segunda-feira, 28 de fevereiro de 2005

Orgulho e preconceito

A propósito do meu texto "Quatro anos de solidão" (ver abaixo), Luís Lavoura envia a seguinte mensagem:

"(...) Externalizar serviços da Administração Pública?! Que quer isto dizer? E para quê? Se a Administração Pública é ineficiente, mal organizada e pouco produtiva, há que racionalizá-la, reorganizar os procedimentos, etc. Isso não é nada que o Estado não possa fazer. "Externalizar" a Administração Pública parece-me assim a modos que mandar os outros (os privados) tomar as medidas dífíceis que o Estado não tem a coragem para tomar. Pagando para isso, claro. Qual o objectivo da "externalização"? Financeiramente, ela só pode ser prejudicial. O objectivo parece-me ser meramente político: em vez de se alterar o enquadramento legal da função pública, privatizam-se as suas funções. Bonita solução! Isto parece-me a modos que uma desonestidade política, e com custos financeiros?.

Comentário - Eis um dos equívocos em que frequentemente labora alguma esquerda. Não, Luís Lavoura, a externalização da gestão ou da prestação de serviços de âmbito público não é necessariamente prejudicial do ponto de vista financeiro, económico ou social. Concedo que não seja uma garantia de eficiência ou de qualidade acrescida - só a concorrência e a boa regulação o poderão assegurar - mas enjeito sem rebuço o preconceito serôdio de que o privado, por almejar o lucro, é "tecnicamente" incapaz de proporcionar serviços melhores e mais baratos. Não faltam argumentos económicos e de gestão (desses que a ortodoxia condena) em abono desta tese. Sou do tempo em que o Estado levava cinco e mais anos a instalar um telefone fixo, se recusava a instalar contadores bi-horários nas nossas casas, não atendia reclamações, tratava os "utentes" dos serviços públicos como lagostas e geria de modo canhestro as suas unidades de expressão económica. Muitas coisas mudaram para melhor - quer no universo público, quer no privado - e muitas outras são passíveis de transformações virtuosas. Umas assumidas exclusivamente pela máquina pública, outras atribuídas a quem melhores competências revelar na gestão de recursos especializados. Quem pensa que o aparelho de Estado e todos os seus sistemas são capazes de se auto-regenerar no sentido da optimização de recursos e de outputs sem intervenção de agentes externos, desiluda-se. O mesmo pensavam os soviéticos e o resultado foi o que se viu.

Constituição europeia: referendo holandês

Depois da Espanha, o segundo referendo sobre a Constituição Europeia vai ser realizado provavelmente na Holanda, a 1 de Junho próximo (se a França não se antecipar). Sendo tradicionalmente um dos esteios mais fortes da integração europeia, apesar de ser o maior contribuinte líquido "per capita" para as finanças comunitárias, este Estado fundador da CEE enfrenta o mesmo problema que outros quanto a este referendo: o perigo de que uma elevada abstenção possa favorecer as posições hostis à Constituição, por estas serem muito mais motivadas.

Se fosse somente esse...

«O Orçamento de Estado para 2005 tem um buraco de pelo menos 200 milhões de euros (ME) referentes às receitas de dividendos, avança o Jornal de Negócios de segunda-feira. Esta é uma das consequências directas do facto de a Caixa Geral de Depósitos não pagar qualquer dividendo em 2005 - em relação aos resultados de 2004 - e das dúvidas em relação à reestruturação do sector energético.»
Infelizmente não é o único buraco do orçamento de Santana Lopes & Bagão Félix. Todo ele é uma irresponsável ficção, baseado como está numa previsão de crescimento económico que toda a gente sabia enormemente empolada e numa manifesta subestimação das despesas (a começar pelas que deixaram de ser pagas no ano passado).

A privatização furtiva

Há gente de esquerda que invectiva as medidas de empresarialização dos hospitais como formas de inaceitável "privatização" do SNS. Não há aí nenhuma privatização, como é óbvio. Entretanto, esquecem a verdadeira privatização furtiva que tem lugar quando um número crescente de utentes se vêem obrigados a recorrer à clínica privada por motivo da incapacidade ou ineficiência do SNS. Há áreas praticamente expulsas para o sector privado, como estomatologia, oftalmologia, dermatologia, etc. Quanto mais ineficiente for o SNS, mais os seus adversários agradecem. Os opositores da modernização da gestão do SNS são, afinal, os seus principais coveiros.

Aforismo para uso pessoal

Por melhores que sejam ou julguem ser, os "treinadores de bancada" raramente são bons jogadores...

Tempos de antena

Começou ontem à noite na RTP, com um ano de antecedência, o tempo de antena de Cavaco Silva à presidência da República, por intermédio de um representante qualificado. Como a estação pública de televisão está sujeita a uma obrigação de imparcialidade e isenção política, bem como de pluralismo, espera-se a todo o momento o anúncio de indênticos tempos de antena para os demais candidatos potenciais...

domingo, 27 de fevereiro de 2005

Correio dos leitores: o sacrifício do aqueduto

«Um artigo publicado no Expresso do dia 26 de Fevereiro de 2005, na sua revista FACTUAL, assinado pelo Sr. António Henriques, muito interessante de resto, deixou-me perplexo e leva-me quase a pôr em dúvida a exactidão dos dados nele contidos.
O artigo, intitulado "Bustorff autorizou corte de Aqueduto", dá uma resenha sobre algumas das acções de despacho elaboradas sobre aspectos do troço da CRIL Buraca-Pontinha.
Desse artigo relevo, por ser importante e definitivo, que a Sr.ª Ministra da Cultura, certamente melhor informada do que quando era apenas uma das 10 mil signatárias dum abaixo-assinado que exigia a sua preservação, elaborou uma delegação de poderes que, por omissão, permitia o corte do Aqueduto.
Este foi, se verdadeiro, apenas mais um acto no conturbado processo de construção do troço da CRIL. Mas o que importa reter deste complicado processo de construção é o seguinte: Se houver vozes, credíveis e respeitáveis, que se levantem hoje contra o eventual atentado ao Monumento Nacional que é o Aqueduto das Águas Livres e tiverem algum sucesso (o que é duvidoso), honra lhes seja feita, pois mais vale proteger um Monumento do que as pessoas, moradores, que vão ser espoliados da pouca qualidade de vida que possuem, pela maneira como vai ser construído este troço da CRIL e, cujo protesto de nada valeu. (...)»

(Rui Silva)

sábado, 26 de fevereiro de 2005

E que tal pôr em saldo?

«CDS: Maria José Nogueira Pinto exclui candidatura». O concurso para a liderança do CDS continua deserto...

Especulações (2)

Apesar de começar por registar o "absoluto segredo" com que Sócrates está a gerir o processso de formação do seu Governo, o Expresso sente-se habilitado a afirmar rotundamente, em manchete de 1ª página, a presença de «[António] Vitorino e [António] Costa no Governo», embora sem revelar as suas fontes de informação. E se a proclamação se vier a revelar infundada?

Adenda
Menos afoito, o Público considera que o caso de Vitorino permanece «uma incógnita».

Lopes, assessores & adjuntos, Lda.

«O gabinete de imprensa de Pedro Santana Lopes é composto por dez assessores e catorze adjuntos. E segundo avança o jornal A Capital custa todos os meses ao cofres do Estado cerca de 100 mil euros (20 mil contos na moeda antiga).»
Felizmente, o regabofe está quase a acabar...

Especulações

Durante a campanha eleitoral José Sócrates fez questão de não ceder um milímetro à insistente curiosidade dos jornalistas nos mais variados temas (alianças pós-eleitorais, futuro ministro das finanças, calendário de referendos, etc.). Depois da sua convincente vitória eleitoral tem mantido a mais estrita discrição sobre a composição do seu governo. Tal como António Vitorino disse na noite eleitoral, "o Governo não será feito pela comunicação social nem na comunicação social". À míngua de dados fidedignos, alguns media menos escrupulosos têm-se dedicado à invenção de numerosos ministros putativos. Já devem dar para três ou quatro governos...

Má fé

Enquanto faz menção de disponibilidade para a paz com os palestinianos, Israel continua a ocupar a Cisjordânia com colonatos judaicos. Que pior exemplo de má-fé?

Suástica

«Ao seu post sobre simbologia nazi convém acrescentar que a cruz gamada é um símbolo religioso de grande prestígio e de significado altamente positivo na Índia. É usada abundantemente, como amuleto de sorte, tanto por hindus como por budistas indianos. Num tempo que se quer cada vez mais multicultural, e tendo em conta que há três vezes mais indianos neste mundo do que europeus, proibir a cruz gamada é perfeitamente ridículo e absurdo. Os hindus que vivem entre nós, muitos dos quais são cidadãos europeus, devem ter a liberdade de usar os seus símbolos próprios. E se eles têm essa liberdade, não se vê porque é que outros não a hão-de ter também.»
(Luís Lavoura)

Fugas

«A saída de Guterres do Governo tem sido sistemáticamente apelidada de fuga.
São os adversários políticos, são os opinadores (ainda não entendi muito bem a fixação de António Barreto), enfim quase todos.
Só não se fala da saída de Durão Barroso, depois de uma derrota estrondosa nas europeias e de ter jurado que aprendera a lição e que a partir daí as coisas iam melhorar (melhoraram para ele...), nem da saída do Portas, que após ter construído um partido à sua imagem e semelhança, abandona-o, deixando-o numa situação de quase orfandade.
Já quanto a Santana Lopes, criticou-se o facto de não ter "fugido".
Entendamo-nos. Existem situações em relação às quais é necessário tirar as devidas consequências políticas, sem que haja necessidade de as classificar de modo depreciativo. Guterres teve uma grande derrota eleitoral e não tinha condições políticas (uma maioria parlamentar, por exemplo) para continuar, tal como não tem actualmente o Santana Lopes, por outros motivos.
Sobram Portas e Barroso. Em relação a esses, que têm passado relativamente bem ao largo do tema das fugas, a situação é mais turva, mas o que se pode dizer é que num caso os portugueses pagaram caro pela saída (Barroso), noutro o CDS/PP vai também pagar muito caro (Portas).»

(David Caldeira)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2005

Simbologia nazi

"União Europeia desiste de proibir símbolos nazis". Prevaleceu a sensatez. Uma coisa é combater a ideologia nazi e a sua propaganda organizada, incluindo a proibição das organizações neonazis e a punição penal do racismo e da xenofobia, outra coisa é o banimento de símbolos político-ideológicos e a consequente restrição da liberdade individual de opinião política. Compreende-se a situação especial da Alemanha, dada a sua experiência histórica. Mas numa democracia consolidada não deve ser proibido ser antidemocrata, nem mostrá-lo. A superioridade da democracia liberal está na capacidade de inclusão dos seus próprios adversários.

O desafio de Lisboa

Diz o Público de hoje: «Quanto a candidatos [do PS à presidência da câmara de Lisboa], tudo se encaminha para que, em querendo, seja mesmo Ferro Rodrigues o escolhido. O seu nome é o preferido tanto na direcção nacional do partido como na concelhia. Isto significa que ficará de fora o único candidato assumido ao lugar, Manuel Maria Carrilho.»
E Ferro, recusará o desafio?

Quatro anos de solidão

Ou a espinhosa missão de José Sócrates. Aqui ao lado, no Aba da Causa.

Livro de reclamações

É admissível que a principal companhia de telefones móveis não garanta "sinal" em vários troços da linha ferroviária do Norte, pelo menos entre Coimbra e Santarém, tornando impossível manter uma ligação telefónica sem interrupção? Não deveria ser uma condição da licença dos operadores a garantia de cobertura dos principais eixos ferroviários e rodoviários? Afinal, a filosofia dos telemóveis não deveria ser a... mobilidade? A entidade reguladora não deveria ter uma palavra a dizer sobre isto?

