea that trade is just about tariffs is just old 20th century. Trade today in the 21st century is about regulation. It’s about who’s going to have to meet what regulatory standards.»
No entanto, o único argumento de os paises que se preocupam com direitos laborais e standards ambientais e direitos dos consumidores (como, por exemplo, a UE) têm para convencer outros países menos exigentes é oferecer-lhes uma baixa de tarifas de entrada nos seus mercados, em troca do compromisso de elevação dos níveis de regulação laboral e ambiental. Infelizmente, apesar dos progressos nessa direção por parte dos EUA e da UE, não se tem sido suficientemente exigente nessa troca.

2. Mas é para isso que devem servir hoje os acordos comerciais internacionais, como, de resto, a União vai ter uma excelente oportunidade de mostrar nas negociações que se seguem com o Reino Unido, sobre as relações comerciais após o Brexit.
Se os britânicos querem manter livre entrada no mercado da União, devem comprometer-se a manter os seus requisitos regulatórios (laborais, ambientais, etc.) alinhados com os da União.

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Bicentenário da Revolução liberal (1820-2020) (8): Grande programa de comemorações

Foi hoje lançado publicamente na câmara municipal do Porto o programa de comemorações da revolução liberal de 1820, que vão decorrer de fevereiro a dezembro do corrente ano. Trata-se de uma programa ambicioso e diversificado, que associa ao município várias outras instituições públicas e privadas. Um programa à altura do significado desse grande momento de viragem da história de Portugal.
Tendo sido o berço da Revolução, o Porto não podia deixar os seus créditos por mãos alheias. Honra-me, como cidadão e como investigador da história constitucional portuguesa, participar nestas comemorações.
O programa pode ser consultado online aqui: https://1820.porto.pt/ 

Adenda
Um boa notícia do evento de ontem no Público de hoje.