domingo, 30 de abril de 2023

Novo aeroporto (6): Enviesamento

O jornalista Daniel Deusdado tem razão neste seu artigo, ao apontar a principal falha da lista de critérios anunciados pela Comissão Técnica Independente para a seleção da localização do novo aeroporto a recomendar no final ao Governo - que é a gritante ausência do critério do custo previsível e dos encargos orçamentais do Estado de cada uma delas, incluindo os acessos.

Mas há outros indícios de um enviesamento a favor de uma localização na margem sul do Tejo, nomeadamente o aditamento de várias localizações nessa área, além de Alcochete (na imagem), que não constavam da resolução do Conselho de Ministros, a prioridade dada ao critério da distância a Lisboa (e não o tempo de viagem), o esquecimento do decisivo critério da população e do território servido por cada localização, a degradação do sensível critério ambiental para oitavo lugar, na lista de dez critérios.

A meu ver, ao dar claros indícios de parcialidade à partida, a Comissão compromete a sua credibilidade e a legitimidade da sua decisão.

Adenda
Um leitor considera que era previsível o parti pris da presidente da CTI, pois ela tinha sido assessora no relatório do LNEC que em 2007 se pronunciou a favor de Alcochete, nessa altura contra a Ota, inicialmente escolhida pelo Governo. O erro está em ter como presidente de uma Comissão Técnica Independente alguém há muito comprometida com uma posição sobre a questão a decidir. Uma contradição!

Adenda 2
Outro leitor comenta que, se se vier a confirmar a opção trastagana e o subsequente encerramento da Portela, o sul do País ficará com três aeroportos (Lisboa, Évora e Faro), enquanto o território a norte do Tejo, mais extenso e mais povoado, tem somente um, o do Porto, o que é uma manifesta discriminação territorial. Tem razão!

Assim, não: Insustentável

A situação vinda a público no Ministério das Infraestruturas (desleadade qualificada de um adjunto, agressões, furto de computador, intervenção inaudita do SIS, uma queixa-crime, etc.) é politicamente degradante. 

Independentemente do apuramento de responsabilidades subjetivas, os Ministros são objetivamente responsáveis pela seleção e boa ordem do seu gabinete. A "roupa suja" que tem vindo a público mostra que Galamba não está à altura dessa dimensão do cargo. O Primeiro-Ministro não pode continuar mudo e quedo perante uma situação que lesa gravemente a reputação do Governo da República.

Como eleitor do PS, também me sinto comprometido, e penso que é demais!

quinta-feira, 20 de abril de 2023

Amanhã vou estar aqui (15): Comemorar outra libertação, há dois séculos

A convite da CM de Arcos de Valdevez, vou participar amanhã, junto com o meu colega José Domingues, no lançamento público do nosso livro sobre as primeiras eleições parlamentares, em 1822, justamente no círculo eleitoral de Arcos de Valdevez (que abrangia todo o alto Minho), evento que o município integra nas comemorações deste ano do 25 de Abril.

É uma associação que faz todo o sentido. Tal como a Revolução Liberal de 1820 e a Constituição de 1822 puseram fim ao regime absolutista e instauraram em Portugal o Estado constitucional (soberania da Nação, separação de poderes, governo representativo, liberdades individuais, centralidade do parlamento, Estado de direito...), a Revolução democrática de 1974 e a Constituição de 1976 recuperaram esses valores constitucionais depois da sua negação na longa ditadura do "Estado Novo".

É justo que revolução libertadora de que usufruímos há meio século evoque a pioneira revolução vintista de há dois séculos, de que é herdeira.

Adenda
Importa notar que o lançamento do livro vai ser acompanhado pela inauguração de uma exposição sobre as referidas primeiras eleições parlamentares, organizada por uma parceria entre o município e a AR, com um catálogo preparado pelos dois autores, cuja capa se junta.

quinta-feira, 13 de abril de 2023

Concordo (27): Imposto sobre sucessões e doações

Não podia concordar mais com esta proposta de recuperação do imposto sobre sucessões e doações de elevado montante, pela simples razão de que há muito tempo eu próprio condenei a sua extinção (por exemplo, AQUI) e tenho vindo a defender a sua recuperação (por exemplo, AQUI e AQUI).