A omissão

Há uma coisa que os candidatos à liderança do PSD devem à opinião pública democrática: um pedido de desculpas em relação à infame campanha de ataques pessoais aos adversários durante a disputa eleitoral, designadamente a José Sócrates, visando enlamear a sua dignidade e imagem e o seu bom nome. Como os dois candidatos já conhecidos foram protagonistas das eleições e não se demarcaram daquela campanha, importa saber se a reprovam, ou não.
Como se pode, por exemplo, falar em "regenerar" o PSD, como pretende Marques Mendes, sem limpar essa página funesta da vida recente do partido?

O óbvio

Marques Mendes na RTP a reconhecer o óbvio: se não tivessem sido os dislates do Governo Santana Lopes a legislatura não teria sido interrompida. Apesar de óbvio, torna-se necessário lembrá-lo aos dirigentes cessantes do PSD que ainda na segunda-feira responsabilizavam o Presidente da República pela sua derrota. Há gente que nunca sabe assumir as suas próprias responsabilidades!

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2005

À deriva

Depois da saída do líder que se ufanava de não conhecer o verbo "abandonar" (denunciando acusadoramente os que noutros partidos tinham "fugido" na sequência de derrotas políticas), parece que nenhum dirigente do CDS está disponível para tomar o leme do partido, mesmo os que antes das eleições não se eximiram a figurar na ridícula encenação de uma suposta equipa governativa. Compreende-se: ninguém está pronto para sacrificar a sua confortável vida profissional ou empresarial ao serviço da liderança do partido, numa travessia de deserto previsivelmente muito duradoura. Será que depois do falhanço do projecto Portas, o CDS voltou ao ciclo da luta pela sobrevivência?

Boas companhias

Admirador declarado do modelo social-democrata escandinavo -- que combina uma eficiente economia de mercado com altos níveis de protecção social e com excelente protecção do ambiente -- José Sócrates assina hoje no Público um artigo em co-autoria com o primeiro-ministro sueco, Göran Persson, e com o presidente do Partido Socialista Europeu, o dinamarquês Poul Nyrup Rasmussen, sobre o desenvolvimento sustentável na Europa à luz da "estratégia de Lisboa". Óptima companhia e oportuna solidariedade política, no dia em que o líder do PS é oficialmente indigitado para formar governo.

UE precisa de liderar combate à malária

Vergonhosamente, a maior parte dos Estados europeus não cumpre ainda o compromisso de afectar 0,7% do PIB à Ajuda ao Desenvolvimento. Apesar disso, a UE no seu conjunto contribui, hoje, com 55% do total da Ajuda ao Desenvolvimento, cerca de 30 milhares de milhões de euros por ano. Mais de 160 países beneficiam desta ajuda, 1/5 da qual é gerida pelo orçamento da Comissão.
Reforçar o papel da Europa no combate à pobreza e na Ajuda ao Desenvolvimento fortalece a credibilidade e a eficácia da Política Externa e de Segurança e Defesa europeia em todo o Mundo.
E a Europa pode fazer a diferença contra a pobreza, apoiando a iniciativa do Presidente Lula e outros na última Assembleia Geral das NU para aumentar o financiamento do desenvolvimento. E se souber mobilizar fundos e liderar projectos com impacte estratégico. Como a erradicação da malária, conforme recomenda o Prof. Jeffrey Sachs, Director do Programa do Milénio das Nações Unidas. Porque é sobretudo na população dos países mais pobres que a malária incide com efeitos devastadores e custos económicos incalculáveis.
Mais de 300 milhões de pessoas por ano são infectadas pela malária, a doença que mais mata: mais de 1 milhão de pessoas por ano, 90% das quais em África. Segundo a UNICEF, a malária mata uma criança cada 30 segundos. No tempo desta minha intervenção estão a morrer 3 crianças vítimas da malária.
A Europa pode fazer mais e melhor. Por isso a Comissão deve lançar e liderar um programa global de combate à malária. Aumentando e canalizando fundos para programas de controlo nos países de incidência; apoiando políticas nacionais para que seja dada prioridade ao combate à malária; estimulando o sector privado na produção de uma vacina e na distribuição de fármacos eficazes no tratamento da malária, bem como na distribuição de redes anti-mosquito tratadas com insecticida.
A pobreza e a miséria alimentam a injustiça, o desespero e a insegurança global. Com esta aposta estratégica, a Europa contribuirá decisivamente para cumprir os objectivos do Milénio, compromissos que têm de ser honrados. E também para o Mundo mais justo e seguro que os cidadãos europeus esperam que a Europa ajude a construir.

(Intervenção no Plenário do PE, debate sobre Combate à Fome e Pobreza, Estrasburgo 23.2.05)

Obviamente Vitorino!

Parafraseando um velho dito, as questões orçamentais e financeiras são demasiado importantes para serem deixadas aos especialistas em finanças públicas. Do que precisamos no ministério das finanças é uma personalidade com visão estratégica e peso político bastante para se impor aos demais ministros. A sugestão de Teodora Cardoso quanto à solução de António Vitorino para a pasta das Finanças, agora acompanhada por outros observadores, faz todo o sentido.

Desde que não me tirem o meu ministério...

Como recorda o Diário Económico de ontem, os empresários e gestores preconizam em geral governos pequenos e privilegiam a coordenação governamental e os ministérios de "banda larga". Mas quando se trata de ir ao pormenor, os interessados não dispensam os ministérios da agricultura, do turismo, do desporto, etc. etc. Coerência precisa-se.

E se a coligação tivesse ido coligada às eleições?

Há quem pense que, se o CDS e o PSD tivessem ido às eleições em coligação, poderiam ter evitado a maioria absoluta do PS. Mas não têm razão.
Desde logo, a hipótese de coligação eleitoral é totalmente retórica. Não foi por acaso que ela não existiu, dada a resistência que ela suscitaria em ambos os partidos. De um lado, basta lembrar o aplauso geral que Marques Mendes recebeu no congresso do PSD quando condenou tal hipótese. Do outro lado, é evidente que Portas tinha de tentar capitalizar aquilo que julgava ser a mais-valia do CDS no Governo, não podendo deixar-se associar à péssima imagem de Santana Lopes. Os dois partidos concorreram separados porque entenderam que a soma de ambos poderia ser maior do que a coligação.
Seja como for, mesmo que se procedesse à agregação total dos votos dos dois partidos, isso não daria para impedir a vitória do PS com maioria absoluta, ainda que "à justa". De facto, embora não conseguisse os 120 deputados que efectivamente elegeu, o PS ainda elegeria 114 deputados no território nacional (agradeço a Pedro Magalhães estes dados), número que subiria a 116, contando com a eleição de dois dos quatro deputados pela emigração.
No entanto, é de todo irrealista a suposição de que a direita unida conseguiria obter a soma dos votos que os dois partidos obtiveram separadamente. É mais do que razoável admitir que a votação de tal coligação eleitoral teria sido consideravelmente menor do que a soma dos votos que os dois partidos obtiveram concorrendo separados. Há votantes do PSD que nunca votariam em Portas; há eleitores que votaram no CDS só para não votar em Lopes. Ou seja, uma hipotética coligação poderia ter favorecido o PS, ao reduzir a votação naquela.,
Além disso, se tivesse havido coligação, a incerteza quanto ao resultado das eleições e a consequente bipolarização eleitoral teriam mobilizado o "voto útil" à esquerda, concentrando no PS votos que acabaram por optar pelo PCP ou pelo BE porque sabiam estar de antemão garantida a vitória socialista. Toda a estratégia do PCP e do BE assentou neste silogismo: "o PS já ganhou as eleições, pelo que agora já podemos votar mais à esquerda". Ou seja, uma hipotética coligação poderia ter favorecido o PS, ao concentrar a votação nele.
Seja como for, não faz nenhum sentido comparar números insusceptíveis de comparação e reescrever a história destas eleições como se as coisas tivessem sido diferentes do que foram...

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2005

Os portugueses estão mudados

Ontem à noite, ao sair de um restaurante, em Lisboa, reparámos que a rua estava molhada e que ainda chovia. Reacção: "Uhau! Chove!" - e lá fomos até ao carro, a apanhar chuva gelada na cara, felicíssimos!
Não há dúvida. Os portugueses estão mudados: dão maioria absoluta ao Partido Socialista e celebram a chuva que antes os irritava.
É a conjuntura! Santana Lopes e a seca explicam estas alterações de comportamento, muito mais do que quaisquer mudanças nas convicções e hábitos profundos dos cidadãos.

As contradições da direita

Muitos dos que hoje repetem à saciedade que o Partido Socialista tem de resolver todos os nossos problemas porque tem maioria absoluta, são os mesmo que em Junho defendiam que o PR não devia convocar eleições porque existia uma maioria absoluta na AR e que, de novo, em Novembro criticaram o mesmo Jorge Sampaio por ter dissolvido um Parlamento em que existia uma maioria absoluta para governar Portugal.
Pois é. Não há novidade no que diz respeito a termos agora um Governo apoiado por uma maioria absoluta parlamentar. Há três anos que a temos!
Espero, isso sim, que esta maioria absoluta dê origem a um Governo determinado, não a realizar reformas estruturais - coisa que nunca soube o que realmente queira dizer -,mas sim a contribuir para o futuro do país, desbloqueando os crónicos e sacrossantos privilégios, compadrios, ineficiências, obscuridades e ausências de sentido, bem como os eternos ziguezagues e a permanente mediocridade que a política portuguesa não tem conseguido superar.

"Le garçon des vaches"

Bush na Europa: as televisões mostraram palmadinhas nas costas, gargalhadas e sorrisos, a ementa escolhida (french fries e vinho da Califórnia) - reflexos de novo clima nas relações transatlânticas. Bush a querer parecer simpático para com a "velha Europa". Timothy Garten Ash, citado no Financial Times de ontem, precisa os limites da simpatia: "Bush mudou ao reconhecer a Europa como parceira; mas o seu discurso traz também uma lista das tarefas para a Europa executar". Talvez por isso, inconscientemente, Bush tivesse visto no Presidente francês um possível "cowboy para o seu rancho".
O Iraque continua no centro de tudo. Depois das eleições de 30 de Janeiro, parecem criadas condições para um relacionamento transatlântico mais construtivo. Os EUA sabem que as eleições foram apenas um primeiro passo e que muitas incógnitas surgem no processo democrático (-teocrático?). Sabem que o que se avizinha será, porventura, o mais difícil. Perceberam que, sozinhos, não poderão assegurar a estabilização e pacificação do Iraque. Precisam, cada vez mais, do contributo da comunidade internacional. E a Administração Bush parece pronta a aceitar estratégias de saída que até há pouco rejeitava liminarmente. Como o "grupo de contacto" sob supervisão da ONU, sugerido pelos republicanos Henry Kissinger e George Shulz, em artigos no Washington Post de Novembro e Janeiro passados.
Mas não basta que se entendam os parceiros de ambos os lados do Atlântico. É preciso que os iraquianos queiram e acreditem. E para isso há que mudar, desde logo, a percepção que eles têm sobre as forças militares estrangeiras. Vistas até aqui, como forças de ocupação.
Dois estimulantes para que a percepção mude: um calendário para a saída das tropas estrangeiras do país, dependente das condições de segurança no terreno e da vontade do Governo transitório iraquiano; e um papel central efectivo da ONU na estabilização política e na reconstrução. O anúncio de uma data para a saída das tropas da actual coligação e a atribuição de papel central à ONU no enquadramento de uma força de manutenção da paz (em que forças americanas se poderiam naturalmente incluir), com o acordo do Governo transitório, sossegaria receios de ocupação estrangeira interminável. Em especial, se, tal como sugere Kissinger, essa força fosse também integrada por países muçulmanos. E, acrescento eu, por países não conotados com o esforço de guerra levado a cabo pela coligação. As forças da coligação decresceriam, conforme o calendário, à medida que crescessem, em preparação e número, as forças militares e de polícia iraquianas.
A UE decidiu agora participar na formação, fora do Iraque, de quase um milhar de funcionários , na magistratura, polícia e administração penitenciária. Decidiu ainda criar um "Gabinete de ligação" no Iraque. No quadro da NATO deu-se luz verde ao treino, nos arredores de Bagdad, de 1000 militares iraquianos por ano. Chirac, por seu lado, decidiu avançar com acções de treino de militares iraquianos, embora fora do território iraquiano e fora do âmbito da NATO. 1500 - mais, em número, do que a NATO. Quem é que não gostaria de ter este "garçon des vaches" a trabalhar no seu rancho?

