terça-feira, 29 de maio de 2007

Respondendo a José Manuel Fernandes

1. No meu artigo de hoje no Público, intitulado "Imprensa Militante" escrevi:
«Num editorial de há dias, lia-se no PÚBLICO que "qualquer das alternativas [de localização do aeroporto na Margem Sul] fica mais perto de Lisboa do que a Ota" e que "qualquer das localizações [na Margem Sul] está mais próxima dos milhões de pessoas que [o aeroporto] deveria servir do que a Ota, mesmo para quem mora em concelhos como Cascais, Sintra ou Oeiras". Sucede que nenhuma dessas afirmações corresponde à realidade (pelo contrário!), pelo menos em relação ao famoso Poceirão, o miraculoso sítio recém-descoberto pelos adversários da localização oficialmente adoptada em 1999.
Quanto às distâncias, basta consultar uma fonte confiável e acessível na Internet, como o Guia Michelin, para verificar que a tal nova localização fica mais distante de Lisboa do que a Ota, sendo a diferença ainda maior em relação a todas as cidades a oeste e a norte de Lisboa, como Cascais, Sintra, Oeiras, Loures, Vila Franca de Xira, etc.
Quanto à população servida pelo aeroporto, o balanço a favor da Ota ainda é mais flagrante, dada a óbvia concentração da população a norte do Tejo. As estatísticas conhecidas confirmam que mais de três em cada quatro utentes do aeroporto de Lisboa residem aquém do Tejo, ou seja, mais perto da Ota, sendo a diferença de distâncias consideravelmente grande nas regiões do Oeste e do Centro e Norte do País, designadamente os distritos de Leiria, Santarém, Coimbra, etc., onde moram muitos mais utentes do aeroporto do que nos distritos do Sul. Todos ficam a mais 60-70 km do Poceirão do que da Ota, o que não é propriamente despiciendo.
Ora uma distância superior para a grande maioria dos utentes do aeroporto não significa somente menor acessibilidade, mas também mais tempo e mais despesas em viagens, incluindo em portagens. Multiplicado por milhões de utentes ao longo de dezenas de anos, seria um enorme custo adicional para a utilização do aeroporto se ele ficasse na Margem Sul, para especial proveito da Brisa e da empresa concessionária das travessias do Tejo em Lisboa.
2. José Manuel Fernandes foi lesto a responder, no seu editorial de hoje:
«Vital Moreira fez mal o trabalho de casa quando, para rebater um editorial do PÚBLICO, se socorreu apenas do ViaMichelin para afirmar que a Ota fica mais perto de Lisboa do que as localizações alternativas para o novo aeroporto. É que o estudo entregue ao Governo lembra que a Ota fica a 48 quilómetros da capital, enquanto as localizações designadas por "Poceirão" distam entre 30 e 37 quilómetros de Lisboa e as baptizadas de "Faias" entre 27 e 39 quilómetros. Também não lhe fica bem falar dos eventuais "interesses" da Brisa na Margem Sul quando os planos de acessibilidades da Ota prevêem novas vias operadas, precisamente, pela Brisa. Era melhor ter olhado para os documentos antes de acusar outros de falta de rigor.»
3. José Manuel Fernandes (JMF) não tem nenhuma razão.

a) Quanto às distâncias, indiquei as minhas fontes, cujo crédito é incontestável e que qualquer um pode testar. Não conheço o "estudo" invocado por JMF, cuja fonte ele não indica. Seja como for, não vejo como é que se pode mudar a geografia. Os factos são o que são, de acordo com o Via Michelin: Lisboa (Portela)-Ota: 44Km, Lisboa-Poceirão: 45Km; Oeiras-Ota: 71Km; Oeiras-Poceirão: 81Km; Sintra-Ota: 74 Km, Sintra-Poceirão: 92 Km; Santarém-Ota: 53Km, Santarém-Poceirão: 104Km; Leria-Ota: 105Km, Leiria-Poceirão: 179Km. Só no caso de Lisboa (Portela) é que a distância do Poceirão é praticamente idêntica, mas não muito menor, como JMF sustentou.

b) JMF não respondeu à outra questão, essa sim essencial, relativa à maior proximidade dos utentes em relação ao aeroporto e aos menores custos de utilização, factor que manifestamente favorece a Ota, dada a concentração populacional a Norte do Tejo (mesmo não contando Lisboa, que tem pouco mais de meio milhão de habitantes e está a perder população para as cidades à volta). Aqui, ainda não há nenhum estudo desconhecido a "provar" o contrário. É mais fácil "deslocalizar" uma povoação no mapa do que mudar a população do Norte para Sul do Tejo....

c) Maiores distâncias significam mais tempo e maiores custos de transporte. Se o aeroporto ficasse no Poceirão, todos os utentes residentes a Norte da Ota teriam de suportar a mais a portagem Carregado-Alverca (Brisa) mais a travessia do Tejo (Lusoponte) e a auto-estrada até ao Poceirão (Brisa), uns quatro euros a mais (em cada sentido). E mesmo no caso dos residentes em Lisboa, a alternativa seria entre a auto-estrada Alverca-Carregado (portagem: 1,15 euros) ou a travessia do Tejo (2,20 euros) mais a auto-estrada pelo menos até Pinhal Novo (0,70 euros) -- o Poceirão não tem ligação próxima à auto-estrada, que teria de ser construída, e paga --, o que daria 2,90 Euros , em cada sentido, portanto uma deslocação muito mais dispendiosa no segundo caso (mais do dobro).

d) Ao contrário do que referiu JMF, eu não denunciei nenhuns "interesses" da Brisa, mas sim os proveitos adicionais que a localização a Sul traria para as empresas concessionárias de auto-estradas e, sobretudo, para a concessionária das travessias do Tejo (que JMF omitiu, não sei porquê). O que disse, e mantenho, como acabo de provar, é que a localização do aeroporto a Sul implicaria muito mais despesas de transporte, incluindo portagens, para os utentes do aeroporto. Multipliquem-se por milhões de travessias por ano os adicionais de portagens que indiquei, e obtém-se uma bela maquia. Para a Lusoponte, em especial, o aeroporto no Poceirão significaria uma verdadeira mina de ouro.

4. Em suma, mesmo se não estivesse excluído à partida por motivos ambientais (o que os seus defensores omitem sistematicamente), o aeroporto a Sul, ainda que previsivelmente mais barato na construção, ficaria mais distante para grande parte dos seus utentes e muito mais caro na sua utilização para a esmagadora maioria deles.
José Manuel Fernandes faria melhor em não insistir nos erros que defendeu (um dos quais, aliás, abandonou agora, embora sem o dizer) e em não confundir as questões. Não lhe fica bem, dadas as responsabilidades jornalísticas que tem.

5. Corrigenda: ao contrário do que escrevi de passagem no artigo do Público, o Poceirão não fica no concelho de Almada , mas sim no de Palmela. Embora seja evidente o lapso, aqui fica a respectiva correcção.

[revisto]