«(...) O sistema fiscal que temos é um dédalo. Além de serem os trabalhadores dependentes os que mais pagam, como se afigura evidente, são também as famílias com menores rendimentos as que mais prejudicadas ficam: não tendo condições para investir nos produtos, de eficácia social duvidosa, que são oferecidos pelas instituições financeiras, não têm similarmente disponibilidade financeira para suportar o pagamento do verdadeiro escol de especialistas fiscais que se dedicam à exploração das fragilidades do sistema. Mais do que uma perpetuação do fosso entre ricos e pobres, acentuam-se as assimetrias sociais e económicas que hoje marcam o nosso país. (...)
Entre nós, têm sido as políticas sociais que mais têm sofrido à custa da falta de eficácia e de justiça do nosso sistema social. [Por exemplo] em nome de uma falta de "vocação afectiva" do Estado, no denominado Direito dos Menores tem-se procedido à desinstitucionalização das crianças e acelerado o respectivo processo de colocação em famílias. Trata-se de um movimento que tem sido acompanhado de uma significativa quebra de financiamento às IPSS e demais instituições e que, embora suportado por motivos abstractamente atendíveis, mais não não visa do que um alijamento das responsabilidades sociais (e naturalmente financeiras) do Estado quanto à rede de acolhimento de crianças e menores abandonados e em risco e que, conexamente, tem vindo associado a uma dimuição das margens de dedutibilidade fiscal de despesas com os menores a cargo das famílias (mais vastamente, face à equiparação existente, com os descendentes que ainda não atingiram a maioridade).
(...) Por último, em relação à extinção do sigilo fiscal, nomeadamente no que respeita às declarações de rendimentos, é perfeitamente incompreensível a hipocrisia gerada em torno da questão e a desfaçatez de alguns cidadãos na exploração dos mais variados sub-sistemas que são conformados pela declaração de IRS. Se uma passagem pelos tribunais mostra a frequência com que alguns cidadãos, que ali se deslocam em viaturas de alta cilindrada, são defendidos a coberto da Lei do Apoio Judiciário, também aqui, como diz o povo, "quem não deve, não teme".»
(AFC)
«(...) No que se refere ao "sigilo fiscal", parece que temos de avançar para que termine esta hipocrisia estando reunidas certas condições, nomeadamente:
- Sempre que um cidadão utiliza os dados constantes da sua declaração de rendimentos junto de entidades públicas ou de solidariedade com a finalidade de usufruir de situações favoráveis em relação aos outros cidadãos (por ex: pagamento reduzido de mensalidade nos infantários dos filhos; redução de propinas; crédito bonificado; abono de família; redução na aquisição de actos médicos; graus de deficiência....). Nestes casos, o sigilo fiscal deveria ser retirado e, os rendimentos constantes da sua declaração, poderiam ser consultados por qualquer cidadão, pois é de elementar justiça que quem suporta o encargo das situações de excepção (todos os contribuintes) possam avaliar o seu efeito.
- Também me parece que os contribuintes do mesmo sector de actividade empresarial deveriam ter acesso ao conhecimento do teor da informação dessa actividade (e só essa) constante das declarações de rendimentos de todos, pelo menos os da mesma àrea de domicilio fiscal.
(...) No que se refere à abolição do imposto de sucessões e doações de um modo isolado abriu portas para enormes fraudes no restante sistema fiscal que um mediano ententido nestas lides optimiza com relativa facilidade. Também aqui o que está em causa é uma questão ideológica pois, hà que averiguar se o facto de um cidadão usufruir de elevado património através de sucessão ou doação sem qualquer empenho pessoal para o obter, é razoável que fique liberto de qualquer carga fiscal. (...)»
(Isaac Carvalho)