Bom começo

Respondendo ao PCP -- que quer avançar para a despenalização do aborto sem referendo -- e ao BE -- que quer precipitar imediatamente um referendo até ao Verão --, José Sócrates lembrou que o PS tem um compromisso eleitoral para realizar novo referendo e que tal referendo deve ser cuidadosamente preparado para ser ganho. Ora, embora desta vez seja de esperar que, ao contrário do que ocorreu em 1998, todo o PS, a começar pelo seu Secretário-geral, se empenhará no triunfo do "sim", ninguém pode dar-se ao luxo de correr riscos desnecessários. A precipitação intempestiva poderia ser fatal. O PS não pode hesitar em recusar qualquer "chantagem" neste ponto (dá para ver o que seria se não houvesse uma maioria absoluta...).

Direitos humanos

Participei ontem em Lisboa na sessão pública de entrega dos prémios de direitos humanos para os meios de comunicação (um para a imprensa, outro para a rádio e televisão), a cujo júri de selecção presidi, uma iniciativa da Comissão Nacional para a Comemoração dos 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo mandato agora se concluiu. Desde 1999 apreciei centenas de trabalhos apresentados para o prémio e partilhei da selecção dos melhores. Os que foram premiados agora, relativos a 2004, figuram entre os mais impressionantes.
Um dos objectivos da celebração do meio século da DUDH de 1948 era a educação para os direitos humanos. Esta iniciativa da nomissão nacional constituída para o efeito, a que Mário Soares presidiu, representou um excelente meio de sensibilização dos média para os direitos humanos. Uma tarefa gratificante!

Afinal não era um cheque em branco para políticas de direita?

«Jerónimo de Sousa esperançoso com maioria absoluta».

"Reconstrução da direita"

Um efeito colateral positivo das hecatombes eleitorais é obrigar à reflexão sobre as causas da derrota e sobre as saídas para a situação. Nada mais natural, portanto, do que as reflexões que começam a surgir à direita. Entre as primeiras merecem referência por exemplo esta e esta. Um debate para 4 anos, de que a esquerda não se pode alhear...

Confusão

quem tenha confundido a minha explicação dos círculos eleitorais territoriais com a defesa do nosso actual sistema eleitoral. Que hei-de eu fazer?

"Revolução eleitoral"

Tal é o título do meu artigo de ontem no Público (agora também disponível, como habitualmente, na Aba da Causa, aí com a correcção de um lapso do texto publicado no jornal).

terça-feira, 22 de fevereiro de 2005

Referendo europeu

«(...) A questão que lhe gostaria de colocar reporta-se à participação no referendo espanhol: acredita que se trata mesmo de uma vitória pelo facto do "sim" ganhar com 75% dos votos quando a abstenção é de 57,68% e os votos em branco ascenderam a 6%?
Da minha parte interpreto este resultado como preocupante (...). A questão central são os índices de participação que espelham o real afastamento das populações em relação ao Projecto Europeu. Não deixa de ser irónico que uma consulta popular acerca de um Tratado Constitucional espelhe tanta indiferença. Esta é a minha preocupação: que Europa é esta que se está a construir que não consegue cativar os cidadãos? Será mesmo uma vitória?»

(J. Mário Teixeira)

Nota
Os referendos têm em geral menos participação do que as eleições. Mas o que conta são os votos dos que se interessam, e não os demais. Em Portugal ambos os referendos de 1998 tiveram uma participação inferior a 50% e no entanto ninguém pôs em causa a sua legitimidade política. Nos Estados Unidos a participação nas próprias eleições é normalmente inferior a 50%.
A abstenção não significa "afastamento", quando muito indiferença. A convocação do referendo permite que milhões de pessoas se interessem pela Constituição, o que é um ganho em si mesmo, dado que ela poderia ser aprovada pelo parlamento sem referendo e logo sem envolvimento popular. Aliás, nos referendos a abstenção desfavorece em geral o "sim", pois quem vota "não" está normalmente mais motivado para ir votar. De resto, quantas questões "domésticas" conquistariam a atenção de tanta gente como este referendo em Espanha?
Vital Moreira

Cabe ao próximo governo, pois claro

«As dívidas de Portugal a organizações internacionais científicas passavam dos dez milhões de euros, no final de 2004. Isto significa que a promessa da ministra da Ciência, Graça Carvalho, de pagar todas as contribuições a essas organizações até ao fim do ano passado ficou por cumprir, e que caberá ao próximo Governo liquidá-las.» (no Público).
Mais uma prova da irresponsabilidade financeira do governo cessante. Deve tratar-se aliás apenas de um exemplo das dívidas deixadas debaixo do tapete...

(Des)proporcionalidade (3)

Se houvesse somente um círculo eleitoral a repartição dos deputados pelos partidos seria muito mais proporcional, correspondendo aproximadamente à sua percentagem de votos.
Os círculos eleitorais distritais (ou regionais) existem por cinco razões: (a) para permitir listas de candidatos mais pequenas, que os eleitores possam conhecer; (b) para dar expressão na AR a diferentes interesses territoriais (os interesses de Lisboa não são necessariamente os mesmos dos Açores); (c) para evitar que todos os candidatos e deputados sejam tendencialmente de Lisboa; (d) para atenuar a proporcionalidade e tornar menos difícil a conquista de maiorias monopartidárias; (e) para limitar o número de partidos com representação parlamentar, impedindo o acesso a micropartidos sem um mínimo relevante de expressão eleitoral (muitos sistemas eleitorais prevêem explicitamente "cláusulas-barreira" para este efeito). Salvo erro, fora de Estados minúsculos, só existem dois países com um sistema proporcional na base de um círculo eleitoral único, a Holanda e Israel, ambos muito mais pequenos e territorialmente mais homogéneos do que Portugal.

(Des)proprocionalidade (2)

A "majoração" dos partidos mais votados, quanto ao número dos seus deputados, saiu reforçada nestas eleições em virtude da grande diferença do primeiro para o segundo partido (mais de 16%) e de ter havido três partidos com votações entre os 6% e os 8% (PCP, CDS e BE), os quais não conseguiram eleger deputados em quase nenhum dos pequenos e médios círculos eleitorais (excepção para o CDS em Viana do Castelo), vendo por isso desperdiçada uma importante quota-parte do seus votos, com relevo para o BE.

(Des)proporcionalidade (1)

Ao conseguir eleger 120 deputados (ou seja, 53% do total de 226) com 45% dos votos, o PS beneficiou de uma "majoração" de 8% na sua representação parlamentar, conseguindo uma folgada maioria absoluta de deputados sem correspondente maioria de votos.
O benefício dos partidos mais votados é normal no nosso sistema eleitoral. Mas, ao contrário do que muitas vezes se afirma, tal assimetria não resulta directamente do "método de Hondt", ou seja, da fórmula de repartição proporcional dos deputados, mas sim da existência de muitos círculos eleitorais que elegem um número relativamente pequeno de deputados, sendo portanto necessária uma percentagem de votos assaz elevada para alcançar um deputado. Assim, por exemplo, em Coimbra o PS elegeu 6 deputados em 10 (60%) com 45% dos votos (majoração de 15%), em consequência do total desperdício dos votos do BE, do PCP e do CDS, que não elegeram ninguém, apesar de terem somado em conjunto 17% dos votos.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2005

O mistério de Leiria

Na média nacional, o PS cresceu mais de 7% em relação a 2002 (45% contra 37,8%). A subida ocorreu em todos os círculos, mas com consideráveis assimetrias nos vários círculos eleitorais, havendo subidas bem acima daquela média (como Bragança, Guarda, Castelo Branco, Vila Real, Açores) e outras sensivelmente abaixo da mesma (como Coimbra, Setúbal, Lisboa, Leiria).
O distrito com menor subida é o de Coimbra, pouco acima de metade da média nacional (4%). O facto terá a ver, entre outros factores, com o impacto negativo da questão da co-incineração e com a qualidade da lista e da campanha do BE. Em Setúbal e em Lisboa a principal razão do menor progresso eleitoral socialista deve estar ligada a um maior desvio do eleitorado de esquerda para o BE. De resto, nesses dois grandes círculos a votação do PS ficou abaixo do "score" nacional de 45%, o que limitou a capacidade de subida socialista.
Mas o pior círculo eleitoral do PS no Continente é o de Leiria, com apenas 35,5% dos votos, quase 10% baixo da média nacional (aliás somente com mais 0,5% do que a Madeira), sendo mesmo o único distrito onde o PS tem menos deputados do que o PSD. O défice socialista em Leiria é tanto mais surpreendente quanto se trata de um distrito do litoral, com índices de desenvolvimento económico e urbano relativamente elevados. Um mistério.

Instabilidade no PSD

O que vai fazer Santana Lopes da sua devastadora derrota eleitoral está para se ver. Ao recusar demitir-se, parece que vai vender cara a pele na luta pela liderança do PSD. O controlo do aparelho do partido pode dar-lhe hipóteses de sobrevivência. O pior pode ser, porém, o abandono dos autarcas, que temem a repetição do "tsunami" eleitoral em Outubro, de que eles serão as primeiras vítimas. O presidente da câmara municipal de Tavira pode ser o primeiro de uma debandada geral?

Correio dos leitores: Maioria absoluta

«"Maioria absoluta: responsabilização absoluta". O texto de Ana Gomes com este título, para mim, resume o que vai ser, a partir de agora, a vida do PS.»
(António Gouveia)

Correio dos leitores: Os vencedores

«Deixe-me acrescentar um vencedor [das eleições]: o "Causa Nossa", pela aposta diária na maioria absoluta, mérito que não lhe é alheio. Certo?»
(A. C. Guedes)

Correio dos leitores: As eleições

«A análise das eleições feitas no "Causa" (...) diz praticamente tudo. No entanto, julgo que faltam dois aspectos a realçar:
1) A magna importância histórica deste momento para o Partido Socialista e para os seus militantes de base. O PS deve mostrar inequivocamente:
a) que consegue e sabe governar em tempos de crise;
b) que a prioridade deve ser a protecção dos mais desfavorecidos (no âmbito do combate à pobreza e ao desemprego);
c) que consegue, num primeiro momento, governar sem aumentar a despesa pública e, num segundo momento, que consegue diminuí-la;
d) que consegue conter os ímpetos do aparelho na fase das nomeações governativas, promovendo o mérito e a juventude em detrimento do cartão de militante;
e) que consegue decidir sem hesitações, sem eternizar as discussões e sem ceder a pressões corporativas.
2) Confirma-se que a melhor e mais perfeita forma de demonstração colectiva dos Portugueses é nas urnas. De Cavaco, passando por Guterres, e agora com Durão e Santana, o "eleitorado" premiou os bons governos e penalizou os maus governos. Perante a catástrofe governativa da coligação PP/PSD de Santana e Portas, urgia uma mudança. A resposta dos Portugueses não podia ter sido mais esclarecedora.»

