A demissão de Rodrigues dos Santos e da equipa da direcção de informação da RTP foi motivada, aparentemente, por um episódio «menor»: a nomeação de uma correspondente em Madrid que não teria sido a melhor qualificada no concurso de selecção. Ou seja: a administração da RTP foi sensível a pressões políticas no sentido de destacar essa jornalista e não outro profissional mais habilitado para Madrid.
No passado, episódios destes constituíam o pão nosso de cada dia, não apenas na RTP mas noutros órgãos de informação mais vulneráveis à influência política dos governos em funções. Aliás, estão por esclarecer quais terão sido os critérios «jornalísticos» que levaram à designação da antiga editora de política nacional do «Diário de Notícias» para assessora de imprensa da nossa embaixada em Madrid, no tempo em que Durão Barroso era primeiro-ministro.
Se juntarmos estes dois episódios «espanhóis», talvez se possa estabelecer conexões elucidativas sobre a promiscuidade político-jornalística que, em Portugal tem, como se sabe, uma história muito antiga (e não se restringe, longe disso, à actual coligação). O trânsito «natural» e directo entre redacções de jornais e assessorias políticas de imprensa (ou vice-versa, como foi o caso de Fernando Lima no DN) é uma das manifestações mais flagrantes dessa promiscuidade.
O chamado «caso Marcelo» funcionou como excelente detonador de situações anómalas que eram anteriormente cobertas pelo manto diáfano da normalidade. É esse um dos seus principais méritos, aliás. A partir daqui, será cada vez menos pacífico disfarçar o que nunca deveria ter sido disfarçado: os jogos de bastidores políticos que interferem com os critérios profissionais na gestão dos órgãos de informação (públicos, mas por vezes, também, privados). Quando um caso «menor», como o da nova correspondente da RTP em Madrid, serve para pôr a nu uma realidade maior, isso constitui, pelo menos, um sinal de que dificilmente as coisas poderão continuar como dantes.
Tudo isso não se compadece, porém, com a carência de explicações dadas, até ao momento, sobre a demissão da direcção de informação da RTP. Será que o «caso Marcelo» também aqui fez escola? Será preciso que Rodrigues dos Santos seja ouvido pela Alta Autoridade para a Comunicação Social para se saber mais sobre um assunto cujo esclarecimento se impunha logo à partida? Se o jornalismo não se conforma com a opacidade, Rodrigues dos Santos deveria ter sido o primeiro a dar um exemplo de transparência? Já chega de calculismos e «mistérios»!
Vicente Jorge Silva