terça-feira, 14 de setembro de 2004

O amor é mudo

É impossível não reparar na rapariga que lê, sentada sozinha na sua mesa do Caffe di Roma do Rato. É bela como as actrizes dos filmes franceses cheios de clichés do género: uma mulher bonita que lê poesia num café. Acrescente-se que a noite está fria e que ela bebe chá. O vapor não parece incomodar-lhe a leitura. À primeira vista esta mulher é perfeita dentro do lugar-comum do romântico: é linda, está só, lê. Deve ter tudo e, se não tem, pode decidir o momento de o ter. Súbito chega um rapaz bonito. Os sorrisos dos dois são próprios de comédia romântica. Trocam um abraço, um carinho recíproco e simultâneo no cabelo um do outro. E começam a falar, alegremente, de forma compulsiva, como se tivessem saudades, muitas saudades.
Mas não ouço nada, estou na mesa ao lado e não ouço nada. Deixo-me hipnotizar pelos seus gestos. Ele senta-se com ela. Continuam a falar sem que nada se ouça a não ser um muito suave som de respiração, um sussurro de ar que foi o que lhes ficou da voz. Ela mostra-lhe o livro e parece claro que falam dele. Falam daquele poeta desconhecido, partilhado a esta hora por dois mudos na mesa de um café.
A que soarão aqueles versos? Que som escutarão os dois apaixonados no interior do seu silêncio? Dizem que a poesia é para ser ouvida. Concordo. E invejo o poeta que toca misteriosamente dentro dos seus ouvidos, atrás das suas pupilas, no processar dos seus pensamentos. Invejo o silêncio da página branca com algumas linhas - cuja música só eles dois conhecem, tal qual uma língua morta ou que ainda está por nascer.