(Gonçalo M. da Maia)

Menos de um terço

Com menos de um terço dos deputados (tem 72, podendo alcançar o máximo de 75, se ganhasse 3 dos 4 da emigração...), o PSD deixa de ser necessário para aprovar leis que precisem de uma maioria de 2/3, desde que o PS obtenha o apoio dos demais partidos da oposição. E isso só não inclui a revisão constitucional porque a próxima revisão ordinária só ocorre em 2009, no final da legislatura que agora principia.

Legislatura longa

A legislatura que agora se inicia tem duração bem superior a 4 anos, visto que só terminará em Outubro de 2009 (se não houver antecipação de eleições por decisão presidencial...). O Governo tem por isso mais do que tempo para dar conta do recado.
Além disso, a partir das eleições locais no próximo Outono, realizadas ainda em "estado de graça" para o PS, serão quatro anos sem outras eleições partidárias de âmbito nacional, visto que as eleições europeias só terão lugar no Verão de 2009 (e as eleições regionais, limitadas aos Açores e à Madeira, só ocorrerão no Outono de 2008). Ou seja, o Governo não vai ter de governar para eleições locais ou europeias, nem temer os efeitos colaterais de uma pesada derrota eleitoral nessas eleições, como sucedeu com Guterres, com as eleições locais de Dezembro de 2001, e com Durão Barroso, com as eleições europeias de 2004.
(acrescentado)

Confortável maioria

Se alcançar dois dos quatro deputados pelos dois círculos eleitorais do exterior o PS ficará com 122 deputados, o que significa seis deputados acima da maioria absoluta. Trata-se de uma confortável maioria, que coloca o Governo a coberto de qualquer surpresa, tanto mais que retira "poder de veto" aos 6 deputados das regiões autónomas e torna irrelevantes os três deputados "democratas-cristãos" eleitos nas listas do PS. Em contrapartida os deputados da minoria resultante das eleições para a liderança do PS e do subsequente congresso assumem papel importante no grupo parlamentar.

A outra vitória

Com mais de 75% dos votos, os espanhóis aprovaram a Constituição europeia. Apesar da elevada abstenção, trata-se de um resultado notável. Uma excelente notícia para a União Europeia.

Maus perdedores

Há sempre os que não sabem perder. Na noite eleitoral evidenciaram-se por exemplo o líder regional do PSD, Alberto João Jardim, o ex-líder parlamentar do PSD, Guilherme Silva, e o Ministro Morais Sarmento. Falta de chá democrático.

O trunfo desfeiteado

Afinal, quem é que foi derrotado em Coimbra? Lembram-se de Nobre Guedes, o trunfo de ouro para ganhar um lugar em Coimbra para o CDS, com o argumento da co-incineração, tendo chegado a apelar a um levantamento popular contra a entrada de Sócrates na cidade? Pois ficou bem longe da eleição, enquanto o PS venceu com grande avanço, arrebatando 6 dos 10 deputados em disputa.
Mais uma aposta perdida de Portas, que ainda por cima viu o CDS ficar atrás do BE, o inominável partido da esquerda radical. Nem a missa da vidente Lúcia lhe valeu!

Maioria absoluta: responsabilização absoluta

Mais de 45% dos votos, 120 deputados para já, faltam os resultados da emigração.
José Sócrates sorri, com natural orgulho, da «vitória verdadeiramente histórica que o PS alcançou», mas tem o cuidado de não alardear exuberância. O que aí vem não está para celebrações, também. Lê um contido e asséptico discurso de vitória. Limpa o suor que lhe cai em bagas -- e não será só do calor dos aplausos dos notáveis no Altis e das massas militantes que o vão quase esmagar no exterior... Deixou o adjectivo "superioridade" que lhe polvilhou discursos na campanha. "Humildade e sentido de responsabilidade" -- sublinha agora, bem.
Responsabilidade, sobretudo, é o que os portugueses esperam do PS. E honestidade. E competência máxima também. Transparência, também ajuda. Tudo isso implica ter aprendido com erros do passado. Veremos a seu tempo, desde logo pela composição governamental.
A partir de agora, não há mais desculpas: o PS tem finalmente poder e legitimidade para governar. Sem arrogância, sem autismo, e sobretudo sem ficar na mão de quem quer que seja, à direita ou à esquerda. Sem ficar na mão de grupos de interesses, sejam banqueiros ou grupos corporativos. Foi para isso que os portugueses deram a maioria absoluta ao PS: responsabilização absoluta.

Maioria absoluta PS: Direita absolutamente derrotada

Ao entrar para o avião, um último SMS de amiga descrente para quem, apesar de tudo, o PS é o último, o único, recurso útil: "Esquece e vota PS".
Aterrei em Bruxelas às 10 da noite, 9 em Portugal. Um telefonema para casa: maioria absoluta garantida!
Primeiro: - uff, que alívio! Portugal pode ser governável. (Flash de alerta: e o PS tem de estar à altura).
Segundo: - contentamento! Esta direita execrável, que nos desgovernou, fragorosamente derrotada. O principal derrotado já está a milhas, mas hão-de estar a arder-lhe bem as orelhas: chama-se Durão Barroso. Os portugueses provaram-lhe/lhes, pela segunda vez (a primeira foi nas eleições europeias de 2004), que não são parvos, nem masoquistas, nem suicidas...(Flash de alerta: e o PS mais tem de estar à altura!)
Chegada a casa, a TV brinda-me em directo com a declaração de Paulo Portas, beicinho tremelicante mas esforçadamente repuxado, carão pior do que nas cerimónias fúnebres de Maggiolo Gouveia e da Irmã Lúcia. Gozo duplo: pela humilhação do que há de mais oportunista e reaccionário à direita; e de admiração por mais uma magistral exibição deste grande artista português - assume a derrota e sai o mais por cima que pode, demitindo-se de líder do CDS/PP. Como se alguém acreditasse que volte costas à política: ou volta em ombros no Congresso, ou demora mais algum tempo por uma questão de oportunidade, aproveitando para fazer uma daquelas rentáveis travessias no deserto que o "amigo" Rummy gostosamente patrocinará em qualquer Georgetown, com a vantagem de lhe sobrar tempo para manipular o Indy e a imprensa que vier à rede... (Flash de alerta: o PS que se cuide ... e sobretudo que esteja à altura!)
Lopes é igual ao Lopes de sempre. "Nonchalant", enaltece Portas por se demitir -- mas atitudes dessas não se lhe aplicam ("ele não foge à luta", dirá para fora e para os seus botões). Há muito que sabia o que o esperava. Sorriso no fundo aliviado, faca na liga -- esta farsa chegou ao fim, está pronto para a refrega contra os que o anavalharam pela frente e pelas costas no PSD. Que alternativa lhe resta? A travessia do túnel das Amoreiras empancado? Dartacão MMendes já passou ao ataque, vem aí a guerra ppdista. Por aqui, o PS pode esperar...

Derrotados (7): Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã

Ambos, com destaque para o segundo, conseguiram o notável feito de disputarem ao PS os despojos da derrota da direita. Mas foi evidente, sobretudo na segunda fase da campanha eleitoral, que para ambos tão importante como a sua própria subida eleitoral era impedir a maioria absoluta do PS. Nisso revelaram-se tão acirrados como a direita. O BE chegou a erigir em objectivo essencial o "voto útil contra a maioria do PS". Ambos falharam nesse objectivo de condicionar a formação e as políticas do novo Governo. Com isso a sua influência política reduz-se drasticamente (mesmo que o PS não deva de modo algum desconsiderar o seu peso). É um importante revés.

Derrotados (6): Marcelo Rebelo de Sousa

Apareceu várias vezes na campanha eleitoral do PSD ao lado de figuras como L. Filipe Menezes e não se inibiu de tentar desqualificar o líder do PS e de considerar que a maioria absoluta por ele pedida seria uma "ironia absoluta". Não pode portanto sacudir do seu capote a água da derrota. Depois disso não teve pejo em aparecer como "comentador" na RTP, como se nada tivesse a ver com as eleições e com os seus resultados.

Derrotados (5): A. João Jardim

A estrela do líder regional do PSD da Madeira continua a empalidecer. Depois das perdas nas eleições regionais, em que viu encurtar a sua vantagem sobre o PS, é agora a primeira vez que o PS iguala o PSD no número de deputados eleitos no arquipélago nas eleições para a AR, dado que a vitória eleitoral "laranja" foi muito menos expressiva do que habitualmente. Ao ser um dos poucos apoios de Lopes entre os dirigentes tradicionais do Partido, compartilha com ele a histórica derrota.
Para agravar as coisas, desta vez não tem em Lisboa nem um governo de correligionários nem um governo minoritário do PS que precise dos "seus" deputados.

Derrotados (4): A direita

Somados os votos PSD e do CDS (somente cerca de 36%!), é este provavelmente o pior resultado de sempre da direita entre nós, com poucos casos semelhantes por essa Europa fora. Também é difícil imaginar tamanho desastre governativo...

Derrotados (3): Paulo Portas e CDS

Sendo uma e a mesma coisa, a derrota de um é a derrota do outro. Portas pagou o desastre da coligação, de que nem a oportunista tentativa de demarcação o salvou. Falhou todas as apostas. Recuou em vez de subir, perdeu quota eleitoral e deputados, não impediu a maioria absoluta do PS, não assegurou o terceiro lugar, não estancou a subida do PCP nem da "esquerda radical". A sua ideia de "roubar" deputados ao PS foi uma das anedotas políticas da campanha eleitoral. Apesar de ter uma derrota menos escandalosa do que a do seu parceiro de coligação, foi ele quem colocou a fasquia mais alta. A sua demissão é a consequência do naufrágio do excesso de ambição.

Derrotados (2): Santana Lopes

O fim de um mito. Um desastre como chefe do Governo, um desastre de campanha eleitoral. A derrota do populismo, da demagogia, da falta de seriedade, dos golpes baixos. Um castigo eleitoral tão merecido quanto devastador. Mas nem na derrota tem grandeza. O PSD não merecia tal vexame...

Derrotados (1): PSD

Com uma votação abaixo de 29%, o PSD perde mais de 11 pontos percentuais em relação a 2002 (40%) e regista o pior resultado absoluto desde 1983 (com Mota Pinto, depois da desagregação da AD). Perde em quase todos os distritos, incluindo alguns onde sempre tinha ganho (como Viseu). Para além disso recorreu a uma campanha indigna e reles, que os eleitores castigaram justamente. Nunca uma derrota tão pesada foi tão merecida.
(revisto)

Vencedores (5): Pacheco Pereira

José Pacheco Pereira foi o militante do PSD que desde o princípio se apercebeu mais claramente do desastre de incompetência e de populismo que iria ser o governo de Santana Lopes. Tendo mantido uma firme e constante oposição à sua liderança, resistiu também ao oportunismo de intervir na campanha eleitoral, como outros fizeram à última da hora, quando a derrota de Lopes era irreversível. O triunfo da clarividência e da coerência.

Vencedores (4): Jorge Sampaio

Arriscou convocar eleições antecipadas sabendo que se delas não resultasse um governo de maioria poderia ser acusado de ter interrompido um governo de coligação maioritária para dar lugar à instabilidade governativa. A maioria absoluta do PS constitui por isso também um triunfo seu. Os eleitores validaram esmagadoramente a sua decisão. Criou doutrina constitucional ao pôr fim a um governo de maioria em caso de degradação extrema da governação.

Vencedores (3): A outra esquerda

O conjunto dos partidos de esquerda obteve uma vitória memorável. A vitória do PS não impediu a subida do PCP, que assegurou o terceiro melhor resultado, nem muito menos do BE, que mais do que duplicou os resultados de há três anos, tendo ficado em terceiro lugar em vários distritos. Notável progresso.
Mas não se pode desvalorizar o insucesso na sua aposta em impedir a maioria absoluta do PS, em que se empenharam tanto como a direita.

