A argumentação do leitor no post anterior não é procedente. O tal regulamento restringe pelo menos os seguintes direitos dos condóminos: a sua liberdade de ter (ou adoptar) filhos (sob pena de terem de mudar de residência), o seu direito de propriedade (forçando-os a alienar ou a deixar de fruir a sua habitação se tiverem filhos) e a liberdade de escolha de residência (impedindo-os de viver onde querem com os filhos). Isto para não falar dos direitos das próprias crianças.
Na verdade, nem sequer seria necessário invocar o argumento constitucional da aplicação directa dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares. O próprio Direito Civil sempre admitiu limitações à liberdade negocial, nomeadamente em nome dos princíos da boa-fé, da proibição do abuso de direito e do respeito pelos "bons costumes". Essas limitações podem e devem ser "densificadas" pelos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição e demais princípios constitucionais, designadamente o princípio da dignidade humana.
Dizer que quem não concorda pode livremente mudar-se é uma falácia, pois isso implica sempre sacrificar alguns desses direitos. Não é lícito inverter as prioridades. Pelo contrário, quem não quer viver com crianças por perto é que deve desistir de viver em condomínios. Por definição estes implicam assumir a convivência externa, nos espaços comuns, com outras pessoas, sem discriminações. Por isso estou convicto de que um tal regulamento seria ilícito entre nós (e na cultura jurídica europeia, em geral).
De resto, tais regulamentos não relevam da liberdade contratual, pois não são propriamente um contrato, mas sim da auto-regulação privada. Seja como for, a liberdade negocial e a autonomia privada nunca foram ilimitadas.
Por outro lado, os que invocam a este propósito a liberdade de associação misturam alhos com bugalhos, o que é uma forma pouco séria de argumentar. Um condomínio não é expressão de liberdade de associação, onde as pesoas se agregam voluntariamente (aí, sim, há um contrato) para a prossecução de interesses comuns, podendo sair livremente. As pessoas pertencem a uma condomínio automaticamente, ao tornaram proprietárias de uma habitação sujeita ao regime de condomínio (designadamente, propriedade horizontal), independentemente da aceitação ou da vontade dos outros condóminos. Também é irrelevante a invocação do caso das discriminações dentro das confisões religiosas, porque quem delas é praticante aceita voluntariamente as respectivas regras internas (que mesmo assim também têm limites...); o que não podem é impor estas a toda a gente como norma de conduta externa.
PS - Para uma contribuição pertinente sobre o assunto ver também este post.