O Procurador-Geral da República contestou a ideia de ter de dar conta perante a AR da execução da política criminal, sendo hoje citado pelo Público (link disponível só para assinantes) como tendo perguntado: «Como é que um órgão de soberania responde perante outro, se não depende dele?»
Ora, que se saiba, a PGR não é nenhum órgão de soberania, pelo que a observação citada é perfeitamente descabida. O PGR é nomeado pelo PR sob proposta do Governo, podendo ser demitido pelo mesmo processo, pelo que não é um órgão totalmente independente (o que suporia a inamovibilidade). Segundo a Constituição, a autonomia do Ministério Público exerce-se «nos termos da lei». Além disso, o Ministério Público, como titular da acção penal, está constitucionalmente obrigado a «participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania», ou seja, pela AR e pelo Governo, de acordo com as respectivas competências políticas e legislativas. Nada mais natural que o PGR deva informar e dar conta à AR, perante a comissão parlamentar competente, da execução da política criminal que ela mesma pode definir ou controlar (no caso de a sua definição competir ao Governo).
É uma simples questão de transparência e de "accountability" democrática, próprias de um Estado de Direito democrático e de um sistema de governo parlamentar. As dúvidas de Souto Moura são política e constitucionalmente despropositadas. Alguém com a devida autoridade deveria fazer-lho sentir.
PS - Quando Souto Moura foi chamado à AR há algumas semanas para se pronunciar sobre o célebre caso dos registos de tráfego telefónico constantes do processo Casa Pia (episódio que continua à espera de esclarecimento...), fê-lo por favor ou porque constituía seu dever fazê-lo?