Vencedores (2): José Sócrates

O principal responsável pela vitória socialista. Enfrentou com dignidade e sobriedade a vergonhosa campanha suja contra si, promovida e alimentada pelo PSD. Manteve uma linha de seriedade e determinação sem desfalecimento. Resistiu à pressão dos "média" para revelar um "plano B" para a hipótese de não ter maioria absoluta e para anunciar os seus futuros ministros. Depois de ter ganho o PS ganhou o País. Depois de ter deixado marca como ministro, pode ser o primeiro-ministro de que o País precisa.

Vencedores (1): O PS

A maior votação de sempre, uma vitória com maioria absoluta (pela primeira vez), o partido mais votado em todos os círculos eleitorais, salvo na Madeira e em Leiria (mas incluindo pela primeira vez em Viseu). Um feito para a história do PS e para a história política portuguesa, e mesmo europeia (não é vulgar uma maioria monopartidária num sistema proporcional como o nosso).

domingo, 20 de fevereiro de 2005

Dia de referendo

É na Espanha, o referendo da Constituição europeia. O primeiro a ter lugar. Toda a Europa interessada. As previsões dão como certo o sim, por confortável margem. Só estão contra os comunistas e alguns grupos nacionalistas regionais (lá não existe BE...). Incerteza, só quanto ao índice de participação no referendo.
Entre nós, provavelmente vamos ter de esperar mais de um ano por idêntica consulta popular. A questão mal foi aflorada na campanha eleitoral.

Dia de eleições

Quatro "certezas" para logo à noite, segundo Pedro Magalhães:
1. O PS ganha;
2. PSD e CDS-PP não fazem maioria;
3. Subida forte do BE em relação a 2002;
4. Se não tiver maioria absoluta, PS necessita apenas de um parceiro à esquerda para a formar.
E agora outras tantas incertezas:
1. O PS alcançará a maioria absoluta?
2. O PSD superará a barreira dos 30% (de que pode depender a liderança de Santana Lopes)?
3. Qual será o terceiro partido?
4. O BE ultrapassará o PCP?

sábado, 19 de fevereiro de 2005

"Desaparecidos em congresso"

Com este título o Expresso de ontem noticiava que um nutrido grupo de médicos portugueses se deslocou a um congresso médico na Polónia, onde estiveram cinco dias, não tendo porém comparecido a nenhuma sessão. Chamados posteriomente a explicarem a falta, quase todos invocaram "doença súbita"...
Esta é apenas uma entre muitas notícias que nos últimos tempos revelam o crescimento do "turismo médico", financiado pelos laboratórios farmacêuticos, a pretexto de congressos quase sempre realizados em estâncias turísticas internacionais (mesmo quando só têm âmbito nacional). É altura de um inquérito oficial que investigue pelo menos duas coisas: (i) a dispensa de médicos do SNS para tais "congressos"; (ii) o receituário dos médicos envolvidos, no que respeita aos medicamentos dos laboratórios pagadores das referidas iniciativas turísticas.
Por coincidência, a secção regional do Norte da Ordem dos Médicos veio protestar contra uma alegada intenção governamental de não permitir aos médicos indicarem nas receitas o laboratório fabricante dos medicamentos que prescrevam. Coincidência?

Correio dos leitores: "Riscos do ofício"

«[Os polícias] têm uma pistola que aponta para a direita e dispara para a esquerda. Já nem discuto o calibre, porque não sei, mas é uma brincadeira face ao artesanto da oposição. Não têm coletes à prova de balas. Se quiserem têm de comprá-los do bolso deles. As algemas não fazem parte do equipamento. Se quiserem algemas vão comprá-las do bolso deles. Têm 66 Euros de subsídio para a farda e restante equipamento. Os carros da PSP estão fora de prazo. Têm mais peças adaptadas que peças de origem. Etc. Etc. Etc.
(...) Penso que estamos ao nível do Burkina Faso. Não são riscos do ofício, isto é, também são, aqui ou em qualquer lado. O problema põe-se ao nível do desmazelo, desmotivação, incúria. (...)»

(José M.)

Prodígio

Apesar de reconhecer, tardiamente, que o crescimento económico do corrente ano vai ser bastante inferior ao previsto no orçamento por que foi responsável, o ministro das Finanças cessante ainda mantém a previsão do mesmo défice orçamental.
Seria um prodígio, dado que menos crescimento implica naturalmente menos receitas fiscais e mais despesas (sobretudo sociais). Está claro que Bagão Félix não quer estar na pele do seu sucessor na Praça do Comércio. O primeiro encargo deste será preparar rapidamente um orçamento rectificativo...

Riscos do ofício

Por mais justificada que seja a revolta dos agentes da polícia contra a morte de um agente em serviço, num bairro da Amadora, e por mais razões de queixa que eles tenham em relação aos meios e equipamentos de que dispõem, a verdade é que o ofício não pode excluir esse risco e que o protesto mediante a entrega de armas constitui uma violação qualificada dos seus deveres para com o Estado e a segurança da colectividade.

Desmazelo, descontrolo & irresponsabilidade

O relatório da Inspecção-Geral de Saúde sobre a cobrança de taxas moderadoras nos centros de saúde é ainda pior do que se poderia esperar: inúmeras isenções ilegais, frequentes faltas de pagamento, ausência de controlo, perdas substanciais de receitas.
De quem é a responsabilidade? Desde logo, das direcções dos CS e das administrações regionais de saúde. Mas a questão de fundo tem obviamente a ver com o tipo de gestão dos CS. Suspeito bem que este relatório veio dar argumentos adicionais aos que defendem uma mudança baseada na autonomia e na responsabilidade.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2005

Inventona

Ou o caso do documento forjado.

Surpresas da campanha (1)

A grande surpresa desta campanha eleitoral foi o "apagão" sobre os seis meses de governo(?) Santana Lopes.
Pois o senhor candidato lá se passeou pelo país e pelos media como se não tivesse sido o protagonista dos episódios mais inacreditáveis, mais detestáveis e mais sombrios do que é a arte de governar sem qualquer sentido da coisa pública, desdizendo o que disse na hora anterior, colocando gente impensável em lugares de responsabilidade, traindo os amigos de ontem, dormindo com os inimigos de anteontem, decidindo no sentido oposto daquilo que publicamente afirma serem as suas prioridades. Tudo sem outro propósito para além do efeito instantâneo criado nos media.
Não se percebe como os seus opositores levaram a sério o que disse defender, sem recordarem que exactamente o contrário também já Santana Lopes havia defendido. Não dá para acreditar que um tal personagem se tenha passeado durante semanas por tudo quanto é sítio separado, cortado, autonomizado do seu passo recente.Estamos todos esquizofrénicos? Ou ficámos tão assustados pelo populismo em estado puro que Santana Lopes representa, que resolvemos nem falar disso, com medo de lhe conferirmos existência real?

Surpresas da campanha (2)

E é que não nos vamos ver livres dele!... Santana Lopes colocou a fasquia no meio do intervalo que as sondagens lhe prometiam, lançou âncora, transformou-se no ?senhor trinta por cento? e pronto... o PSD tem presidente vitalício!
Bem pode Pacheco Pereira confessar a derrota antecipada dos militantes do PSD que pretendem recuperar o partido como polarizador de gente interessada no futuro do país. Não, a coisa tá firme: o PSD do betão, dos interesses pessoais e do pequeno e médio negócio de roda da coisa pública tem líder para os próximos anos. Ninguém com outra visão vai correr o risco de suscitar o sobressalto dos militantes que restam, para correr com os milhares de Santana Lopes que desde o tempo de Durão Barroso - é preciso dizê-lo com toda a frontalidade!! - dominam o PSD. Bye Bye PSD! Resta o PSL?Triste vida!

Surpresas da campanha (3)

Não menos surpreendente é o facto de muitos eleitores tradicionais do PSD tencionarem votar PP. Surpresa, porque essas decisões pessoais não parecem ter reflexo nas sondagens. Surpresa, pelo esquecimento que revela: quem diria que o homem mais "odiado" pelos sociais-democratas há uma meia dúzia de anos estava destinado a recolher os votos daqueles que querem salvar o PSD? Ironias da história?

Surpresas da campanha (4)

Muito surpreendido ficarei se o PS obtiver no domingo a maioria absoluta que as sondagens lhe prometem e que, do meu ponto de vista, é absolutamente necessária ao país. Desculpem lá a imagem, mas há muito digo que, mesmo nos momentos de maior "flirt" com os socialistas, o país acaba sempre por nunca se deitar com o PS.
Sócrates arrisca-se, assim, a ser um vencedor de sorriso amarelo: que de outro, se não dele, a responsabilidade por não obter uma maioria absoluta? O homem é o que é e mais não se lhe pode pedir. Jornalistas e comentadores acusam-no de não se comprometer com medidas concretas - grande susto teríamos se tais críticos um dia explicassem o que entendem por medidas concretas! -, mas a questão é mais simples e mais básica: a racionalidade do voto (o poder correr com o mau governo e escolher o menos mau para governar) não chega para fazer maiorias em Portugal. É preciso um pouco mais: mobilizar o voto afectivo, o voto daqueles que só o dão a políticos com que se identifiquem pessoalmente, em quem confiem cegamente. Sócrates não faz, definitivamente, o género!

Surpresas da campanha (5)

O fenómeno Francisco Louçã contém algo de absolutamente paradoxal. Como é que o voto de protesto se conjuga com aquele pseudo-discurso de poder? Como é que possível juntar na mesma frase e no mesmo local, a defesa de impossíveis, com a ideia de que se está reflectir com seriedade sobre a gestão dos assuntos públicos? Fantástico o discurso sobre a "sustentabilidade" da Segurança Social que Louçã conseguiu produzir no debate televisivo de terça-feira: juntar em três frases os pressupostos da bancarrota da Segurança Social, conseguindo aparentar um ar lúcido e sem que ninguém o chamasse à realidade - foi absolutamente genial!
Que o voto de protesto tem mais do que razões para ser numeroso, está fora de dúvida. Mas que a essas motivações se consiga juntar as de eleitores atraídos por um discurso que lhes soa a razoável e capaz de suportar a gestão da coisa pública, é obra de se lhe tirar o chapéu!

Surpresas da campanha (6)

O carácter sentimental e afectivo da campanha esteve do lado do homem que perdeu a voz, mas não a esperança. Por nada daquilo que disse ou propôs, mas exclusivamente pelo modo como o disse ou o apresentou, Jerónimo de Sousa, ganhou a simpatia dos media, dos tais críticos que só querem ouvir falar de compromissos quanto a medidas concretas. Ora aí está o sentimento a funcionar a 100%, sem que a substância das propostas venha ao caso. As sondagens é que se mostram renitentes em reflectir a simpatia! O voto dirá.

Lógico

Pacheco Pereira diz que vai votar Santana Lopes... para derrotar Santana Lopes.

Competência

A tabuleta fixada nos palanques de Santana Lopes só tinha uma palavra: "competência". Nunca houve tanta contradição entre a figura e a legenda.

Que mais podemos esperar do BE?

«Voto útil contra a maioria do PS» -- tal é o apelo de Francisco Santana Louçã Lopes.

A dois dias das eleições...

... todas as sondagens convergem para o mesmo -- a maioria absoluta do PS. Mas ainda faltam os votos reais dos eleitores.

"Não há retoma à vista"

Outro que desmente as fantasias de Lopes sobre a "retoma económica". Já nem os próximos se dão ao trabalho de tentar eludir a realidade.

Alucinações

A quase 20 pontos de distância do PS segundo as últimas sondagens, Santana Lopes «continua confiante na vitória»...

Na iminência da grande derrota...