Infelizmente, o partido que o poderia instituir, ou seja, o PS, abandonou essa ideia, que chegou estar prevista no seu programa eleitoral de 2015, mas que depois desapareceu do programa de governo da "Geringonça", sem explicação, não voltando a proposta a ser reeditada nas eleições seguintes.

Mais do que instituir uma nova receita do Estado - que, aliás, bem precisa é, tendo em conta o contínuo acréscimo de despesa do Estado social (SNS, educação, proteção social)  -, trata-se de um importante instrumento de luta contra a desigualdade económica, cujo crescimento infrene ameaça a coesão económica, social e política.

+Europa (73): Os custos da fragmentação do mercado interno

Vale a pena ler este estudo de um conhecido think tank de Bruxelas sobre as barreiras que continuam  a impedir a conclusão do mercado interno da União, sobretudo no setor dos serviços, cuja fragmentação ajuda a explicar o menor desempenho da economia da UE, comparado com a dos Estados Unidos, e o crescente fosso quanto ao rendimento per capita (como mostra o quadro acima).

Sintetizando as suas conclusões, pode ler-se:

«Major economic indicators show that Europe is caught in a protracted corporate and technology crisis. The EU has for a very long time now been tailing US corporate and innovation leadership. Europe’s underperformance is to the largest extent rooted in a legally fragmented internal market, disincentivising business growth and innovation. In addition, Europe’s outdated approach to competition policy discourages businesses from adopting innovation and scaling across Member State borders, risking that European companies continue to lose clout and international competitiveness(Sublinhado acrescentado.)

Sem correção deste défice de integração do mercado interno, a UE perde a corrida económica (e geoestratégica) com os Estados Unidos.

Adenda
Em comentário a este post, um leitor faz várias perguntas pertinentes: «por que razão há na União Europeia tantas bolsas de valores, uma por país? (...) E por que razão não posso comprar, em mercado primário, obrigações que sejam emitidas por uma empresa de um qualquer país da UE, tendo que me limitar às - muito poucas - obrigações emitidas pelas - muito poucas - empresas portuguesas?». Está em causa a inexistência de um mercado único de valores mobiliários, em projeto há vários anos.

quarta-feira, 12 de abril de 2023

+Europa (72): O custo da guerra

Nas recentes previsões de crescimento económico do FMI para o corrente ano, a UE faz má figura, com um crescimento anémico de menos de 1% (metade dos Estados Unidos) e com meia dúzia de Estados-membros em recessão, incluindo a principal economia, a alemã, como mostra o quadro acima.

Entre os fatores da travagem económica conta-se obviamente a política monetária contracionista do BCE, tornada imprescindível para combater o surto inflacionista, provocado especialmente pelo aumento dos custos da energia e dos bens alimentares importados. 

A guerra na Ucrânia vai continuar a cobrar o seu tributo económico à UE.

terça-feira, 11 de abril de 2023

Não concordo (42): Sem fundamento

Não vejo fundamento para a proposta de aumento extraordinário das pensões, adiantada por Marques Mendes no seu comentário de ontem, invocando o recente aumento adicional de 1% dado aos funcionários públicos, por causa da elevada inflação.

Em primeiro lugar, enquanto as remunerações da função pública dependem do orçamento geral do Estado e são uma política relativamente discricionária do Governo, a atualização das pensões é paga pelo orçamento da segurança social, financiado pelas contribuições dos trabalhadores no ativo, e segue uma fórmula pré-estabelecida na lei; em segundo lugar, desde o início do surto inflacionista, as pensões subiram muito mais do que as remunerações da função pública, pelo que o paralelismo acima invocado é descabido; por último, não faz sentido haver uma subida em função da inflação esperada para o corrente ano, pois a referida fórmula legal de cálculo das pensões incorpora justamente o fator da inflação verificada, a qual só se pode apurar no final do ano. 

Propostas orçamentalmente "pesadas" como estas deveriam assentar numa fundamentação sólida -, o que não é manifestamente o caso.

