quarta-feira, 19 de janeiro de 2005

Embargo de armas

O embargo de armas foi imposto pela UE à R.P. China em 1989 na sequência do massacre de Tienanmen. Mantém-se porque se mantém, infelizmente, a prática de graves violações dos Direitos e liberdades fundamentais na China, apesar de alguma evolução e dos extraordinários progressos económicos e sociais realizados. Violações que sucessivos relatórios da UE, da ONU e de ONG internacionais credíveis confirmam ano após ano. Não obstante a pressão internacional - que foi fundamental para alguma evolução, apesar de tudo - ainda não se chegou a uma situação minimamente satisfatória em matéria de garantias e liberdades fundamentais na China. O embargo de armas da UE foi - é - um elemento importante desta pressão internacional.
Há cerca de dois meses o Parlamento Europeu pronunciou-se sobre esta matéria através de uma resolução que recomendou ao Conselho e aos Estados-membros que mantivessem o embargo da UE ao comércio de armas com a China e que não abrandassem as limitações nacionais em vigor no que diz respeito a essas vendas de armamento. Recomendou que o embargo fosse mantido até que se reúnam duas condições: 1) - que a UE aprove um Código de Conduta juridicamente vinculativo (o que não acontece ainda) regulando a exportação de armamentos e de instrumentos susceptíveis de serem utilizados em acções de repressão interna e tortura. 2) - que o Governo da R.P. da China tome medidas concretas para melhorar a situação dos Direitos Humanos no país, designadamente a través da ratificação do Pacto das NU sobre os Direitos Civis e Políticos e do pleno respeito pelos direitos das minorias.
Esta resolução contou com os votos dos vários quadrantes políticos, da direita à esquerda.
Perante este quadro, qual a razão para Portugal pôr em segundo plano a defesa dos valores e pôr-se do lado de quem defende o levantamento do embargo? Ao lado da Alemanha, interessada em vender automóveis e grandes projectos à China, ou da França, interessada na venda de armas?
Se abdicamos de pensar pela nossa cabeça e de agir em defesa dos valores, se é por uma lógica de interesses e pela "prudência" dos que têm medo de ficar isolados ou para trás, então porque não desta vez, ficar também ao lado dos EUA que defendem - e aqui, bem - a continuação do embargo?
Sinais políticos destes são contraproducente, pois encorajam a China a adiar as reformas políticas em matéria de Direitos Humanos, cada dia tornadas mais urgentes pelo prodigioso desenvolvimento económico e social do país.

PS - Sei do que falo. Em 1992, na Comissão dos Direitos Humanos da ONU, em Genebra, fui eu que tive a incumbência de, em nome de Portugal e da Presidência da UE, introduzir e defender um projecto de resolução - o primeiro - sobre os Direitos Humanos na China - por causa, justamente de Tienanmen. E do Tibete também.
Desde então, na minha carreira como diplomata em diversos postos e na ONU, incluindo no Conselho de Segurança, mantive as mais cordiais e intensas relações com colegas chineses, apesar de muitas vezes termos posições diferentes e nunca me eximir a expressar preocupações pela situação dos Direitos Humanos na China, incluindo no Tibete. Enquanto estive à frente do Departamento Internacional do PS, mantive frequentes contactos com altos responsáveis chineses, que muito prezo. Estive várias vezes na China - ultimamente, de férias em Shangai, há dois anos. E há três meses em Pequim, num Seminário sobre a reforma da ONU organizado pelo Comité Central do PC Chinês, onde defendi posições contestando muitas das perspectivas oficiais chinesas.
No PE não tive dúvidas em, já por diversas vezes, expressar a minha oposição ao levantamento do embargo de armas à R.P. China, pelo menos enquanto a UE não tiver em vigor um código de conduta vinculativo sobre exportações de armamento.
Se os responsáveis portugueses pensam que, a defender "prudentemente" o fim do embargo de armas a Pequim, ganham mais respeitabilidade junto dos seus homólogos chineses, bem podem desenganar-se. Faça-se-lhes justiça - os chineses sabem reconhecer quem tem a coragem de lhes dizer o que pensa.