... que as últimas sondagens de opinião tornam irrefragável, só resta a Santana Lopes tentar evitar, em desespero de causa, a maioria absoluta do PS. Poderão ser os eleitores de esquerda a dar-lhe essa derradeira consolação?

Um monumental "flop"

O magérrimo conjunto de 5-personalidades-5 que Lopes conseguiu reunir para o seu "futuro governo" constituiu mais um estrondoso flop. Mesmo com um governo reduzido a 12 ministros, como ele tinha anunciado, metade dos ministérios ficam desertos.
Será que a personagem não se dá conta do devastador efeito desta destrambelhada exibição de isolamento político dentro das suas próprias hostes? E como é que há pessoas que se prestam a "números" tão ridículos como este?

Quando o vencedor perde e os vencidos ganham

Se o PS ganhar as eleições sem maioria absoluta, mesmo que com grande vantagem, perde a sua grande aposta nestas eleições, ao passo que todos os demais partidos ganharão a sua luta para impedi-la (no que todos convergiram, desde o CDS ao BE). O vencedor lastimará o desaire; os vencidos celebrarão a "vitória".
Faz isto algum sentido?

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005

O voto do próximo domingo

Não sei se as mudanças que o novo governo terá de enfrentar serão assim tantas e tão grandes como se tornou corrente ouvir dizer por estes dias. Mas sei que algumas serão incontornáveis. Sei ainda que a reganhar a confiança lhe será, à partida, indispensável. E não me esqueço igualmente no que deu a maioria relativa do PS, da última vez em que lá esteve. É por isso que me parece indispensável um resultado com maioria absoluta.
Tenho por fim uma última coisa como certa: daqui a quatro anos, pelo menos, haverá novas eleições legislativas. Se quem ganhar estas não merecer os votos que lhe foram dados, de certeza não voltará a obtê-los. É por isso que nada me angustia no voto do próximo domingo. Angústias ou indecisões, reservo-as para as escolhas que só faço uma vez na vida.

Anedotário

Frase do tempo de antena do PSD: «Vote no PSD para continuar a diminuir o desemprego». Agora deu-lhes para brincar com a gente?

Vale mesmo tudo?

O secretário-geral da UGT acusou o Governo de estar a sonegar os dados do IEFP relativos ao desemprego no mês de Janeiro, que normalmente deveriam ter sido publicados até 10 de Fevereiro. A ser verdade, até onde pode ir a instrumentalização do Estado ao serviço dos interesses eleitorais da coligação governamental?

Os "ministros" de Santana

Onde estavam os novos "ministros" de Santana aquando da constituição do governo há poucos meses?
De duas uma: ou bem que foram preteridos supostamente por uma melhor escolha; ou muito provavelmente não estavam era disponíveis para os cargos que agora dizem poder vir a ocupar. Há quem não se tenha dado conta que os eleitores mudaram muito nos últimos dez anos. São menos crédulos, mais selectivos nas escolhas, menos fiéis, mais críticos. Se PSL tivesse dado conta, perceberia a falta de credibilidade e até um certo ar pouco sério que envolve este anúncio atrapalhado de meia dúzia de candidatos a ministro, à beira do que pode ser um mau resultado eleitoral.

Maioria absoluta pela governabilidade de Portugal

De um amigo, JA, recebi o seguinte "desabafo":

«A grande interrogação é o "day after" e tudo aquilo que vem por arrastamento. Fundamentalmente, o que fazer com este poder, seja ele maioritário ou minoritário. Porque os entusiasmos das campanhas são, na maioria das vezes, fugazes manifestações de esperança e de crença na capacidade dos homens ou de um grupo, para pouco tempo depois se transformarem em descrença e rejeição. É um fenómeno típico de um país com déficite de auto-estima e de uma sociedade à espera que o Estado resolva tudo. (...) Veremos se as contradições ideológicas, os complexos do passado recente e os erros de governação, como, por exemplo, o totonegócio, a Fundação para a Prevenção e Segurança e o queijo limiano, não são impeditivos da transparência, da tomada de opções políticas corajosas, da inevitabilidade de correcções de rumo e da necessária visão estratégica. (...) Apesar da minha actual experiência profissional (...) confirmar a ideia (...) de que os partidos e as pessoas são todos iguais, tenho a certeza de que não são. É preciso é prová-lo: pelas atitudes, pela acção, pelas ideias, pela moral, pela ética.»

Pois é! E é por isso mesmo que os portugueses precisam de dar uma MAIORIA ABSOLUTA ao PS, que vai ganhar as eleições de 20 de Fevereiro. Para derrotar fragorosamente a direita oportunista e incompetente que apregoou o "país de tanga" e, na realidade, o deixou de tanga. Para envergonhar o Dr. Durão Barroso que se pôs ao fresco mal arranjou melhor emprego e deixou o país entregue à inenarrável dupla Santana Lopes/Paulo Portas.
Mas não é indiferente que o próximo governo do PS seja minoritário ou maioritário. É preciso dar a MAIORIA ABSOLUTA ao PS pela inequívoca responsabilização do Engº José Sócrates e daqueles que integrarem a equipa que ele vai reunir para nos vai governar. Para que não haja alibis, nem necessidade de queijos limianos negociados à direita ou à esquerda. Para que haja orientação estratégica para o país e o horizonte de uma legislatura para a aplicar. Para que não haja desculpas para não dar combate à corrupção e à fraude e evasão fiscais, melhorar o funcionamento da Justiça, direccionar a economia para o crescimento com emprego e para defender os interesses e reforçar a intervenção europeia e internacional de Portugal.
Não é indiferente que o próximo governo do PS seja minoritário ou maioritário: é preciso dar a MAIORIA ABSOLUTA ao PS para que o Governo governe e reforce a autoridade e respeitabilidade do Estado. Pela governabilidade democrática em Portugal.

Overbooking

1. Pode acontecer-lhe também a si. Já me aconteceu a mim. Segundo a Comissão Europeia, só em 1999, 250.000 passageiros foram vítimas de overbooking em voos regulares contratados às principais transportadoras aéreas comunitárias. E não foi por causa de um qualquer engano ou de uma fatalidade não prevista que isso lhes aconteceu. É em virtude de uma estratégia comercial rigorosamente programada. O novo Regulamento europeu procura precisamente travar este abuso de sobre-reservas e fixa para os passageiros que não possam embarcar uma elevada indemnização de modo a que os operadores percam receitas, em vez de as auferirem, com este tipo de prática.

2. Por coincidência tinha visto esta semana dois jovens camaroneses serem vítimas de overbooking e esperarem quatro dias em Bamako por um lugar no avião. Regressaram ao hotel sem quaisquer desculpas ou indemnização ou sequer promessa do dia do embarque. Completamente desolado, um deles contabilizava os prejuízos que resultariam do atraso. Lembrei-me, então, do Regulamento que agora entra em vigor. Da persistência das instituições comunitárias para fazer aprovar este regime, as únicas que poderiam enfrentar a enorme resistência às novas regras por parte das transportadoras aéreas. Enfim, tal como outras vezes, senti o privilégio que é ser cidadã da União.

Vale tudo

Até dizer que o PS já governou (mal, claro) com maior absoluta (afirmações de Jerónimo de Sousa, hoje, dia 17, há minutos, na RTP).

Convicções de circunstância

Avisadamente, alguma igreja recomendou discrição e contenção no funeral da Irmã Lúcia. Mas houve quem fizesse orelhas moucas. Que candidatos e ministros conhecidos pela sua profunda fé católica tenham passado em Coimbra, na Sé Nova, até pode ser compreensível. Quanto aos outros, melhor fora que estivessem mais atentos. Alguém confia no que sabe que é postiço?

Aeroporto em Lisboa, sempre!

«Acabar com o aeroporto de Lisboa é acabar com o turismo» -- diz um responsável pelo turismo da capital.
Tem toda a razão: é justamente por não terem um aeroporto no meio da cidade que não há nenhum turismo em Paris, Roma, Veneza, Rio de Janeiro, etc.

A idade da reforma

«A idade da reforma anda a agitar a campanha eleitoral. Embora eu pense que a excessiva longevidade é um problema que é necessário enfrentar, parece-me que a elevação da idade da reforma não é solução para ele.
De facto, o que se verifica é que as pessoas vivem muitos mais anos, mas isso não quer dizer que estejam em condições de "empregabilidade", como agora se diz. (...) Raramente uma pessoa pode efectuar um trabalho remunerado (...) para além dos 70 anos de idade.
Ou seja, a elevação da idade da reforma não vai resolver o problema, uma vez que o problema não reside em as pessoas trabalharem tempo de menos, mas sim em viverem tempo de mais. (...) Aliás, é difícil encontrar uma empresa que esteja disposta a contratar uma pessoa com mais de 50 anos de idade. As empresas entendem, correctamente, que a produtividade dessa pessoa será geralmente baixa. Mas essa pessoa poderá, não obstante, viver até aos 85 anos de idade! (...)»

(Luís Lavoura)

Nota
Não se trata de solucionar o problema da longevidade das pessoas mas sim a sustentabilidade da segurança social. Se as pessoas se reformarem dois ou três anos mais tarde do que agora, pagarão outros tantos anos de contribuições adicionais e receberão menos outros tantos anos de pensões. Por outro lado, a proposta mais exigente (a do PSD) não vai além dos 68 anos, e somente para quem tenha menos de 35 anos, pelo que a mudança só teria efeitos daqui a muitos anos. O problema é saber se as pessoas preferem continuar a reformar-se cedo mas com o risco de, depois, não haver meios para pagar as suas pensões.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2005

O busílis da questão

«Partidos à esquerda não garantem apoio a orçamentos que reduzam despesas e mantenham défice abaixo dos 3%.» (António Vitorino)

Correio dos leitores: Ainda o excesso de cursos superiores

«(...) A autonomia das escolas conduz a situações aparentemente absurdas em que se multiplicam cursos sem qualquer estudo sustentado das realidades profissionais e das necessidades do País, com curricula baseados apenas em generalidades, sem que existam em Portugal doutorados ou especialistas de reputado prestígio em número suficiente para cumprir com dignidade e rigor científico o seu papel de professores.
Atente ao que se passa em duas áreas: conservação e restauro do património e documentação.
No tocante à conservação, existe uma licenciatura bi-etápica no Instituto Politécnico de Tomar; uma licenciatura na Universidade Nova de Lisboa e uma licenciatura na Escola das Artes da U. Católica do Porto. (...) Ora, num momento em que a prudência aconselharia a que não se multiplicassem mais cursos, a Câmara de Óbidos "tira da cartola" mais um curso de conservação e restauro, no âmbito do Instituto Politécnico de Leiria, que visa dar formação a 700 alunos!! Consta que se preparam iniciativas semelhantes noutras localidades, entre as quais Setúbal.
Outra situação que pode ser exaustivamente documentada é a das pós-graduações, e agora também licenciaturas, que se multiplicam verdadeiramente como cogumelos na área dos arquivos e bibliotecas. Neste momento, Portugal caminha a passos largos para ter o dobro da oferta de formação existente em Espanha e temos mais cursos de biblioteconomia do que a generalidade dos países europeus...».

(Rui Ferreira da Silva)

O que é que resta?

O (ainda) líder do PSD já abandonou os compromissos sobre as portagens das SCUT (há dias no Algarve) e sobre o aumento da idade da reforma (ontem no debate da RTP). Restará alguma proposta "incómoda" no seu programa eleitoral?
No início alguns observadores assinalaram maior número de propostas concretas no programa do PSD, em comparação com o do PS. Pois é! O problema é que o primeiro vai sendo demolido pedra a pedra em tudo o que poderia ter custos eleitorais. O pior programa eleitoral é aquele que, afinal, não era para valer...

Quando os jogadores disponíveis são poucos...