Adenda
Um leitor observa que a fórmula legal de atualização das pensões, que toma em conta o crescimento do PIB e da inflação (como se pode ver AQUI), estabelece critérios diferentes conforme o valor das pensões, desfavorecendo as de valor mais elevado. Em todo o caso, considerando o grande crescimento do PIB em 2022, todas as pensões (salvo as de valor superior a 5765 euros) beneficiaram em 2023 de uma atualização bem superior à dos funcionários públicos (como se pode ver AQUI). 

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Não é bem assim (14): PR não pode demitir livremente o Governo

1. Ao contrário do que frequentemente se ouve e lê - por exemplo, AQUI -, em 2004, o então Presidente da República, Jorge Sampaio, não demitiu o Governo de Santana Lopes, tendo, sim, dissolvido a AR e convocado eleições antecipadas, invocando a evidente degradação da situação política. O Primeiro-ministro é que decidiu apresentar a sua demissão, passando a "governo de gestão" -, o que não estava obrigado a fazer.

Com efeito, salvo o caso excecional de estar em causa o "regular funcionamento das instituições" - situação até agora nunca invocada -, o Presidente da República não pode demitir diretamente o Governo, que não depende da sua confiança política e que só responde politicamente perante a AR

2. O que o PR pode fazer, quando o julgue politicamente justificado, é dissolver a AR e convocar eleições antecipadas, o que vai acarretar automaticamente a demissão do Governo em funções, com o início da nova legislatura.

Todavia, é fácil ver que, embora seja uma decisão presidencial relativamente discricionária - mas que carece sempre de fundamentação adequada -, o PR só a tomará normalmente se puder antecipar, com forte probabilidade, que as novas eleições e a nova composição parlamentar providenciarão uma solução governativa alternativa à existente. Em 2004, tal era praticamente garantido, dado o manifesto esgotamento da maioria governamental, sob a liderança de Santana Lopes, e a sólida afimação do PS de José Sócrates nas sondagens eleitorais; nas circunstâncias presentes, ninguém o pode assegurar, pelo contrário. 

Arriscar uma situação de impasse ou de fragilidade governativa nas atuais circunstâncias - guerra na Ucrânia sem fim à vista, surto inflacionista por dominar, prazo de implementação do PRR a correr - relevaria do aventureirismo político. 

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Revisão constitucional (4): Uma solução problemática

1. Parece que a proposta do PS de incluir na Constituição um direito à alimentação apresenta boas hipóteses de vir a ser aprovada. Embora defensor desde sempre da consagração constitucional do Estado social e dos direitos sociais - capítulo em que a CRP foi além de todas as constituições ocidentais -, não me parece, porém, uma boa solução acrescentar mais este direito em particular.

Em primeiro lugar, salvo o Brasil, desde 2010, não conheço nenhum outro precedente constitucional relevante. No plano do direito internacional dos direitos humanos, o art. 11º do Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas (PIDESC), de 1966, menciona-o, mas somente como uma das componentes do «direito a um nível de vida adequado», a par do vestuário e do alojamento, e não como um direito autónomo

2. Entre nós, tal como em vários outros países, está legalmente consagrado desde 1996 (I Governo Guterres) o direito a um rendimento mínimo, destinado a assegurar a todos um nível de vida decente - mais tarde renomeado como "Rendimento Social de Inserção" -, o qual inclui obviamente a cobertura das necessidades alimentares, entre outras. 

O que se justificaria, portanto, era constitucionalizar explicitamente esse direito geral, em vez de particularizar somente uma das suas manifestações.

3. A constitucionalização autónoma de um direito à alimentação, a assegurar pelo Estado, suscitaria não poucos problemas de construção jurídica e de implementação prática. Sendo um direito separado do direito ao rendimento mínimo, seriam, porém, os mesmos os seus beneficiários? Como deveria o Estado satisfazê-lo: em espécie, através de uma rede de cantinas públicas ou de cantinas sociais subsidiadas, ou por via financeira ("vales" alimentares ou um subsídio adicional para compras alimentares)?

Quando o Estado revela crescentes dificuldades em assegurar adequadamente alguns direitos sociais constitucionais originários, como o direito à saúde e o direito à habitação, cabe perguntar se se justifica abrir mais uma frente particular de fácil litigiosidade política e ideológica.