«Santana Lopes promete emagrecer Governo para 12 ministros.»
Entretanto, Lopes adiou para sexta-feira, último dia da campanha, o anúncio -- que estava marcado para hoje -- de nomes para a estrutura-base do tal Governo fantasma. Quem é que "borregou": Henrique Chaves, Gomes da Silva ou Maria do Carmo Seabra?

Onde não era chamado

«Paulo Portas mal recebido na missa privada por Irmã Lúcia de Jesus». De guarda-costas, e tudo. Chama-se a isto sentido de Estado! Não há limites para a desfaçatez?

Quanto mais portugueses, mais europeus

Maioria dos portugueses tem orgulho da sua nacionalidade.
Portugal é dos países mais «entusiastas» da UE.
Boas perspectivas para o referendo da Constituição Europeia!

Círculo vicioso

Está visto que nenhum partido está disposto a assumir antecipadamente a necessidade de austeridade financeira e de medidas pouco populares. Isso é notório no caso da elevação da idade da reforma, em que todos os partidos menores se declararam contra e em que tanto Sócrates como Santana foram mais evasivos do que aquilo que consta dos respectivos programas eleitorais. O primeiro ficou aquém de admitir tal eventualidade e o segundo meteu os pés pelas mãos para desdizer a explícita proposta nesse sentido que consta do programa do PSD.
A verdade é que admitir medidas impopulares custa votos. Mas também é verdade que tentar esconder a sua necessidade gera descrédito. Como sair deste círculo vicioso?

A falácia de Portas

O líder do CDS insistiu na estrambótica tese de que uma subida eleitoral sua lhe permitirá ter mais deputados à custa do... PS! Ora é evidente que em cada dez votos que o CDS tenha a mais nove são retirados ao PSD, o que só pode beneficiar o PS, visto que quanto maior for a distância entre o vencedor e o segundo partido mais votado maiores serão os ganhos daquele, permitindo-lhe eleger mais deputados com a mesma percentagem de votos.
Lopes permaneceu em embaraçoso silêncio perante a exótiva matemática do seu parceiro de coligação.

"Código de bom governo"

Devem os governos ter uma código de conduta de boa governação? A minha resposta no artigo de ontem no Público (também na Aba da Causa, como habitualmente).

Argumento novo

No debate televisivo Sócrates juntou um elemento novo ao argumento da maioria absoluta, ao dizer que sem ela é mais difícil formar um bom governo. Não lhe foi pedido que esclarecesse esse ponto, mas é fácil perceber que ele se referia àquelas personalidades que não são políticos profissionais, que podem estar disponíveis para participar num projecto governativo de fôlego, mas que não estarão dispostas para deixar as suas actividades (nas empresas, nas Universidades, etc.) a fim de integrar um governo que não tenha perspectivas de duração, obrigado a navegar à vista, permanentemente dependente de negociações "ad hoc" com as oposições e sujeito a cair ao fim de um ano.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2005

A (in)explicável ausência de objectividade

No PÚBLICO de ontem Teresa de Sousa analisa "A (IN)EXPLICÁVEL AUSÊNCIA DO IRAQUE" do debate eleitoral sobre política externa (qual debate sobre política externa ? pois nem sequer a Europa se discute e já é mais política interna, do que externa....). Em regra, aprecio as análises de TdS, mesmo quando delas discordo - e discordo menos frequentemente do que concordo (como ressalta do excelente texto que TdS hoje assina no mesmo jornal - "Um caminho de dois sentidos"- e dos meus posts do passado dia 2 sobre as eleições no Iraque e o novo relacionamento UE-EUA que deveriam abrir).
TdS explica por que o Iraque está a ser "cuidadosamente evitado pelos dois grandes partidos políticos portugueses" e até pelo líder do CDS/PP, que preferiu ir à pesca de votos, em vez de o ir discutir com o seu "amigo" Rumsfelt na Cimeira da NATO, em Nice há dias... Mas, ao olhar para trás, TdS simplifica excessivamente: fala de "uma linha anti-americana e legalista" que prevaleceria na liderança do PS durante a controvérsia provocada pela guerra do Iraque.
TdS escamoteia, porventura por economia de espaço, que o consenso que desde 1974 existiu em torno da política externa entre a esquerda e a direita em Portugal, fundado na Constituição da República - que impõe o respeito "legalista", "formal" e informal, do Direito Internacional e da legalidade internacional - foi, de facto, rompido por Durão Barroso e pela coligação de direita ao apoiarem a guerra "preventiva" de Bush e Blair no Iraque, na base de pretextos enganados e enganadores, e a subsequente ocupação militar. Mas, ao rotular de "anti-americana" a linha da direcção Ferro Rodrigues do PS, TdS resvala num primarismo incompatível com a qualidade da sua análise, em geral.
Acontece que tive algum papel (de que me orgulho) na definição dessa posição nessa direcção do PS, como então Secretária para as Relações Internacionais. Habituei-me então a ouvir reaccionários encartados e certos jornalistas e comentadores a tentarem desvalorizar quem lhes fazia frente com o argumento ad terrorem do "anti-americanismo". Não só não me assustaram, como me deu vontade de rir ser acusada de "anti-americanismo": na verdade, em todos os postos por onde passei em mais de 20 anos de carreira diplomática e em especial nas instâncias mais sensíveis da ONU, como a Comissão dos Direitos Humanos e o Conselho de Segurança, trabalhei sempre em intensa articulação com parceiros americanos governamentais e não-governamentais. E sempre lhes disse, com a lealdade indispensável aos verdadeiros amigos e aliados, o que pensava sobre as suas políticas e actuações quando delas discordava ou antevia consequências negativas. Nunca me prestei, evidentemente, a ser avençada ou sequer a ficar a dever-lhes uma viagem ou estágio, daqueles que instituições americanas diversas patrocinam para diplomatas e jornalistas ou para políticos em travessias do deserto... (O PÚBLICO ainda dia 9 noticiava "Pentágono pagou trabalho a jornalistas estrangeiros").
Se, numa lógica primária e simplista, ser frontalmente crítico em relação a políticas do governo dos EUA é ser "anti-americano", então deverei um dia destes ser considerada também "anti-europeia", por vir fustigando no PE os governos europeus que estão a procurar levantar o embargo de armas à China. E nisto até alinho, sem complexos, com parte das considerações da actual administração americana....

Um saber que se desloca


Uma pequena tenda tuaregue é o expressivo símbolo da Escola de Doutoramento que tem sido organizada em África por investigadores africanos e europeus. Este ano ela instalou-se em Bamako, no Mali. Durante uma semana, em trabalho intensivo, investigadores de 18 países (incluindo jovens investigadores europeus e africanos) discutiriam sobre poder e autoridade, abrangendo temas que foram desde a descentralização e a administração local, à organização do Estado e à sua relação com as autoridades tradicionais ou com as autoridades reguladoras independentes. Point Sud, um centro de investigação sobre o saber local, criado em Bamako por investigadores do Mali, residentes no país e a trabalhar em Universidades estrangeiras, foi a instituição de acolhimento. É um projecto singular pela sua interdisciplinaridade, pela interacção que suscita, pela partilha de conhecimentos que permite, pela pluralidade de abordagens que acolhe. No final, a tenda viajou para o Gabão, que organizará a próxima escola.

Maioria absoluta

Partindo do princípio de que, nas difíceis condições do País, é essencial um governo de maioria absoluta -- única forma de poder realizar uma política consistente com um horizonte de 4 anos e de não ficar refém das oposições --, julgo que o PS não deve desdramatizar, como tem feito, a hipótese de não a conseguir. Por duas razões:
a) a alternativa à maioria absoluta é, na melhor das hipóteses, a fragilidade e a instabilidade governativa e, na pior delas, a ingovernabilidade; sem agitar o espectro da I República, parece-me porém justo suscitar o perigo da continuação e acentuação do ciclo de instabilidade política;
b) a situação do País não se compadece com governos frágeis, em constante "navegação à vista", dependentes da negociação permanente com forças políticas divergentes e com a tentação das oposições para o veto de todas as medidas que possam suscitar qualquer resistência de algum grupo social.
Sem sublinhar estes dois pontos duvido que o argumento da maioria absoluta seja "self-evident". É preciso responsabilizar os eleitores pelo que vem a seguir. Não se pode exigir tudo do próximo Governo e depois negar-lhe as condições para ele poder "dar conta do recado".

Equação

Maioria relativa = responsabilidade relativa;
Maioria absoluta = responsabilidade absoluta.

Correio dos leitores: "Toda a diferença"

«O BE diz que faz toda a diferença. Infelizmente votar no BE pode fazer toda a diferença para pior para a esquerda. Já vimos isso em 2001, quando os votos no BE ajudaram a eleger Santana Lopes para a Câmara de Lisboa, roubando-a à esquerda. (...)
Claro que quem apoia convictamente o BE é lógico que vote nele. Mas já não compreendo que se vote nele só para "castigar o PS", correndo o risco de dar uma alegria à direita. Se no dia 20, o PS não tiver maioria absoluta, quem rejubilará é Santana Lopes, que pode segurar-se ao lugar e que pode esperar recuperar em consequência da fragilidade e instabilidade de um governo minoritário do PS.
Mesmo que vivesse em Lisboa ou noutro lugar em que o BE elege deputados duvido que fosse tentado a votar nele. Mas votando eu em Aveiro, onde o BE não tem possibilidade de eleger ninguém, o voto neles seria puro desperdício, o que a direita agradeceria. Ora o que eu penso ser mais importante nestas eleições é uma "derrota absoluta" do Santana. E isso só acontecerá com uma maioria absoluta do PS. Eu vou ajudar.»

(F. Rodrigues)

Entre aspas

«No dia em que os partidos assumirem claramente a separação entre a vida política e a vida religiosa - e os sacerdotes adoptarem o mesmo código de conduta - seremos um País melhor e menos complexado.» (Miguel Coutinho).

Tiraram a patente?

«Nós somos os únicos socialistas em Portugal» -- diz Louçã. Já tardava esta!

Correio dos leitores: "Licenciaturas em Veterinária"

«O ensino da Medicina Veterinária em Portugal é um caso paradigmático da desorganização e do desperdício que reina no nosso ensino superior público.
Já existem 4 cursos públicos (Lisboa, Porto, Trás-os-Montes e Évora) e 2 privados (Coimbra e Lisboa). Se atendermos ao facto que (...) o próprio numerus clausus da FMV aumentou para 120, pode-se apreciar o enorme excesso de oferta de formação nesta área.
Como é uma formação superior de carácter profissionalizante, i.e. de banda relativamente estreita, trata-se de um logro que penaliza centenas de estudantes que não encontrarão no mercado de trabalho procura para essa formação específica. Além disso, os recursos gastos na manutenção de 4 cursos públicos de fraca qualidade poderiam ser melhor utilizados no investimento num único curso de grande qualidade, dispondo de meios logísticos e financeiros, ratios professor/aluno mais favoráveis ao ensino prático e experimental, etc, etc. (...).
Como é que se poderia pôr termo a estas perversões da autonomia universitária (uma vez que estes cursos se criam não para corresponder a uma necessidade real mas como forma de manter o emprego dos professores que promovem a sua criação e a permanência das instituições, as quais, por razões demográficas e outras, deixaram de ter procura nos cursos que tradicionalmente ofereciam)?»

(Antonio Duarte, FMV de Lisboa, UTL)

Nota
Sou pela concorrência nas profissões e contra as limitações administrativas no seu acesso. Parece-me que a única forma de evitar a proliferação supérflua de cursos e de conciliar a autonomia universitária com a qualidade da formação académica é a elevação dos requisitos para a criação de novos cursos (infra-estruturas, laboratórios, professores doutorados, número mínimo de alunos, etc.).
VM

Correio dos leitores: "Por que vou votar PS"

«Sou independente e já votei em diferentes partidos, já votei em branco e já me abstive. Desta vez vou votar decididamente no PS. Explico porquê:
- quero ajudar a afastar, definitivamente, Pedro Santana Lopes do "pódio político", ou melhor, dos centros de decisão mais importantes do meu país por se tratar do político mais incompetente, imaturo, irresponsável e leviano que até hoje já conheci (tenho 53 anos);
- quero ajudar a dar oportunidade ao PSD de voltar a ser um partido sério e com credibilidade, independentemente do sentido do meu voto no futuro;
- quero ajudar Cavaco Silva a candidatar-se porque, independentemente do meu sentido de voto no futuro, considero que merece ser candidato pelo que fez por Portugal e pela seriedade com que o fez (independentemente de eu concordar ou não com as opções que tomou).(...)
Com Santana Lopes no poder, temo profundamente pelo meu país, pelo futuro do meu filho (adolescente e estudante), pelo futuro dos meus alunos, pelo futuro do Ensino em Portugal.
O voto no PS, ainda que não me garanta a solução de todos os problemas do país, devolve-me alguma tranquilidade e alguma esperança na resolução de questões importantes e acredito que vai ajudar a abrir portas à recuperação e dignificação do PSD, condição importante para a alternância do poder num país democrático como o meu.
Por tudo isto, e pela primeira vez na vida, sinto que o meu voto no PS vai ser muito importante.»

(Adelaide Ferreira)

Correio dos leitores: "A fuga de Durão"

«Há uma coisa que me está a fazer uma enorme confusão na campanha do PS: o permitir que o PSD continue a falar na fuga de António Guterres sem que se fale na atitude de Durão Barroso, no essencial que ela teve. Li agora mesmo que Santana Lopes iria começar a usar a figura de Durão Barroso e "o seu prestígio". Não posso crer. Ninguém repara que Durão Barroso prometia salvar Portugal, e quando lhe ofereceram um cargo que lhe agradou mais, esqueceu-se de Portugal? Ninguém repara que esse cargo foi recusado pelo primeiro-ministro da Irlanda e do Luxemburgo? A imagem pública de Durão Barroso é a de "um vivo" que "arranjou emprego" e se marimbou para o país.»
(J H)

Correio dos leitores: "O que Sócrates deve fazer"

«Corro o risco de figurar como o enésimo génio de bairro que fornece receitas infalíveis nesta matéria. (...) Posto perante a eventualidade de uma maioria relativa, Sócrates deve jogar ao ataque:
1) Se o PR o convidar para formar Governo não fugirá às suas responsabilidades, todavia
2) Não augura nem oito meses de plenitude de funções a tal Governo, porque
3) Os Governos minoritários vão-se mantendo, cedendo e recuando, até caírem de costas.
4) Mas ele não cederá nem recuará: sempre que o puserem entre a espada e a parede, escolherá sistematicamente a espada, e o seu Governo, a cair, cairá em frente e não recuando.
5) A natureza das relações políticas do Governo com o BE e o PCP não será determinada pelo facto de ter ou deixar de ter a maioria absoluta.
6) Tão pouco o ter ou não ter maioria absoluta afectará, positiva ou negativamente, a sua disponibilidade para ponderar propostas do BE (e do PCP, e do PSD, e do PP) que não sejam incongruentes com as suas orientações básicas.
7) Assim sendo, o BE não poderá "condicionar o Governo do PS". Poderá, isso sim, participar em coligações ad hoc para o derrubar.
8) E o Dr. Louçã deverá perder qualquer pretensão ao cargo de director espiritual de José Sócrates.
9) Se a proposta de OE para 2006 for rejeitada, o Governo não apresentará outra: demitir-se-á.
10) Aliás, ele (Sócrates) não exclui a possibilidade de apresentar moções de confiança (quer aquando da apresentação do programa de Governo à AR, quer antecedendo imediatamente a votação do OE 2006). E isto quer tenha ou não maioria absoluta.
11) Demitido o Governo - depois de o actual PR perder o poder de dissolução e antes de o próximo o adquirir - o OE 2005 vigorará para 2006 em regime de duodécimos.
Parece-me que esta posição - fácil de expor e entender - teria um efeito salutar também em relação ao "aparelho do PS". No fundo trata-se de negar o pressuposto segundo o qual o Governo de maioria relativa procuraria, antes do mais e sobretudo, manter-se a todo o custo. (...)»
.
(João Seabra)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2005

Privatização das OGMA: alguém fiscalizou?

Inquietante o artigo "Privatização das OGMA: processo atribulado" hoje inserido no caderno "Economia" do PÚBLICO. Transcrevo duas frases que resumem a tese do autor, o dirigente sindical Jorge Lopes:
"O Estado negociou a privatização da OGMA sob uma posição de fraqueza, resultante da pressa em obter receitas para diminuir o "santo"défice e, por isso, negociou mal, prejudicou a empresa e o país.
Quanto ao futuro, há indícios de que ele pode não ser tão positivo como tanto o actual conselho de administração da OGMA como a EMBRAER querem mostrar (...)".

Trata-se de um negócio que envolveu a venda de 65% de uma empresa de que o Estado era accionista, por 11.39 milhões de euros, de um todo que o BPI avaliaria em 14 milhões (apenas o BPI ?). Avaliação que, segundo o sindicalista, ignorou um investimento de 9,2 milhões de euros antes feito pela OGMA para ser certificada para efectuar manutenção a certo tipo de motores de aviões. E que também terá ignorado o valor das áreas de engenharia e de fabricação de compósitos da empresa, únicas no país.
Do negócio gaba-se, agora, em plena campanha eleitoral, esse grande artista, líder do CDS/PP, o Ministro Paulo Portas - a quem tantos na imprensa vêm hoje lisonjeando as qualidades transformistas. Mas, alguém, alguma instituição pública ou privada, independente e credível, acompanhou ou fiscalizou o negócio e pode vir desmentir a tese do sindicalista e esclarecer quem não sabe e quer perceber, como eu?
Segundo o sindicalista, todo o processo de privatização parcial da empresa decorreu à margem de diálogo com os sindicatos representativos dos trabalhadores da OGMA. Será que a AR fiscalizou - ou fui eu que estive distraída? Ao menos no Governo, alguém mais, além do Dr. Portas e do seu Gabinete, acompanhou ou foi ouvido sobre a operação - o CEMGFA, o CEME, o CEMFA? O Ministério da Economia, a inefável API do Dr. Cadilhe, o Ministério do Trabalho, o Ministério das Finanças - terão dado parecer ? terão abraçado sem reservas o negócio de que se gaba o Dr. Portas? Ou foi só o PM que abençoou o negócio - e qual deles?
O Ministério dos Negócios Estrangeiros, sei eu, não foi ouvido nem achado, apesar da operação envolver compradores estrangeiros (a sociedade Airholdings, participada pela brasileira EMBRAER e o consórcio europeu EADS) e de se processar num sector industrial, económico e tecnológico estratégico. Lembram-se dos tempos em que o Dr. Barroso, o Dr. Portas, o Dr. Lopes, o Dr. Martins da Cunha (lapso meu, da Cruz, da Cruz...) inchavam por terem descoberto a pólvora com a sua "diplomacia económica"? Afinal, era só fumaça....
Esperemos que alguém nos venha dar respostas a estas questões, antes das eleições de 20 de Fevereiro. E depois, que não rebente na cara dos trabalhadores da OGMA e dos portugueses em geral mais uma "moderna amostra" dos talentos negociais do Dr. Paulo Portas.

Continua o regabofe

O Diário da República continua a publicar nomeações de apaniguados dos partidos do Governo para altos cargos da Administração pública, através de despachos datados... de antes da dissolução da Assembleia, há quase dois meses, alguns com efeitos retroactivos de vários meses de remuneração. Os casos estão descritos aqui (indicação de Rui Aguiar). Definitivamente, não têm um grão de vergonha. Para contornarem a lei que proíbe as nomeações não resistem a incorrer em crime de falsificação.

"Exercício de identidade europeia"

Numa iniciativa original, Jacques Chirac e Rodríguez Zapatero participaram este fim-de-semana, em Barcelona, numa sessão comum de promoção do referendo espanhol da Constituição Europeia, que tem lugar no próximo domingo. O "compte rendu" da sessão, incluindo a lúcida intervenção de improviso de Chirac, pode ser consultado no website do Presidente francês.

No meio do oportunismo generalizado...

... é bom saber que a razão ainda tem uma voz autorizada. «Suspensão da campanha eleitoral é oportunismo político» -- diz uma respeitada voz da Igreja. Uma merecida "bofetada" ao vergonhoso aproveitamento partidário da morte da "vidente" de Fátima, com o ainda primeiro-ministro à frente, mas com inesperados seguidores atrás.

Adenda
Outro bispo "questiona a sinceridade dos partidos" e a "instrumentalização" política do falecimento.

Grelha de partida

Os "fretes" de Miguel Cadilhe e de Rebelo de Sousa na campanha do PSD nesta fase tardia do campeonato eleitoral são actos de indescritível reserva mental (ambos só podem desejar uma estrondosa derrota de Santana Lopes) e só podem querer dizer que a era Santana Lopes está no fim e que a grelha de partida para a corrida à liderança do PSD depois de 20 de Fevereiro vai ser muito disputada. Marques Mendes, até agora o único a manter-se em campo, mas a jogar por fora, vai ter farta concorrência.
Aposto que todos têm as "quotas em dia" (Pacheco Pereira dixit). Qual será o primeiro a imitar Guterres no PS em 1991 e a pronunciar a frase assassina -- "estou chocado com a dimensão da derrota do PSD" -- de abertura das hostilidades no dia 20 à noite? O problema é que Lopes resistirá duramente a abrir caminho à sua sucessão, se conseguir evitar a maioria absoluta do PS. Por isso é de duvidar se os candidatos à sucessão que fingem apoiá-lo na campanha eleitoral o não fazem com uma figa atrás das costas...

Campanha eleitoral

Gostei da entrevista de José Sócrates ao programa RTP2/RR "Diga lá, Excelência", hoje transcrita no PÚBLICO. Explicativo e combativo. Motivador.

A RTP toma partido

Eis aqui uma antevisão do estilo do novo "comentador" político da RTP. Um padrão de apartidarismo!

"Governação fraca"

«Tudo muda, no entanto, se o PS não chegar à maioria absoluta.(...) Sócrates já deu a entender que, mesmo assim, formará governo, mas não é preciso ser uma analista particularmente perspicaz para se antever um novo período de governação fraca, dependente em permanência de negociações parlamentares. Ou seja, será um autêntico milagre, nestas circunstâncias, se a legislatura completar os quatro anos.»
M. Bettencourt Resendes.

Desastres da guerra

Seis décadas passadas sobre a impiedosa destruição de Dresden pela aviação anglo-americana. Uma espécie de Hiroshima europeia. Uma das mais belas cidades alemãs arrasada. Dezenas de milhares de mortos. Objectivos e populações civis pagaram pesadamente a vitória aliada sobre o nazismo.

Eleições no Iraque

Sem surpresa os resultados das eleições de 30 de Janeiro. Participação inferior a 60%, em consequência do boicote sunita, vitória folgada do partido chiita religioso, forte representação curda, fraca prestação do partido chiita laico do actual primeiro-ministro (o que envolve claramente uma censura do seu seguidismo em relação aos ocupantes). Confirma-se a correspondência das forças políticas com as divisões étnico-religiosas. Não costuma ser bom sinal para a edificação de uma democracia.
A divisão territorial do Iraque continua no horizonte. O referendo consultivo curdo realizado paralelamente com as eleições "deu" quase 100% em favor da independência.

Já não há sentido das proporções

«Primeiro-Ministro vai propor dois dias de luto nacional» pela morte da "vidente" Lúcia. Não há limites para a exploração política oportunista dos sentimentos religiosos.